28 de Junho de 2004 economia PÚBLICO | 17 conjuntura LIÇÕES DA “ACADEMIA DE LISBOA” Será que podemos aprender a inovar com os outros? KIM KYUNG-HOON As instituições de ensino superior têm, necessariamente, que evoluir no sentido da sua responsabilização e consequente prestação de contas face à sociedade. O desafio das empresas é passar de uma dinâmica de “produção” para uma dinâmica de “inovação” | MANUEL HEITOR* A recente realização em Lisboa, sob o patrocínio da Fundação Calouste Gulbenkian, da “Globelics Academy – Ph.D. - School on National Systems of Innovation and Economic Development” (1), reuniu peritos de reconhecido mérito internacional com cerca de 40 alunos de doutoramento de todo o mundo, num encontro que veio mais uma vez reforçar a necessidade de compreender as especificidades locais no papel que a inovação pode ter para o desenvolvimento económico, assim como a necessidade de ainda melhor compreender a forma como partilhar os riscos associados à inovação. É neste contexto que interessa aprofundar o que sabemos sobre a evolução do contexto português e a necessidade de discutir e realçar as afirmações do Professor Bengt-Ake Lundvall, da Universidade de Aalborg na Dinamarca, ao jornal PÚBLICO de 9 de Junho, nomeadamente sobre a estabilidade do financiamento à investigação e à inovação e a autonomia das universidades e instituições de ciência e tecnologia, C&T. Em termos de contexto, interessa começar por referir que o programa da Academia de Lisboa, organizado pelo ISEG e o IST, foi estabelecido no quadro da rede internacional Globelics - Global Network for Economics of Learning, Innovation, and Competence Building Systems (2), que actua predominantemente na área de estudos da inovação, num contexto em que se pretende clarificar o papel das políticas de inovação em termos da desigualdade entre hemisférios norte e sul. Neste artigo seremos menos abrangentes e vamo-nos concentrar no contexto nacional relativamente à Europa (ver texto nesta página). É neste contexto, que interessa voltar às afirmações do Professor Lundvall ao PÚBLICO e reforçar dois aspectos críticos. Garantir a autonomia das instituições de ciência e tecnologia Primeiro, a autonomia das instituições de C&T. Apesar das transformações quantitativas e qualitativas verificadas desde os anos 70 para reformar a universidade portuguesa, a análise mostra-nos um considerável défice da capacidade institucional para garantir a sua autonomia e a reforma das próprias instituições de ciência, uma vez que todas as mudanças institucionais foram impostas pelo Estado, o que deve ser entendido como um reflexo da dependência do mesmo, e em parte resultante dos modelos de financiamento usados. De facto, as instituições de ensino superior portuguesas têm-se desenvolvido com base num modelo de financiamento que incide nos recursos, limitando a lógica de determinação das receitas ao suporte desses recursos. As actividades desenvolvidas, e sobretudo o resultado dessas actividades, são em grande parte ignoradas, valorizando uma cultura corporativa, que ignora incentivos que ligam o financiamento aos resultados e que minimiza objectivos que são social e politicamente preconizados para o sistema de ensino superior. As perspectivas para a evolução deste processo não parecem ser animadoras e o modelo recentemente proposto para o financiamento das instituições de C&T vem mais uma vez evidenciar um forte desejo de reforçar a intervenção do Estado. De facto, para que as instituições de ciência e tecnologia, e sobretudo as de ensino superior, se possam desenvolver e promover de forma autónoma, é essencial que o Estado facilite e premeie a diversificação das suas fontes de financiamento, e que as próprias instituições defendam os seus orçamentos próprios, nomeadamente face a avaliadores independentes. Naturalmente que este processo passa por uma reforma institucional, nomeadamente decorrente da necessidade de após cerca de quinze anos da publicação da Lei da Autonomia Universitária, as instituições de ensino superior terem necessariamente que evoluir no sentido da sua responsabilização e consequente prestação de contas face à sociedade. Pós-graduação desempenha um papel critico Segundo, a necessidade de perceber o desafio das empresas para passarem de uma dinâmica de “produção” para uma dinâmica de “inovação” e o seu impacto nas actividades de criação e difusão de conhecimento, em que a pós-graduação desempenha um papel critico. Neste contexto, a análise da inovação e do conhecimento como factores estratégicos de mudança tem que considerar o desafio da produtividade, a qual cresce sempre que se consegue produzir mais a partir da mesma quantidade de recursos, o que implica que haja “mudança”, fruto da criatividade, da iniciativa e da incorporação de novas ideias nas actividades económicas. Estas poderão ser ideias associadas a novas tecnologias, a novas formas de organizar e gerir empresas, a novas formas de distribuir produtos, a novos produtos e serviços, a novos mercados e a novas parcerias. Ou seja, o modo como as empresas inovam e colocam produtos inovadores no mercado passa por se considerar as várias actividades empresariais ao longo de toda a cadeia de valor, o que implica conhecer e mapear os diferentes tipos de actividades e, sobretudo, saber diferenciar as actividades produtivas, das funções de “design”, concepção e planeamento, assim como de marketing, distribuição e vendas. É neste âmbito que a análise dos processos de mudança tecnológica tem mostrado que a competitividade da maioria dos sectores industriais reside de uma forma crescente na ca- pacidade de inovar, acedendo e usando conhecimento (e tecnologias) desenvolvido numa gama alargada e diversificada de instituições, que se constituem como bases distribuídas de conhecimento. Este facto é particularmente aplicável ao panorama empresarial português, implicando um arranjo adequado de incentivos públicos que facilite a pós-graduação e a formação de elites capazes de compreender os desafios que emergem. Mais uma vez, o panorama nacional no contexto europeu, medido por exemplo em termos do número de doutoramentos (ver gráfico), não é animador, não sendo razoável, nem possível, pensar que será apenas o esforço privado que deverá viabilizar a concretização de uma cultura de conhecimento. Estas foram com certeza algumas das lições que retirámos da “Academia de Lisboa” que terminou no início deste mês. Pelo menos, vamos continuar o esforço em aprender com os outros e a Academia de 2005 (3) estará de novo em Lisboa, no IST, em Maio do próximo ano! (1) http://www.globelicsacademy.net/ , nas instalações do ISEG entre 25 de Maio e 3 de Junho (2) http://www.globelics.org/ (3) http://www.globelicsacademy.net/2005.asp * Centro de Estudos em Inovação, Tecnologia e Políticas de Desenvolvimento, IN+, IST Colaboração INTELI – Inteligência em Inovação CONTEXTO PORTUGAL VERSUS EUROPA À medida que se reforça a percepção na Europa de que está a ocorrer uma transição para uma economia baseada no conhecimento, mas sobretudo para uma sociedade da aprendizagem (1), a inovação surge como uma prioridade com cada vez maior relevância, tanto nas políticas públicas, como na estratégia das empresas. De facto, a inovação corresponde à tradução económica – e em termos de desenvolvimento – do esforço de criatividade e de iniciativa associado à criação e à aplicação de novas ideias. Neste âmbito, o objectivo prioritário para a União Europeia de fomentar a inovação, como elegido no Conselho Europeu de Lisboa de Março de 2000, tem vindo a ser reforçado em Conselhos Europeus seguintes, tendo sido particularmente reforçado no Conselho de Barcelona de Setembro de 2002 com o estabelecimento da meta de três por cento para a fracção do investimento total em investigação e desenvolvimento, I&D, na Europa em função do produto interno bruto (PIB). Portugal tem vindo a interpretar esta estratégia europeia através de um percurso que tem sido, pelo menos, sinuoso (sobretudo durante os últimos dois anos), como documentado no gráfico desta página quando medido em termos do esforço público em I&D, sendo bem conhecida a situação do país em termos de um crescimento considerável, mas de um fraco desempenho em muitos dos indicadores absolutos que têm sido sistematicamente utilizados a nível internacional, nomeadamente pela Comissão Europeia. Apesar das metas mencionadas anteriormente, é conhecido que o número de investigadores por milhar da população activa na Europa em 2004 (5,7) continua consideravelmente inferior aos valores dos Estados Unidos da América (8,08) e do Japão (9,14), tendo Portugal um valor (3,5) próximo dos novos membros na União Europeia. A mesma tendência é observada em relação ao financiamento por investigador, tendo um investigador universitário nos Estados Unidos o dobro do financiamento disponível por investigador na Europa dos 25 e quatro vezes superior ao financiamento disponível a um investigador Português (2). Adicionalmente, o relatório recentemente publicado pela Comissão Europeia sobre Increasing Human Resources in Science and Technology for Europe (3), indica uma crise na atracção e na produção de recursos humanos em ciência e tecnologia na Europa, à qual se acrescenta a falta de atractividade da carreira científica e o envelhecimento dos quadros de investigação. (1) Como discutido no livro recentemente editado por P. Conceição, M. Heitor, e B.A. Lundvall (2003), Innovation, Competence Building, and Social Cohesion in Europe- Towards a Learning Society, London: Edward Elgar. (2) Ver Eurostat, Key Figures 2003-2004 (3) EC(2004), Increasing Human Resources for Science and Technology in Europe, Abril 2004:http://europa.eu.int/comm/research/