Gabinete do Conselheiro Antônio Carlos Andrada PROCESSO N.º: 809502 NATUREZA: Consulta PROCEDÊNCIA: Vasco Praça Filho (Prefeito do Município de Paracatu e Presidente da Associação dos Municípios da Microrregião do Nordeste de Minas, à época) RELATÓRIO Tratam os presentes autos de Consulta formulada pelo Sr. Vasco Praça Filho, Prefeito do Município de Paracatu e Presidente da Associação dos Municípios da Microrregião do Nordeste de Minas, por meio da qual elabora os seguintes questionamentos, in verbis: “(...) 1 – Podem os municípios componentes da Associação Microrregional vincularem percentual do FPM para fazer face às contribuições mensais à Associação? 2 – A Associação de Municípios entra no conceito de órgão ou fundo descritos no art. 167, IV da Constituição Federal? 3 – A contribuição de município a Associação de Municípios entra no conceito de despesa descrita no art. 167, IV da Constituição Federal? Esclarecemos a este sodalício que a questão sob item 1 foi decidida positivamente nas sessões de 16/03/94, 14/04/94, 28/04/94, 11/05/94, 14/06/94, no exame da consulta 142.730-0/94. 1 Gabinete do Conselheiro Antônio Carlos Andrada Em que pese os fundamentos jurídicos não terem mudado, com a resposta a consulta 442.904 sessão de 01.03.2000, e edição da súmula 96 TCE/MG; ambos contrários a vinculação de receitas públicas, ficou dúvidas a alguns municípios se aquele posicionamento se mantém. (...)” É o relatório, em síntese. À Secretaria do Pleno. Incluir em pauta. Tribunal de Contas, em 05/05/2010. Conselheiro Antônio Carlos Andrada Relator LCB 2 Gabinete do Conselheiro Antônio Carlos Andrada PROCESSO N.º: 809502 NATUREZA: Consulta PROCEDÊNCIA: Vasco Praça Filho (Prefeito do Município de Paracatu e Presidente da Associação dos Municípios da Microrregião do Nordeste de Minas, à época) FUNDAMENTAÇÃO PRELIMINAR Verifico, nos termos constantes da petição inicial, de fl. 01, que o Consulente é parte legítima para formular a presente Consulta, e que o seu objeto refere-se a matéria de competência desta Corte, nos termos dos arts. 210 e 213 do RITCMG. Portanto, conheço desta Consulta. MÉRITO O inciso IV, do art. 1671, da Carta Magna, veda a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa. Essa vedação é conhecida como Princípio da NãoVinculação ou da Não-Afetação de Receitas. Sobre a aplicação desse princípio aos recursos do Fundo de Participação dos Municípios – FPM, a Consulta nº 142.730-0, 1 “Art. 167. São vedados: (...) IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo.”[grifos meus] 3 Gabinete do Conselheiro Antônio Carlos Andrada sessão do dia 16/03/1994, de relatoria do Conselheiro Luiz Baccarini, traz a seguinte informação: “(...) A receita decorrente do FPM é classificada como transferência, o que não se confunde com receita de impostos, esta, sim, impossível de ser vinculada previamente a órgão, fundo ou despesa. (...) Essa transferência é composta por dois impostos – de Renda e Sobre Produtos Industrializados – ambos de competência da União. No entanto, relativamente aos municípios, esses recursos não constituem receita de seus impostos, uma vez que foge à sua competência a respectiva arrecadação, ingressando em sua Receita como transferências intergovernamentais.”[grifos meus] Dessa forma, desde já, firmo o entendimento de que o inciso IV, do art. 167, da Carta Magna, e, por conseguinte, a Súmula TCMG n º 96, não se aplicam aos recursos do FPM, pois estes recursos, no âmbito do município, não são receitas de impostos, mas sim receitas correntes provenientes de transferências governamentais. Portanto, respondo o primeiro questionamento do Consulente, no sentido de que nada impede que o município vincule percentual do FPM para custear despesa com contribuição devida a Associação de Municípios. Respondido o primeiro questionamento, imperioso explicitar que, em síntese, as Associações de Municípios2 são entidades dotadas de personalidade jurídica própria, 2 Existem posicionamentos doutrinários diversos e, nesse sentido, conforme Damião Alves de Azevedo, apesar de os estatutos das Associações de Municípios, invariavelmente, declararem a personalidade jurídica de direito privado dessas associações, “(...) sendo constituídas somente por pessoas públicas, a partir de patrimônio de origem pública (através das contribuições pagas pelos municípios com recursos públicos), voltada para finalidades públicas, e dependente de lei (sem a qual não é possível contribuir para a associação e confirmar a condição de associado), é forçoso concluir que as Associações de Municípios são, na realidade, associações de direito público interno”. [A NATUREZA JURÍDICA DAS ASSOCIAÇÕES DE MUNICÍPIOS E DOS CONSÓRCIOS INTERMUNICIPAIS: REGIME ADMINISTRATIVO E AUTONOMIA POLÍTICA. Este artigo é uma versão, com algumas inclusões e ampliações, de texto homônimo publicado na Revista de Direito Administrativo, n.º 238, Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, Out./Dez.2004, p. 375 a 383. Disponível em http://www.mj.gov.br/services/DocumentManagement/FileDownload.EZTSvc.asp?DocumentID=%7B27E65A8E366D-4122-8DA3-A9D53810AF71%7D&ServiceInstUID=%7B59D015FA-30D3-48EE-B124-02A314CB7999%7D, acesso em 26/01/2010.] 4 Gabinete do Conselheiro Antônio Carlos Andrada instituídas e mantidas por contribuições dos municípios associados, de sorte que a Associação de Municípios não pode ser enquadrada nas definições de órgão ou fundo aludidas no inciso IV, do art. 167, da Constituição Federal. Acerca da natureza jurídica das Associações de Municípios, a Consulta nº 731.118, sessão de 20/06/2007, de relatoria do Conselheiro Eduardo Carone, firmou o entendimento de que as Associações de Municípios são entidades de direito privado, sujeitas à licitação para contratar com terceiros. A mesma Consulta consolidou, também, o entendimento de que as Associações Microrregionais de municípios revestem-se de natureza jurídica similar à dos consórcios públicos, devendo observar as regras da administração pública no que diz respeito a provimento de pessoal. Caso a Associação de Municípios seja constituída como consórcio público, independentemente da personalidade jurídica, a forma de repasse de recursos dos municípios à associação deverá ser o contrato de rateio3, que entendo ser o instrumento mais adequado, conforme determina o art. 8º da Lei Federal nº 11.107/05, consignadas as dotações correspondentes na lei orçamentária ou em lei de créditos adicionais, sob pena de exclusão do município inadimplente do consórcio. Caso a associação não assuma a forma de um consórcio4, o repasse poderá ser feito por meio da celebração de convênio, conforme entendimento expresso na Consulta nº 731.118, sessão de 20/06/2007, de relatoria do Conselheiro Eduardo Carone. Quanto à despesa com a contribuição mensal dos municípios filiados à Associação de Municípios, no que diz respeito ao inciso IV, do art. 167, da Carta Magna, o que se veda é a vinculação de receitas de impostos municipais para custeio da despesa com a referida contribuição. Entretanto, nada impede que essa despesa seja custeada com 3 O contrato de rateio é definido pelo art. 2º, inciso VII, do Decreto Federal nº 6.017/2007 como o "contrato por meio do qual os entes consorciados comprometem-se a fornecer recursos financeiros para a realização das despesas do consórcio público". 4 As Associações de Municípios foram, em sua maioria, criadas antes da vigência da Lei de Consórcios – Lei Federal nº 11.107/2005, assumindo personalidade jurídica de direito privado e de natureza civil. 5 Gabinete do Conselheiro Antônio Carlos Andrada recursos do FPM, por serem estes contabilizados no município como receitas provenientes de transferências intergovernamentais, como já exemplificado. Ainda sobre a contribuição dos municípios integrantes de Associação de Municípios, a Consulta nº 731.118 consolidou a obrigatoriedade de prestação de contas por parte das Associações Microrregionais de Municípios, tanto aos municípios repassadores de recursos quanto a esta Corte, obrigatoriedade esta já suscitada na Consulta nº 679.066, sessão do dia 03/12/2003, de relatoria do Conselheiro Eduardo Carone Costa. É importante ressaltar que, independentemente da forma como é pactuada e financiada a transferência de recursos, a prestação de contas da associação ao município e do município a este Tribunal de Contas é obrigatória. Outra importante observação foi realizada na Consulta nº 442.904, sessão de 01/03/2000, de relatoria do Conselheiro Moura e Castro, mencionada no julgamento do Processo Administrativo nº 52.7315 – contas de Associação Microrregional de Município, que considerou irregular a “arrecadação da receita referente às cotas associativas realizada de forma vinculada a determinado percentual do FPM, diretamente pela rede bancária, por ofensa à disposição estatutária que obriga sua previsão orçamentária em valor obtido pela consideração da receita arrecadada em cada município associado, no exercício anterior”. Concluindo, uma vez esclarecido que o inciso IV, do art. 167 da CF/88 não é aplicável, não há impedimento à vinculação de recursos do FPM para fazer face aos serviços prestados pelas referidas entidades, desde que tal vinculação não comprometa o cumprimento de exigências constitucionais e legais específicas. Nesse sentido, o ato de “vincular” deve ser entendido como indicação dos recursos do FPM como fonte de custeio, indicação esta que deverá ser regular em termos legais, orçamentários e financeiros. 5 Revista do Tribunal de Contas de Minas Gerais, edição nº 02 de 2005 – Ano XXIII. 6 Gabinete do Conselheiro Antônio Carlos Andrada CONCLUSÃO Diante do exposto, respondo ao primeiro questionamento do consulente, pela possibilidade de vinculação de percentual de recursos do FPM para fazer face à contribuição devida a Associação de Municípios, tendo em vista que os recursos do FPM são contabilizados no município como receitas de transferências intergovernamentais, não se lhes aplicando a vedação do inciso IV, do art. 167 da Carta Magna (Princípio da Não-Afetação das Receitas). Ressalto, ainda, que a referida contribuição dependerá de autorização legislativa para o compromisso de associação e para a execução da despesa de contribuição, bem como da existência de um contrato de rateio ou de um convênio, e, ainda, de disponibilidade orçamentária e financeira. Outra regra a ser observada é a necessidade de contabilização da contribuição pelo município, não podendo o repasse ser realizado diretamente por instituição bancária, sem que haja controle contábil pela municipalidade. Quanto ao segundo e ao terceiro questionamentos, como a regra do inciso IV, do art. 167 da Carta Magna não é aplicável, a Associação de Municípios não se enquadra no conceito de órgão ou fundo descritos no aludido dispositivo da CF, e a contribuição de município integrante de Associação de Municípios, feita a partir de recursos do FPM, não constitui despesa vedada, de acordo com a definição dada pelo mesmo dispositivo constitucional. Conforme art. 216 do Regimento Interno deste Tribunal, este entendimento, firmado no mesmo sentido das Consultas nºs 731.118, 477.528, 142.730-0 e 125.887-7 implica a reforma da tese das Consultas nºs 442.904 e 108.730-4, que dispunham sobre a matéria em outro sentido. 7 Gabinete do Conselheiro Antônio Carlos Andrada Sugiro, por conseguinte, ante o papel pedagógico desta Corte e a repercussão das deliberações em sede de Consultas, que seja anotada a reforma no arquivo das Consultas nºs 442.904 e 108.730-4, disponibilizado no sítio eletrônico do Tribunal. Adotando tal procedimento, poderemos evitar a ocorrência de interpretações equivocadas de nossa orientação, conferindo efetividade ao art. 216 do Regimento Interno. Em sendo aprovado, encaminhe-se cópia da decisão à Biblioteca desta Corte, responsável pelo gerenciamento do banco de dados que disponibiliza a pesquisa das Consultas, para que anote a reforma supracitada com a maior brevidade possível. É o meu parecer, que submeto à consideração dos Srs. Conselheiros. Tribunal de Contas, em 05/05/2010. Conselheiro Antônio Carlos Andrada Relator LCB 8