Gabinete do Conselheiro Antônio Carlos Andrada
PROCESSO N. 709.101
NATUREZA: REPRESENTAÇÃO
ÓRGÃO: POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE MINAS GERAIS
Tratam os presentes autos de representação, com pedido de liminar, formulada
pela empresa PANFLOR EMPREENDIMENTOS LTDA, sediada na cidade do
Rio de Janeiro/RJ, em face da decisão do Chefe de Polícia Civil do Estado de
Minas Gerais que desclassificou a representante e classificou a empresa ISABEL
CRISTINA CAMARGOS COIMBRA-ME em primeiro lugar na licitação
modalidade Pregão Presencial n.º 319/2005 - promovida pelo órgão em epígrafe,
cujo objeto é a contratação do fornecimento de alimentação a presos condenados
e/ou provisórios aguardando julgamento e policiais na Unidade de Polícia Civil
CERESP/Gameleira, conforme especificações dos anexos do edital.
Consoante a ata do pregão presencial, acostada às fls. 70 a 73, foram
classificadas as propostas de ISABEL CRISTINA CAMARGOS COIMBRAME; HELIO MENDES MAGALHÃES E PANFLOR EMPREENDIMENTOS
LTDA, na ordem crescente de preços. Posteriormente, na fase de habilitação,
foram desclassificadas as duas primeiras empresas pela pregoeira, restando a
empresa PANFLOR EMPREENDIMENTOS LTDA como única classificada no
certame.
Em ata, consignou a empresa ISABEL CRISTINA CAMARGOS COIMBRAME seu desejo de apresentar recurso contra sua desclassificação, interposto
tempestivamente, conforme documentos de fls.75 a 86. A representante juntou
contra-razões recursais, fls. 105 a 117. O recurso foi julgado improcedente pela
1
Gabinete do Conselheiro Antônio Carlos Andrada
pregoeira, fl. 119, decisão ratificada pelo diretor de material e patrimônio, fls.
124 a 131.
Inconformada com essa decisão, a empresa ISABEL CRISTINA CAMARGOS
COIMBRA-ME, interpôs RECURSO de RECONSIDERAÇÃO, protocolizado
em 13/02/2006, diretamente ao Chefe de Polícia, que deu provimento ao recurso,
desclassificando a representante e classificando a referida empresa em primeiro
lugar no certame em comento – publicação no “Minas Gerais” em 18/03/2006,
fl. 133.
A partir desse quadro, insurge-se a representante contra suposta ilegalidade do
ato do Chefe de Polícia, que poderia ter desbordado de suas competências ao
reformar a decisão da Pregoeira, decisão esta ratificada pelo Diretor de Material
e Patrimônio – autoridade responsável pelo edital e pela homologação do
certame.
Em sua argumentação, em síntese, alegou a representante, falta de amparo legal e
intempestividade do recurso interposto, improcedência do pedido, cerceamento
de defesa e impossibilidade de revisão da decisão exarada pelo Chefe de Polícia
Civil.
Inferiu-se, do exame inicial da representação, que não fora comprovado, de
plano, o prejuízo na demora da concessão da tutela pretendida ( periculum in
mora).
2
Gabinete do Conselheiro Antônio Carlos Andrada
Nesse sentido, ad cautelum, os autos foram encaminhados ao órgão técnico, que
apontou a necessidade de se verificar a atual situação da prestação do serviço
licitado junto à Polícia Civil, a fim de subsidiar o posicionamento desta Corte.
Diante do exposto, foram os autos convertidos em diligência, intimando-se, por
meio de Oficial Instrutivo, o Chefe de Polícia Civil e o Diretor de Divisão de
Material e Patrimônio, para que fornecessem informações acerca do estado em
que se encontrava o fornecimento de alimentação ao CERESP.
Cumprida a diligência e verificada a ausência dos pressupostos que autorizariam
a concessão da medida, em sessão da Segunda Câmara, de 02/05/2006, foi
indeferida a liminar requerida, sendo os autos encaminhados ao órgão técnico
para que procedesse ao exame da documentação juntada.
Não satisfeita com a decisão proferida pela Segunda Câmara, que negou
provimento
à
concessão
da
liminar
requerida,
a
empresa
Panflor
Empreendimentos Ltda interpôs Pedido de Reconsideração, em 16/05/2006,
protocolizado sob nº 146869-2.
Inicialmente, cabe esclarecer que, a meu juízo, o instrumento tecnicamente
adequado para hostilizar a decisão que indeferiu a medida liminar requerida pela
representante não se trata de Pedido de Reconsideração, e sim de Agravo.
O agravo, diferentemente do recurso de reconsideração, será interposto contra
despacho interlocutório, ordinário do Presidente ou do Relator, ou contra
3
Gabinete do Conselheiro Antônio Carlos Andrada
decisões não definitivas do Tribunal Pleno ou das Câmaras, nos termos do art.
250 do referido Regimento.
Neste sentido, consoante os ensinamentos de Antônio Cláudio da Costa
Machado, em “Código de Processo Civil Interpretado”, fl. 748, o agravo pode ter
por objeto uma provisão jurisdicional de urgência, constituindo-se uma medida
liminar cautelar concedida ou denegada, uma antecipação de tutela, também
concedida ou denegada, ou medida liminar puramente antecipatória.
No caso em tela, o indeferimento da concessão da liminar requerida não constitui
decisão de mérito, cabendo, pois, contra ela a interposição de agravo.
Diante do exposto, nos termos da certidão expedida pela Secretaria Geral e pelo
princípio da fungibilidade, recebo a documentação em exame como agravo por
tempestivo.
A questão da concessão da liminar ora pretendida para além da argumentação
aduzida pela representante, diz respeito à própria competência do TCMG, em
matéria de licitação e contratos administrativos.
É que, embora possa parecer que o TCMG atue nessa seara, tutelando o interesse
individual do representante (licitante), isto, de fato, não acontece, porquanto o
interesse do controle externo é o interesse da sociedade.
Nesse diapasão, quando o TCMG verifica a regularidade dos certames
licitatórios não o faz para determinar que a Administração contrate ou não
4
Gabinete do Conselheiro Antônio Carlos Andrada
contrate com eventual licitante, mas sim para declarar se o certame atende ou
não atende ao que dispõe o ordenamento jurídico. Eventual interesse individual
que se pretenda ver tutelado deve ser objeto de ação no âmbito do Poder
Judiciário, órgão a que está afeta a competência para solver conflitos e tutelar
interesses individuais.
Ora, neste caso, percebe-se que o interesse que a representante traz à tona no
pedido formulado em sua exordial é individual, descabendo ao TCMG decidir
que a Administração contrate consigo. A esta Corte caberia sustar os efeitos do
ato do Chefe da Polícia Civil, desde que o contrato não houvesse sido assinado,
determinando as correções adequadas no procedimento.
Portanto, o escopo de abrangência da atuação das Cortes de Contas situa-se no
plano da eficácia e não da validade. A conseqüência prática disto é que, caso o
agente público insista em continuar executando ato cuja prática foi sustada pelos
Tribunais de Contas, o fará por sua conta e risco, respondendo objetivamente
pelas suas conseqüências, inclusive eventual necessidade de ressarcimento de
valores ao erário, após a apuração de responsabilidade em processo próprio.
Dessa forma, a posição a ser adotada pelo Tribunal de Contas de Minas Gerais é
binária, vale dizer, o pronunciamento é no sentido da regularidade ou da
irregularidade do procedimento.
Também se deve registrar que ao Tribunal de Contas de Minas Gerais não
compete declarar a validade ou invalidade dos atos da Administração,
5
Gabinete do Conselheiro Antônio Carlos Andrada
competência esta que cabe à própria Administração (no exercício do poder de
auto tutela) ou ao Poder Judiciário, se for provocado para tanto.
O que se quer dizer é que, em outros termos, a teor do disposto no art. 71, IX e X
e § I da Constituição, ao TCMG compete sustar a eficácia de atos
administrativos ilegais quando isto efetivamente for possível, mas não declarar
sua invalidade ou sua validade.
Por demais, vale dizer que a competência de sustação do TCMG antes da
assinatura do contrato pressupõe o caso das licitações que ainda não tenham
dado azo à contratação, pois se o contrato está firmado, a competência sustatória
é do Poder Legislativo.
Neste sentido, ao compulsar os autos e a documentação acostada, verifica-se que
o contrato já foi firmado, de sorte que a competência para sustá-lo é do Poder
Legislativo, conforme já aludido.
Logo, não é possível que o TCMG, em sede da liminar, suspenda licitação,
como, aliás, deveria ter requerido a representante, posto que já findada.
Entretanto, não obstante toda essa reconstrução teórica aqui desenvolvida, em
que resta clara a impossibilidade do Tribunal de Contas conceder a tutela nos
termos propostos pela recorrente, não poderia deixar de tecer algumas
considerações afetas ao caso que ora se apresenta a esta Corte.
Em uma primeira análise, não se pode olvidar de mencionar uma série de
indícios de irregularidades que carreiam, per si, o condão de macular todo o
6
Gabinete do Conselheiro Antônio Carlos Andrada
procedimento licitatório e conseqüentemente a execução dos contratos e a
realização das despesas dele decorrentes.
Aspecto essencial, sem prejuízo de um maior aprofundamento posterior em
questões de ordem técnica do procedimento - referentes, por exemplo, a
cláusulas editalícias - e do processamento dos contratos, diz respeito ao próprio
ato do Chefe de Polícia que desclassificou a representante e adjudicou o objeto à
empresa Isabel Cristina Camargos Coimbra-ME- que aliás encontra-se impedida
de fornecer a alimentação, em função de sua interdição pela vigilância sanitária.
Ora, ab initio, cabe aqui fazer uma breve digressão sobre o processamento dos
recursos na modalidade Pregão. Neste, como a decisão de inabilitar o licitante é
do pregoeiro (vide art 9º da Lei Estadual 14.167/02 e art 7º do Decreto 42.416/02
que regulamenta a lei), a este deverá ser dirigido o recurso, que caso não provido
deverá encaminhá-lo para autoridade competente. Esta deve ser entendida como
aquela responsável pela licitação, ou em outros termos, aquela que homologa o
certame, para que, em sede final e definitiva, decida sobre a procedência ou não
do recurso. Encerra-se, aí, pois, o processamento do recurso hierárquico cabível
à espécie.
No caso sub exame, verifica-se que a autoridade responsável pela licitação – Ata
de Realização do Pregão Presencial de fls 119 a 122 - foi o Diretor da Divisão
de Material e Patrimônio, sendo este o responsável pela última palavra recursal
no certame em comento. Ressalta-se ainda, que não cabe a esta Corte discutir tal
fato, pois não cabe a ela imiscuir-se na esfera de distribuição de competência
7
Gabinete do Conselheiro Antônio Carlos Andrada
interna da Polícia Civil para processamento de licitações e ordenamento de
despesas.
Entretanto, em função da aplicação subsidiária da Lei 8666/93 à modalidade
pregão, poder-se-ia considerar a hipótese do cabimento de recurso interposto
diretamente à autoridade máxima da Polícia Civil, como representação, a teor do
art. 109, inciso II, da Lei 8666/93, ainda que com reservas, ou mesmo como
direito de petição, em função do mandamento constitucional insculpido no art.
5º, XXXIV, a da CR/88, e não como pedido de reconsideração, pois não há
como alguém reconsiderar algo que não decidiu.
Não obstante a consideração de tais possibilidades, necessário ainda é que se
observasse a questão da tempestividade da interposição dos mesmos. Ora, a se
aceitar que quaisquer manifestações de irresignação quanto a decisões da
Administração possam se dar a qualquer tempo, sem limites, parâmetros ou
balizas, estaria-se a subverter de forma até irresponsável a segurança jurídica que
devemos tutelar. Nesse sentido, como se observa dos autos, o “recurso” foi
interposto quase que 30 dias após a manifestação da autoridade competente
(Diretor da Divisão de Material e Patrimônio), portanto nem mesmo pelo
princípio da fungibilidade poder-se-ia conhecê-lo como tempestivo.
Por fim e por demais, ainda que do recurso fosse dado conhecimento, caberia ao
Chefe de Polícia tão somente dar provimento ao mesmo, determinando que os
autos fossem baixados a quem de direito para dar cumprimento à sua decisão, e
não, ele próprio inabilitar quem quer que seja e adjudicar o objeto a um terceiro.
8
Gabinete do Conselheiro Antônio Carlos Andrada
Entendi necessárias essas considerações no intuito de alertar ao Sr. Chefe de
Polícia de que, quando da análise do mérito, em virtude dos veementes indícios
de irregularidades, poderá e deverá o TCMG sindicar a licitude da licitação
como um todo e do contrato para, se for o caso, imputar ao responsável pelo
prosseguimento da licitação as penalidades previstas
na LC 33/94 e no
RITCMG, sem prejuízo da imputação de ressarcimento, se verificado após o
devido processo legal, dano ao erário na contratação.
VOTO
Pelo exposto, nego provimento ao agravo por perda de seu objeto, haja vista o
exaurimento da competência desta Corte de Contas na concessão da tutela nos
termos pretendidos.
Entretanto, à vista dos indícios de graves irregularidades relacionadas ao
processamento do certame licitatório, solicito ao Exmo Conselheiro Presidente a
realização de inspeção extraordinária em regime de urgência para apuração do
procedimento ora em comento e da execução dos contratos dele decorrentes, não
sem antes recomendar, desde logo, ao Chefe de Polícia que adote medidas
saneadoras do procedimento, sem prejuízo da ciência dos fatos à Assembléia
Legislativa, nos termos do art. 76, § 1º da CE/89 - em virtude do contrato de
fornecimento já estar em execução - e à Promotoria do Patrimônio Público para
as providências que entender cabíveis.
Dê-se ciência do inteiro teor desta decisão à empresa Panflor Empreendimentos
LTDA.
9
Gabinete do Conselheiro Antônio Carlos Andrada
Em seguida, encaminhem-se os autos à Secretaria da Segunda Câmara para que
proceda à juntada da documentação referente ao agravo interposto.
É como voto.
Conselheiro Antônio Carlos Andrada
Relator
10
Download

Leia o voto na íntegra - Conselheiro Antônio Carlos Andrada