INTRODUÇÃO
A Odontologia tem como principal desafio controlar a doença cárie, principalmente nos grandes centros
urbanos de países como o Brasil, onde a desigualdade social é uma realidade. Nesse contexto, o acesso a técnicas
modernas para o tratamento da lesão e a diminuição do índice da doença são as metas almejadas.
Desde o século XIX, as técnicas usadas na remoção da dentina cariada, que objetivam evitar a
instalação ou progressão das lesões de cárie, sofreram diversas mudanças. No início, seguia-se o princípio da
extensão preventiva proposto por Black em 1893, que preconizava a remoção de estrutura dentária sadia em
locais que, devido à anatomia dental (como fossas oclusais e contatos proximais), pudessem ser nichos de
retenção de biofilme. Atualmente, com o advento dos materiais restauradores adesivos e o desenvolvimento
das técnicas de mínima intervenção, esse princípio está ultrapassado e é considerado um método de remoção
de tecido cariado extremamente destrutivo (BENERJEE, 2000).
A preservação dos tecidos adjacentes à área afetada pela lesão e a capacidade reparadora do tecido
dentário são os principais fatores considerados, quando se pensa num tratamento com mínima intervenção.
O conceito da Odontologia minimamente invasiva é aplicado aos procedimentos que preservam o máximo de
tecido sadio na remoção da cárie e utilizam materiais restauradores com propriedades adesivas (MURDOCHKINCH; McLEAN, 2003).
As necessidades de preservar o tecido dental sadio, manter a homeostasia pulpar e causar o mínimo
desconforto ao paciente conduziram às pesquisas sobre novos métodos para a realização do preparo cavitário
(CAJAZEIRA; MIASATO, 2005).
REVISÃO DE LITERATURA
O método de remoção química e mecânica do tecido cariado, pesquisado há muitas décadas, foi
desenvolvido para tornar o tratamento mais confortável para o paciente, preservar o máximo de estrutura
dentária e manter a saúde pulpar. Os sistemas de remoção química e mecânica da lesão de cárie, lançados no
mercado desde a década de oitenta, foram pesquisados e melhorados e, em 2003, um produto nacional foi
lançado no mercado: o sistema Papacárie®, um gel à base de papaína e cloramina. A proposta desse produto
é tornar possível o uso do método de remoção química e mecânica do tecido cariado por toda a população,
devido ao seu baixo custo e fácil acesso, quando comparado com um sistema já utilizado mundialmente, o
Carisolv. A união dos três componentes básicos do gel de papaína confere a ele propriedades bactericidas,
bacteriostáticas e antiinflamatórias.
O Papacárie® é constituído por papaína, uma endoproteína da família das cisteínas proteolíticas, que
possui atividade bactericida, bacteriostática e antiinflamatória (CANDIDO, 2003) pela cloramina, um
composto de cloro e amônia com propriedades bactericidas e desinfetantes, utilizado para a irrigação de
canais radiculares (MARAGAKIS et al., 2001), e pelo corante azul de toluidina.
Para avaliar o potencial antimicrobiano em Streptococcus mutans e Lactobacilus, Pereira et al. (2004)
elaboraram um estudo comparativo entre o gel Papacárie e o Carisolv, no qual examinaram a dentina infectada,
removida de molares permanentes que apresentavam atividade cariogênica. As amostras foram cultivadas em
caldo BHI e semeadas em placas de Petri, nos diferentes meios. Observaram que o Papacárie mostrou maior
atividade antimicrobiana que o Carisolv.
Bussadori et al. (2004) avaliaram a biocompatibilidade, o potencial antimicrobiano e o padrão de
remoção do tecido cariado do Papacárie e do Carisolv, por meio de reação histológica do subcutâneo de ratos,
citotoxicidade em cultura celular e análise ao MEV. Concluíram que os dois materiais eram biocompatíveis e
apresentavam atividade antimicrobiana, com preservação da estrutura dentinária.
Para avaliar a biocompatibilidade do Papacárie, Silva et al. (2003) avaliaram diferentes concentrações de
papaína e cloramina em cultura de fibroblastos embrionários de ratos NIH-3T3, em curto e longo prazo.
Os resultados mostraram que, nas diferentes concentrações testadas, o produto não demonstrou ser citotóxico,
sendo portanto, biocompátivel com os tecidos orais.
Silva et al. (2004) demonstraram o protocolo de utilização do gel de papaína (Papacárie) em molares
decíduos. Concluiu que as propriedades da papaína contribuem para garantir ao produto o efeito atraumático da
remoção químico-mecânica e a preservação da estrutura dentinária sadia.
Motta et al. (2004) relataram que profissionais realizaram atendimento odontológico em duas
comunidades ribeirinhas do Pará, em um barco-clínica que percorreu o Rio Tapajós.
Avaliaram a aceitabilidade e o efeito da remoção química e mecânica utilizando o Papacárie. Fez-se
aproximadamente 270 procedimentos, dos quais 92 foram remoções de cárie com o uso de Papacárie sem
anestesia e restauração com cimento de ionômero de vidro. Concluíram que a utilização foi fácil e os pacientes
não relataram dor durante o procedimento. A utilização da técnica é favorecida em regiões distantes, pois
proporciona melhoria da qualidade de vida, de forma simples.
Este estudo in vitro teve o objetivo de avaliar os valores de fluorescência laser (DIAGNOdent ®/Kavo),
antes e após a remoção do tecido cariado, com dois métodos químico-mecânicos, Papacárie® (G1) e Carisolv
®(G2), e um convencional, instrumento rotatório em baixa rotação (G3). Foram utilizados 27 incisivos decíduos,
com lesão de cárie em dentina na face proximal, 9 para cada grupo. Foram realizadas 3 mensurações para cada
dente, antes e após a remoção da dentina cariada, nas mesmas áreas. Para análise estatística utilizou-se a Análise
de Variância e Teste de Tukey. As médias obtidas antes da remoção do tecido cariado foram 17,6, 20,2 e 21,5
respectivamente para os grupos 1, 2 e 3. Após os tratamentos, as médias foram de 12,3 (G1), 11,0 (G2) e 13,4
(G3). A análise estatística indicou não existir diferença entre os grupos (p>0,05), mas mostrou que os valores de
fluorescência obtidos após a remoção da dentina cariada foram significantemente menores que aqueles obtidos
antes dos tratamentos (p<0,05). Pode-se concluir que houve diferença nos valores de fluorescência da dentina
cariada e da dentina após remoção do tecido cariado, não havendo influência dos tipos de tratamento utilizados.
Ammari et al. (2005) compararam e eficácia da remoção da dentina cariada e m relação à quantidade de
microorganismos entre dois métodos de remoção químico-mecânica, o Papacárie e o Carisolv.
Avaliaram a necessidade do uso de anestesia local e compararam o tempo consumido. A pesquisa foi
realizada em dentes decíduos sem sinais clínicos e/ou radiográficos de envolvimento pulpar, de 18 pacientes,
entre 5 e 9 anos de idade. A amostra (N=32) foi dividida de forma randomizada em três grupos: GPA, grupo
Papacárie (N=10); GCA, grupo Carisolv (N=11); GCU, grupo da remoção com curetas (N=11).
A necessidade do uso de anestesia local foi avaliada atavés da escala das carinhas (PINKAHN, 1996), não
foi utilizada em nenhum grupo. O tempo consumido foi medido com um cronômetro.
A análise estatística (Kruskal-Wallis) revelou que não houve diferença significativa para o tempo entre os
grupos (p=0,30). Quanto à microbiologia houve diferença significativa para o tempo entre os grupos GCA e GPA
(p=0,03) e GCA e GCU (p=0,006) em relação à contagem de Lactobacilus sp. Em relação ao S.mutans não
houve (p=0,21).
Concluíram que o Carisolv foi o método mais eficaz em relação à redução de microorganismos
Lactobacilus sp viáveis em dentina.
CASO CLÍNICO
Dente 47,
Classificação 1.4
Antes e depois do tratamento
de remoção química e
mecânica com o gel Papacárie
e restauração com Ionômero
de vidro
Radiografia inicial
Aspecto clínico da lesão
CONTROLE
APÓS 1 MÊS
CONTROLE
APÓS
6 MÊSES
Controle radiográfico
Controle clínico
PAPACÁRIE EM AÇÕES SOCIAIS
Controle radiográfico
Controle clínico
Autores:
Carolina Evrard
Fernanda Aleto Kavaliou
Sandra Kalil Bussadori
Programas de Ação Social de Saúde foram desenvolvidos para levar a técnica de remoção químicomecânica, com o uso do sistema Papacárie, à populações carentes e constataram clinicamente os benefícios do seu
uso.
Recentemente, foi realizado um projeto em crianças e adolescentes que fazem parte da instituição
Associação Comunitária Monte Azul (ACOMA). Foram examinados 358 alunos e dentre os indivíduos examinados
27% necessitavam de algum tratamento. Foram selecionados para a pesquisa, pacientes de ambos os sexos, na
faixa etária de três a quinze anos.
Destes, 27 pacientes possuíam lesão de cárie sem comprometimento endodôntico, que foram incluídos no
projeto. No total 47 dentes (41 decíduos e 6 permanentes) foram tratados e acompanhados clínica e
radiograficamente, por um período de 1 a 6 meses. Antes de realizar o tratamento, os pais e os responsáveis
receberam os esclarecimentos sobre o estudo e autorizaram a sua realização, através da assinatura do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido.
Realizou-se a técnica de remoção química e mecânica da cárie por meio do gel Papacárie®. Na restauração
da cavidade utilizou-se o cimento de ionômero de vidro fotopolimerizável, Vitro Fill-LC (DFL). Por meio do presente
estudo, foi possível constatar que o uso do gel de papaína (Papacárie®) na remoção química e mecânica da dentina
infectada, favoreceu a remoção da lesão de cárie de forma indolor, tanto em dentes permanentes quanto em dentes
decíduos, o que contribuiu para o restabelecimento da saúde bucal em uma população de crianças e adolescentes,
de uma instituição localizada na periferia de São Paulo.
O número de pacientes com a doença cárie em comunidades carentes é alto, e por isso é necessário realizar
um trabalho eficiente e de qualidade, com uma técnica simples e acessível, como a empregada. Devolver a saúde e
valorizar a auto-estima de crianças e adolescentes, que se encontram em uma situação social menos favorecida é
um dever dos profissionais da saúde.
PARCERIA UNIVERSIDADE E ÓRGÃOS PÚBLICOS
DEPOIMENTO
Drª Márcia Pinto
da Fonseca Tubel
Diretora do Curso de
Odontologia da
Univ. Metropolitana
de Santos (UNIMES)
Para a diretora do Curso de Odontologia da Universidade Metropolitana de Santos
(UNIMES) o trabalho social e comunitário realizado pelos alunos e professores da Instituição,
contribui significativamente para uma sociedade mais justa e humana no que se refere a
autoestima das pessoas, principalmente aquelas que não tem condições financeiras e não
conseguem atendimento em algum orgão público. Quanto ao desenvolvimento do Papacárie
nos laboratórios da Faculdade de Odontologia, segundo Márcia Tubel, é um reconhecimento
pelas ações desenvolvidas no campo da pesquisa voltada para a responsabilidade social que
uma Instituição de Ensino Superior deve ter.
“A UNIMES através da Drª Sandra Kalil conseguiu demonstrar cientificamente, que o
Papacárie ajuda a resolver o problema, e o mais interessante é que ele pode ser usado em larga
margem de ação, justamente pelo seu custo benefício, ou seja, para uma população mais
desprovida, mais carente...existe um abismo entre o pobre e o rico, basta apenas que as
autoridades reconheçam a importâcia social do produto” diz a diretora. Os trabalhos
comunitários realizados pela Universidade na região de Santos foram tão bem aceitos pela
população que acabou resultando numa parceria com a Prefeitura Municipal de Santos, que
adotou o uso do Papacárie® na rede municipal.”
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