A educação que vem por aí Cláudio de Moura Castro Este ensaio apresenta cenários futuros para a educação. Ou seja, tenta adivinhar o que será a educação em um futuro não muito remoto, a partir de uma análise de tendências e avanços recentes. A ênfase é no Brasil, mas não é exclusiva e usamos tendências internacionais como pano de fundo para entender onde o nosso país está avançando e onde está ficando para trás. A análise se deriva de cenários razoavelmente otimistas, mas não impossíveis. Perguntamo-nos o que parece provável acontecer se as coisas andarem suficientemente bem. Fazemos dois tipos de projeção: Em uma primeira categoria estão aquelas que, de forma direta se derivam das tendências do passado. Adotamos o procedimento simples de extrapolar as tendências observadas (por exemplo, o que vem crescendo, continuará crescendo). Em uma segunda categoria estão as guinadas que prevemos. Imaginamos o que vai acontecer, a partir de fragmentos de coisas que acontecem em microcosmos. Inevitavelmente, são previsões mais frágeis e mais arrojadas. A chance de não se materializarem é maior. As extrapolações das tendências do passado recente Abaixo estão tendências observadas no passado e que parecer tender a continuar na mesma direção. Universalização do primário e secundário Vemos a Coréia se aproximando da universalização do ensino secundário. A taxa de conclusão já é hoje da ordem de ….. Espera-se que em poucos anos atinja xxx . Países que tentam competir internacionalmente com produtos de certa sofisticação não podem evitar esta trajetória (A única alternativa seria ter um ensino primário tão bom que se aprendesse tanto como no secundário. A extrapolação do passado não indica uma alta probabilidade para esta opção). De fato, exceto nos países muito pobres, a universalização dos primeiros onze ou doze anos de escolaridade parece um objetivo de política e uma meta possível. Este imperativo resulta da maior complexidade do processo produtivo e da sociedade em geral (é preciso ler mais, escrever mais, igualmente, a política e a economia ficam cada vez mais complicadas, requerendo uma cidadania mais sofisticada). Se a máquina se torna mais complicada, não há como lidar com ela com o mesmo nível insuficiente de educação. O Brasil está caminhando para a universalização do primário completo. Os alunos já passam mais de 8 anos na escola. Se não fossem reprovados, já haveríamos ultrapassado esta barreira. Ademais, já passamos bem mais da metade da coorte matriculada no secundário. Embora as taxas brutas de conclusão do secundário ainda sejam baixas (xxx), o seu crescimento é explosivo. Claramente, o povo viu que sem este nível não é possível pensar em emprego razoável. Fabricas que mal exigiam alfabetização hoje não aceitam mais quem não tem segundo grau completo. Mesmo que as máquinas sejam as mesmas, há grandes mudanças na forma de controlar a produção (e.g. ISO 9000, Qualidade Total etc). A valorização da pré-escola Terminado o ciclo de trazer todos para a escola, chega-se inevitavelmente ao desafio da qualidade. Progressivamente, torna-se mais difícil melhorar a escola. Obviamente, um dos grandes obstáculos é a qualidade da “matéria prima” que recebe. Alunos de famílias mais modestas chegam à escola com níveis de preparação prévia muito mais limitados. Daí o papel da pré-escola de suprir o que as famílias mais pobres não podem ou não sabem dar aos seus filhos. Há sólidas evidências de que uma pré-escola de qualidade tem consequências positivas e irreversíveis sobre a carreira escolar e mesmo subseqüente dos alunos (High Scope). Portanto, podemos ter toda confiança de que se trata de um investimento que pode trazer generosos retornos. Não obstante, uma distribuição regressiva de gastos com pré-escola poucas consequências terá sobre os resultados de ensino nos anos subseqüentes. Se são mais ricos e mais famílias de classe média que se beneficiam da pré-escola, pouca consequência isto terá sobre os péssimos resultados cronicamente obtidos pelos mais pobres. A segunda advertência tem a ver com a qualidade desta pré-escola ou das creches que podem precedê-la. Tudo indica que muitas das pré-escolas ou creches existentes não fazem mais do que parquear alunos durante o dia, pouca contribuição trazendo ao ensino. Pode ajudar às mães que trabalham, mas é pouco eficaz como investimento em educação. E na verdade, parece haver muito deste tipo de estacionamento de alunos de pouca valia como educação. Nesta dimensão, não é claro se o Brasil está se movendo nem na boa velocidade e nem na boa direção. Os avanços tem sido baseados em iniciativas locais e espontâneas, não refletindo nenhuma das duas preocupações mencionadas acima. Os novos papeis do ensino superior Com a passagem do tempo, duas transformações paralelas ocorrem. De um lado, as ocupações se tornam mais complexas. Mesmo tarefas manuais que continuam a ser relativamente simples passam a ter requerer conhecimentos de mais alto nível cognitivo em alguns aspectos laterais (e.g. ler manuais, receber instruções por escrito). Tais mudanças requerem mais educação para o exercício das mesmas ocupações. Por outro lado, há uma ampliação dramática no nível educacional das novas gerações. Há cada vez mais jovens terminando o segundo grau. A implicação destas mudanças é muito clara: O ensino superior se torna cada vez mais plebeu. Faz muito tempo, o ensino superior era para o clero e para a nobreza, se estendendo progressivamente à burguesia, na preparação de uma classe profissional. Mas faz tempo que os pequenos funcionários tem diploma superior e a classe operária já cursa nível superior em muitos países, até da América Latina. Portanto, é claro que os papeis do ensino superior vão mudando com o tempo e o mesmo se dá com a sua clientela. De Universidade de elite, passa a ter uma variedade extraordinária de funcões. Vale tudo. De doutorado levando dez anos a cursos práticos e curtos de um ano ou menos, incluindo cursos que ensinam a colocar meia sola em sapato ou desentortar paral-amas de autos. O desafio, portanto, é entender esta variedade de papeis e dar ao sistema a flexibilidade que requer para responder de forma profundamente diferente a cada papel. Os países precisam de elites para governá-los, para exercer papeis de liderança econômica, política e intelectual. Precisam de profissionais especializados e bem afinados com as necessidades do mercado de trabalho. Precisam de técnicos práticos para responder a um número enorme de ocupações que requerem uma combinação de prática com teoria. E mais do que tudo, precisam de gente bem formada em qualquer coisa, para ocupar ocupações pouco específicas cujo número total ultrapassa a metade dos graduados de nível superior. O Brasil passou muito tempo travado em um modelo único de ensino superior (a mítica universidade de ensino e pesquisa indissociável), levando a uma farsa global e alguns poucos núcleos onde isso foi possível materializar. Hoje estamos em uma transição, com algumas portas abertas mas um grande atraso na estrutura e nas regras do jogo. Avançar nesta direção rapidamente é um desafio do presente. Foco crescente na qualidade, mas é outra qualidade Já não é mais o diploma que o mercado exige mas o conhecimento que se espera de um nível mais alto de escolaridade. Portanto, a grande cruzada dentro dos sistemas educacionais será pela qualidade. Obviamente, ao trilhar este caminho, o desafio não é mais quantidade, mas qualidade. Onde falta quantidade, é porque faltou qualidade no nível inferior. Quando melhora a qualidade, explode a quantidade no nível subseqüente. Portanto, o foco de atenções deve ser a qualidade. Mas na medida em que tentamos satisfazer as novas necessidades das empresas, podemos notar que a qualidade que exigem não é a mesma. A qualidade da escola velha, medida pelas provas velhas, não interessa mais. Não serve para quase nada saber uma imensidão de fatos, das formas irregulares de verbos, até os afluentes do Amazonas. O currículo enciclopédico acaba sendo um empecilho à profundidade que se quer naquilo que é aprendido. O aluno precisa aprender o que vai usar na vida real. E como na vida real os problemas não são iguaizinhos aos do livro, é preciso aprender a pensar e a resolver problemas cuja resposta não foi aprendida no livro. É preciso aprender a usar a cabeça, desenvolver a capacidade de análise. O imperativo da equidade, mas com novos advogados Os ricos sempre tiveram uma boa educação, pelo menos, muito melhor do que a dos pobres. Durante toda a nossa história, foi enorme a distância entre ricos e pobres em matéria de qualidade da escola cursada e conseqüente qualidade do que foi aprendido. Os ricos sempre souberam defender seus interesses em ter seus filhos bem educados, seja pagando escolas privadas, seja assegurando-se de que freqüentam as melhores públicas. Em alguns casos na zona rural do Nordeste, falava-se mesmo no seu interesse em manter ignorantes os pobres, para que não reclamem e aceitem as disparidades sociais e econômicas da nossa sociedade. Mas as mudanças recentes transformam esse quadro tradicional. Com os novos processos produtivos, mesmo no Brasil, os aumentos de produtividade estão sendo bloqueados justamente pela falta de educação dos mais pobres. Os ricos já são educados, mas os processos produtivos hoje requerem competência da metade de baixo da pirâmide educacional. Sem isso não competimos. Portanto, são os ricos que se converteram hoje em grandes interessados em melhorar a educação dos pobres. Para os empresários de boa cabeça, não há mais conflito, eles viraram os advogados de uma melhor educação para todos. Por que razão as fábricas estão financiando o supletivo dos seus empregados? Por que a FIESP financiou a preparação do Telecurso 2000? O novo estado que faz acontecer À medida que as cruzadas ideológicas – de ambos os lados – dão lugar a uma depuração mais fria do papel do Estado, emerge com mais clareza a idéia de um estado que nem é minimalista e nem maximalista, é simplesmente diferente. Separa-se o fazer do fazer acontecer, este último sendo muito mais relevante. A função inalienável do Estado é definir política social e econômica e fazer com que esta se materialize, sempre que necessário, mobilizando os recursos. Se é o privado ou o público que vai estar a cargo de executar este ou aquele programa passa a ser uma questão pragmática, não ideológica ou de princípio. Nessa discussão entram todas os assuntos de decentralização, autonomia, concorrência, privatização, soberania do consumidor e muitos outros. Mas há duas regras gerais que parecem ser pertinentes. Em primeiro lugar, há que dar ao público regras que tragam a ele a eficiência do privado e da concorrência. Os incentivos devem emular os que vemos no setor privado: prêmio para que faz bem e puxões de orelha para os recalcitrantes. Em segundo lugar, o privado deve operar sob regras tais que na busca de seus objetivos de lucro sejam satisfeitas as necessidades definidas nas políticas sociais. Paralelamente a esta evolução da educação pública com cara de privada e da privada com cara de pública está uma outra forte tendência moderna que é a educação com fim lucrativo. Interessante notar que mesmo os países mais capitalistas tendem a titubear diante de uma educação claramente com fins de lucro. Esta permanece uma área cinzenta. Mas afinal de contas, pergunte-se a um educador tradicional se a educação pode ser com fim de lucro e a resposta será ferozmente negativa. Pergunte-se se prefere comprar um Lada ou um BMW e poucos optarão pelo carro produzido por uma empresa pública sem fins de lucro. Pergunte-se porque o fabricante do melhor carro tem vultuosos lucros e o produtor da educação melhor tem que ter prejuízo. Não há resposta clara. Inúmeras empresas transformaram seus centros de treinamento em universidades. A mais reputada e conhecida é a Motorola University. A mais curiosa é a chamada ”universidade do hamburger” da MacDonald. A Rand Corporation e a Wang Computers tem cursos de mestrado de alta qualidade. Estas são apenas as mais conhecidas, dentre dezenas de outras. O fato é que a educação com fim de lucro está aí para ficar e não há indicações de que seja de pior qualidade. Aparecem recentemente nos Estados Unidos um número de empresas criativas, inovativas, que declaram seu objetivo de lucro, negociam suas ações na bolsa e se firmam no campo. Sylvan Learning fatura quase meio bilhão de dólares. Door Training é uma subsidiária da Raytheon, com um campo de ação em muitos países. A University of Phoenix tem o mais rápido crescimento no país e já é a maior universidade privada. Jones University e Devry são outras do mesmo naipe, sem contar com várias outras que são pouquíssimo sérias e mais outras tantas que são caso de polícia. Embora isso seja grande novidade nos Estados Unidos, o objetivo de lucro é coisa antiga no Brasil, apesar de negado pela legislação. Não obstante, há um número grande de instituições que sempre operaram como empresas capitalistas com claros objetivos de lucro, embora tivessem que disfarçá-lo de por estratagemas variados. Hoje, com a mudança da legislação, aumenta o número de instituições que revelam seus reais objetivos – o que nada diz contra o qualidade do ensino que oferecem. Se desconsiderarmos os impedimentos legais de declarar lucro, o Brasil está muito mais avançado do que os próprios Estados Unidos nesta área. O que importa aqui não é a legislação mas o espírito empresário dos operadores do curso. Na verdade, é de se notar no Brasil um empresariado muito variado, incluindo alguns que chegam a se enquadrar no estereótipo dos ”tubarões do ensino”. Mas há muitos operadores modernos, sérios e competentes, capazes de oferecer um produto de qualidade e auferir lucros no processo. As grandes guinadas (os avanços que não são óbvio e podem gorar) Nesta segunda parte apontamos algumas guinadas que podem acontecer. São tendências que podem ser detetadas de forma embrionária. Muitas delas já se tomam corpo nos países mais avançados. Não há certeza de que o Brasil embarque nelas no mesmo ritmo. Educação permanente Nos países ricos, a educação de adultos ou permanente vem crescendo de forma surpreedente. Nos Estados Unidos, estima-se que um terço da população adulta esteja estudando alguma coisa. Na Suécia, este número atinge quase a metade da população. Estuda-se para o trabalho, para produzir mais, melhor ou para poder continuar produzindo, diante de transformações no processo de trabalho. E cada vez mais, estuda-se para melhor desfrutar o lazer. Finalmente, a terceira idade está voltando à escola. O Brasil tem uma presença curiosa neste processo. Temos uma educação que reprova massiçamente, em todos os níveis. E temos uma população que teimosamente insiste em não sair da escola, preferindo repetir sucessivamente as séries. Assim é que segundo grau virou educação de adulto. Mais da metade dos alunos atingiu a maioridade e estuda à noite. É educação de adultos por inércia ou teimosia. No superior, a idade média dos alunos se aproxima de 30 anos e a grande maioria está de volta à escola para fazer o superior. Isso não é educação de adultos? Da mesma maneira, a formação profissional que não foi obtida na juventude é feita por jovens adultos. A multidão de cursos de todos os tipos e sabores, presenciais ou por televisão tendem a substituir o que não foi feito antes, mais do que ser uma segunda chance. Portanto, temos uma educação permanente enorme, mas que resulta do alongamento da educação inicial e não da volta à escola. Temos pouco da educação permanente dos países ricos. É possível e mesmo provável que isto venha por aí, uma vez que se reduza a pressão para remendar o que não foi feito antes em pról dos jovens adultos. Educação para valores Na origem da educação pública está o objetivo claro de formar para a cidadania. Na França, Condorcet era muito claro acerca deste objetivo para ele tão central. Para os protestantes, ler a Bíblia é a raison d`être da educação, dando a muitos países uma grande dianteira na alfabetização. Mais adiante, esta educação se torna um fator decisivo para o êxito da revolução industrial, mas a motivação original não era o desenvolvimento material mas espiritual. Mais adiante, ganham vigência os argumentos de que educação é uma forma de capital, um capital humano que, tal como o físico, aumenta a produtividade da mão de obra. Boa parte da defesa dos gastos em educação vem se dando, nas últimas décadas, com base neste argumento. Vimos estes argumentos tomarem corpo no Brasil, de forma cada vez mais difundida. As persistentes referência à Coréia quase sempre têm como pano de fundo a produtividade econômica superior daquele país, em virtude dos seus vigorosos investimentos em educação. Em países de forte integração cultural e longa tradição de sistemas educativos sólidos, a expressão natural das escolas já promove uma robusta transmissão de valores nacionais e de um contrato social já bem consolidado. Europa e Sudeste Asiático são bons exemplos desta situação. Mas em países em rápida transição como o Brasil, há um esgarçamento do tecido social. Há uma perda de valores, anomie, falta de laços de solidariedade social (mais além dos grupos imediatos) e uma delinquências endêmica. Há uma drástica perda de eficiência econômica resultante dos recursos exagerados que têm que ser desviados para segurança, para prevenir crimes, para a polícia e para os sistemas judiciais e penitenciários. É um péssimo negócio deixar uma franja tão grande da população em um vácuo moral e de responsabilidade social. Daí o renascimento da idéia de que educação tem um papel importante no desenvolvimento da cidadania. Volta-se à idéia original de Condorcet de que escola é escola para cidadania. O Brasil volta a descobrir este papel magno da escola como instrumento de introjeção de valores, de civismo e de responsabilidade social. Não está claro como vamos proceder e nem que sucesso podemos esperar nessa direção. Não é tanto que se duvide do papel da escola ou do seu poder. Mas isso não acontece apenas por política pública ou pela introdução de cursos de educação cívica. É preciso um grau de mobilização social que ainda não atingimos. Somente uma escola séria, íntegra e competente nos seus misteres do cotidiano consegue transmitir valores eficazmente. E criar uma escola boa é um desafio que estamos enfrentando nos dias de hoje. O uso da tecnologia educacional Os avanços na tecnologia da informação são espantosos, tanto em hardware como em software. Persiste a tendência histórica para a redução anuais de custos de 20% para matérias de idêntica performance. Há um uso crescente da tecnologia no ensino por todas as partes. À primeira vista, parece uma tendência irrefreável. Parece que vai acontecer sozinho, com o sem Ministro da Educação e seu séquito. Mas não é bem assim. Fala-se hoje seriamente na ”digital divide”, um divisor de águas entre os que usam e os que não usam a tecnologia digital. A tecnologia tanto pode ser usada para oferecer novas oportunidades aos que não as tiveram como aumentar o fosso entre os dois grupos. Há evidências indicando que os mecanismo espontâneos de mercado livre levarão a aumentar as distâncias. Há uma grande assimetria no uso. De uma lado, estão os tecnófilos, consumindo avidamente tudo que é tecnologia, inclusive educação. Por sua conta, descobrem a tecnologia, compram, pirateiam, adaptam e usam prodigamente. No campo da educação, aí estão as escolas técnicas e vocacionais e todo o ensino que se dá nas empresas e nas forças armadas. Do outro lado estão os tecnófobos. Temem a tecnologia, são reticentes, procrastinam, discutindo filosofia e ideologia de seu uso. Vão progressivamente ficando para trás. Aí estão as escolas acadêmicas, do primário ao fim do superior. Esses estão do lado errado do ”digital divide”. Há contudo uma mutação nos tecnófobos. Antes temiam os computadores. Hoje professam seu gosto por eles e até se mobilizam para levá-los às escolas. Mas há uma grande diferença. O computador vai à escola, mas continua não indo à educação. Vira máquina de escrever de luxo, calculadora de luxo ou parte da administração escolar. Nada errado, mas uma imagem pálida do que o computador pode fazer. Há, portanto, uma oportunidade que pode ser perdida. A tecnologia tem um potencial gigantesco de democratização do ensino. As reduções de custo trazem as possibilidade de fazer chegar aos menos afortunados uma categoria de ensino que somente as elites poderiam almejar. Quando o astrônomo Carl Sagan lecionava a seus alunos de Harvard, sua eloquência e capacidade de destilar idéias complexas em aulas fascinantes era canalizada a uma clientela de poucas centenas de alunos. Quando suas aulas migram para a televisão educativa, milhões de pessoas podem ligar vê-lo no ar ou comprar seus vídeos. Quando o Telecurso 2000 mostra uma aula de química, diante das telas de televisão estarão alguns milhões de brasileiros e já caminha para meio milhão o número que vêm o programa em salas de aula. Cada uma destas aulas reflete o trabalho de um dos melhores professores de química do Brasil, apoiados por um time de técnicos e educadores. Jamais um aluno de escola pública poderia ter a chance de ter ao vivo uma aula tão competente criada por um time liderado por uma grande estrela da química da USP. Um programa de simulação em computador pode mostrar o funcionamento de uma empresa ou uma cidade, algo que somente os mais caros cursos de administração de empresa podiam fazer no passado. O Globo Rural leva a mais de dez milhões de brasileiros as melhores práticas agrícolas, mostradas por que sabe do assunto ou já as pôs em prática em sua propriedade. O Internet abre uma outra porta para a educação. Os tecnófilos já a descobriram. A Universidade Federal de Santa Catarina opera febrilmente na oferta de cursos para empresas, para engenheiros e para administradores. Mas isso tudo passa ao largo do ensino careta nas escolas caretas das redes públicas, em todos os níveis. O risco de perder o bonde da história não é trivial. A internacionalização da escola Ressoam por todos os mídia as mantras da globalização e da internacionalização. Uns gostam outros detestam, mas não há opções práticas de impedir a sua chegada. A questão é aprender a não ser vítima dela. E, claramente, globalização e internacionalização tem as suas contrapartidas na escola. A escola prepara quem vai viver e trabalhar em uma sociedade mais aberta e, portanto, não pode ignorá-la. Educar hoje é educar para o mundo e não para o subúrbio. A primeira e mais óbvia mudança é na habilidade para manejar outras línguas. O que era um item a mais em uma interminável lista de disciplinas hoje vira um imperativo. Não se trata de introduzir línguas estrangeiras como pode ser o caso em um país imperial como os Estados Unidos, onde todos esperam que os interlocutores falem inglês. As línguas já estão e sempre estiveram em nossos currículos. Só que não não eram aprendidas. Memorizavam-se formas irregulares de verbos mas saber usar mesmo que é bom, muito pouco. Daí a extraordinária expansão dos cursos de língua independentes. Hoje, o desafio é fazer do inglês e espanhol realmente línguas de trabalho (esqueçamos as outras línguas). O objetivo é transformar o que sempre foi uma inutilidade em uma ferramenta. Mas há mais coisa. A própria orientação do ensino tem que refletir preocupações muito mais cosmopolitas. É preciso aprender a operar em contato com sociedades diferentes. A escola deve passar a preparar as pessoas a lidar com a diversidade cultural, com instituições diferentes, com valores diversos e contraditórios. A tolerância cultural deve aumentar. E finalmente, há uma clara tendência para definir níveis de desempenho em comparação com outros países. Há cerca de trinta anos aparece o primeiro movimento para preparar e aplicar testes de rendimento escolar em vários países ao mesmo tempo. As comparaçoes resultantes escandalizaram alguns, atemorizaram outros, ensinaram lições mas, sobretudo, vieram para ficar. Cada vez mais há tentativas de comparar países e regiões. Não apenas isso, mas começa a nascer a idéia de definir padrões internacionais de desempenho. O International Baccalaureat é talvez o experimento mais arrematado e bem sucedido. Escolas que queiram participar adotam um programa comum e critérios equivalente para a aprovação dos alunos. Os diplomas do IB são aceitos pelos sistemas de ensino de todos os países industrializados e são considerados equivalentes ao Baccalaureat francês, o maturité suiço, o A+ inglês e o Abitur alemão. O Brasil, neste cenário, está tão avançado quanto lhe permite o subdesenvolvimento da sua educação. Dadas as características socioculturais na nação, não há resistência a mover-se nesta direção e tornar-se mais internacional. O problema é que o progresso está condicionado pelo atraso do nosso ensino.