19618 - OBF - PGR Recurso Extraordinário 776.069-DF Relator: Ministro Luiz Fux Recorrente: Carlos Eduardo Vianna Figueiredo Recorrido: Conselho Federal de Engenharia e Agronomia Recurso extraordinário. Servidor público de conselho de fiscalização de profissões. Quem, em 5.10.1988, detinha emprego público permanente em conselho de fiscalização de profissões há cinco anos adquiriu a estabilidade no serviço público, por força do art. 19 do ADCT e, portanto, dele não pode ser excluído sem justa causa, pouco importando, para tanto, a discussão acerca do regime jurídico pelo qual passou a ser regido na nova ordem jurídica – se o da CLT ou o da Lei 8.112/1990 –, em continuidade ao antigo vínculo laboral: a estabilidade constitucional aludida impõe-se igualmente ao legislador ordinário na decisão quer por um, quer por outro regime. O antigo empregado público, estável nos termos do art. 19 do ADCT, teve seu antigo vínculo da CLT transformado em cargo público, em virtude do art. 243, § 1º, da Lei 8.112 e, portanto, não pode ser alijado, sem justa causa, do serviço público: impossibili- Documento assinado digitalmente por ODIM BRANDAO FERREIRA, em 04/09/2015 14:24. Para verificar a assinatura acesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicial informando o código AA42525D.7B93D8FB.7D560961.061ED061 Ministério Público Federal Procuradoria-Geral da República STF – RE 776.019 dade de se interpretar a Constituição a partir do suposto regime especial da lei disciplinadora da autarquia em causa e irrelevância jurídica da distinção meramente teórica – e não normativa – entre as autarquias de regime comum e as de caráter especial, para afastar a incidência da disciplina constitucional de todas as autarquias, que não as distingue segundo a classificação doutrinária citada, que, em verdade, é mero exercício de jurisprudência dos conceitos. Parecer pelo provimento do recurso extraordinário. 1. Introdução Está em causa recurso extraordinário interposto contra julgado do TST que recusou a reintegração do autor ao quadro de servidores do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia - Confea. 2. Do caso Os fatos juridicamente relevantes da causa são incontroversos, até porque provados por meio de documentos públicos. O autor foi contratado, ainda em 15.7.1983, para o exercício de emprego público de Agente Administrativo no Confea, embora não se tenha submetido a concurso (f. 20). Em 6.3.2006, foi despedido por “por iniciativa do empregador, sem justa causa” (f. 22). 2 Documento assinado digitalmente por ODIM BRANDAO FERREIRA, em 04/09/2015 14:24. Para verificar a assinatura acesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicial informando o código AA42525D.7B93D8FB.7D560961.061ED061 PGR PGR STF – RE 776.019 reintegração no cargo, dada a alegada nulidade da dispensa. Após reviravoltas processuais nas instâncias inferiores, o TST terminou por lhe indeferir o direito ao regresso ao emprego mencionado. A ementa do julgado bem lhe resume os fundamentos (f. 247): Recurso de revista. Estabilidade – Conselho de fiscalização profissional - Autarquia especial – Inaplicabilidade do artigo 41 da Constituição Federal. Os conselhos de fiscalização profissional são dotados de recursos próprios e exercem suas atividades detendo ampla autonomia financeira e administrativa. Assim sendo, fundado é o reconhecimento de que a pessoa jurídica criada (conselho federal) é uma entidade paraestatal atípica, não lhe sendo aplicáveis as normas relativas a administração interna das autarquias federais, visto que tem autonomia financeira e orçamentária. Dessa forma, seus empregados não são alcançados pelas normas que disciplinam as relações dos servidores públicos, em especial, o artigo 41, § 1º, da Constituição Federal. Recurso conhecido e provido. Cabe analisar agora recurso extraordinário, admitido na origem, que defende o ponto de vista de que o acórdão recorrido desrespeitou o art. 41, § 1º, ii, da CR e o art. 19 do ADCT. 3 Documento assinado digitalmente por ODIM BRANDAO FERREIRA, em 04/09/2015 14:24. Para verificar a assinatura acesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicial informando o código AA42525D.7B93D8FB.7D560961.061ED061 O ex-empregado ingressou, então, em juízo para obter sua PGR STF – RE 776.019 O recurso extraordinário merece ser conhecido, porque satisfeitos todos os requisitos de viabilidade técnica. O recurso possui capítulo de repercussão geral e os temas encontram-se prequestionados, quer porque foram tratados expressamente no acórdão recorrido, quer porque foram objeto dos competentes embargos de declaração, nos termos da Súmula 356 do STF. O caso, felizmente, parece dotado de estrutura factual que lhe simplifica a solução, quando comparado com outros. A característica de fato a ser assinalada no caso é a seguinte: o autor foi admitido ainda em julho de 1983. Assim, por força do art. 19 do ADCT, adquiriu o direito à estabilidade constitucional. Afinal, é pacífico na mais do que consolidada jurisprudência do STF e resulta mesmo da leitura daquela norma que o constituinte lhe deferiu o benefício de ser estável no serviço público, malgrado não seja efetivo. Sendo ele estável, não poderia ter sido demitido – sem justa causa – do emprego público que vinha exercendo até então. Contratado antes de 5.10.1983, o recorrente adquiriu a estabilidade constitucional excepcional. Consequentemente, não poderia ter sido demitido de seu emprego, em 2006. É certo que o acórdão em causa raciocina com a suposta diferença de tratamento entre as autarquias federais – as comuns por oposição às especiais –, para concluir que as da segunda espécie, entre as quais se incluem as de fiscalização do exercício profissional, não contratariam servidores públicos pelo regime estatutário, de sorte que a estabilidade própria dos funcionários públicos, em sentido estrito, não aproveitaria ao autor. 4 Documento assinado digitalmente por ODIM BRANDAO FERREIRA, em 04/09/2015 14:24. Para verificar a assinatura acesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicial informando o código AA42525D.7B93D8FB.7D560961.061ED061 3. Do recurso extraordinário PGR STF – RE 776.019 lução deste caso não depende da determinação da espécie do regime jurídico dos servidores das chamadas autarquias especiais, no período posterior a 1988. De outro, a afirmação relativa às autarquias especiais está equivocada. Veja-se cada problema em separado. O julgado do TST ignora que o fundamento da estabilidade do autor no serviço público tem natureza constitucional, por se fundar no art. 19 do ADCT. Consequentemente, ela se impõe ao legislador ordinário, qualquer que seja o regime jurídico com o qual o Congresso Nacional pretenda regular a relação de trabalho dos servidores das autarquias ditas especiais. Quer se admita que a relação de trabalho do autor deveria continuar regida pela CLT, quer se pense que ela se deveria transformar em relação estatutária regida pela Lei 8.112, uma coisa parece certa: o recorrente deterá, em qualquer dos dois regimes, a estabilidade deferida pela norma constitucional, o que não equivale à indenidade à despedida, mas traduz a segurança contra o alijamento do quadro da autarquia sem justa causa, como ocorrido. Ao contrário do que pareceu ao TST, o problema não depende primordialmente do conteúdo do regime jurídico a ser adotado para o trabalho em causa, mas decorre do plano formal do ordenamento jurídico: um direito constitucional, como o do art. 19 do ADCT, não pode ser ladeado nem postergado pela lei ordinária, seja ao estruturar a relação de trabalho em termos da CLT, seja nos moldes da Lei 8.112. Portanto, à estabilidade do autor não se pode opor nenhum de ambos os ulteriores desenvolvimentos legislativos imagináveis para a relação jurídica anterior a 1983. 5 Documento assinado digitalmente por ODIM BRANDAO FERREIRA, em 04/09/2015 14:24. Para verificar a assinatura acesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicial informando o código AA42525D.7B93D8FB.7D560961.061ED061 Dois defeitos comprometem tal silogismo. De um lado, a so- PGR STF – RE 776.019 pedido deveria ser julgado procedente, porque falho o fundamento declinado no acórdão recorrido a respeito da suposta diferença entre as autarquias comuns e as chamadas de especiais. Em última análise o acórdão do TST extraiu a premissa maior supostamente validadora do tratamento díspar entre os regimes jurídicos das autarquias de categoria doutrinária que terá, na melhor das hipóteses, apoio apenas na lei, mas nunca na Constituição. Dois são os problemas desse modo de ver as coisas. O mais evidente deles é o renitente erro da “interpretação da Constituição segundo a lei”, na designação clássica de Leisner para o equívoco hermenêutico em que incidiu o aresto recorrido1. A leitura sobretudo dos arts. 37, 39 e 40 da CR mostra que ali só se disciplinam as autarquias, tout court. As prescrições constitucionais de estruturação e de disciplina das autarquias aplicam-se indistintamente a todas elas. Assim, por exemplo, não tem nenhum sentido supor que as autarquias ditas comuns hajam de ser criadas por lei, ao passo que as especiais se vejam dispensadas de tal requisito, ou que umas tenham seu pessoal regulado de certa forma, enquanto as outras divirjam do expresso figurino em sentido contrário do art. 39 da CR. O fato de que as leis instituidoras 1 A fórmula, hoje também consagrada na variante “interpretação da Consti- tuição conforme a lei”, deve-se a Leisner, Walter, “Die Gesetzmäßigkeit der Verfassung”, inicialmente publicado em artigo no Juristenzeitung, do ano de 1964, p. 201-205, e agora reproduzido in: _____. Staat, Berlin: Duncker & Humblot, 1994, p. 276-289 (p. 281): “In einer Verfassungsauslegung nach Gesetz suchte eine politisch gebrochene Zeit die verlorene Kontinuität wieder”. 6 Documento assinado digitalmente por ODIM BRANDAO FERREIRA, em 04/09/2015 14:24. Para verificar a assinatura acesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicial informando o código AA42525D.7B93D8FB.7D560961.061ED061 Ainda que o autor não tivesse razão pelo motivo apontado, o PGR STF – RE 776.019 meramente estatístico – das leis nessa matéria não permite supor que elas estejam dispensadas da sujeição às normas constitucionais a seu respeito. A amplitude dos poderes de configuração e de gestão das autarquias varia no intervalo entre o mínimo e o máximo de liberdade deferido pela Constituição à lei instituidora dessas pessoas jurídicas de direito público. Pode haver maior liberdade em certos aspectos, mas não a dispensa dos requisitos constitucionais aludidos, apenas porque a lei ordinária regente de certa autarquia assim o disse, notadamente quando se tratar de lei anterior à Constituição. A lei se mede pela Constituição, e não o contrário. O segundo problema, menos evidente, da tese do acórdão recorrido está, data venia, no emprego do método da jurisprudência dos conceitos para a solução do problema. Dado que a leitura de diversas leis ordinárias permite delas extrair o tipo ideal das autarquias especiais, dotadas em suma de maior liberdade do que as comuns na consecução de certos fins, passa-se a operar com tal conceito, como se de direito positivo fosse. Justamente por ainda ser erroneamente praticada hoje, Jestaedt insiste, em obra de 2009 dedicada ao direito constitucional, que “o cientista [...] não produz direito, mas saber sobre o direito: a ciência gera saber, não direito”2. As fontes do conhecimento do direito devem ser estri- 2 Jestaedt, Matthias, Die Verfassung hinter der Verfassung, Padernborn: Ferdi- nand Schöningh, 2009, p. 23: “Der Wissenschaflter – und hier ist die deutsche Begriffsprägung äußerst exakt – produziert nicht Recht, sondern Wissen über Recht: Wissenschaft schafft Wissen, nicht Recht”. 7 Documento assinado digitalmente por ODIM BRANDAO FERREIRA, em 04/09/2015 14:24. Para verificar a assinatura acesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicial informando o código AA42525D.7B93D8FB.7D560961.061ED061 de certas autarquias lhes deem poderes maiores do que o padrão – PGR STF – RE 776.019 que as conclusões extraídas da associação de conceitos doutrinários possuem “meramente o valor de afirmações teóricas; por mais que se o preze, dele não se segue nada em prol da validade dessas proposições como enunciados normativos”4. Exatamente isso ocorreu no aresto recorrido. Da circunstância de se poder imaginar uma classificação bipartida das autarquias, dividas entre as comuns e as especiais, não se segue que o direito constitucional positivo as tenha tratado segundo essa concepção. Em resumo, a divisão teórica aludida pode ter valor expositivo ou descritivo do conjunto da legislação federal a respeito de autarquias, mas certamente não tem índole normativa a impor essa ou aquela conclusão jurídica a tal respeito. Menos ainda uma generalização meramente doutrinária sobre as leis ordinárias instituidoras de autarquias será capaz de se impor, como categoria normativa, ao plano constitucional. Consequências jurídicas nascem de normas de igual natureza, de modo que importa à solução do problema verificar o que a Constituição diz a respeito das autarquias. Já se demonstrou que a Constituição não distingue autarquias entre ambas as espécies doutrinárias; bem ao contrário, imprime tratamento uniforme a todas elas. Assim, as eventuais particulari- 3 Jestaedt, ob. cit., p. 22. 4 Methodenlehre der Rechtswissenschaft. 5. Aufl., Berlin: Springer Verlag, 1983, p. 27: “In der Tat ‘existieren’ die elementaren Rechtsbegriffe nicht so, wie Rechtsnormen ‘existieren’ (idem sie ‘gelten’), sodern sie haben, mitsamt allen aus ihnen durch Schlußfolgerungen gewonnenen Sätze, lediglich einen theoretischen Aussagewert; man mag diesen wie hoch immer einschätzen, für eine Geltung dieser Sätze als Gebotsnormen ergibt sich daraus nichts”. 8 Documento assinado digitalmente por ODIM BRANDAO FERREIRA, em 04/09/2015 14:24. Para verificar a assinatura acesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicial informando o código AA42525D.7B93D8FB.7D560961.061ED061 tamente separadas das fontes do direito3. Daí ter Larenz objetado PGR STF – RE 776.019 mais chegarão a derrogar o regime constitucional unificado de pessoal, imposto pelo art. 39 da CR. Em obediência ao comando da redação original do art. 39 da CR, restaurada no controle direto de constitucionalidade pelo STF, o art. 243, § 1º, da Lei 8.112/1990 determinou a transformação, em cargos, dos empregos públicos federais então existentes nas autarquias da União, independentemente de outra consideração, quanto a sua natureza. Logo, o emprego do recorrente foi transformado em cargo federal, no qual tem estabilidade, embora não efetividade. Disso decorre, por sua vez, a impossibilidade de demissão, sem justa causa, do recorrente. Consequentemente, o ato que o excluiu do conselho referido é ilícito. Para encerrar, retorne-se ao ponto de partida, no qual se afirmou que este caso é mais simples do que outros similares. A estabilidade do recorrente e a transformação de seu emprego público em cargo ainda em 1990 tornam este feito bem menos complexo do que aqueles que versam sobre o destino a ser dado às relações jurídicas de trabalho, em sentido amplo, estabelecidas entre a mudança de redação do art. 39 da CR e sua declaração de inconstitucionalidade pelo STF, na liminar proferida em controle abstrato de constitucionalidade. Nada disso está em causa aqui, pois a transformação do emprego em cargo parece indiscutível, em decorrência dos termos expressos do art. 243, § 1º, da Lei 8.112. 9 Documento assinado digitalmente por ODIM BRANDAO FERREIRA, em 04/09/2015 14:24. Para verificar a assinatura acesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicial informando o código AA42525D.7B93D8FB.7D560961.061ED061 dades de uma autarquia, quando definidas em lei ordinária, ja- O Ministério Público Federal opina pelo provimento do recur- so extraordinário. Brasília, 3 de setembro de 2015. Odim Brandão Ferreira Subprocurador-Geral da República 10 Documento assinado digitalmente por ODIM BRANDAO FERREIRA, em 04/09/2015 14:24. Para verificar a assinatura acesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicial informando o código AA42525D.7B93D8FB.7D560961.061ED061 PGR STF – RE 776.019 4. Conclusão