Texto de apoio ao curso de Especialização Atividade física adaptada e saúde Prof. Dr. Luzimar Teixeira Aspectos clínicos das encefalites e meningites virais Abelardo Queiroz-Campos Araújo, M.D., M.Sc., Ph.D. Medstudents' Homepage Introdução Santuário ao sistema imune, o cérebro pode ser considerado um órgão privilegiado imunologicamente. Desprovido de sistema linfático, com raras células imunocompetentes trafegando pelo seu parênquima e com apenas 0,5% da quantidade de anticorpos presentes no soro, o sistema nervoso central (SNC) deveria ser alvo fácil para infecções virais. Muitos vírus, quando inoculados diretamente no parênquima nervoso se replicam com facilidade. A infecção resultante é usualmente grave. O mesmo não ocorre quando esta se dá em órgãos extra-neurais. Exemplo notório deste fato está na infecção pelo vírus herpes simples que, quando inoculado no tegumento cutâneo, provoca apenas pequenas vesículas, habitualmente sem maiores conseqüências, ao passo que a sua inoculação no cérebro ocasiona uma gravíssima encefalite necrosante. A despeito desta vulnerabilidade potencial a maioria das infecções virais sistêmicas não envolve o sistema nervoso. Isto provavelmente se dá pelo significativo grau de proteção física do SNC à exposição viral (barreira hematoencefálica) e pela grande eficácia do sistema imune em eliminar partículas virais em circulação. Um bom exemplo disso, é o fato de menos de 1% das crianças, não vacinadas, infectadas pelo vírus da poliomielite virem a desenvolver manifestações neurológicas. Apesar dos formidáveis avanços tecnológicos nos métodos diagnósticos em neurologia nos últimos anos, a metodologia que associa a anamnese ao exame físico continua sendo insuperável no esclarecimento de qualquer caso de neuroinfecção. Esta regra se aplica particularmente aos casos de encefalites e meningoencefalites virais onde o diagnóstico permanece sendo primariamente clínico. Em países como o Brasil, com poucos laboratórios capacitados no diagnóstico específico de infecções virais, esta assertiva toma ainda um maior vulto. Passaremos, a seguir, a rever as principais características clínicas das meningites e encefalites virais agudas. Fogem ao escopo desta breve revisão, meningites e encefalites virais crônicas ou recorrentes como a panencefalite esclerosante subaguda (causada pelo vírus do sarampo), a leucoencefalopatia multifocal progressiva (pelos papovavírus JC ou SV-40), a meningite de Mollaret (pelo herpes simples tipo 2) e as encefalomielites pós-virais. Fatores predisponentes A grande maioria dos indivíduos com meningites ou encefalites carece de fatores predisponentes. Exceções a esta regra são os pacientes com imunodeficiência congênita ou adquirida (SIDA) que exibem maior predisposição a infecções virais raras e graves do SNC. Deve-se também ter em mente que a maioria das meningites virais ocorre em crianças e que estas, quando desnutridas e/ou prematuras exibirão sempre algum grau de imunodeficiência. Sintomatologia geral ou prodrômica O período de incubação da maioria das doenças neurológicas agudas induzidas por vírus varia de algumas horas a algumas semanas. Sintomatologia prodrômica geral, de caráter inespecífico, pode anteceder e acompanhar o cortejo sintomático neurológico. São acompanhantes comuns das encefalites e meningoencefalites o mal-estar generalizado, a anorexia, os vômitos, as mialgias, a fotofobia e a febre (raramente superior a 40o C). Alguns agentes etiológicos podem se acompanhar de manifestações mais específicas como calafrios (geralmente considerados, pelos mais desavisados, como sinalizadores de infecção bacteriana), faringite, tosse seca, exantema, dor abdominal ou diarréia. Outras queixas mais específicas podem estar presentes. Pacientes com encefalite pelo rabdovírus, por exemplo, podem se queixar de parestesias no local da inoculação viral. Meningites As meningites por vírus são, a grosso modo, as infecções virais mais comuns do SNC. Apesar de habitualmente utilizado como sinônimo de meningite viral, o termo meningite asséptica inclui outras etiologias como bactérias de difícil cultivo (v.g., Leptospira, Treponema, Mycoplasma) e parasitas (Toxoplasma) devendo, por este motivo, ser evitado. Conforme pode ser depreendido da (Tabela 1) o quadro clínico das meningites virais, quando completo, não oferece grandes dúvidas diagnósticas. Ocorre que num significativo número de casos os sinais e sintomas podem se manifestar de forma incompleta ou atípica, levando freqüentemente a confusões. Muitos dos sintomas encontrados nas meningites e encefalites se sobrepõem tornando o diagnóstico diferencial, por vezes, difícil. Na realidade, a maior parte das meningites tem um certo grau de acometimento encefálico, sendo, portanto, melhor denominadas de meningoencefalites. O contrário - i.e., encefalites cursando com sinais meníngeos também ocorre com freqüência, embora o cortejo sintomático resultante do acometimento primário do encéfalo habitualmente se superponha à sintomatologia meníngea. O intervalo entre o início da sintomatologia sistêmica e o cortejo sintomático neurológico nas meningites virais varia de horas a dias, em geral não ultrapassando uma semana. Na maioria dos casos o início da doença é súbito, caracterizado por cefaléia intensa, febre e rigidez nucal. Os pacientes com meningites virais não aparentam uma doença tão grave quanto os com meningites bacterianas e isso pode ser de extrema importância na decisão terapêutica inicial. Algumas características clínicas particulares podem sugerir o diagnóstico etiológico nas meningites virais, conforme pode-se deduzir da Tabela 2. Pacientes com meningites por enterovírus (os principais agentes etiológicos das meningites virais nos EUA, onde a cachumba tornou-se, com a vacinação rotineira, doença rara) podem apresentar em qualquer fase da doença pericardite, miocardite, polimiosite, orquite, nefrite, herpangina, conjuntivite, síndrome hemolítico-urêmica e diabetes mellitus insulinodependente. A concomitância destes acompanhantes pode, portanto, facilitar a orientação quanto ao diagnóstico etiológico. O vírus da cachumba é considerado o principal agente causal de meningites virais no mundo (excetuando-se os EUA e outros países desenvolvidos). Sabe-se que cerca de 50% dos indivíduos com cachumba apresentam pleocitose liquórica em alguma fase da doença. Destes, uma significativa proporção desenvolverá sintomatologia meníngea. Apesar desta geralmente ocorrer 2 a 10 dias após o início da parotidite pode, em raras instâncias, a ela se antecipar ou mesmo surgir isoladamente, tornando o diagnóstico etiológico extraordinariamente difícil. Em pacientes com cachumba e quadro caracterizado principalmente por comprometimento do sensório deve-se também pensar na possibilidade de encefalite por este vírus. Nas meningites - e também nas encefalites - virais os achados ao exame clínico do paciente variarão em função da idade do indivíduo acometido, do agente etiológico, da presença de fatores complicadores e da gravidade da doença. Crianças e idosos, por exemplo, costumam apresentar quadros mais atípicos, às vezes sem febre e com escassos sinais de irritação meningorradicular (alguns evoluindo até sem queixa de cefaléia). As crianças representam, em especial, por vezes, um grande desafio diagnóstico uma vez que podem apresentar sintomatologia vaga, ocasionalmente caracterizada tão somente por recusa à alimentação, vômitos, irritabilidade, choro fácil ou letargia. Embora o quadro clínico das meningites virais seja praticamente o mesmo, independentemente do vírus envolvido, por vezes alguns sinais clínicos característicos podem apontar para o agente específico (Tabela 2). Deve, portanto, o clínico estar familiarizado com estes sinais especiais. Pacientes com meningites virais, apesar de aparentarem doença aguda, com significativo desconforto, irritabilidade, cefaléia intensa e, por vezes leve sonolência, estarão sempre alertas e orientados. A presença de sinais de lateralização ou convulsões focais levantam suspeitas quanto ao real diagnóstico. Estes sinais ocorrem mais comumente nas meningites bacterianas (geralmente associadas a vasculites) ou nas encefalites. Nestas, ao contrário das meningites, o sensório é perturbado prematuramente podendo o paciente evoluir para o coma de forma rápida e precoce. Finalmente, nunca será demais lembrar que, por serem sinais nosciceptivos, os sinais de irritação meníngea podem desaparecer nos pacientes em coma profundo. Encefalites virais Embora menos freqüentes que as meningites (a cada ano, nos EUA, cerca de 1.000 a 5.000 casos novos de encefalites são notificados aos Centers for Disease Control CDC), as encefalites por vírus apresentam um maior potencial de gravidade. O diagnóstico de uma encefalite não oferece maior resistência nas grandes epidemias ou nos casos de pacientes oriundos de áreas endêmicas a determinados arbovírus. Casos esporádicos, por sua vez, podem ser extremamente difíceis ao clínico, principalmente no que tange ao diagnóstico diferencial com encefalopatias metabólicas. A presença de febre, cefaléia, síndrome mental flutuante, sinais neurológicos focais e convulsões parciais favorecerão a etiologia infecciosa. A característica mais marcante que distingue as encefalites das meningites é o acometimento predominante e precoce do sensório. Este pode variar desde a leve confusão mental até o delírio, torpor e coma, conforme mostra a Tabela 1. Importante fato que não deve escapar à atenção do médico é o de que determinadas encefalites virais tendem a exibir uma preferência geográfica ou sazonal - caso das encefalites por arbovírus - ou, ainda, por determinadas faixas etárias - caso do coxsackie B, ECHO e citomegalovírus, que preferem os neonatos. Indivíduos imunocomprometidos, por sua vez estão mais sujeitos a encefalites pelos vírus herpes, do sarampo, adenovírus, ECHO e HIV. A mais freqüente encefalite esporádica no mundo atual parece ser devida à infecção pelo vírus herpes simples tipo 1. De curso extremamente grave quando não tratada, esta encefalite, infelizmente, não apresenta qualquer característica clínica que a distinga das demais. Desta maneira, diante de qualquer caso de encefalite esporádica, deve-se manter um elevado índice de suspeição quanto à etiologia herpética. De acordo com estudos multicêtricos realizados nos EUA na década de 80, apenas 1/3 dos pacientes com suspeita clínica de encefalite herpética tinham realmente este diagnóstico. Os principais agentes etiológicos encontrados nestes casos foram o Cryptococcus, a Listeria, o bacilo de Koch, o Toxoplasma, a Sarcoidose e os abscessos cerebrais. Deve-se ressaltar, portanto, a importância do estabelecimento do diagnóstico definitivo nestes indivíduos uma vez que, na sua maioria, são passíveis de tratamento específico. Evolução Nas meningites virais, na imensa maioria dos casos, a sintomatologia cede em poucos dias de forma que a maior parte dos pacientes estará assintomático ao cabo de duas semanas. Raramente estes indivíduos desenvolverão seqüelas embora algumas pessoas queixem-se de fraqueza generalizada, fadiga e tonteiras por algumas semanas ou, até mesmo, meses após o término da doença. Estudos recentes, de acompanhamento de crianças que tiveram meningites virais com menos de um ano de idade, sugerem que o quadro pode não ser tão benigno quanto inicialmente aventado e que estas crianças podem apresentar dificuldades de aprendizado no futuro. Mais raramente ainda podem se estabelecer seqüelas tais como retardo mental, surdez, estenose aquedutal e paralisias de nervos cranianos. O prognóstico nas encefalites dependerá do agente causal. Algumas encefalites por arbovírus deixam graves seqüelas como demência, convulsões e sinais deficitários focais em até 50% dos casos (v.g., eqüina ocidental, Japonesa B, do vale de Murray e da primavera-verão Russa). Outras têm curso relativamente benigno (v.g., Venezuelana e do Colorado). A encefalite pelo vírus da raiva, por sua vez, será invariavelmente fatal. Pacientes que sobrevivem à encefalite herpética com freqüência também desenvolvem seqüelas motoras, distúrbios de comportamento ou epilepsia. O uso precoce de aciclovir parece reduzir a incidência destas complicações. Em resumo, pode-se dizer que a judiciosa observação clínica feita por médico atento às principais características peculiares aos agentes virais mais freqüentemente causadores de meningites e encefalites ainda é o principal instrumento diagnóstico nestas condições mórbidas. Leitura recomendada • • • • • Bale Jr. JF. Meningitis and Encephalitis. In: McKendall RR & Stroop WG, eds. Handbook of Neurovirology. New York: Marcel Dekker, 1994: 141-158. Davis LE. Nervous system complications of systemic viral infections. In: Aminoff MJ, ed. Neurology and General Medicine. 2a ed. New York: Churchill Livingstone, 1995: 731-756. Hoffman PM, Fleming JO. Neurovirology. In: Bradley WG, Daroff RB, Fenichel GM & Marsden CD, eds. Neurology in Clinical Practice. Vol. 1. Boston: Butterworth-Heinemann, 1991: 595-609. Johnson RT. Viral infections of the nervous system. New York: Raven Press, 1982. Wood M & Anderson M. Neurological infections. London: WB Saunders, 1988.