AVALIAÇÃO DAS CONDIÇÕES DE ACESSIBILIDADE DA AVENIDA SENADOR ATTÍLIO FONTANA, EM CHAPECÓ-SC.1 Matheus José Rigon,2 Josiane Caprini,3 Leandra Zambenedetti,4 Felipe S. Machado Júnior5 . Resumo: As precárias condições de acessibilidade e da infraestrutura urbana instalada no bairro Efapi, em Chapecó-SC, são consideradas como reflexo da sua constituição histórica. Este estudo buscou avaliar as condições de acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos presentes em uma área da Avenida Senador Attílio Fontana, grande eixo estruturador deste bairro, com o objetivo de elaborar um diagnóstico da situação da acessibilidade no local. O método utilizado baseou-se na realização de levantamento através de registros fotográficos, seguido de análises comparativas com o referencial teórico sobre o tema, constituído pela norma técnica brasileira ABNT NBR 9050: “Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos” e pelos Cadernos do Programa Brasileiro de Acessibilidade Urbana – Brasil Acessível. Como resultados, identificaram-se muitas situações de limitação da acessibilidade no espaço estudado, associadas a problemas de diferentes origens e com vários níveis de complexidade, que evidenciam as condições de acessibilidade extremamente precárias do bairro. As limitações ocorrem tanto no nível do acesso aos edifícios, como no que se refere aos espaços públicos de circulação de pedestres, onde mesmo o deslocamento de pessoas que não portam dificuldades de locomoção é limitado em face de tais condições. Verifica-se, ainda, que em muitos casos o comprometimento da acessibilidade se dá por questões que seriam facilmente resolvidas, o que também revela a falta de consciência geral da comunidade em relação à questão. Tais situações apontam, enfim, um problema de cunho social, na medida em que mostram que o desenvolvimento urbano em Chapecó não tem garantido espaços públicos de qualidade mínima a todos os habitantes da cidade, ferindo os direitos da coletividade relativos à livre circulação e acesso aos espaços. Palavras-chave: Acessibilidade. Edifícios. Espaço público. Desenho urbano. Cidadania. 1. Introdução A cidade de Chapecó está localizada na mesorregião oeste de Santa Catarina, da qual constitui o principal centro urbano, possuindo população estimada de 183.561 habitantes (IBGE, 2011). Dos 31 bairros que a compõem, o bairro Efapi, situado a oeste da área urbana, configura-se como o maior em termos territoriais e populacionais, concentrando uma população estimada de 27.543 habitantes (CHAPECÓ, 2010). 1 Pesquisa desenvolvida na oficina temática de extensão em Acessibilidade, promovida pelo Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Comunitária da Região de Chapecó - UNOCHAPECÓ. 2 Acadêmico do curso de Arquitetura e Urbanismo da UNOCHAPECÓ. [email protected]; 3 Acadêmica do curso de Arquitetura e Urbanismo da UNOCHAPECÓ. [email protected]; 4 Acadêmica do curso de Arquitetura e Urbanismo da UNOCHAPECÓ. [email protected]; 5 Docente de graduação da UNOCHAPECÓ. Orientador do estudo. [email protected] A consolidação populacional e urbana do bairro, como afirma Monteiro (2006), deuse sobretudo pela implantação de agroindústrias como a Sadia S.A., na década de 1970 e a Cooperativa Central Aurora, em 1990, as quais foram responsáveis pela atração de milhares de trabalhadores ao bairro ao longo do tempo. Se na atualidade as agroindústrias ainda se constituem como agentes do desenvolvimento do bairro, também tem adquirido força o setor educacional, pela presença da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó), visualizando-se, também, perspectivas de crescimento com a instalação do campus universitário da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) nas extremidades da malha urbana do bairro. A isso se relaciona a recente expansão do setor imobiliário na região do bairro que contempla as proximidades da Unochapecó, voltado principalmente à demanda do público universitário.nesse contexto, a Avenida Senador Attílio Fontana constitui o eixo estruturador do bairro, sendo a única via de conexão direta deste com o centro da cidade, apresentando importância também na escala regional, na medida em que constitui um dos acessos a esta. Concentra ao longo de si várias atividades do setor industrial, comercial, educacional e de prestação de serviços, interligando vários pólos atratores de fluxos, como as agroindústrias e a própria Unochapecó. Atualmente, o bairro convive com sérios problemas de infraestrutura urbana e acessibilidade, carregando as marcas da urbanização não planejada e desacompanhada da oferta de infraestrutura adequada. Se tais problemas são fato corriqueiro em todo o bairro, na região da Avenida Senador Attílio Fontana os mesmos se agravam. Conforme Reche (2008), nesta via são sérios os problemas de infraestrutura e acessibilidade, uma vez que a promiscuidade de fluxos de veículos de transportes leve e pesado é uma realidade constante. A isso se soma a fraca infraestrutura viária que caracteriza o espaço dos pedestres, a qual não possibilita deslocamentos seguros ao longo da avenida e ruas adjacentes. Tendo em vista a função que esta via assume na estruturação do bairro e da cidade e as críticas condições em que se encontra, desenvolveu-se esta pesquisa, com a intenção de avaliar as condições de acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos existentes ao longo de um segmento da referida avenida e adjacências próximas. O objetivo central deste estudo consiste em elaborar um diagnóstico da situação da acessibilidade no local, a partir do comparativo com as recomendações presentes na norma brasileira de acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos - ABNT NBR 9050 (ABNT, 2004) e nos cadernos do Programa Brasileiro de Acessibilidade Urbana (BRASIL, 2006a; BRASIL, 2006b). No que se refere aos procedimentos metodológicos, partiu-se de um estudo do referencial teórico-científico sobre o tema, constituído pela ABNT NBR 9050 (ABNT, 2004) e pelos Cadernos do Programa Brasil Acessível, desenvolvidos pelo Ministério das Cidades (BRASIL, 2006a; BRASIL, 2006b). Em seguida, foi realizada a coleta de dados, através de visitas in loco e registros fotográficos,i ao que se procedeu a sistematização e análise das referidas informações, através da confrontação dos dados coletados com o referencial teórico e a elaboração de mapas temáticos, a partir de cartografias da área. 2. Acessibilidade, mobilidade urbana e dificuldades de locomoção A Norma Brasileira ABNT NBR 9050 - “Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos” ii (ABNT, 2004, p. 02) conceitua a acessibilidade como “possibilidade e condição de alcance, percepção e entendimento para a utilização com segurança e autonomia de edificações, espaço, mobiliário, equipamento urbano e elementos,” definição que também pode ser estendida aos sistemas de transporte e comunicação. A partir do estudo dos conceitos presentes nos Cadernos do Programa Brasileiro de Acessibilidade Urbana (BRASIL, 2006a; BRASIL, 2006b) entende-se a acessibilidade como requisito fundamental para que se cumpra o direito à cidade, na medida em que este obrigatoriamente passa pelo exercício da independência e autonomia individual e coletiva, garantido através de condições seguras de deslocamento. Tal direito não pode ser exercido em uma cidade que não é acessível aos seus habitantes, como confirma o referencial teórico. Logo, a acessibilidade está intrinsecamente relacionada à mobilidade urbana,iii entendida como a facilidade de deslocamento de pessoas e bens no espaço urbano. Embora consista em um direito da coletividade, a ausência da acessibilidade é sentida principalmente por uma minoria da sociedade, que diariamente enfrenta severos problemas de acesso e deslocamento pela cidade: são as pessoas com mobilidade reduzida (PMR), que apresentam restrições na mobilidade e uso dos espaços, decorrentes de alguma alteração em sua estrutura física, sensorial, orgânica ou mental, seja ela de caráter definitivo ou temporário. Este grupo abrange uma grande diversidade de indivíduos, desde idosos e pessoas com deficiência física, até gestantes e pessoas acompanhadas por crianças de colo ou com carrinhos de bebê. No Brasil, dados do censo do IBGE (2000) mostram que 14,5% da população porta algum tipo de deficiência, alcançando um total de 24,6 milhões de habitantes, dentre os quais se destacam os idosos (14 milhões), faixa etária cuja participação tem crescido significativamente nos últimos anos. A inadequação dos espaços às suas necessidades impõe barreiras que dificultam ou até mesmo impedem o seu acesso a determinados lugares, configurando-se como um mecanismo de exclusão social, na medida em que, de acordo com Cohen e Duarte (2003 apud BRASIL, 2006b), as barreiras físicas enfrentadas no espaço urbano por pessoas com dificuldade de locomoção fazem com que muitos se segreguem e deixem de utilizar as ruas e espaços públicos. No Brasil, é relativamente recente a preocupação com questões relativas à acessibilidade, já que apenas nos últimos anos é que se obtiveram avanços significativos em torno do tema, com o desenvolvimento de ações concretas. O decreto nº 5.296, de 02 de dezembro de 2004,iv tornou obrigatório que tanto as ações de urbanização e revitalização urbana, como as ações no âmbito de edificações de uso público ou coletivo (construção, reforma ou ampliação) passassem a ser feitas buscando tornar os espaços acessíveis às pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida. Construiu-se, assim, o momento em que o governo assumiu a questão da acessibilidade como uma política pública, fundamentando-a em dois pontos-chave (BRASIL, 2006a): a não-criação de novas barreiras à mobilidade, aliada à substituição gradativa das barreiras existentes. Nesse sentido, a política defende o desenho universal, como estratégia para evitar a necessidade de produção de espaços e elementos exclusivos para pessoas com mobilidade reduzida, mas que possam ser utilizados por todas as pessoas, promovendo uma maior integração da pessoa com mobilidade reduzida no ambiente. 3. Análise das condições de acessibilidade da Avenida Senador Attílio Fontana A área em estudo compreende um trecho com aproximadamente 800 metros ao longo da Avenida Senador Attílio Fontana, nas proximidades do acesso à Unochapecó. Avaliaram-se no estudo edificações e espaços de circulação situados na avenida, também compreendendo, em suas adjacências, trechos das vias transversais a esta,v como mostra a figura 1. Figura 1: demarcação da área de estudo. Base cartográfica: PMC, 2010. Editado pelos autores. 3.1. Acesso aos edifícios A ABNT NBR 9050 (ABNT, 2004, p. 40) define que, “[...] em edificações e equipamentos urbanos todas as entradas devem ser acessíveis, bem como as rotas de interligação às principais funções do edifício.” Também prevê que, nas obras de reforma e adaptação, se insira ao menos um acesso por meio de rota acessível, vinculado à circulação principal e às circulações de emergência. Na área em estudo foram identificados 94 estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços. Destes, 76 apresentam barreiras ao acesso de pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida e apenas 18 podem ser considerados plenamente acessíveis (ou seja, apenas 19,14% do total). Sobre a localização dos estabelecimentos acessíveis, verificou-se uma maior concentração na região oeste da área estudada, coincidindo com o setor de recente consolidação do bairro, para onde seu crescimento tem se deslocado. Tal fato indica que as edificações mais recentes têm sido projetadas levando em consideração critérios de acessibilidade. Um dos principais fatores que contribuem para a falta de acessibilidade aos edifícios é a inexistência ou a construção inadequada de rampas (para facilitar o acesso de pessoas em cadeira de rodas, idosos, carrinhos de bebê e outros), que em muitas situações, ocorrem com inclinação e largura fora do previsto na norma brasileira - ABNT NBR 9050, que considera acessíveis rampas com inclinação máxima de 8,33% e largura mínima de 1,20 m (figura 2a). Mesmo onde o acesso se dá através de escadas, muitas vezes estas não seguem a norma brasileira no que se refere às dimensões de base (mínimo 0,28 m, máximo 0,32 m) e espelho (mínimo 0,16 m, máximo 0,18 m), como mostra a figura 2b. Também foi identificado que na grande maioria dos estabelecimentos que não têm condições plenas de acessibilidade a dificuldade de acesso se dá pela existência de pequenos degraus junto ao acesso principal, com altura aproximada de 0,10 m (figura 2c). Tal condição não corresponde às exigências da norma brasileira, que tolera desníveis de até 5 mm em rotas acessíveis, exigindo que desníveis superiores a isso sejam tratados em forma de rampa ou degrau. Figura 2a: rampa com largura insuficiente – ausência de patamares Figura 2b: degraus com dimensões fora dos padrões recomendados Figura 2c: degrau no acesso a estabelecimentos comerciais 3.2. Calçadas e travessias Nas calçadas também foram constatadas situações de desacordo em relação às recomendações da ABNT NBR 9050, que estabelece que os pisos devem ter superfície regular, firme, estável e antiderrapante, bem como não provocar trepidações em dispositivos com rodas. Além disso, indica a necessidade de sinalização tátil direcional e de alerta (para orientar pessoas com limitações visuais). Identificam-se problemas evidentes na pavimentação das calçadas, como mostra o mapa da figura 3 e a figura 4c: há trechos com aplicação de piso tátil em meio a inúmeros segmentos de chão-batido, onde sequer há pavimentação e, ainda, outros com pavimentação irregular e com uma série de obstáculos que dificultam a mobilidade do pedestre no espaço, como degraus, desníveis, buracos e pedras Na maioria das vias transversais à avenida, as condições de acessibilidade se agravam: das 14 ruas estudadas, quatro não apresentam nenhum tipo de pavimentação nos passeios de pedestres, que muitas vezes são intransitáveis. Calçadas com sinalização tátil existem em apenas algumas vias transversais, na porção central da área em estudo. Figura 3: mapa de pavimentação de calçadas e acessibilidade das vias. Base cartográfica: PMC, 2010. Editado pelos autores. Nos locais com piso tátil instalado foi verificada, na maioria das situações, similaridade entre as peças, larguras de faixas táteis e suas localizações. Como a ABNT NBR 9050 recomenda, os pisos táteis apresentam cor e textura contrastantes em relação ao restante do piso, podendo ser visualizados facilmente por pessoas com baixa capacidade de visão. Não obstante, em muitas situações os elementos de sinalização se encontram em crítico estado de conservação. No que se refere às faixas táteis direcionais, estas assumem a medida de 40 cm, estando em conformidade com a norma brasileira e com as recomendações do Caderno de Implantação de Sistemas de Transportes Acessíveis (BRASIL, 2006b), que indica que a mesma deve ter entre 25 e 60 cm. Já em relação à sinalização tátil de alerta, a ABNT NBR 9050 destaca que deve ser instalada, dentre outras situações, junto a rebaixamentos de calçadas e a desníveis onde haja o risco de queda, como em plataformas de embarque e desembarque. Não define, portanto, que esta deve estar presente em toda a extensão das calçadas, ao longo do meio-fio. O que se identifica na área estudada é o uso dessa sinalização em todas as extremidades das calçadas, mesmo em locais em que a norma não exige sua instalação. No entanto, em outros casos, onde o nível da calçada termina no nível da pista de rolamento (situação em que se faz necessário o piso alerta), sua aplicação ocorre de forma indevida, oferecendo riscos a pessoas com limitações visuais (figura 4a).vi Sobre a composição da sinalização tátil de alerta e direcional, a norma brasileira ABNT NBR 9050 recomenda a existência de uma área com sinalização de alerta indicando que há alternativas de trajeto quando ocorre a mudança de sentido da sinalização direcional, cujo desenho varia conforme a conformação do entroncamento. No estudo do espaço, constatou-se que na quase totalidade das situações as composições da sinalização tátil direcional e de alerta não estão em conformidade com as recomendações da referida norma, constituindo casos de inadequação inclusive as calçadas pavimentadas mais recentemente (figura 4b), o que é um fato muito grave. Figura 4a: sinalização tátil de alerta desenvolvida de maneira inadequada Figura 4b: inadequação da sinalização tátil (área assinalada deveria ter sinalização de alerta) Figura 4c: diversidade nas condições de pavimentação da avenida Soma-se a isso a ausência de sinalização adequada de elementos e mobiliários suspensos entre 0,60m e 2,10m com volume maior na parte superior do que na base, como prevê a mesma norma. É o caso dos telefones públicos, já que, na área estudada, nenhum destes está sinalizado adequadamente. Outro fato recorrente se refere à interposição de obstáculos à circulação de pedestres. É abundante a instalação do mobiliário sobre a sinalização tátil direcional, a exemplo de placas de sinalização viária (figura 5a), postes e lombadas eletrônicas, sem a necessária sinalização com piso tátil de alerta; assim como em outras situações, em que não é garantida a faixa de circulação de 1,20 m de largura nos passeios, faixa livre mínima admitida pela ABNT NBR 9050 em rotas acessíveis. Há ainda casos em que o espaço de circulação de pedestres vem sendo apropriado pelos veículos, na medida em que é usado como estacionamento, fato que não tem sido questionado pelos órgãos fiscalizadores do trânsito. Outro elemento que contribui para a precária acessibilidade das calçadas na área são as grelhas sobre as bocas-de-lobo: enquanto a ABNT NBR 9050 admite vãos internos de no máximo 1,5 cm no sentido transversal ao movimento, há situações em foram identificados vãos superiores a 5 cm entre as grelhas, revelando-se totalmente inadequados. Diante disso, facilita-se a ocorrência de acidentes envolvendo elementos tal como saltos de sapato, cadeiras de roda, carrinhos de bebê, bengalas e muletas. Já no que se refere à inclinação das vias de circulação de pedestres, a mesma norma reconhece que vias para pedestres só podem compor rotas acessíveis se tiverem inclinação longitudinal de até 8,33% e transversal de até 3%. A área investigada da Avenida Sen. Attílio Fontana apresenta, no geral, uma topografia suave, com a inclinação da via variando entre valores próximos a 2% até 7,85%, o que permite concluir que nesta via as condições da topografia favorecem rotas acessíveis. Já nos passeios das vias transversais que dão acesso à avenida, a situação é diversa. Há vias com declividade satisfatória e também outras com inclinação superior a 8.33%,vii o que dificulta as condições de acessibilidade. Em relação à inclinação transversal, são recorrentes os casos em que esta ultrapassa os limites recomendados (figura 4c). Em faixas de travessia, é necessário construir rebaixamentos de calçadas dos dois lados da via, alinhados entre si, devidamente sinalizados com sinalização tátil de alerta, devendo também ser instalado piso tátil direcional sobre a faixa de travessia (ABNT NBR 9050, 2004). Identificou-se no estudo a inexistência e/ou inadequação dos rebaixamentos nas calçadas junto às travessias, mesmo em calçadas que apresentam sinalização tátil (figura 5b). Nenhuma das faixas de travessia identificadas na área dispõe de rebaixos junto à calçada em ambos os lados da via, geralmente quando um dos lados possui, o outro é desprovido. Ainda, inexiste qualquer sinalização tátil direcional sobre as faixas de travessia de pedestres da região estudada. A falta de acessibilidade também é denunciada pela existência de barreiras físicas que dificultam a passagem de pessoas em duas das cinco faixas de pedestres existentes na Avenida Senador Attílio Fontana, justamente naquelas mais próximas ao acesso ao campus da Unochapecó, nas travessias de maior fluxo de pedestres da área em estudo. Em uma destas (figura 5c), a interposição de obstáculo à travessia a torna extremamente difícil, fato que muitas vezes leva o pedestre a concluir a segunda metade desta fora da faixa demarcada, arriscando-se frente à insegurança da via e ao alto fluxo de veículos.viii Figura 5a: placa de sinalização vertical sobre a sinalização tátil Figura 5b: ausência de rebaixo no acesso à faixa de travessia Figura 5c: mureta impede a livre travessia Ainda sobre as faixas de travessia, a ABNT NBR 9050 recomenda a existência de dispositivos que garantam o deslocamento seguro de pedestres em casos de vias com alto fluxo de veículos, pessoas ou periculosidade, devendo haver mecanismo que sirva de orientação para a travessia de pessoa com deficiência visual ou mobilidade reduzida, bem ser como sistemas que garantam a preferência do pedestre em relação ao veículo, a exemplo de temporizadores acionados por botoeiras. Os mesmos seriam imprescindíveis no local estudado, pelo alto fluxo de veículos e pela periculosidade que caracteriza a via. No entanto, não há sistemas de orientação sonora nem mesmo junto ao único cruzamento presente na área dotado de semáforos, assim como dispositivos que garantam a preferência do pedestre em relação ao veículo nas demais travessias. A partir disso, constata-se que as faixas de segurança existentes na área não permitem a travessia segura de pedestres, não atendendo adequadamente a demanda existente, já que é significativo o fluxo de pessoas em toda a área. Como consequência, é fato recorrente os pedestres cruzarem a avenida fora da faixa de segurança, de modo arriscado. Destaca-se também a inexistência de sistemas elevados, como passarelas, que poderiam possibilitar uma travessia segura, minimizando os conflitos veículo-pedestre.ix 3.3. Mobiliário, estacionamentos e sinalização visual Como já exposto acima, identificaram-se irregularidades na locação do mobiliário, como placas de sinalização, postes de energia/iluminação e lombadas eletrônicas, que estabelecem vários conflitos com as calçadas públicas, os quais poderiam ser solucionados ou minimizados se a sua concepção/reorganização fosse dada buscando criar faixas exclusivas destinadas à instalação do mobiliário urbano. Em relação aos telefones públicos, a norma técnica ABNT NBR 9050 indica que, em espaços externos, 5% destes devem permitir o acesso a pessoas com cadeiras de rodas e de baixa estatura. No levantamento da área, verificou-se que não há telefones públicos acessíveis a este tipo de usuário, e mesmo os demais não seguem padrões estabelecidos em norma em relação à altura do ponto de inserção do cartão relativa ao piso: a norma cita que a altura máxima permitida é de 1,20 m, mas, no entanto, em pelo menos duas situações verificaram-se distâncias incompatíveis com o recomendado, chegando a atingir 1,35 m, o que dificulta seu uso. Os abrigos dos pontos de parada de ônibus também não são dotados de condições adequadas de acessibilidade. A mesma norma exige, em relação a estes, o cumprimento de uma série de critérios, como a instalação de piso tátil de alerta e direcional e a correta reserva de lugares para pessoas em cadeiras de rodas. Embora os abrigos existentes na área tenham espaço lateral vazio que pode ser usado para a acomodação de usuários de cadeiras de roda (como destacado na figura 6a), esse uso não pode se dar sem o comprometimento da circulação frontal existente, em qualquer um dos abrigos, já que a circulação de pessoas se desenvolve à sua frente; apenas um dos abrigos se situa em calçada com sinalização tátil, embora a paginação do piso tátil não sinalize em nenhum momento a existência deste mobiliário. Com isso, é difícil a acessibilidade a esse tipo de mobiliário. Nota-se também a ausência de placas indicativas do itinerário a ser seguido pelo ônibus, elemento recomendado pelo Programa Brasileiro de Acessibilidade Urbana (BRASIL, 2006b). Quanto às vagas de estacionamento, o decreto federal 5.296/2004 insere em seu texto a obrigatoriedade da reserva de ao menos uma vaga para veículos que conduzem ou são conduzidos por pessoa com deficiência, quando o número de vagas for inferior a 50, devendo corresponder a 2% do total de vagas, quando for superior a este número. Não há, na área estudada, nenhuma vaga destinada a pessoas com mobilidade reduzida adequadamente demarcada, tanto nos estacionamentos situados na via pública,x como naqueles situados dentro do alinhamento predial. Identificou-se uma única vaga com dimensões equivalentes ao que exige a norma ABNT NBR 9050, em termos de dimensões, espaço lateral de circulação e ausência de desníveis, mas o fato de a reserva de vaga não ser sinalizada verticalmente através de placa e horizontalmente através de pintura no piso como especificado na mesma norma prejudica a condição de acessibilidade que busca promover (figura 6b). Figura 6a: precariedade no acesso ao abrigo (em destaque, espaço do cadeirante) Figura 6b: vaga de estacionamento sem sinalização Já o símbolo internacional de acesso, cuja função consiste em identificar espaços acessíveis, deve ser afixado, de acordo com a norma supracitada, em local de fácil visibilidade ao público. Ao longo da área estudada, em apenas um estabelecimento acessível foi identificada a presença desta sinalização, cuja visibilidade durante o dia fica seriamente prejudicada, pelo fato de o adesivo ter sido aplicado do lado de dentro de uma porta de vidro em tom fumê, o que compromete a sua leitura visual. Cabe destacar que o mesmo edifício também é o único que apresenta sinalização em Braille para orientação de pessoas com deficiência visual ou baixa capacidade de visão. Esta encontra-se em conformidade de acordo com o que prevê a ABNT NBR 9050, quando trata de folhetos informativos, já que ocorre, como recomendado, a associação entre caracteres em relevo e células Braille, sendo estas posicionadas adequadamente abaixo daqueles. Revela assim sua adequação à norma.xi 4. Considerações finais A partir do diagnóstico apresentado, verifica-se a sobreposição de diversas situações de falta de acessibilidade, tanto no acesso aos edifícios, como nas áreas públicas de circulação de pedestres, as calçadas e travessias. Manifestam-se pela área estudada situações que vão desde a inexistência de calçadas adaptadas a pessoas com mobilidade reduzida, até a falta de calçadas pavimentadas, dotadas de uma infraestrutura mínima que garanta a circulação livre e segura de pessoas pelo espaço, mesmo daquelas que não portam dificuldades de locomoção. Ressalta-se também que a noção de acessibilidade potencialmente sugerida pelas calçadas dotadas de sinalização tátil poucas vezes se confirma, pelo fato de a paginação do piso concentrar várias inconsistências em relação aos padrões recomendados em norma, o que revela falhas, no âmbito do projeto, execução ou fiscalização das obras. Já nos edifícios, em muitas situações, a difícil acessibilidade se dá por questões simples, como no caso de pequenos desníveis junto aos acessos, que poderiam ser facilmente resolvidos ou adaptados, o que revela a falta de uma consciência geral dos proprietários, construtores e da própria comunidade sobre a importância da questão. Percebe-se igualmente que edifícios que aparentemente foram construídos ou passaram por reformas há pouco tempo em sua maioria buscam ser acessíveis, embora, como constatado, nem sempre alcancem a adequação às recomendações normativas. Entende-se que as precárias condições de acessibilidade no local estudado estão diretamente relacionadas à constituição histórica do bairro, que, como visto, ocorreu desacompanhada da oferta da infraestrutura urbana básica necessária à garantia de níveis mínimos de qualidade de vida. No entanto, a persistência de tais condições não se justifica na atualidade, o que leva a questionar o modelo de desenvolvimento urbano que tem sido posto em prática nos dias de hoje, já que ao mesmo tempo em que tem buscado a expansão da cidade e valorização de áreas centrais, através de projetos de reestruturação urbana, não tem sido dada prioridade à qualificação dos espaços urbanos de áreas em bairros periféricos, como é o caso da área estudada. Isso mostra que o desenvolvimento da cidade de Chapecó tem se dado de forma desigual, já que não tem sido acompanhado pela oferta de infra-estrutura e espaços públicos de qualidade a todos seus habitantes. Tal fato constitui, enfim, um problema de ordem social, caracterizado pelo não-cumprimento de direitos mínimos da coletividade, relativos à garantia da livre circulação e acesso aos espaços na cidade. Mesmo dentro de suas limitações, este estudo alcançou resultados significativos, tendo permitido lançar um olhar crítico sobre as condições de acessibilidade da área. Apresenta potencial de ser aprofundado através de outras pesquisas, ou até mesmo subsidiar futuras propostas de intervenção, visto que é imprescindível que sejam tomadas ações por parte do poder público no sentido de enfrentar tal problema. Essas questões suscitam, enfim, a importância dos conhecimentos relativos à acessibilidade para os profissionais que atuam na área de projeto, como essenciais para que se proceda a transformação da cidade atual, e a concepção dos novos espaços urbanos, buscando torná-la mais justa, democrática e acessível a todos. 5. Referências ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 9050: acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos. Rio de Janeiro, 2004. BRASIL. Decreto-Lei 5.296, de 02 de dezembro de 2004. Regulamenta as leis nº 10.048, de 08 de novembro de 2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade...Diário Oficial da União. Brasília, 02 dez. 2004. BRASIL . Construindo a cidade acessível. Programa Brasileiro de Acessibilidade Urbana – Brasil Acessível. 1. ed. Brasília, dez. 2006.a BRASIL. Implantação de sistemas de transportes acessíveis. Programa Brasileiro de Acessibilidade Urbana – Brasil Acessível. 1. ed. Brasília, dez. 2006.b CHAPECÓ, Prefeitura Municipal de. Informações estatísticas do Município de Chapecó. Disponível em:http://www.chapeco.sc.gov.br/prefeitura0/ arquivos/Banco DadosCompleto 01042011.pdf. Acesso em 11 abr. 2011. IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 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No registro fotográfico, desenvolvido pelos pesquisadores, utilizou-se câmera digital convencional. ii Estabelece critérios e parâmetros técnicos a serem observados no projeto, construção, instalação e adaptação de edifícios, mobiliários, espaços e equipamentos urbanos e reforma, de modo a torná-los acessíveis. iii Conceito defendido no anteprojeto de lei da política nacional de mobilidade urbana - Ministério das Cidades, 2. ed., 2005 apud BRASIL, 2006a). iv Regulamenta as leis nº 10.048, de 08 de novembro de 2000 e 10.098, de 19 de dezembro de 2000. v Limitou-se nestes casos aos espaços compreendidos pelos edifícios de esquina que também apresentam usos comerciais/de serviço com acesso pelas vias transversais à avenida. vi Neste caso é necessário, de acordo com a ABNT NBR 9050, que a faixa tenha entre 25 e 60 cm de largura, devendo ser instalada no mínimo a 50 cm de distância em relação à extremidade da calçada, o que não ocorre no espaço, já que é corrente a instalação de faixa alerta com 20 cm de largura sem o devido recuo relativo à faixa de rolamento. vii Chega a atingir valores de 16,3% em situações extremas, como é o caso da Rua Pombos. viii Destaca-se que em ambas as situações os obstáculos físicos são dados pela interrupção inadequada da mureta divisória da pista de rolamento que separa os dois sentidos da via. ix Sobre a questão, cita-se que, após o período de coleta de dados, teve início a construção de uma passarela elevada sobre a Avenida Attílio Fontana, no trecho entre as ruas S. Miguel do Oeste e Maravilha, cujas obras estão interrompidas no momento. x A Avenida Attílio Fontana não apresenta, em sua caixa viária, faixas destinadas a estacionamento de veículos, logo, geralmente os estacionamentos se situam dentro dos limites do terreno, configurando em alguns casos, como já falado, situações de apropriação do espaço público da calçada por veículos. Apenas nas vias transversais há faixas de estacionamento na via pública. xi Não foi aprofundado o estudo sobre as dimensões e espaçamentos dos caracteres e células Braille.