Economia, Política e Desenvolvimento
VOLUME1• NÚMERO 2• JULHO 2010
CAP - CENTRO DE ANÁLISE DE POLÍTICAS DA FLCS / UEM
Revista Científica Inter-Universitária
Economia, Política
e Desenvolvimento
VOLUME1
NÚMERO 2
JULHO 2010
Economia, Política
e Desenvolvimento
Revista Científica Inter-Universitária
ECONOMIA, POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO
ECONOMIA, POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO
FICHA TÉCNICA DA REVISTA
ÍNDICE
Director: Eduardo J. Sitoe ([email protected])
Editor: Gerhard Liesegang ([email protected])
Sub-editor: Gil Lauriciano ([email protected])
Revisor Linguístico: Gilberto Matusse ([email protected])
Nota Introdutória
1
Prefácio do II Número da Revista Científica Inter-Universitária
3
Reforma do Sector Público: Tendências Contemporâneas
Boas Práticas no Quadro de Reformas do Sector Público Moçambicano
GELASE MUTAHABA
7
Conselho Científico
Presidente: José Paulino Castiano ([email protected])
Adriano Niquice ([email protected])
João Mosca (joã[email protected])
Vitória de Jesus Langa ([email protected])
Boris Tanana
José J. da Silva ([email protected])
Carlos Shenga ([email protected])
Hilário Langa ([email protected])
Thomas Kring ([email protected])
Alice Madeira ([email protected])
Silvério Ronguane ([email protected])
- U.Pedagógica (UP)
- U.Pedagógica (UP)
- A Politécnica
- A Politécnica
- ISCTEM
- ISCTEM
- ISAP
- ISAP
- PNUD
- PNUD
- ISRI
Secretariado Técnico
Nobre de Jesus Canhanga ([email protected])
Francisco da Conceição ([email protected] )
Sáula Pinto ([email protected])
- UEM-CAP
- UEM-CAP
- UEM-CAP
Produção:
Centro de Análise de Políticas (CAP), Faculdade de Letras e Ciências Sociais, Universidade
Eduardo Mondlane (FLCS/UEM)
Apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)
N.º de Registo:
046/GABINFO-DEC/2009
Tiragem
1000 exemplares
Impressão:
Académica, Lda.
O Orçamento de Investimento de Iniciativa Local
e a Dinamização da Economia Rural em Moçambique:
Resultados, Desafios e Perspectivas
SALIM CRIPTON VALÁ
27
Participação dos Cidadãos nos Conselhos Locais e na Monitoria
do Plano-Económico-sociale Orçamento Distrital - PESOD
MANUELA RICO E ARMINDO TOMO
53
Registo de Crianças em Brigadas Móveis:
Uma Lição da Aproximação da Administração da Justiça às Comunidades
MANUEL DIDIER MALUNGA
65
Contextualização do Sector Micro Financeiro em Moçambique
Período 2000 A 2006
JACQUELINE A. H. HAFFNER E ODEISSE DE MIRA MATILDE DANIEL
83
Referências
101
Economia, Política e Desenvolvimento
ÍNDICE
Nota Introdutória
1
Prefácio do II Número da Revista Científica Inter-Universitária
3
Reforma do Sector Público: Tendências Contemporâneas
Boas Práticas no Quadro de Reformas do Sector Público Moçambicano
GELASE MUTAHABA
7
O Orçamento de Investimento de Iniciativa Local
e a Dinamização da Economia Rural em Moçambique:
Resultados, Desafios e Perspectivas
SALIM CRIPTON VALÁ
27
Participação dos Cidadãos nos Conselhos Locais e na Monitoria
do Plano-Económico-sociale Orçamento Distrital - PESOD
MANUELA RICO E ARMINDO TOMO
53
Registo de Crianças em Brigadas Móveis:
Uma Lição da Aproximação da Administração da Justiça às Comunidades
MANUEL DIDIER MALUNGA
65
Contextualização do Sector Micro Financeiro em Moçambique
Período 2000 A 2006
JACQUELINE A. H. HAFFNER E ODEISSE DE MIRA MATILDE DANIEL
83
Referências
101
Economia, Política e Desenvolvimento
Economia, Política e Desenvolvimento
NOTA INTRODUTÓRIA
No Plano Quinquenal do Governo moçambicano (2004-2009), “Boa Governação” foi
vista como a capacidade de aproximar os serviços aos cidadãos e, nesse sentido, o Governo preconizou a realização de actividades que reduzam a distância entre o Estado e a
sociedade e que, por essa via, promovam formas de democracia participativa.
Ao coordenar a organização da Conferência Nacional da Administração Pública, o ISAP
(Instituto Superior de Administração Pública) pretendia criar uma oportunidade para disseminar as boas práticas na prestação de serviços enquadradas no âmbito da implementação da Reforma do Sector Público. Optamos pela Conferência, inspirados no significado do conceito: conversação entre pessoas sobre assunto de interesse comum, público
ou internacional. Daí o tema: “Boas Práticas no âmbito da Reforma do Sector Público
em Moçambique”.
A missão do ISAP (Escola de Governo) é formar e capacitar em Administração Pública
os dirigentes e quadros em funções de direcção e chefia com vista à Boa Governação. À
semelhança de outras Instituições de Ensino Superior, o ISAP também se deve distinguir
pelo Ensino, pela Investigação e pelas actividades de Extensão que realiza.
Pretendíamos, com a Conferência Nacional, ser a plataforma giratória de assuntos relacionados com a Administração Pública moçambicana. Impunha-se, perto do fim da II
Fase da Reforma do Sector Público em Moçambique, realizar o exercício de balanço e
preparar outra reflexão mais académica sobre a formação em Administração Pública. A
Conferência Nacional funcionou, assim, como um sistema de vasos propulsores: permitiu a retrospectiva sobre a Reforma do Sector Público e lançou as sementes de um outro
evento, também concebido pelo ISAP e projectado para o último terço de 2010.
Trata-se do Simpósio Internacional sobre “Formação em Administração Pública para a
Boa Governação”, que deverá congregar escolas de governo, especialistas e instituições
académicas que formam em Administração Pública. Há, por conseguinte, um nexo de
sentido que se prolonga para além do evento que foi a Conferência.
A Conferência Nacional foi uma miscelânea de acontecimentos. À solenidade emprestada pela presença do Chefe do Estado, Armando Guebuza, quer na Sessão de Abertura,
quer na Inauguração da Exposição, combinou-se a reflexão endógena e a participação
de convidados estrangeiros. O debate de ideias, a partilha de vivências e as amostras
patentes nos pavilhões conferiram tonalidades outras ao Centro Internacional de Conferências Joaquim Chissano.
A relevância das instituições, qualquer que seja a sua natureza, (com acuidade particular
para as que têm o dever de transformar o Homem e o seu modus vivendi) constrói-se
também através dos eventos que realiza, com os factos que propicia, pela visão que
desenha, no conhecimento que produz e faz circular e pelo impacto que tem sobre a sua
sociedade e sobre o seu tempo.
1
Economia, Política e Desenvolvimento
A colectânea das Comunicações que ora se apresenta ao público, nas asas da Economia,
Política e Desenvolvimento, primeira revista científica inter-universitária moçambicana,
tem um duplo significado: consagra o diálogo saudável entre Instituições de Ensino Superior em Moçambique; coloca o ISAP, por via dessa condição e da divulgação do conhecimento propiciada pela Conferência, na senda da reflexão académica e universitária
sobre as opções e experiências em matéria de Administração Pública no país (com enfoque na Reforma do Sector Público). Há neste conjunto de textos a celebração do poder
e da força das ideias, construídas na experiência diária, inspiradas nas atribulações quotidianas. Há também a combinação possível entre o pensar académico, livresco e aquele
saber de experiência feito. Os organizadores pretendiam que a Conferência Nacional da
Administração Pública fosse esse híbrido.
Almiro Lobo, Director-Geral do Instituto Superior de Administração Pública
2
Economia, Política e Desenvolvimento
PREFÁCIO DO II NÚMERO DA REVISTA CIENTÍFICA
INTER-UNIVERSITÁRIA
A filosofia da Revista Científica Inter-Universitária Economia, Política e Desenvolvimento, que agora aparece no seu segundo número, consagra a possibilidade de, nalgum
dos seus números a publicar, por ano, serem contemplados textos que tenham como origem um seminário ou uma conferência nacional, regional ou local, independentemente
do tema abordado em tais eventos, desde que se enquadrem no perfil editorial da Revista.
Este é o caso do número que têm agora nas mãos!
O objectivo desta determinação é duplo: (a) assegurar que importantes comunicações
que surjam nestes ambientes, com audiências a propósito seleccionadas e/ou direccionadas, atinjam um público mais diversificado e vasto (sobretudo aquele mais associado a
contextos académicos); e (b) garantir que os estudantes e investigadores tenham acesso a
documentos de informação/análise mais ou menos oficiais e oficiosos, com referenciais
empíricos abundantes e pormenorizados, geralmente lavrados por intervenientes directos nos processos em questão.
Não raro, surgem (ou podem surgir!) em seminários e/ou conferências da índole supra tipificada obras com um estatuto académico inquestionável. Mas também aparecem
(ou podem aparecer!) simples apontamentos de experiências/vivências profissionais
quotidianas, sem pretensões de rigor científico e/ou filosófico: todos estes documentos
são igualmente relevantes para o empreendimento que a Revista decidiu abraçar. Neste
número, são trazidos cinco documentos que resultaram da 1ª Conferência Nacional da
Administração Pública em Moçambique, realizada em 2009 na Cidade de Maputo.
O primeiro texto, da lavra de Gelase Mutahaba, professor de Administração Pública da
Universidade de Dar-es-Salaam, Tanzânia, disserta sobre as reformas do sector público
(ou da administração pública) inseridas no âmbito do que se convencionou designar de
Nova Administração Pública (ou New Public Management – NPM - na sua versão Inglesa), destacando a natureza das pressões que lhes deram origem, os seus traços fundamentais – quer nos países desenvolvidos, quer nos seus contornos específicos nos países
em desenvolvimento como Moçambique –, apresentando, por fim, o resultado de uma
pesquisa acerca do estágio da implementação deste tipo de reformas em 10 (dez) países
da África Austral e Oriental, que inclui, entre outros países para além de Moçambique,
Tanzânia, Zâmbia, Malawi e África do Sul, só para citar aqueles que têm contiguidade
fronteiriça com o nosso país. Nesta última dimensão analítica, e especificando o caso de
Moçambique, o estudo assinala: “ …(em termos formal e legal) o país tem uma agenda
de reforma esclarecedora, que inclui todas as recentes medidas da Nova Administração
Pública – NPM – mas, no terreno, muito pouco parece estar a ocorrer”. O estudo aponta
depois as razões para esta constatação, anotando, contudo, a eventualidade de tal facto
ter sido, contra os argumentos sugeridos pelo modelo do NPM, motivo para o sucesso
relativo do Governo moçambicano na realização do que a pesquisa considera “reforma
básica e adequada ao contexto”.
3
Economia, Política e Desenvolvimento
O segundo documento resulta da contribuição dada por Salim C. Valá, na altura Director
Nacional no Ministério da Planificação e Desenvolvimento, que relata a génese, tipificação, evolução, regulamentação, exercício e impacto do Orçamento de Investimento
de Iniciativa Local (o OIIL). Valá movimenta-se aqui num território que lhe é bastante
familiar – a julgar pela natureza de referências que evoca para a validação dos seus
argumentos – e discorre sobre conceitos/termos que se tornaram incontornáveis no discurso político actualmente em voga no País acerca dos “7 milhões”, o “distrito como
unidade de planificação/orçamentação” e/ou como “pólo de desenvolvimento”, o papel
dos “conselhos consultivos locais (CCL) ” e o desafio do “combate à pobreza”. Sobre estes aspectos o autor faz transparecer uma convicção inabalável: (a) “…os ‘7 milhões de
MT’ são uma das mais corajosas decisões políticas tomadas pelo governo do Presidente
Armando Guebuza”; (b) “O OIIL está a contribuir para mudar Moçambique no sentido
de assegurar mais produção de alimentos, maior geração de emprego e renda acrescida
para as famílias rurais”; (c) “…os CCL constituem um dos mais inovadores actores institucionais que emergiram no ano 2006”; e outros exemplos que ilustram a avaliação
positiva que o autor faz sobre a implementação do programa que analisa.
São muitos os estudantes (e estudiosos!) que presentemente se preocupam com o tipo
de matérias que Salim Valá aborda no seu texto que poderão beneficiar do arsenal de
informação factual/regulamentar cronologicamente sistematizado e pormenorizado que
consta do seu documento, ainda que não comunguem do seu entusiasmo em relação ao
desempenho e impacto dos processos associados ao OIIL. A Província de Inhambane,
no seu relato sobre uma experiência – bem sucedida – de participação dos cidadãos
através das Comissões de Trabalho dos Conselhos Consultivos Locais (CCL) na monitoria do Plano Económico e Social Distrital (PESOD) parece corroborar as anotações
de Valá acerca da utilidade/actualidade/pertinência destas instâncias/instituições de participação comunitária nos processos de governação local. O documento, proveniente de
Inhambane, com o seu autor colectivo, Manuela Rico, na altura Secretária Permanente
da Província de Inhambane e Armindo Tomo, Acessor de Planificação e Finanças Descentralizadas em Inhambane, também consta no presente número da Revista.
Outros dois textos seleccionados para este número da Revista são da autoria de Manuel
Didier Malunga, na altura Director Nacional dos Registos e Notariado no Ministério da
Justiça, que apresenta um apontamento sobre a concepção, decurso e resultados de um
projecto/programa de registo de crianças feito por intermédio de brigadas móveis em
várias zonas do País, e de duas economistas, uma oriunda do Brasil, Jacqueline Haffner
e outra de Moçambique, Odeisse Matilde Daniel, que dissertam sobre o sector de micro
finanças em Moçambique, oferecendo dados/análises sobre a formação das instituições
que oferecem serviços de micro finanças, o impacto das suas intervenções particularmente nas zonas rurais, a relevância deste sector no desafio de combate à pobreza no
País, bem como aspectos mais gerais atinentes à dinâmica do mundo financeiro/bancário
em Moçambique.
4
Economia, Política e Desenvolvimento
Renovamos o nosso convite para que estudantes, investigadores, fazedores de políticas,
formadores de opinião e outros cidadãos atentos se engajem nesta Revista, contribuindo
com textos e/ou interagindo com as obras nela constantes, para que se desate um amplo
movimento de debate cívico/académico sobre desafios/problemas/problemáticas de desenvolvimento, sobretudo enquadrados numa perspectiva socioeconómica e/ou política
que possa contribuir para o bem-estar material, intelectual e moral da sociedade moçambicana.
À direcção do Ministério da Função Pública (MFP) especialmente Instituto Superior
de Administração Pública (ISAP), dignos organizadores da Conferência Nacional da
Administração Pública, de onde retiramos o conjunto de textos inseridos nesta Revista,
o nosso muito obrigado!
Eduardo J. Sitoe, Director da Revista
5
Economia, Política e Desenvolvimento
6
Economia, Política e Desenvolvimento
Reforma do Sector Público: Tendências Contemporâneas
Boas Práticas no Quadro de Reformas do Sector Público Moçambicano
Gelase Mutahaba1
Maputo, Moçambique
5-6 Junho, 2009
1 - Professor de Administração Pública, Universidade de Dar-es-Salaam, Tanzânia
7
Economia, Política e Desenvolvimento
Introdução
Vários governos estão concentrados em processos de reformas. Estes iniciaram a bastante
tempo e já foram discutidas por políticos, académicos, investigadores que têm apontado
algumas inovações2 significativas do processo. A despeito deste longo processo, nos anos
80, os governos a escala mundial mostraram-se cada vez mais preocupados em reforçar a
eficácia e eficiência dos seus serviços públicos e, consequentemente, tomaram medidas
formais para reformar a governação e o desempenho das instituições administrativas.
Este artigo aborda as reformas do sector público iniciadas nos anos 1980, e em processo
neste momento, a qual passou sendo conhecida por reformas da Nova Administração
Pública).
O artigo está dividido em cinco secções, que incluem a introdução e a conclusão. Na
secção 2, identificamos as pressões que deram origem ao movimento de reformas dos
anos 80, as suas principais características e o enfoque estratégico, tal como ilustrado
pelas experiências dos velhos países da Commonwealth (Reino Unido, Austrália e Nova
Zelândia), que foram os pioneiros destas reformas. A secção 3, cobre a experiência
dos países em desenvolvimento referentes à adopção das reformas resultantes da crise
económica dos anos 1980 a 1990, dado que eles estavam também a implementar os seus
Programas de Reajustamento Estrutural (PRE). Na secção 4, debatem-se as tendências
sobre o período actual, com base em trabalhos de investigação que foram realizados pelo
autor e colegas, em matérias sobre a reforma estatal no sector público na África Austral
e Oriental (2000-2006). A concluir, apresentam-se lições para Moçambique a partir das
experiências documentadas nas secções 3 e 4, uma vez que o país traça a sua rota e
caminho para o futuro no prosseguimento da reforma do sector público.
As Pressões para Reformar e as Respostas Apresentadas pelos Países
Desenvolvidos
Muitos estudos sugerem que o movimento de reformas do sector público que iniciou
com a crise dos anos 80 foi posteriormente baptizado de New Public Management –
NPM (Nova Administração Pública) resultou de dois factores:
Primeiro, o início dos anos 1980 viu um mundo mergulhado numa crise global de recessão económica, em que muitas nações enfrentaram problemas com a sua balança de
pagamentos, termos de translações comerciais voláteis e uma grande erosão do poder de
compra dos governos. Os Governos recorriam em grande medida a empréstimos como
uma fonte de rendimentos, o que resultou em endividamentos internos e externos. Nessa
altura, o endividamento em alguns países eram maiores do que os seus PIB. Os níveis da
dívida anual atingiram os 80% do total do orçamento do Estado. Ao notar este desenvolvimento alarmante retiraram, tardiamente, as facilidades de créditos. Como consequência, por volta de meados dos anos 80 os créditos esgotaram-se dramaticamente.
2 - Vide obras de Max Weber, Woodrow Wilson, Gerard Caiden, para citar alguns.
8
Economia, Política e Desenvolvimento
Durante longo tempo, muitos governos tinham investido no desenvolvimento económico e social, incluindo nas infra-estruturas, e haviam expandido o tamanho do sector
público. Este investimento no seu todo necessitava de ser mantido, o que envolvia um
nível crescente de despesas recorrentes numa altura em que os rendimentos do governo
estavam a decrescer. A necessidade de reduzir as despesas do sector público era urgente
e inevitável.
No entanto, e de modo muito significativo, o desempenho do sector estatal em crescimento estava aquém do exigido. Esta situação estava a corroer a confiança que se tinha
na capacidade do governo e do sector estatal de providenciar bens e serviços aos cidadãos, e, num período de poucas décadas, a nível internacional, os serviços públicos/
governamentais haviam adquirido uma reputação negativa.
Nos países democráticos, os cidadãos expressavam a sua insatisfação através de revoltas
tributárias, e as questões relativas à prestação de serviços moldavam de modo crescente
a agenda eleitoral. A máquina do governo não poderia ser tomada de ânimo leve, e a
natureza e qualidade dos serviços tornaram-se um tópico da reforma.
Segundo, a vaga de pressões veio do colapso do processo ou sistemas económicos de
planificação centralizada do bloco do leste, que tinha os piores resultados em termos de
desempenho na prestação de serviços públicos a nível mundial, e demonstrou que as
soluções para os problemas de provimento de maus serviços exigia, por um lado, um
repensar sobre como as operações do governo são geridas, e, por outro, a reavaliação do
papel do governo no que toca às políticas económicas e à provisão de serviços e bens
públicos, mostrando que o consenso pós-guerra concernente à divisão de actividades
entre o governo, o sector privado e as organizações não governamentais se havia tornado
rapidamente nublado.
A liderança das instituições da Bretton Woods, foram também decisivas ao pressionar a agenda da reforma nos países em desenvolvimento onde a adopção de políticas
económicas neo-liberais era a condição exigida para ter acesso à ajuda ao desenvolvimento. Dadas as condições da crise em que estes países se encontravam, eles não tinham
a musculatura suficiente para resistir à pressão, por isso, tiveram que adoptar as reformas
mesmo que estas não fossem adequadas.
As pressões exercidas geraram uma nova abordagem sobre as causas dos fracassos nos
serviços públicos. Tradicionalmente, os fracassos na prestação de serviços eram vistos como sendo problemas de organização que requeriam uma liderança política e uma
gestão determinada. A nova abordagem atribui os problemas à natureza do governo. O
governo, tinha chamado a si demasiadas responsabilidades e havia-se tornado demasiado grande – a solução era reduzir o seu tamanho. O movimento da reforma dos serviços
públicos que havia sido encabeçado pelo Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia esteve
coberto da necessidade de pensar de forma diferente sobre o papel do governo no contexto da governação social. Foram tomadas medidas que tinham como objectivo fazer
com que o Governo deixasse de ser o principal veículo para atingir o desenvolvimento
socio-económico para se tornar um meio de direcção e facilitador do processo de de9
Economia, Política e Desenvolvimento
senvolvimento. Os pacotes que constituíram as intervenções da reforma para alcançar a
concepção anterior do papel do governo, incluíam:
• Um governo com um enfoque na formulação de políticas, estabelecimento de padrões
e regulamentação dos outros actores.
• Uma maior partilha de responsabilidades de desenvolvimento e prestação de serviços
com actores não governamentais através da privatização, contratação e arranjos de parcerias, e
• Uma descentralização da responsabilidade da provisão de serviços a instituições de
governo locais controladas pelos cidadãos ou a agências autónomas subsidiárias do governo.
Os países pioneiros da reforma reconheceram que a redefinição do papel do governo, em
si mesma, poderia resultar na melhoria da prestação de serviços, por isso, adoptaram um
número de reformas paralelas e correspondentes dentro do governo central. Os temas
mais comuns neste aspecto são:
• Adoptar medidas de reformas de modo a garantir que o Governo tenha a capacidade de
eficientemente jogar o seu novo e principal papel de desenvolver políticas e estabelecer
um regime regulatório sólido.
• Adoptar medidas com o objectivo de distinguir as responsabilidades políticas e de
gestão dentro das novas estruturas públicas. Isto inclui a separação da actividade de
formulação de políticas de implementação, como um meio de reforçar a prestação de
contas. Na Austrália, Reino Unido e Nova Zelândia, este aspecto está relacionado com
a criação de agências executivas, que podem operar em extensão a partir de ministérios,
sem que sejam constrangidas por regras burocráticas.
• Adoptar pensamento diferente sobre o pessoal. Esta medida exige a revisão das políticas tradicionais de gestão dos recursos humanos do sector público, apoiada por uma
monitoria apertada dos números totais de funcionários e custos, acompanhada de um
processo consciente de comprometimento dos funcionários no processo de mudança. Na
Nova Zelândia, por exemplo, os funcionários, especialmente a nível superior, passaram
a ser recrutados em termos de contrato, ao invés do sistema de emprego para toda a vida
que vigorava no passado.
• Adopção de medidas do sector privado, de modo a fazer com que as instituições de
prestação de serviços do sector público pensassem sobre as necessidades dos utentes e
fazer com que estas instituições prestassem contas a estes mesmos utentes, através da
adopção da carteira de clientes e de cidadãos, tal como no caso da Nova Zelândia e do
Reino Unido.
• À medida que os governos se distanciam da preocupação de fazer coisas para se virarem para a preocupação de assegurar que as coisas sejam feitas, o enfoque tem-se
afastado dos processos formais para se direccionar cada vez mais para o alcance de
resultados. Esta mudança notável no estilo de gestão, denominada ‘empresariado governamental’, tem sido muito forte nos países desenvolvidos e, até certo ponto, nos países
recentemente industrializados.
Durante a década de 90, a revisão e análise dos resultados destas reformas sobre a prestação de serviços nos países desenvolvidos produziu marcos muito elevados. Os serviços
públicos de saúde e do sector da educação melhoraram no Reino Unido sob a política/
10
Economia, Política e Desenvolvimento
instrumento “next steps”.
Por seu turno, a introdução dos contratos com base no desempenho na Nova Zelândia resultou numa melhoria notável, como mostram os estudos levados a cabo sob os auspícios
da Commonwealth Association for Public Administration Management (CAPAM), nos
meados dos anos 1990 (Kaul:1995). Os cidadãos estavam satisfeitos com os resultados,
o que é ilustrado pelo facto de a Senhora Margareth Thatcher ter sido Primeira-Ministra
do país por três mandatos consecutivos.
No entanto, a situação em termos de benefícios resultantes da reforma não é linear. Duas
décadas após o seu início, os resultados das avaliações são variados. Primeiro, sob a
tendência geral dirigida a estruturas administrativas ‘leaner and meaner’, existem muitas correntes na direcção oposta. A liberalização económica traz consigo uma demanda
aumentada de actividades regulatórias. Igualmente, uma pressão forte direccionada a
serviços orientados para o utente pode resultar em exigências de mais ao invés de menos
governo, com uma ênfase sobre a transparência e prestação de contas ao invés do tamanho do governo. Este foi o caso no Reino Unido, tal como o Governo Trabalhista veio
a perceber quando tomou o poder em 1997. Em segundo lugar, a separação da actividade
de formulação de políticas de implementação tem trazido desafios relativos à prestação
de contas entre os políticos e os secretários permanentes, por um lado, e por outro, os
chefes executivos de agências autónomas.
Sobre este dilema a questão que se colocava era de saber quem fica com os louros quando as coisas correm como deve ser e quem deve ser culpabilizado quando elas correm
mal? Será o formulador de políticas ou o implementador? A questão continua sendo um
grande ponto de interrogação para os países pioneiros da reforma no sector público e
levanta questões sobre a eficiência das agências executivas como instrumentos de governação nos países democráticos3.
Em terceiro lugar, as reformas relativas à contratação de funcionários públicos seniores e
à troca de funcionários entre os sectores privado e público estão a trazer maiores desafios
aos valores e tradições do sector público, incluindo a possibilidade de um princípio de
cometimento sobre uma neutralidade e anonímia do sector público. Mais subtilmente,
as reformas são vistas como tendo subestimado os produtos menos tangíveis do sector
público, tais como o aconselhamento sobre políticas, regulamentação e manutenção da
lei, que estão em segundo plano em relação à preocupação concreta que se tem com a
prestação de serviços.
3 - Como aconteceu no Reino Unido, quando presos escaparam da prisão em 1996 e os ministros e o Chefe dos Serviços
Prisionais se acusaram mutuamente, cada um dos partidos dizendo que a culpa não era sua..
11
Economia, Política e Desenvolvimento
A resposta dos Países em Desenvolvimento à Crise dos Anos 1980
Como foi referenciado atrás, as respostas políticas dos países em desenvolvimento à
crise económica dos anos 80 foi forjada pelos doadores, na sequência das estratégias de
reformas neo-liberais, que foram sendo seguidas nos países desenvolvidos. As opções
políticas principais giraram à volta da redução do papel do governo e da criação de
actores não governamentais no processo socio-económico e de governação. A adopção
de tais políticas de resposta a crise no sector público foi baseada na premissa de que
esta emergiu do crescimento e da expansão demasiada do Estado e, por conseguinte, a
solução da crise passava pela contenção e redução dos gastos públicos. Neste sentido,
as medidas tomadas incluem o controlo do crescimento da despesa pública, reduzindo
os custos operacionais relativos à gestão das operações governamentais e contendo as
despesas com os salários.
As medidas relativas à contenção das despesas com os salários incluíram i) fazer avaliações funcionais, ii) recensear os serviços públicos para detectar “funcionários fantasmas”, iii) reforçar o estabelecimento de controlo sobre os pagamentos de modo a prevenir o aumento anual de funcionários e a proliferação de orçamentos atinentes a folhas
de pagamentos. Foram também feitos esforços para reduzir a proliferação de subsídios,
incorporando-os, na medida do possível, no pagamento e aumento da remuneração total. As medidas relacionadas com este aspecto incluíram a privatização das empresas
públicas ou o seu encerramento, quando não havia compradores, incluindo aquelas que
providenciavam serviços estratégicos.
Se as reformas tiveram um impacto positivo na prestação de serviços nos países desenvolvidos, tal como vimos na secção anterior, nos países em desenvolvimento os resultados não foram positivos. Primeiro, nos países desenvolvidos as reformas foram sendo
implementadas dentro de instituições do sector público consolidadas e estabelecidas,
onde as instituições burocráticas do tipo Weberiano estavam plenamente desenvolvidas.
As reformas tinham como intenção a resolução dos problemas da eficiência e eficácia
das suas operações. Nos países em desenvolvimento, por outro lado, os sistemas de administração e as instituições do estado eram fracos e os quadros estruturais burocráticos
não tinham ainda sido enraizados. Tentar remediá-los em tempo de crise apresentava
uma grande probabilidade de gerar uma crise mais grave no sector público sem antes ser
resolver o problema.
Em segundo lugar, as medidas tomadas para reduzir o tamanho e as despesas do estado
não foram sustentáveis. Muitos dos funcionários que foram alvo da redução estavam a
trabalhar no sector de provisão de serviços – educação, saúde, fornecimento de água,
etc. A sua redução resultou na deterioração dos padrões de prestação de serviços e veio
numa altura em que a política liberalista estava à porta: os políticos tinham de reverter as
suas decisões para sobreviver. Por exemplo, no Quénia, o número de crianças em idade
escolar estava a crescer rapidamente, o que levou a que o congelamento em termos de
contratação fosse removido apenas um ano após a imposição desta medida. No Ghana,
as agências para-estatais e subsidiárias providenciaram uma porta de cavalo para a reentrada para o serviço governamental de funcionários que haviam sido despedidos dos
ministérios e departamentos governamentais, os quais, na sua maioria, mantinham, os
12
Economia, Política e Desenvolvimento
seus pacotes de indemnizações.
Do modo como isto aconteceu, a redução dos números de funcionários públicos foi uma
miragem. Mais importante ainda é que as medidas não só tiveram resultados desapontadores em termos do alcance dos objectivos pretendidos, como também, tiveram nalguns
casos, um impacto adverso e desastroso sobre a saúde e a capacidade do sector público.
Ao fazer com que as instituições públicas (em especial, as que são responsáveis pela
saúde, educação, geração de emprego, manutenção da lei e ordem e justiça administrativa) ficassem sem agentes e recursos financeiros, tornou difícil a manutenção de padrões
de qualidade na provisão de serviços. Mais ainda, para além da redução ou eliminação
de incentivos estabelecidos para motivação do pessoal, os aspectos de custo-efectividade
do sistema da administração pública, agravaram a crise de valores éticos e fragilidade do
sentido de responsabilização agravaram a crise no sector público que os países africanos
já vinham enfrentando.
No momento crucial das reformas do sistema da administração pública que os serviços
testemunharam um aumento de actividades desenvolvidas a nível do sector informal, inflação da moeda e nos preços dos produtos da primeira necessidade, suborno e corrupção
(Balogun, 1989). As reformas no sistema da administração pública foram responsáveis
pelo desmantelamento das instituições de serviços públicos sem deixar quaisquer alternativas viáveis (Adedeji, 1992a).
As Reformas do Sector Público na África Austral e Oriental: Questões e Desafios
Os resultados desapontadores do programa de ajustamento estrutural conduzido pelas reformas nos países em desenvolvimento fizeram com que, os governos e doadores repensassem no final do Século XX, se o quadro de reformas era apropriado para resolver os
problemas de provimento de serviços do sector público nos países em desenvolvimento.
No Relatório de Desenvolvimento Mundial publicado em 1998, o Banco Mundial admitiu que tinha errado ao concentrar-se no desmantelamento das instituições. A África
precisava de construir instituições ao invés de destruí-las. No início do ano 1989, no
auge da implementação da reforma do sector público um estudo perspicaz conduzido
por Mutahaba at all (1989), já havia levantado preocupações relacionadas com as razões
de África estar a destruir os alicerces da burocracia antes de ter tido a oportunidade de
desenvolver e tornar-se eficientes (Mutahaba et all, 1989).
Tendo tirado lições desta experiência amarga, no dealbar da década 2000-2010, muitos
países em desenvolvimento, maioritariamente africanos, perceberam que tinham de
repensar as suas estratégias de reforma no sector público. Nesta secção revisitam-se às
tendências emergentes nas abordagens dos países em desenvolvimento para a reforma
do sector público, prestando atenção particular aos países da África Austral e Oriental.
O autor do artigo liderou entre os anos 2005/2006 um projecto de investigação sobre o
estágio das reformas do sector público a nível da África Austral e Oriental, o qual envolveu investigadores e peritos da região, incluindo Moçambique. Este artigo apresentase como uma oportunidade de partilhar os resultados com os líderes do sector público de
Moçambique, funcionários, estudantes, pesquisadores e académicos. O estudo comparativo teve como objectivo responder às seguintes questões:
13
Economia, Política e Desenvolvimento
• Quais são as forças motrizes que guiam as reformas do sector público nos países em
desenvolvimento? Haverá alguma tendência emergente nesses países?
• Quais são os principais enfoques estratégicos que a reforma quer atingir e como é que
estes estão relacionados com o quadro da Nova Administração Pública?
• Até que ponto a agenda da reforma é concebida internamente ou dirigida pelos doadores?
• Até que ponto a gestão das reformas é pertença dos países e que arranjos foram feitos
de modo a melhorar a administração local?
• Até que ponto as reformas planificadas estão a ser implementadas e como é que o nível
de eficiência pode ser explicado?
• Estarão as reformas a produzir algum impacto sobre a eficiência e eficácia da prestação
de serviços públicos?
• Qual a classificação destes 10 países?
• Como se podem explicar as variações em termos de eficácia de implementação das
reformas?
Cobertura e Enfoque: Comparação dos Países
As tabelas 1 e 2 reflectem as respostas por país no tocante à prioridade atribuída às
questões da reforma no sector público, em 2001 e 2005, respectivamente. Os números
indicam que os dez países estão de modo progressivo a distanciar-se do enfoque posto
na contenção de gastos e o alcance de um governo orientado para responder às preocupações relativas à melhoria da prestação de serviços públicos. Enquanto em 2001, todos
os países classificavam as medidas de contenção de custos (controlo do emprego, privatização e desenvolvimento do sector público) como uma prioridade, já em 2005 apenas
três dos dez países atingiram uma alta classificação na categoria deste indicador. Por
outro lado, em 2005, todos os países não só deram uma prioridade elevada à melhoria da
prestação de serviços públicos, como também mais de 80% deles fez da realização das
reformas do sector público o seu principal objectivo.
14
Economia, Política e Desenvolvimento
Tabelas 1 e 2: Classificação do Enfoque sobre a Reforma do Sector Público
por País – 2001
15
Economia, Política e Desenvolvimento
No entanto, as discussões – bem como as evidências resultantes das visitas de campo –,
revelam que existem grandes variações entre as intenções de levar a cabo reformas, tal
como está patente nos documentos oficiais, e a sua implementação. A tabela 3 apresenta
informação sobre o âmbito e cobertura das reformas dos serviços públicos em dez países
estudados em 2005. Existem alguns países onde o cometimento prevalece apenas no papel, enquanto noutros as respectivas medidas foram implementadas de modo intensivo.
Na secção que segue, fazendo uso de dados da tabela 3, faz-se a avaliação do grau de
envolvimento dos países participantes nas áreas mais importantes da reforma, incluindo
uma avaliação dos níveis da intensidade de implementação. Os elementos da reforma
são agrupados sob os seguintes sete subtítulos:
• Reformas básicas ou fundamentais, incluindo a reestruturação e o controlo do tamanho
e custo dos serviços públicos;
• Melhoramento da prestação de serviços em resultado das reformas;
• Reformas para reforçar a boa governação;
• Descentralização e governo local;
• Exploração das Tecnologias de Informação e Comunicação;
• Incentivos e reforma salarial;
• Procura de economia e controlo de gastos.
Tabela 3
Enfoque do PSRP
Sub-enfoque
Ruanda
Quénia
Malawi
Moçambique
África
Tanzânia
Uganda
Zâmbia
Namíbia
Botswana
do Sul
Reformas
Racionalização & Reestruturação
básicas/fundamentais
de ministérios.
3
1
1
1
3
3
2
1
2
3
3
1
1
1
0
3
1
1
2
3
1
1
1
0
3
3
1
1
2
2
2
1
1
1
3
3
2
1
2
3
3
1
1
1
2
3
1
1
1
1
0
1
1
1
3
3
1
1
2
3
0
1
1
0
3
3
2
1
1
2
2
1
1
1
3
2
1
2
3
3
1
1
1
1
3
3
2
1
2
3
1
Racionalização de agências
públicas
Reforma da formulação de
políticas / processos do Conselho
de Ministros/Governo
Gestão dos sistemas de
informação/registos
Melhoria da
Privatização das empresas
prestação de serviços
públicas
Resultados orientados para a
gestão/melhoria do desempenho
Parceria Público-Privado
Melhoria da capacidade dos
recursos humanos
Desenvolvimento da Liderança &
Gestão
Reformas para
Representatividade & acção
reforçar a boa
afirmativa
governação
1
1
1
1
3
3
3
1
1
Democratização
2
1
1
1
3
2
2
2
1
1
Anti-Corrupção
2
1
2
1
2
2
1
2
1
1
Reforço das instituições do
1
1
1
1
2
2
2
1
1
1
governo
Descentralização e
governo local
Descentralização/reforço do
2
1
1
1
3
2
2
1
1
1
2
1
1
1
3
2
2
1
2
3
2
1
1
1
2
2
1
1
2
3
governo local
Exploração das
Governo electrónico
Tecnologias de
Informação e
Comunicação
Incentivos e
Incentivos & pagamento da
pagamentos
reforma
16
Economia, Política e Desenvolvimento
A Tabela mostra os níveis intensivos e a consistência da implementação das reformas
nos países; 0 significa que não houve acção, enquanto 3 significa o nível mais alto de
acção.
Enfoque sobre reformas básicas ou fundamentais
Muitos países continuam a braços com as reformas básicas, o que o Banco Mundial designa de ‘reformas dos fundamentos do sistema administrativo público – “reform of the
fundamentals of the public administrative system” (David Steadman, 2001). Isto envolve
o controlo de números e custos do emprego no sector público. Por um lado, tal implica o
desenvolvimento e a instalação de sistemas que asseguram a racionalização das despesas
públicas e da mão-de-obra. Por outro lado, apesar de muitos países conseguiram passar
teoricamente de um nível de reformas de ajustamento estrutural lideradas pelas Instituições de Bretton Woods, as quais tinham como base a redução dos serviços públicos,
poucos destes conseguiram estabelecer mecanismos eficientes de controlo do crescimento e custo do emprego no sector público.
O falhanço resulta do retrocesso dos ganhos respeitantes à redução do tamanho do sector público. Os serviços públicos que haviam sido reduzidos voltaram a alargar-se. O
Quénia e o Uganda são casos notáveis, onde a recente expansão do emprego no sector
público pode ser um indicador do regresso à era do fenómeno do ‘funcionário fantasma
(Oyugi, 1994).
No entanto, quatro países Botswana, Moçambique, Namíbia e Tanzânia, tomaram medidas muito firmes para controlar o crescimento do emprego no sector público. As medidas
parecem estar a surtir um efeito relativamente eficaz. Na Namíbia, por exemplo, todos
os novos postos de trabalho têm de ser aprovados a nível central. Embora este processo
cause ocasionalmente algumas demoras, parece que está a funcionar sem sobressaltos.
Na Tanzânia, a aprovação para o estabelecimento de postos de emprego financiados no
seu todo pelo sector público é feita a nível central todos os anos e durante o processo
de elaboração do orçamento. Contudo, antes que os postos sejam ocupados, é exigida
uma adicional autorização central. Mais ainda, o posto de emprego e a gestão do seu
pagamento são monitorados através de Sistema Informático de Gestão de Informação
de Capital Humano (Human Capital Management Information System - HCMIS), que é
controlado conjuntamente pelo Gabinete do Presidente – Gestão do Sector Público – e
pelo Ministério das Finanças. Esta medida fez com que o problema relacionado com
“funcionários fantasmas” se tornasse coisa do passado.
O outro elemento da agenda da reforma básica que é transportado dos tempos da contenção de custos do ajustamento estrutural é a racionalização e reestruturação dos Ministérios, Departamentos e Agências. Quase todas as apresentações relataram que, apesar das
decisões de descentralizar e ter ministérios centrais concentrados no desenvolvimento de
políticas, estabelecimento de padrões para avaliação e monitoria, as sedes dos ministérios
ainda são desnecessariamente pesadas. No Uganda, existem mais de setenta ministros, o
mesmo acontece no Quénia onde depois da remodelação do Governo constituiu-se um
governo com mais de setenta ministros. Na Tanzânia, há críticas que dizem que, após
as recentes eleições, o Presidente não deveria ter nomeado um governo com sessenta
17
Economia, Política e Desenvolvimento
ministros e vice-ministros, numa altura em que a implementação deveria estar a ser feita
a nível do governo local.
Melhorias na Prestação de Serviços face à Reforma
Uma outra área fundamental e comum da reforma em que os países em questão estão
empenhados é a que envolve a adopção e introdução de uma multiplicidade de medidas
tendentes a melhorar a prestação de serviços. Estas medidas derivam de um número
de factores, em que se incluem a necessidade de mostrar ganhos visíveis resultantes
da reforma, após as perdas impostas pelo período de reforma e ajustamento estrutural,
respondendo assim à demanda pública que clamava por uma responsabilização e prestação de contas, transparência, influência das ‘novas ideias de reforma da gestão do sector
público, bem como mudança para uma economia de mercado e um desenvolvimento
económico liderado pelo sector privado, dentre outros aspectos.
Um tecto comum da reforma que tem sido adoptado pela maioria dos países é o Sistema
de Gestão do Desempenho. O seu objectivo é o de melhorar a prestação de serviços
através de um quadro de gestão de desempenho orientado para resultados e numa cultura
de enfoque nos resultados ao invés de processos. A chave reside na medição dos resultados e numa abordagem estratégica da planificação. Este sistema providencia um quadro
de alocação de recursos, prestação de contas, monitoria e avaliação do desempenho. O
sistema de avaliação de desempenho não é apenas a chave para o desempenho com recursos limitados, é também a chave para a produção de relatórios para o governo. Este
sistema integra os planos, os recursos e as actividades num único conjunto, tornando a
prestação de contas mais fácil. Os elementos chave do sistema de avaliação do desempenho consistem no estabelecimento de metas, resultados, indicadores de desempenho
e de monitoria.
Contudo, a situação no terreno está aquém do ideal, dado que a maior parte dos países
parece ter adoptado partes e pedaços do quadro de avaliação de desempenho e não tem
uma abordagem integrada para a sua implementação. O Uganda, por exemplo, reclama
ter um quadro de avaliação de desempenho operacional, existem questionamentos de que
estes não estejam atingindo os níveis ministeriais e distritais. De acordo com Byarugaba,
não existe uma evidência plausível, a nível do topo da liderança do Uganda, concernente
à sua compreensão ou ao seu cometimento relativamente ao quadro da avaliação de
desempenho, e em nenhum momento o Governo alocou recursos tangíveis para suportar a implementação deste mecanismo (Byarugaba, 2005). Bwalya observa que apesar
da Zâmbia ter iniciado a implementação de um conjunto de reformas no final dos anos
1990, até agora apenas o plano estratégico se tornou evidente e firmemente estabelecido
nos ministérios. Mesmo assim, os exercícios foram considerados inconsequentes, pois
os planos são raramente implementados, devido ao financiamento ad hoc e inadequado
adoptado ao longo do processo de aprovação (Byarugaba, 2005).
Apesar da fragilidade dos sistemas de avaliação dos funcionários públicos países como
Botswana, Tanzânia e África do Sul alcançaram sucessos relativos. O Governo do Botswana tornou o sistema de avaliação de desempenho como principal instrumento para
o alcance dos objectivos do país plasmados na Visão 2016 – e na sua agenda nacional
18
Economia, Política e Desenvolvimento
de desenvolvimento. O Governo aprovou a implementação, o Chefe de Estado lançou
este projecto à nação e fez pronunciamentos concernentes ao cometimento e à produção
de resultados com base em metas, e os ministros estão neste momento preocupados em
garantir a implementação deste quadro nos seus ministérios.
Todo o Conselho de Ministros participou num workshop que tinha como objectivo capacitar os membros a perceber e analisar o sistema de avaliação de desempenho. Para
além disso, o Parlamento para além de aprovar do orçamento foi lhe atribuído a responsabilidade de apreciar o sistema de avaliação de desempenho do pessoal na função pública. De modo a reforçar a eficácia do sistema de avaliação de desempenho foi
adoptado um conjunto de instrumentos. Estes incluem um sistema de premiação baseado
no desempenho (performance based reward system - PBRS), que liga o desempenho aos
prémios e reconhece ambos, quer a nível individual, quer a nível institucional, contratos
de emprego que pretendem gerir o desempenho e o baixo desempenho a nível sénior e
proporcionar flexibilidade ao Governo para que este possa estender estes mesmos níveis,
bem como o cartão de registo de equilíbrio e mapas de estratégia.
A Tanzânia decidiu adoptar o quadro referente ao sistema de administração com base no
desempenho como o instrumento fulcral para o programa da reforma do sector público,
que foi lançado pelo Presidente em 2001. As outras componentes do programa de reforma do sector público, incluindo a adopção de princípios meritocráticos na gestão
da coisa pública, têm como objectivo apoiar o processo avaliação do desempenho do
pessoal. Tal como no Botswana, os esforços têm como objectivo induzir melhorias na
prestação de serviços pelas instituições públicas, fazendo com que elas se concentrem
em resultados.
O quadro e o seu instrumento auxiliar – a planificação estratégica – foram estabelecidos
e estão, até um extremo significativo, a liderar e a guiar as operações do Governo. Contudo, tal como foi revelado por (Byarugaba, 2005) a adopção dos instrumentos que é a
planificação estratégica foi inicialmente ensombrada pela sua não efectiva ligação ao exercício de alocação do orçamento, negando-se-lhe daí quaisquer impactos. Consequentemente, isto não permitiu que as medidas da reforma fossem levadas com a necessária
seriedade. Esta situação já foi rectificada com a recente integração da planificação estratégica.
A África do Sul investiu somas consideráveis de recursos financeiros na instalação de
sistemas integrados de gestão com base em desempenho e instrumentos associados nas
suas instituições públicas. Este país aborda a melhoria do desempenho usando o conceito
de Bantho Pele, que significa ‘o povo primeiro’, o qual também vê os cidadãos como
clientes. Este instrumento está a produzir bons resultados no que toca à prestação de
serviços. Mesmo assim, tal como acontece com qualquer inovação, o Relatório Governamental sobre o Sector Público (2005) parece trazer dúvidas sobre se o Bantho Pele
está mesmo a produzir bons resultados na melhoria da prestação de serviços, porque o
enfoque dos Relatórios Departamentais, que são a principal fonte de dados na preparação
do Relatório sobre o Estado do Sector Público, tende a prestar mais atenção ao processo
e às actividades, ao invés de se centrar no desempenho e nos resultados (Kuye, 2006).
19
Economia, Política e Desenvolvimento
Reformas para Reforçar a Boa Governação
Reconhece-se agora que existe uma ligação entre as reformas do sector público e a boa
governação. Um elemento primário da boa governação é garantir que o cidadão tenha
uma opinião sobre como está a ser governado, isto é, ter um quadro democrático em
funcionamento aos níveis nacional e local, e, criar espaços para que os cidadãos possam
dizer quais os serviços de que precisam e quais os padrões de qualidade desses mesmos
serviços. Isso significa fazer com que os provedores de serviços sejam responsabilizados
pela prestação dos mesmos aos cidadãos.
Os países reclamam que têm como parte das suas reformas, uma agenda para aumentar o
âmbito do reforço da boa governação. Para não variar, as medidas incluem o estabelecimento de sistemas de governação descentralizados abaixo do nível central, quer através
de sistemas federais de governação, como na África do Sul, quer através da devolução da
governação e das responsabilidades concernentes à prestação de serviços aos governos
locais, como foi feito no Uganda, na Tanzânia, no Quénia e no Ruanda. Contudo, dos
quatro países, o Uganda parece ser o que está a implementar a descentralização através
da política de devolução com mais eficiência. Mais ainda, os outros países, incluindo a
Zâmbia, o Malawi, a Tanzânia e o Quénia, têm uma agenda para a descentralização do
poder para as áreas locais, mas, na prática, as medidas parecem ter como objectivo a
criação de oportunidades para que o centro possa sondar a opinião dos cidadãos e tomar
decisões controladas a nível central, dando uma imagem de que houve consulta às bases
ou participação destas a nível local, ao invés de partilhar o poder com elas.
Muitos arranjos desta natureza não envolvem a partilha com as autoridades locais das
decisões sobre os impostos ou matérias sobre a alocação de recursos, bem como a contratação ou despedimento de funcionários. Na Zâmbia, por exemplo, as instituições para
a descentralização foram estabelecidas sem ter um cunho legal sólido, uma situação que
reduziu a sua autoridade e enfraqueceu a sua capacidade de levar a cabo actividades para
o desenvolvimento local (Byarugaba, 2005).
Como parte dos esforços para reforçar a boa governação, muitos países, incluindo a
Namíbia, a África do Sul e a Tanzânia, têm vindo a aprofundar os mecanismos para tornar
as instituições de serviços públicos e seus oficiais responsáveis perante os cidadãos, quer
de modo directo (através de instrumentos como a carteira de serviços ao cliente, etc.),
quer indirectamente (através de relatórios ao Parlamento). Já foram tomadas as medidas
para reinstituir a conduta ética, a integridade e a credibilidade dos serviços públicos, que
estão sob três áreas gerais. A primeira foi a introdução de um novo ou melhorado código
de conduta ética na Tanzânia, no Uganda e na África do Sul. Como parte dessas medidas
no Uganda, o gabinete do Inspector-geral do Estado – que faz a supervisão e controlo das
actividades dos oficiais do governo para verificar transgressões e excessos não éticos –
continuou a fazer um trabalho louvável, embora haja reclamações segundo as quais, nos
últimos tempos, o gabinete tem relaxado a sua vigilância (Byarugaba, 2005).
Em Segundo lugar, a prestação de contas e a transparência no que tange à maneira como
os recursos públicos são usados expandiu-se para além das preocupações relativas as
preocupações tratadas pelos sectores de Inspecção ou Auditor Geral.
20
Economia, Política e Desenvolvimento
Elas incluem hoje questões de equidade, valor para o dinheiro e uso de recursos de modo
a obter resultados. O exemplo mais ilustrativo vem da Tanzânia, onde os intervenientes
são envolvidos no processo de elaboração do orçamento através do mecanismo apropriados, bem como através da publicação dos desembolsos financeiros para os governos
locais. No Botswana, ao gabinete do Inspector/Auditor Geral foram alocados mais recursos, quer em termos de pessoal, quer em termos financeiros, e está a fazer auditorias para
apurar o valor do dinheiro aplicado, para além de dar enfoque à provisão financeira.
Terceiro, as medidas para reforçar a prestação de contas por oficiais públicos seniores,
que apenas poucos países haviam mencionado ter adoptado nos princípios dos anos 2001,
estão agora a ser activamente utilizadas em muito mais países. Estas medidas incluem
a eliminação faseada das progressões nas carreiras profissionais com base no tempo de
serviço e a introdução de contratos de tempo determinado baseados no desempenho – um
afastamento dos antigos sistemas de avaliação de pessoal baseados em relatórios subjectivos e confidenciais fechados para abrir sistemas participativos e objectivos. Enquanto
em 2001 apenas o Uganda e o Zimbabwe haviam relatado ter elementos concernentes às
medidas acima mencionadas, em 2005, outros países, incluindo a Tanzânia, a África do
Sul e o Malawi, relataram ter adoptado alguns dos elementos ou então estar em processo
de se movimentarem nessa direcção.
Porém, em certos países a realização dos objectivos pretendidos é constrangido pelo ambiente político, gestão de aspectos culturais e fracos pacotes de incentivos. Devido a este
facto, tal como Kithinji Kiragu sugere, a sua adopção poderia, a certa altura, tornar-se
contraproducente ou resultar em consequências não intencionadas.
Descentralização, Governo Local e Pluralismo Institucional na Prestação de Serviços
As reformas nesta área incluem o estabelecimento de sistemas de governação descentralizados abaixo do nível central, quer através de sistemas de governo federal, quer através
da devolução da governação e responsabilidades pela prestação dos serviços públicos
aos governos locais, através da transferência das responsabilidades de prover serviços
para as agências autónomas, bem como através do trabalho em parceria com o sector
privado e organizações não governamentais.
Quanto à adopção de arranjos de governação descentralizados, eles parecem estar a ganhar mais popularidade do que em 2001. Enquanto em 2001 apenas poucos países haviam adoptado arranjos federais (África do Sul) ou arranjos de descentralização efectiva
(Uganda e Gana), recentemente, certos países, que incluem Malawi, Quénia, Tanzânia,
Ruanda e Zâmbia, têm uma agenda de descentralização do poder para o governo local.
Contudo, a situação no terreno não condiz com a retórica.
Com a excepção do Uganda, da Tanzânia e da África do Sul (que é um caso único), as
medidas de descentralização parecem ter o objectivo de criar oportunidades para o centro co-optar os cidadãos para um arranjo de tomada de decisões controlado a nível central, de modo a dar uma imagem de consulta e participação, ao invés de partilhar o poder
de modo equilibrado com o governo local. Muitos arranjos desta natureza não envolvem
a partilha com as autoridades locais das decisões sobre os impostos ou matérias sobre a
21
Economia, Política e Desenvolvimento
alocação de recursos, bem como a contratação ou o despedimento de funcionários. Na
Zâmbia, por exemplo, as instituições para a descentralização foram estabelecidas sem
ter um cunho legal sólido, uma situação que reduziu a sua autoridade e enfraqueceu a
sua capacidade de levar a cabo actividades para o desenvolvimento local (Byarugaba,
2005).
A criação de Agências Executivas para provimento de serviços públicos também captou
a atenção dos países e tem sido hoje em dia uma medida muito popular. O Uganda, a
Zâmbia e a Namíbia estabeleceram Agências Executivas para lidar com o provimento de
serviços nas obras públicas, na saúde e na educação. A Tanzânia foi provavelmente quem
deu passos mais visíveis nesta direcção nos anos 2001 e 2005, tendo estabelecido mais
de vinte e cinco agências similares até Novembro de 2005. Isto melhorou os níveis dos
serviços públicos de modo significativo (Governo da Tanzânia, 2004).
Uma outra área que veio à ribalta nos tempos recentes e que mostra ter um grande potencial para melhorar a prestação de serviços é o envolvimento do sector privado no
desempenho de funções não nucleares para o governo na prestação de serviços públicos.
Embora todos os países tenham iniciado a aplicação destas medidas, a África do Sul e
a Tanzânia são os que têm sido mais activos e têm o maior número de iniciativas neste
âmbito. Neste sentido, uma recente avaliação à implementação das reformas no sector público realizada na Tanzânia, mostra que os arranjos resultaram numa melhoria na
qualidade dos serviços prestados, para além de libertar os gestores dos serviços públicos
dessas ocupações diárias, dando-lhes tempo para se concentrarem no desenvolvimento
de políticas.
Exploração das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC)
Desde 2001 que a África do Sul está muito avançada em relação aos outros países na
aplicação da Tecnologia de Informação para melhoria das operações e o desempenho das
instituições do sector público. Só a África do Sul é que desenvolveu uma estratégia que
é hoje conhecida como sendo o e-government ou governo electrónico.
Quatro anos depois, todos os governos deram alguns passos com o intuito de explorar e
dominar as tecnologias de informação e comunicação – TIC –, mas essas medidas ainda
estão concentradas no uso de computadores de mesa (desktop) para substituir as máquinas de dactilografar e informatizar o pessoal e os sistemas de gestão financeira. Os países
que desenvolveram grandes estratégias para a aplicação das TIC de modo a melhorar
as operações governamentais e a prestação de serviços são a África do Sul (que iniciou
cedo), a Tanzânia, o Quénia, o Uganda, o Botswana e a Namíbia. A Tanzânia informou
aos outros participantes que o Conselho de Ministros havia aprovado uma política e uma
estratégia de desenvolvimento do e-government, que é gerida a partir do Gabinete do
Presidente.
O trabalho concernente ao desenvolvimento de infra-estruturas, incluindo o edifício para
a sede do e-government e as capacidades relacionadas com os recursos humanos já havia
sido iniciado.
A Namíbia estabeleceu um quadro de e-government sob a égide do Gabinete do Primeiro22
Economia, Política e Desenvolvimento
Ministro, de modo a oferecer uma plataforma abrangente para facilitar o acesso e a
partilha de informação de uma maneira transparente.
Incentivos e Reforma Salarial
A questão da reforma salarial foi listada pelos países participantes como um item no topo
da agenda. Com a excepção da África do Sul, da Namíbia e do Botswana, o pagamento
de salários baixos no sector público continuava a ensombrar os outros esforços feitos
no âmbito da reforma, incluindo a capacitação institucional, a gestão do desempenho,
e tal factor foi destacado como sendo responsável pelo aumento da prática da pequena
corrupção em quase todos os países. A Tanzânia adoptou recentemente uma política e
estratégia de reforma salarial a médio prazo, e parece que o país está disposto a resolver
o problema. Muitos países, incluindo Gana, Quénia, Malawi, Moçambique, Uganda e
Zâmbia estavam no processo de realização de estudos ou a caminhar nesse sentido para
apoiar o desenvolvimento de políticas na área de reforma salarial.
Quatro anos depois, os estudos planificados foram realizados em todos os seis países.
Neste momento, o Botswana, a Zâmbia, o Malawi, a Tanzânia, o Quénia e o Ruanda
adoptaram políticas de reforma salarial para o sector civil ou público. Contudo, a tradução
dos documentos em acções aconteceu apenas no Botswana e na Tanzânia, enquanto o
Ruanda deverá iniciar a sua implementação a qualquer momento (Ted Valentine, 2005).
É significativo notar que mesmo a Tanzânia, que nos últimos cinco anos tem mostrado
estar a prosseguir na agenda salarial de modo estável, no âmbito da reforma da política
salarial a médio prazo, o percurso tem sido difícil nos últimos tempos e a suplementação
do Selective Accelerated Salary Enhancement (SASE) para pagar os graus profissionais,
técnicos e de gestão está confinado a quatro ministérios, e o seu futuro é indefinido. Apesar destes reveses, o governo continua seriamente comprometido com a reforma salarial,
tal como ficou evidente quando o Presidente disse que “reforçar o salário para os funcionários do sector público será a prioridade principal do seu regime (“enhancing pay for
public service employees is going to be a major priority of his regime”)” (URT, 2005).
Procura de economia e redução de gastos
Todos os países são pobres, excepto a África do Sul, o Botswana e a Namíbia, até certo
nível, e são significativamente dependentes dos doadores para financiar as reformas do
sector público, bem como o seu desenvolvimento em geral. Dada a situação, poder-seia esperar que estes países adoptassem medidas para economizar o uso de recursos e
controlar o esbanjamento. Alguns países tomaram, em algumas ocasiões, medidas esporádicas para controlar os custos de transportes (Botswana, Tanzânia, etc.). O único
país que tomou medidas para lidar de modo sistemático com o esbanjamento de recursos
públicos é o Ruanda, que tomou três medidas sólidas. A primeira, lida com o transporte
do governo – onde toda a frota de transporte do governo foi leiloada e espera-se que os
oficiais públicos usem os seus próprios veículos para assuntos pessoais e de serviço,
providenciando o governo um subsídio para tal. A medida poupou ao Estado milhões de
dólares americanos no seu primeiro ano de implementação.
23
Economia, Política e Desenvolvimento
A segunda medida, relaciona-se com a habitação para os funcionários públicos. Tradicionalmente, o Governo providencia habitação aos oficiais seniores, o que se torna dispendioso, pois as casas não são geralmente muito bem mantidas e perdem o seu valor
de mercado muito rapidamente. As inovações incluíam leiloar todos os edifícios governamentais e facilitar a compra destes imóveis pelos funcionários públicos que neles
habitavam. Espera-se que o esquema poupe milhões de dólares ao governo e acrescente
valor no que toca à motivação dos funcionários públicos. Apesar de os outros países
terem tomado medidas variantes das acima expostas, elas não têm sido sistemáticas. A
medida final, está relacionada com espaços para acomodar escritórios. Esta medida envolve a consolidação de todo o espaço sob a gestão do Ministério das Infra-estruturas e
o arrendamento de tais espaços a outros ministérios a preços competitivos. Esta medida
instigou o sentido de economia entre os ministérios, e quase todos ocupam agora metade
dos espaços que antes usavam. Os ministérios que arrendavam espaços de privados passaram para edifícios pertencentes ao Estado.
Explicação das Variações da Eficiência na Implementação
O facto de todos os dez países subscreverem as mesmas questões gerais da reforma
não é surpreendente e tal factor é consistente com outros países que têm o mesmo nível
de desenvolvimento em outras partes do mundo. As reformas são indispensáveis se os
dez países quiserem alcançar os objectivos de desenvolvimento do milénio. Porém, existe uma variação sonante entre os vários países no que toca aos níveis de seriedade ao
abordar estas reformas. A África do Sul parece ser um caso aparte, comparada com os
outros, em termos da variedade das reformas que estão a ser levadas a cabo neste país e
da intensidade dos esforços postos nessas reformas.
Existem duas razões principais que justificam esta situação. Primeiro, tendo sido libertada há muito pouco tempo, a África do Sul teve de embarcar em múltiplas reformas
para resolver os problemas herdados do Apartheid e dar início à construção de uma nova
nação. Quando os outros países se tornaram independentes, tiveram a mesma atitude
de atacar com vigor e determinação a reforma do sector público. No entanto, quando
a África do Sul foi liberta, as suas circunstâncias eram peculiares. A sua administração
foi balcanizada: consistente com a filosofia do Apartheid, a administração teve de ser
integrada num único serviço, mas dentro de um quadro de sistema de governo federal.
Consequentemente, foram necessárias actividades de reforma múltiplas, que causaram
a impressão de que o país estava a atacar as reformas de forma mais séria e vigorosa do
que os outros países, por um lado, e, por outro, pareceu que a sua abordagem da reforma
era caótica.
Contudo, em termos de eficácia, tal como se pode ver pelos dados colhidos em visitas
de estudo ao terreno, realizadas pelos editores deste relatório, muitas das reformas pretendidas foram implementadas. Este facto é real, especialmente no que toca às medidas
tomadas para integrar os vários serviços públicos da era do Apartheid e os esforços para
melhorar a prestação de serviços e de contas. Segundo, a África do Sul teve uma melhor
base de recursos para financiar as reformas em relação aos outros países e não hesitou
em nenhum momento em fazer o seu uso.
24
Economia, Política e Desenvolvimento
Em terceiro lugar, o regime tinha um elevado grau de legitimidade e podia daí tomar
medidas mais ousadas, que um regime com menos garantias não podia tomar. No nosso
ponto de vista, isto explica a razão por que a África do Sul foi capaz de prosseguir a sua
agenda abrangente de reformas de modo mais consistente e com muito mais vigor, como
tem vindo a fazer na última década.
Existe um outro grupo de países, composto pelo Botswana, Tanzânia, Namíbia e mais
recentemente o Ruanda, que continuou de modo sistemático a reforma. Enquanto estes
países tentaram adoptar as reformas concernentes à Nova Administração Pública – NPM
–, incluindo os sistemas de gestão com base no desempenho – PMS –, a carteira de clientes, etc., eles continuaram simultaneamente a tratar de questões básicas da reforma.
Contudo, esforços concernentes à reforma estavam sendo implementados de uma maneira não coordenada, não integrada, o que tornou a sua gestão um tanto desajustada.
As reformas foram realizadas e geridas do topo das hierarquias político-administrativas
e tiveram lugar no ambiente político onde os governantes gozavam de algum nível de
legitimidade, o que lhes permitiu dar passos ousados neste processo. Um outro factor
é o facto de, durante a última década, os quatro países terem gozado de uma economia
estável e boas relações com a comunidade internacional, o que lhes permitiu financiar as
iniciativas da reforma a partir de suas próprias fontes ou apoios de parceiros de desenvolvimento que se presumem estáveis e previsíveis.
Um terceiro grupo de países, composto pela Zâmbia, Malawi, Quénia e mais recentemente Uganda, tem encontrado dificuldades na sua agenda da reforma. Estes países têm
um projecto de reforma muito bom, mas por um número de razões, os seus projectos
parecem não estar a ser implementados de maneira sistemática, consistente e vigorosa.
O zelo ugandês, que era muito alto até ao final dos anos 90, parece ter-se desvanecido
possivelmente, devido à sua preocupação com questões de segurança nas regiões norte
e ocidental do país. Este factor negou a possibilidade de os líderes políticos do topo
se concentrarem na reforma, o que, por sua vez, reduziu a sua capacidade de angariar
fundos para financiar as actividades da reforma a partir de fontes internas ou externas.
A Zâmbia, o Malawi e o Quénia estão ensombrados pelos relativos níveis de instabilidade dos regimes, uma situação que tem, por sua vez, afectado a estabilidade das suas
economias. Nestas circunstâncias, fazer com que haja recursos disponíveis para financiar a reforma de modo consistente tornou-se um luxo. O que está disponível vai para o
financiamento de operações regulares do governo. Para além disso, onde os fundamentos
macroeconómicos são problemáticos, torna-se também difícil garantir parceiros de desenvolvimento seguras para financiar a reforma.
Tal como a África do Sul, Moçambique forma também a sua classe, na medida em que
este país fez o menor número de movimentos de reforma comparativamente aos outros.
Em papel, o país tem uma agenda da reforma esclarecedora, que inclui todas as mais recentes medidas da Nova Administração Pública – NPM –, mas, no terreno, muito pouco
parece estar a ocorrer. Tal facto não deve ser surpreendente, dadas as pobres bases da sua
infra-estrutura administrativa (em termos de capacidades e habilidades, infra-estruturas,
etc.) desde a sua independência, associadas à grande destruição e distúrbios causados
durante a guerra civil e uma baixa capacidade de recursos humanos e financeiros para
25
Economia, Política e Desenvolvimento
manusear e lidar com os tipos de reforma mais inovadoras que o país formulou recentemente. Contudo, o seu falhanço em caminhar em direcção às medidas do tipo ‘nova
administração pública propostas pode ser considerado uma bênção disfarçada, pois tem
dado ao governo espaço para que se concentre numa reforma básica e adequada ao contexto.
Conclusões do artigo
Da reflexão feita torna-se plausível verificar que existe um número de condições e prérequisitos para as reformas no sector de serviços públicos nos quais se deve concentrar de modo consistente para daí atingir os resultados pretendidos. Primeiro, o reconhecimento da necessidade da realização da reforma deve ser partilhado pelos cidadãos,
lideranças políticas e burocráticas. Quanto mais esta visão for partilhada, maiores serão
as facilidades de sustentar as reformas ao longo do tempo. Segundo, o que pode estar
relacionado com a condição anterior, é o facto de que esforços para uma reforma consistente só são possíveis quando o regime no poder tem um mínimo de legitimidade e espaço político para se concentrar numa agenda consistente da reforma, mesmo quando as
reformas são duras. Terceiro, realizar reformas no sector público é um exercício caro que
exige recursos. Uma economia instável e/ou estagnada não pode financiar reformas por
um período sustentável e, por conseguinte, haverá retrocessos em situações destas. Por
um lado, uma economia estável e/ou em crescimento pode conseguir financiar os custos
das reformas e, onde ela não poderá ter a capacidade de o fazer com os seus recursos
próprios, a comunidade internacional poderá sentir-se motivada a apoiar os seus esforços
de uma forma consistente e previsível. Finalmente, muitas reformas de serviços públicos
são de nível técnico e requerem conhecimento especializado. Um país que queira levar
a cabo este tipo de reformas numa base de necessidades a longo prazo precisa de uma
massa pensante e crítica local com tais conhecimentos especializados. A reforma não
pode ser sustentável com o uso de peritos externos e ou recrutados do estrangeiro, que
vêm e se vão embora sem deixar uma memória institucional.
Os países que parecem ter conseguido portarem se bem e que têm um folha de serviço
que mostra terem implementado as reformas de maneira consistente e eficiente são os
que podiam ser classificados no topo, se tomarmos em linha de conta os quatro factores.
Se os países da região quiserem melhorar os seus esforços concernentes à reforma, deverão, no futuro, tomar em conta os elementos acima discutidos.
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Economia, Política e Desenvolvimento
O Orçamento de Investimento de Iniciativa Local
e a Dinamização da Economia Rural em Moçambique:
Resultados, Desafios e Perspectivas
Salim Cripton Valá4
Maputo, Moçambique
5-6 Junho, 2009
4 - O texto foi escrito a apresentado quando o autor desempenhava a função de Director Nacional do Desenvolvimento
Rural no Ministério da Planificação de Desenvolvimento, onde actualmente desempenha a função de Secretário Permanente.
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Economia, Política e Desenvolvimento
Introdução
Dados apresentados pelo Inquérito de Agregados Familiares (2002/2003) revelaram que
cerca de 69% da população moçambicana vive nas zonas rurais, onde o nível de pobreza
é mais generalizado e atinge maioritariamente as mulheres. Para além destes dados, o
documento do Plano de Acção para Redução da Pobreza Absoluta confirma que nos
últimos 6 anos os índices da pobreza passaram de 69,4% (1996-1997) para 54,1% (20022003), sendo que, por áreas de residência, no mesmo período, passou de 62,0% para
51,5%, nas áreas urbanas, e de 71,3% para 55,3%, nas rurais. Estes avanços acontecem
no contexto em que o governo tem estado a desenvolver iniciativas nos distintos sectores
das actividades políticas, económicas e administrativas, promovendo a descentralização
e desconcentração e o amplo envolvimento das comunidades no processo de desenvolvimento da economia local.
As experiências de planificação e finanças descentralizadas desenvolvidas ao longo
do país e as múltiplas iniciativas de desenvolvimento rural levadas a cabo desde 1995
culminaram com reformas na governação e com o desenvolvimento económico local,
visando contribuir para o combate à pobreza por via da provisão de bens e serviços em
resposta às demandas e prioridades das comunidades.
A despeito destes esforços, o acesso ao crédito no país é ainda limitado. As instituições
financeiras formais servem menos de 15% da população, beneficiando maioritariamente
as zonas urbanas. Do total de crédito concedido à economia pelos bancos comerciais,
apenas cerca de 20%, em média, é direccionado para o sector da agricultura onde é
absorvido quase na totalidade pelas grandes explorações agrícolas. Por conseguinte, o
Programa Quinquenal do Governo (2005-2009) propunha, entre outras acções, “criar
condições e ambiente que ofereçam oportunidades de crédito para a criação de micro e
pequenas empresas familiares, priorizando a promoção do aproveitamento dos produtos
agrários e recursos naturais e do surgimento e desenvolvimento de mercados para produtos processados”.
Para materializar os princípios preconizados nos instrumentos de políticas e estratégias e para impulsionar o desenvolvimento económico e social dos distritos de forma a
torná-los unidades orçamentais e pólos de desenvolvimento do País, o governo decidiu
alocar o Orçamento de Investimento de Iniciativa Local (OIIL), a ser usado de forma
descentralizada. A Estratégia de Desenvolvimento Rural (EDR) refere que apesar de
os recursos alocados serem ainda escassos relativamente às necessidades dos agentes
económicos nos Distritos, esses recursos estão já a trazer impactos consideráveis no
desenvolvimento distrital. O mesmo documento refere que “O OIIL a partir de 2006 o
governo passou a atribuir directamente aos distritos para que, de forma participativa e
inclusiva, as prioridades de desenvolvimento fossem definidas localmente, é uma acção
concreta de fortalecimento da capacidade do Distrito como unidade de planificaçãoorçamentação e como actor activo na condução e implementação do desenvolvimento
local” (MPD, 2007).
Este texto apresenta as experiências da Implementação do Orçamento de Investimento
de Iniciativa Local (OIIL), entre 2006 e 2008, procurando expor os principais resultados
28
Economia, Política e Desenvolvimento
obtidos, os desafios e perspectivas futuras.
O documento aborda o quadro de referência que justifica a alocação de recursos do Estado para financiar empreendedores dos distritos, os fundamentos do estabelecimento do
OIIL, o seu enquadramento no processo de descentralização de instrumentos de planificação e orçamentação em curso no país, a coberto da Lei 08/2003 (Lei dos Órgãos Locais do Estado - LOLE) de 19 de Maio. Inicialmente, este orçamento foi concebido para
financiar a construção e reabilitação de infra-estruturas locais. Por força das decisões
da 19ª Sessão do Conselho de Ministros alargada aos directores nacionais, governadores provinciais, administradores distritais e outros quadros do Estado5, aquela decisão
original foi modificada, e o orçamento passou a ser alocado para financiar iniciativas
económicas, com vista a promover a renda, comida e criação de emprego a nível local.
Encontros de balanço têm sido realizados para avaliar os resultados alcançados nos
primeiros anos da implementação do OIIL. Muito recentemente o governo, através do
Ministério da Planificação e Desenvolvimento, conjuntamente com os Ministérios das
Finanças, da Administração Estatal, da Agricultura, do Trabalho, das Pescas, da Indústria e Comércio e do Turismo, reuniu-se na Ilha de Moçambique para fazer o balanço da
implementação do OIIL (2006-2008). Para além destas instituições, estiveram presentes
os Governadores Provinciais de Nampula, Niassa, Tete e Gaza, os Conselheiros do Presidente da República para os assuntos económicos e para os assuntos gerais, o Secretário
Permanente do Ministério do Trabalho, Directores Nacionais (Ministério da Planificação e Desenvolvimento, Ministério das Finanças, Ministério da Administração Estatal,
Ministério da Agricultura, Ministério do Trabalho), Directores Provinciais do Plano e
Finanças, da Agricultura, Administradores Distritais, Directores dos Serviços Distritais
de Actividades Económicas, representantes da Sociedade Civil, do Sector Privado e das
Instituições Académicas, bem como representantes dos Conselhos Consultivos Locais,
das Equipas Técnicas Distritais e os beneficiários do OIIL.
Em princípios de 2009, a cidade da Matola acolheu uma outra reunião, que juntou técnicos superiores do governo, especialmente aqueles que acompanharam, em 2008, a
Presidência Aberta e Inclusiva, e outros quadros de nível central. As duas reuniões tinham o propósito de auscultar os participantes sobre a proposta de relatório-balanço e a
implementação do Orçamento de Investimento de Iniciativa Local no triénio 2006-2008.
As contribuições dos eventos foram depois sistematizadas e estão reflectidas neste texto
e noutros instrumentos preparados por um grupo de trabalho interministerial criado para
o efeito. O referido grupo é composto, além do MPD, por representantes dos Ministérios das Finanças, Administração Estatal, Indústria e Comércio, Agricultura, Trabalho e
Pescas.
Este texto mostra que o OIIL é uma das mais corajosas decisões de política tomadas
pelo governo, sobretudo porque enfrenta de forma frontal um dos maiores problemas da
economia rural no pós-independência, que é fazer com que os pobres economicamente
activos possam ter uma ferramenta calibrada para si de forma a envolverem-se mais ac5 - Este evento teve lugar nos dias 11, 12 e 13 de Agosto de 2006.
29
Economia, Política e Desenvolvimento
tivamente no processo de desenvolvimento económico nacional6. Essa decisão “quebrou
um dos mitos” erguidos desde meados dos anos 1980, de que o Estado não deve intervir
na economia, nem mesmo quando o mercado não encontra solução.
A conclusão imediata é de que os três primeiros anos de implementação da iniciativa
apresentam resultados positivos e impactos assinaláveis em todos os Distritos, muito
embora haja uma grande margem para melhorar a engenharia de gestão dos recursos,
apostar seriamente na capacitação institucional, fortalecer a monitoria dos projectos financiados, incrementar os reembolsos, alinhar melhor os projectos financiados com as
prioridades constantes no Plano Estratégico de Desenvolvimento dos Distritos (PEDD),
entre outros desafios.
O OIIL está a contribuir para mudar Moçambique, no sentido de aumentar a produção de
alimentos, gerar emprego e renda acrescida para as famílias rurais. A perspectiva futura
deverá orientar-se para articular melhor o OIIL com outros instrumentos de políticas e estratégias de desenvolvimento rural, em particular os relacionados com as infra-estruturas
económicas e sociais que atraem investimentos para o campo, a promoção de ligações
de mercados, a assistência técnica relevante e de qualidade para todos os produtores, o
uso mais racional, sustentável e rentável da terra e outros recursos naturais para a criação
de riqueza, a melhoria da prestação de serviços fundamentais ao cidadão e do ambiente
de negócios nos Distritos e o estabelecimento de plataformas de complementaridade
e partilha de sinergias com outros mecanismos de financiamento ao desenvolvimento
(bancos comerciais, instituições micro financeiras, Fundos de Fomento públicos, caixas
locais de poupança e crédito auto-geridas, etc.).
O Quadro institucional para a Intervenção do Estado no Financiamento às PME
nos Distritos
Na maioria dos países em desenvolvimento, os serviços financeiros só estão disponíveis
para uma minoria da população. Embora os sectores financeiros se estejam ampliando,
à medida que essas economias crescem, os activos usualmente permanecem concentrados nas mãos de poucos beneficiários. A maioria das pessoas pobres não tem acesso ao
crédito fornecido por uma instituição formal, não tem um local seguro para guardar as
suas poupanças, muito menos tem apólice de seguro.
O uso limitado dos serviços financeiros nesses países se converteu numa preocupação
política internacional. Os Chefes de Estado e de Governo que se reuniram na Cimeira
Mundial de Setembro de 2005, nas Nações Unidas, declararam reconhecer a necessidade
de acesso aos serviços financeiros, em particular para os pobres, por meio das micro
finanças e o micro crédito. Na verdade, esse reconhecimento era a expressão concreta
da importante contribuição que pode realizar um sector financeiro de base larga para o
desenvolvimento económico e o combate à pobreza (ONU, 2006).
6 - Actualmente, uma parte significativa da população de baixa renda funciona ao nível da economia informal. Mosca
(2009) argumenta que as transformações a operar não são apenas de natureza legislativa, de capacitação do Estado, de
investimentos em infra-estruturas ou de natureza estrutural e de modernização desses sectores, mas também de estratégias
de desenvolvimento global, de natureza comportamental e cultural de longo prazo.
30
Economia, Política e Desenvolvimento
A experiência internacional e nacional tem evidenciado a retracção generalizada dos
bancos clássicos no atendimento às necessidades dos pequenos produtores desprovidos de capacidade de oferecer garantias e contrapartidas na busca de financiamentos.
O formato desses bancos é pouco apropriado para que eles consigam estabelecer uma
relação durável com a população de baixa renda, ou seja, vivendo próximo à linha de
pobreza. No entanto, essas populações possuem uma imensa necessidade de liquidez e
são capazes de gerar renda num montante suficiente para honrar os seus compromissos
financeiros.
A população rural moçambicana caracteriza-se pela sua dispersão geográfica, agravada
pela insuficiência de transportes e comunicações e, em casos significativos, pela sua
pobreza e marginalidade. Serviços financeiros apropriados às condições e necessidades
das famílias rurais (poupança, crédito7, transferências, leasing, seguros, etc.) podem ter
um grande impacto em termos de geração de oportunidades e redução das suas vulnerabilidades.
O combate à pobreza assenta na estabilização macroeconómica, na revitalização do mercado, da produção e construção de infra-estruturas e serviços de educação, saúde, água
e saneamento e na criação de oportunidades de emprego e auto-emprego, especialmente
nas áreas rurais. Um dos instrumentos principais para a realização desse objectivo é o
sistema financeiro.
Um sistema financeiro apropriado e inclusivo é aquele que não apenas sirva os grandes
e médios empresários e empregadores, mas que também contribua para uma maior
integração no mercado da população de baixa renda, “fornecendo o oxigénio” para a
emergência e o desenvolvimento das micro e pequenas empresas rurais.
A esse segmento sócio-económico pertencem, com efeito, milhares de micro-iniciativas, geralmente domésticas e de auto-emprego produtivo, actualmente dependentes de
prestamistas e da inter-ajuda familiar, de carácter informal e precário (Chidzero et al,
1998).
A maioria dos governos enfrenta pressões no sentido de conceder crédito para financiar
o sector rural, que se está consolidando em muitas economias em transição como a
moçambicana. Tal como a maioria dos bancos especializados, os bancos rurais ou agrícolas carecem de liquidez, muitas vezes estão falidos e provavelmente sairão de uma
reforma bastante fragilizados. Em geral, os novos bancos são relutantes em financiar o
sector da agricultura, porque consideram que os riscos são altos e os lucros baixo. Para
além disso, as fichas cadastrais são curtas ou não existem, e a terra carece de registo
adequado ou é difícil de oferecer como garantia.
7 - O acesso ao crédito tem-se caracterizado por muitas dificuldades, devido a factores como elevados custos de juros,
exigências de garantias ou colaterais e insuficiência em quantidade e qualidade dos serviços financeiros no país, em geral,
e nos distritos, em particular. Como consequência desta situação, o empresariado moçambicano tende a realizar os seus
investimentos com recurso a fundos próprios e empréstimos de amigos ou familiares, facto que reduz as suas oportunidades de crescimento e sucesso (CPI, 2007: 4).
31
Economia, Política e Desenvolvimento
A falência quase generalizada dos grandes sistemas financeiros estatais e o desinteresse
dos bancos privados em lidar com as populações vivendo próximo à linha de pobreza
permitiram que aumentasse o interesse por novas formas institucionais de organização
do acesso ao crédito no meio rural. Os casos mais conhecidos e hoje já estudados são os
asiáticos: o Grameen Bank, do Bangladesh; o Bank for Agriculture and Agricultural Cooperatives, da Tailândia; os “Village Banks” do Bank Rakyat, da Indonésia, bem como
a experiência do Banco Sol, da Bolívia. Mas em todo o mundo acumula-se uma importante experiência de construção de novas modalidades de financiamento às actividades
económicas no meio rural, incluindo experiências bem sucedidas na América Latina e na
África Sub-Sahariana (Yaron et al, 1997).
Nas últimas três décadas assistiu-se a uma mudança paradigmática no respeitante aos
serviços financeiros. A perspectiva teórica dos anos 1960, que desencorajava as instituições financeiras formais de expandir os serviços financeiros para as zonas rurais, alegando os elevados custos e riscos, defendeu a adopção de crédito concessionário dirigido
para fins específicos, clientes e sectores pré-determinados. Esse modelo, que subalternizou os mecanismos de mercado para a mobilização de poupanças e alocação de recursos, encarou o papel dos serviços financeiros como um instrumento de política para
se alcançar objectivos essencialmente não financeiros, como por exemplo: o aumento
da produção, garantia da segurança alimentar, adopção de novas tecnologias e redistribuição equitativa de rendimentos.
Este paradigma ignorou, na prática, que o pobre economicamente activo é bancável, ou
seja, é capaz de poupar e suportar os custos do crédito e de outros serviços financeiros.
Em oposição, o “novo paradigma”, que emergiu nos finais dos anos 1980 e ganhou
maior expressão nos meados dos anos 1990, é assente na “revolução micro financeira”
(Yaron et al, 1997, DNPDR, 2007b e Yunus, 2002). Esta nova abordagem reconhece que
os pobres economicamente activos são bancáveis e são como clientes e não como beneficiários de ajuda, considerando que os serviços financeiros são um meio valioso para
expandir mercados e integrar a economia rural no resto da economia. Aos governos cabe
o papel de criar o ambiente favorável, implantar infra-estruturas que atraiam investimentos, facilitar a circulação de informação e capacitação institucional e assegurar estruturas
de supervisão e regulamentação do sistema financeiro (DNPDR, 2007b:)8.
Em Moçambique, os sistemas financeiros são caracterizados pela co-existência e funcionamento, lado a lado, dos sectores formal e informal, expressando uma situação típica
de “dualismo financeiro”. Uma observação relevante é de que o sector formal está relativamente mais bem organizado, mais orientado para as zonas urbanas, visando as actividades monetarizadas da economia.
8 - Na verdade, o novo paradigma, assente na visão neo-liberal está-se alterando. Nos últimos tempos, os argumentos
em defesa da intervenção mínima do Estado têm sido questionados, defendendo alguns autores que se o mercado não
consegue resolver problemas relacionados com extremas disparidades sociais, pobreza e miséria extremas e fragilidade
das instituições financeiras, o Estado pode e deve intervir com instrumentos apropriados.
32
Economia, Política e Desenvolvimento
Por outro lado, o sector informal ocupa-se das esferas tradicional, rural e não monetarizadas da economia9. A existência de um mercado financeiro informal activo justifica-se
como uma reacção natural do mercado às dificuldades do sector formal em providenciar
os serviços financeiros procurados, especialmente o crédito rural, pelos pequenos produtores. Os agentes informais preenchem uma lacuna deixada pela sua contraparte do sector formal (Valá, 2007).
O custo elevado e a falta de disponibilidade de crédito constitui um dos maiores obstáculos para o desenvolvimento e a lucratividade das empresas moçambicanas, em particular
as micro, pequenas e médias empresas (MPME). Os bancos moçambicanos actualmente
cobram taxas reais de juros de dois dígitos para empréstimos. Além disso, a margem de
juros entre a poupança e os depósitos, e o empréstimo é percebida como excessiva (mais
de 10% segundo o estudo do Banco Mundial). O desenvolvimento económico e social
de Moçambique requer e depende de um sistema financeiro viável, acessível, inclusivo
e com custos regionalmente competitivos (LaFleur, 2007).
Não obstante o rápido processo de urbanização que está ocorrendo há 15 anos, o sector
rural continua fundamental para o desenvolvimento do país, e concentra mais de 65%
da população total e é um dos principais geradores de emprego. No entanto, encontram-se no sector rural os problemas mais graves de pobreza do país. A maior parte da
população rural não tem os serviços básicos, e muitos habitantes se vêem obrigados a
ir para as cidades em busca de melhores condições e oportunidades de vida. Ainda que
haja o reconhecimento de que no meio rural desenvolvem-se múltiplas actividades, as
agro-pecuárias continuam sendo fundamentais no desempenho do sector rural. Dentro
do sector rural, como acontece em outros sectores das economias subdesenvolvidas, os
pequenos produtores agrários e pesqueiros desempenham um papel protagónico (MPD,
2007).
Na perspectiva da “Agenda 2025: Visão e Estratégias da Nação”, as empresas necessitam
de fundos concessionais, capacitação e controle gestionário que facilitem o investimento
produtivo a médio e longo prazos, algo que o sistema bancário não está capacitado para
fazer. O documento defende que a carência de fundos para investimentos pode ser superada através da constituição de um banco de desenvolvimento e de fundos de garantia
ao crédito e de sociedades de capitais de risco, orientados para o investimento produtivo,
envolvendo o sector público e privado e, ainda o estabelecimento de linhas de crédito.
Um banco de desenvolvimento pode ser importante para a captação da poupança rural
(Comité de Conselheiros, 2003). A ênfase dada à constituição da banca de desenvolvimento resulta da constatação de que não existem instituições especificamente voltadas
ao financiamento ao sector agrário e rural em Moçambique. No entanto, é importante
frisar que nos últimos dois anos tem havido a tendência de alguns bancos se orientarem
para os distritos, como é o exemplo do BCI, do Standard Bank e do recém-criado Banco
Terra, além de outras instituições como a Procredit, Gapi, Tchuma, Banco Oportunidade
9 - O sistema financeiro informal caracteriza-se por uma grande variedade de práticas que se podem transformar e adaptar
com uma extrema facilidade. Caracteriza-se também pela preponderância das relações pessoais entre os prestamistas e os
que pedem os empréstimos, o que exclui a presença de um intermediário (Ellis & Fauré, 1995).
33
Economia, Política e Desenvolvimento
de Moçambique, entre outros.
No tocante ao sistema financeiro, as políticas financeiras têm em vista modernizar o
sistema e adequá-lo às necessidades de crescimento da economia nacional, focalizando
a atenção nos seguintes pontos principais: i) reforçar a regulamentação e supervisão do
sistema financeiro; ii) incentivar e promover a entrada de novas instituições financeiras, aumentando a concorrência e diversificação de produtos; iii) expandir os serviços
financeiros para as zonas rurais; iv) adoptar medidas que contribuam para o aumento da
poupança nacional; v) promover o surgimento de instituições de crédito vocacionadas
às micro finanças e desenvolver serviços financeiros acessíveis às micro, pequenas e
médias empresas, e; vi) contribuir para aumentar o grau de monetarização da economia
nacional (PARPA II, 2005).
A estratégia do governo de tornar o Distrito no pólo de desenvolvimento sócio-económico do país coloca, obviamente, vários desafios ao sector financeiro. Torna-se, pois,
necessário expandir os serviços financeiros à escala nacional e, de modo particular, para
as zonas rurais. Nestes níveis encontram-se o grande potencial de desenvolvimento do
país, e estão lá presentes os potenciais empresários que podem transformar os recursos
existentes em riqueza. O Banco de Moçambique tem estado a tomar medidas no sentido
de impulsionar a bancarização da economia, quer abrindo mais agências pelo território
nacional (como são os casos de Maxixe, Quelimane, Tete, Pemba e Lichinga)10, quer
facilitando, através de incentivos de vária ordem, a abertura de instituições financeiras e
balcões nas zonas peri-urbanas. No âmbito da legislação, o Banco de Moçambique tem
estado a aprovar (ou induzir a aprovação) instrumentos jurídico-legais que incentivam
o surgimento de novas instituições consentâneas com a realidade sócio-económica do
país, satisfazendo a procura de novos produtos e serviços, quer nas zonas urbanas, quer
nas rurais11.
Em Julho de 2005, o Banco de Moçambique solicitou aos onze bancos que na altura
operavam no país para que preenchessem um inquérito apontando os principais constrangimentos que impediam a sua extensão para as zonas rurais. Como resultado, os
bancos comerciais apontaram os problemas seguintes: i) ausência de infra-estruturas
(estradas, telecomunicações e electricidade); ii) elevados custos operacionais e de investimento necessários para a instalação e operação de balcões; iii) custos decorrentes
da política monetária, dado o regime e coeficiente de reserva obrigatória em vigor; iv)
economia rural de dimensão reduzida; v) ineficiência do sistema de compensação; vi)
falta de sucursais do Banco de Moçambique pelo território nacional, e; vii) mão-de-obra
local sem o perfil exigido (Banco de Moçambique, 2007).
Com base nessa informação, o Governo está tomando as seguintes medidas inter-relacionadas: a) investimento público para reabilitar, modernizar e expandir a rede de infra-estruturas, particularmente no domínio das estradas, telecomunicações e energia; b)
10 - Já existiam, além da sede, em Maputo, delegações na Beira e em Nampula.
11 - A Estratégia de Desenvolvimento Rural reconhece a importância de olhar de forma integrada para o sistema financeiro moçambicano, em que o OIIL encontra o seu espaço situacional, em interacção com os bancos comerciais, instituições micro financeiras, Fundos de Fomento públicos, cooperativas de crédito, caixas comunitárias de poupança e crédito
auto-geridas, entre outras entidades. Cf. MPD, 2007.
34
Economia, Política e Desenvolvimento
alocação de recursos financeiros para o fomento de iniciativas distritais de geração de
renda, promoção do emprego e produção de alimentos12; c) implementação de reformas no Sistema de Administração Financeira do Estado (SISTAFE); d) implementação,
desde Setembro de 2005, do Programa de Apoio às Finanças Rurais (PAFR), e; e) em
curso, processo de preparação da Campanha Nacional de Promoção da Poupança. Para
além destas medidas, contam-se outras iniciativas de vulto, como o trabalho com os
Fundos de Fomento públicos no sentido de assegurar a complementaridade dos mesmos,
adoptar abordagens concertadas, racionalizar recursos e alargar o seu impacto directo
nos Distritos13.
O sistema financeiro moçambicano ainda não é inclusivo sob o ponto de vista social, territorial e sectorial. Os países industrializados e alguns países emergentes, como o Brasil,
África do Sul, China, Índia, Indonésia, Malásia, possuem bancos de desenvolvimento,
geridos com eficiência, que assumem um papel vital no crescimento vigoroso das suas
empresas e que as torna competitivas. Em Moçambique, grosso modo, as micro PME
não possuem essas facilidades financeiras, e, em nome do neoliberalismo, não é permitido que instituições idênticas de desenvolvimento sejam criadas. Ratilal (2007) advoga
que o novo paradigma deve facilitar o desenvolvimento e que os fundos canalizados
para a ajuda se dirijam cada vez mais para o sector empresarial para suprir as falhas do
mercado interno, que sabemos ser fragmentado e distorcido.
Ratilal (2007) defende que os fundos devem, cada vez mais, ser canalizados para a reestruturação do tecido económico e social, com ênfase sobre as micro, pequenas e médias empresas que geram riqueza e, consequentemente, promovem uma redistribuição de
rendimentos por via do emprego e auto-emprego. Num período transitório, poder-se-iam
combinar os recursos dos donativos com os recursos do mercado, de forma a conceder
às micro PME recursos concessionais, com juro bonificado e reembolsos com prazos
mais dilatados.
12 - No dia 18 de Dezembro de 2007, realizou-se na Praia de Xai-Xai um Seminário Regional de Auscultação sobre a
Estratégia de Finanças Rurais. No evento, participaram representantes das Províncias de Maputo, Gaza e Inhambane. Alguns presentes, especificamente representantes de IMF e de instituições bancárias, referiram que o OIIL está promovendo
a concorrência desleal com as instituições financeiras e que cabe ao governo repensar o assunto e encontrar uma solução
urgente. Por outro lado, em visita de trabalho realizada na Província de Inhambane, nos Distritos de Homoíne, Morrumbene, Jangamo, Vilanculos e Massinga, constatou-se que os fundos de iniciativa local alocados pelo governo estão a trazer
uma “lufada de ar fresco” à economia local, e o seu impacto na promoção de micro e pequenas empresas é já visível e
significativo, mesmo tendo em conta que os vulgarmente denominados “7 biliões” iniciaram apenas em 2006. Outrossim,
o Governo decidiu que a partir de 2008, além dos fundos para a geração de renda, promoção de emprego e produção de
comida, cada distrito terá uma verba de 2.3 milhões de meticais para infra-estruturas fundamentais consideradas prioritárias pelo distrito e aprovadas pelo Conselho Consultivo Distrital (CCD). Para Artur (2007: 10-12), a concessão de “7
milhões de Mt” para cada Distrito é uma medida considerada necessária, acertada e que vai ao encontro dos anseios da
população. Todavia, ela beneficia mais as zonas urbanas dos Distritos e das províncias, em virtude da fragilidade institucional da maior parte dos Distritos (capacidade técnico-humana e de gestão, serviços, infra-estruturas, etc). Ele entende
que a decisão foi tomada tendo em conta a pobreza nas zonas rurais. Se assim é, então por que o ponto de entrada não é
o pobre mas o Distrito? A visão do autor é que é preciso clarificar o ponto de entrada – o pobre, o rural ou o Distrito –,
porque se pode com essa intervenção estar a homogeneizar o distrito como rural e como pobre. Ele refere que “pensar que
focalizar no distrito pode ter efeito multiplicador ao nível das zonas rurais pode ser uma falácia e uma estratégia que não
leva em conta a grande heterogeneidade e luta de classes aí existentes (..) ” (ibidem: 11).
13 - Nos dias 21 e 22 de Junho de 2007, na Barragem dos Pequenos Libombos (Boane), e no dia 17 de Dezembro de
2007, em Maputo, realizaram-se reuniões dirigidas por S. Excia. O Ministro da Planificação e Desenvolvimento, onde
participaram os dirigentes de todos os Fundos de Fomento públicos e quadros do MPD, Ministério das Finanças e Banco
de Moçambique. Esse trabalho está permitindo mapear as intervenções dos Fundos de Fomento nos Distritos do País,
permitindo uma mais eficaz monitoria dos resultados alcançados.
35
Economia, Política e Desenvolvimento
Naturalmente, em paralelo será essencial criar condições para o aumento da qualidade de
gestão, melhoria da base tecnológica e devida inserção no mercado.
Foi perante um novo cenário económico internacional (marcado pelas fraquezas do paradigma clássico), a situação concreta das PME nos distritos de Moçambique (demanda
de financiamento em condições de acessibilidade para os pequenos empreendedores) e
em resposta às políticas de desenvolvimento económico e social com bases largas que
o governo tomou a ousada decisão de alocar recursos para financiar a economia dos
Distritos, claramente dominada pelos agentes económicos de pequena dimensão, sem
garantias reais nem comparticipação, que no passado bem recente eram considerados
como não sendo dignos de crédito.
Génese do OIIL e Evolução dos Recursos Disponibilizados
O OIIL é resultado do aprofundamento de processos de descentralização e desconcentração em curso no país. A iniciativa tem abrigo na Lei 8/2003, de 19 de Maio, e no
regulamento 11/2005, de 10 de Junho, onde está definido que o distrito é a unidade territorial principal da organização e funcionamento da administração local do Estado e
base da planificação do desenvolvimento económico, social e cultural da República de
Moçambique.
O OIIL veio reforçar o princípio de que o distrito é o pólo de desenvolvimento e assegurar um instrumento concreto de intervenção, permitindo que os pequenos agentes
económicos dos distritos possam viabilizar as suas ideias de negócios. Este orçamento é
resultado de um processo de aprofundamento e aperfeiçoamento da política de descentralização e desconcentração do governo com vista ao empoderamento das populações,
impulsionando deste modo o desenvolvimento local e do país, com a participação directa
das comunidades.
Antes de o distrito ser considerado unidade orçamental, os governos distritais (Administrações) recebiam somente transferências para o seu funcionamento. As direcções distritais recebiam recursos transferidos dos seus respectivos sectores provinciais de tutela.
Nestas condições, as capacidades financeiras do distrito eram bastante limitadas. As
dotações recebidas a partir das Direcções Provinciais de Plano e Finanças (DPPF) cobriam um conjunto de despesas correntes, como salários dos funcionários afectos às
administrações distritais, e algumas despesas de funcionamento, tais como água, energia
e material de expediente. As despesas de investimento eram inscritas a partir das antigas
Direcções Provinciais de Apoio e Controlo, cobrindo essencialmente pequenas reabilitações e reposição de infra-estruturas da administração local. O investimento público na
área social era realizado a partir de dotações sectoriais muito dependentes dos planos
elaborados centralmente, além daquele que provinha de Organizações não Governamentais (ONG), muitas vezes desenquadradas das prioridades localmente definidas.
Entretanto, em algumas províncias (Cabo Delgado, Nampula, Zambézia, Tete, Manica e
Sofala), existiam orçamentos de investimento alocados para construção e reabilitação de
36
Economia, Política e Desenvolvimento
infra-estruturas locais. Estes orçamentos eram implementados no âmbito dos Projectos
de Planificação e Finanças Descentralizadas (PPFD), tutelado pelo Ministério da Planificação e Desenvolvimento, através das Direcções Provinciais do Plano e Finanças.
Os Governos distritais sempre foram a razão do sucesso da aplicação dos recursos
atribuídos pelos parceiros acima indicados, em estreita colaboração com as comunidades, representadas a nível dos Conselhos Consultivos Locais (CCL). Entretanto, os
recursos disponibilizados pelos parceiros não cobriam a promoção e o financiamento
directo de empreendimentos económicos de iniciativa privada, quer de forma singular,
quer por via de associações ou cooperativas.
A partir de 2006, todos os Governos distritais passam a receber dotações orçamentais
como unidade orçamental, sendo a Secretaria Distrital a gestora do orçamento a este
nível. As demais entidades, designadamente os serviços distritais, beneficiam de dotações orçamentais a partir da Secretaria distrital. O OIIL na forma como se apresenta hoje
constitui um avanço em relação ao modelo implementado em forma de projectos com
apoio de parceiros de cooperação internacionais, assegurando que o Estado assuma um
papel activo na dinamização da economia rural, como, aliás, vem patente na Estratégia
de Desenvolvimento Rural.
No contexto da crise mundial de 2006/08, cuja face visível no país foi representada pela
subida galopante dos preços de combustível e de produtos alimentares básicos, o OIIL
é, sem dúvida, um factor preponderante de mitigação e de capacidade de resposta numa
perspectiva desenvolvimentista, com ênfase para o meio rural.
Em resultado da implementação do OIIL há registo de distritos que passaram a vender
a sua produção para fora dos seus limites geográficos na decorrência do aumento da
produção local, mesmo que a cadeia de valor dos projectos não tenha sido suficientemente explorada na altura da aprovação dos mesmos. Podem ser citados como exemplos
os distritos de Malema, na Província de Nampula, Govuro e Inharrime, na Província de
Inhambane, e Changara, na Província de Tete.
Quando, em 2006, foram alocados recursos do orçamento de investimento de iniciativa
local, o Conselho Consultivo Distrital passou a constituir um fórum privilegiado para a
orientação da sua alocação, e a Secretaria Distrital passou para a gestão orçamental, com
a colaboração próxima dos Serviços Distritais de Actividades Económicas e da Equipa
Técnica Distrital (ETD).
Os recursos atribuídos ao OIIL partiram de um total de 910 milhões de meticais, em
2006, para 1323 milhões de meticais, em 2008, representando um crescimento de 68%.
No período de 2006 a 2008, os valores são de 3250 milhões de meticais alocados para
o OIIL em todos os 130 distritos, incluindo Catembe e Inhaca (Distrito Municipais com
características rurais na Cidade de Maputo). Os valores atribuídos aos distritos na componente de investimento de iniciativa económica local correspondem a 3% do total do
investimento interno do país. Quando foi tomada a decisão de atribuir estes recursos aos
distritos, a percentagem canalizada para este nível territorial era inferior a 1,5%.
37
Economia, Política e Desenvolvimento
Gráfico 1: Evolução dos Recursos 2006-2008 (Milhões de MT)
3.250
3.500
3.000
2.500
2.000
1.500
910
1.017
1.323
1.000
500
0
2006
2007
2008
Total
Critérios de Atribuição do OIIL e Mudanças Introduzidas no Processo
Dada a necessidade de alocar os recursos de decisão local em 2005 e também a escassez
de tempo, não foi possível apresentar os indicadores de diferenciação por distrito para
2006. Assim, o critério foi a distribuição de sete milhões de meticais a todos os distritos.
Em 2007 foram introduzidos critérios de diferenciação, designadamente (i) o número da
população, com um peso ponderado de 35% (ii) o índice de pobreza, com 30% (iii) a
extensão do território, com 20%, e ainda (iv) factores ligados à capacidade de colecta de
receitas públicas, com 15%.
Como foi atrás referido, o OIIL é resultado do aprofundamento do processo de descentralização e desconcentração em curso no país. A sua aplicação no terreno visa responder
às necessidades primárias das comunidades locais, definidas localmente e inscritas nos
documentos de planificação distrital participativa.
No âmbito da Presidência Aberta e Inclusiva e no cumprimento das decisões da 1ª Sessão do Conselho de Ministros alargada aos Governadores Provinciais, Administradores
Distritais e outros quadros do Estado, em Agosto de 2006, o OIIL foi orientado para
acções mais específicas de combate à pobreza absoluta nos distritos, mais concretamente
na produção de comida e criação de emprego, gerando, assim, renda para as famílias e
comunidades locais.
Entretanto, em 2006, ano inicial de execução do OIIL, os recursos foram, preferencialmente, aplicados em infra-estruturas e bens duradouros e, menos em projectos de
produção de alimentos e geração de emprego. Em média, os valores foram aplicados na
proporção de 70% para infra-estruturas e 30% para projectos de produção de comida e
criação de postos de trabalho. A título de exemplo, houveram casos em que apenas 5%
dos recursos foram aplicados para os projectos produtivos (comida e trabalho), como foi
o caso do distrito de Manjacaze na província de Gaza.
38
Economia, Política e Desenvolvimento
Na província de Maputo, apenas 9,2% foi aplicado em projectos de produção de comida,
enquanto os restantes foram para a construção e reabilitação de infra-estruturas, equipamento e apetrechamento de residências. As províncias de Sofala e Maputo aplicaram
a totalidade dos recursos na construção, reabilitação de infra-estruturas, equipamento e
residências. Em 2007, durante a Presidência Aberta e Inclusiva foi vincada a orientação
para que os recursos do OIIL passassem a ser aplicados de forma exclusiva para projectos localmente priorizados e decididos pelo Conselho Consultivo visando produzir
mais alimentos, criar empregos e deste modo garantir mais rendimento às comunidades
locais.
Os critérios de selecção, priorização, procurement, modalidade de financiamento e outros aspectos de natureza similar, considerando o carácter inovador do OIIL, eram ainda
incipientes. Por esta razão, o cadastramento dos projectos, incluindo os documentos de
suporte da atribuição de recursos, não foi bem feito um pouco por todas as províncias do
País. Na verdade, o facto de os recursos serem reconhecidamente de iniciativa local fez
com que não houvesse a preocupação do governo central em estabelecer normas rígidas
e prescritivas para todos os distritos, limitando-se apenas a elaborar regras gerais e a
aguardar que a experiência prática e concreta de trabalho de cada distrito permitisse que
despontasse mais bases normativas e de regulamentação a serem seguidas por todos os
distritos, desde que se mostrassem exequíveis, pragmáticas e sustentáveis em Moçambique hoje.
Articulação entre o OIIL e a Estratégia de Desenvolvimento Económico Distrital
O OIIL não pode ser encarado, de forma alguma, como uma iniciativa isolada de conceder financiamento aos agentes económicos que pretendem viabilizar os seus negócios.
Ele tem em vista atingir o segmento das micro PME dos distritos, financiar sectores que
tradicionalmente estão marginalizados no acesso ao crédito e garantir a inclusão social,
económica e geográfica no acesso ao financiamento.
É pertinente tomar em linha de conta que a institucionalização do OIIL teve como objectivo determinante a criação de um instrumento concreto para incrementar o desenvolvimento económico e social dos distritos, ou seja, é uma medida política visando
fazer do distrito o efectivo pólo de desenvolvimento do país, tendo explicitamente uma
orientação pró-pobre14 e pró-distrito.
Nesse prisma, mostra-se pertinente encarar a operação de crédito não como um fim em
si mesmo, mas como um instrumento com a finalidade de promover empregos, incrementar a produção e produtividade, gerar renda acrescida e promover o bem-estar dos
agregados familiares.
Por outras palavras, é necessário questionar permanentemente se os objectivos da iniciativa estão a ser atingidos, no sentido de ser relevante, com impacto visível, sustentável e
14 - Chichava (2009) aponta que o combate à pobreza é uma agenda definida internacionalmente pelos doadores dos
países pobres, questionando até que ponto um país tão dependente da ajuda internacional pode estabelecer de forma soberana a sua agenda de desenvolvimento. Esse posicionamento controverso do autor não encara o outro lado da moeda,
que é marcado pela pobreza absoluta de parte significativa da população do país, em particular a população que vive nas
zonas rurais.
39
Economia, Política e Desenvolvimento
que ajude a promover o desenvolvimento humano na sua plenitude.
No marco de uma visão de longo prazo e tendo como referência inspiradora o modelo de
desenvolvimento endógeno, devem-se articular os elementos vitais duma estratégia de
desenvolvimento económico distrital, que a seguir se arrolam:
(i) Capacitação e educação vocacional, assistência técnica, extensão e comunicação rural
(com prioridade para as PME, as mulheres e os jovens);
(ii) Implantação de infra-estruturas sócio-económicas que atraíam investimentos (públicos e privados, nacionais e estrangeiros) para os Distritos, com amplo envolvimento das
comunidades na operação e manutenção das mesmas;
(iii) Extensão dos serviços financeiros para as zonas rurais e para os clientes de baixa
renda, para garantir a integração sectorial, de género, geográfica e social;
(iv) Promoção de ligações de mercado, estímulo à agro-indústria rural e prioridade orientada para as exportações (o papel da ciência, tecnologia e inovação é determinante);
(v) Planeamento para o mercado, ordenamento territorial (incluindo maior integração
entre as zonas urbanas e rurais) e gestão rentável e sustentável dos recursos naturais.
Estabelecendo uma combinação mais profunda entre o OIIL e outros instrumentos de
financiamento ao desenvolvimento, bem como outros domínios estratégicos apontados
anteriormente, os resultados a obter serão, certamente, de impactos mais notórios na vida
dos agregados familiares. Como áreas transversais que merecem uma atenção especial,
enumeramos a necessidade de travar a expansão do HIV/SIDA e outras doenças endémicas nos Distritos (como a malária, a cólera e a tuberculose), o fortalecimento das instituições locais de estímulo à economia e uma melhor resposta institucional e das famílias
aos efeitos nefastos das calamidades naturais cíclicas.
O assunto “economia” deve estar no lugar cimeiro das prioridades da governação e operacionalizado através de medidas concretas e programáticas em cada distrito. Tendo
como referência o Plano Estratégico de Desenvolvimento Distrital (PEDD), é vital não
apenas identificar os vectores de desenvolvimento distrital, mas também, e principalmente, levar a cabo acções que permitam explorar os principais potenciais do território15.
Nessa perspectiva, é metodologicamente recomendável prestar atenção às áreas de foco
em termos de análise das vantagens comparativas e competitivas de cada zona e sector
de actividade, bem como assegurar que as intervenções sejam feitas ao nível da cadeia
de valor e com explícita orientação para o mercado.
Instituições de apoio ao desenvolvimento de negócios são um imperativo para o crescimento económico contínuo dos Distritos e para o seu desenvolvimento integrado e sus15 - É de encorajar que cada Distrito tenha a capacidade de proceder ao “marketing territorial”, permitindo que, com
base na consciência comunitária sobre a existência de múltiplas potencialidades a explorar, os principais actores locais
possam disseminar essa imagem positiva do seu território e interessar parceiros para se envolverem no esforço de desenvolvimento do Distrito.
40
Economia, Política e Desenvolvimento
tentável. É nessa linha que se afiguram pertinentes instituições como as Agências de
Desenvolvimento Económico Local (ADEL), as Incubadoras de Empresas, os Centros
de Prestação de Serviços para as Empresas, os Parques Tecnológicos ou Centros de Inovação, as instituições de apoio às PME, os Centros Multimédia Comunitários, as “Vilas
do Milénio”, as Caixas Locais de Poupança e Crédito Auto-geridas, os Conselhos Consultivos Locais (CCL), as Rádios Comunitárias (RC), os Bancos de Cereais, entre outras
instituições que têm em vista fortalecer a economia dos Distritos.
O Papel dos Conselhos Consultivos Locais como Promotores do Desenvolvimento
Distrital
Actualmente, a participação comunitária e os fóruns de desenvolvimento local têm sido
cada vez mais aceites como parte indispensável do processo de desenvolvimento, apesar
de não serem conceitos, mecanismos ou preocupações novas no desenvolvimento rural
em Moçambique. Convém recordar que nas Cooperativas Agrícolas, Aldeias Comunais, Grupos Dinamizadores16, Assembleias do Povo, Comités de Desenvolvimento Local
e/ou Comunitários e diversas intervenções de desenvolvimento rural comunitário preconizavam formas colectivas de produção, organização e de vivência comunitária onde
era enfatizada a participação e a concertação de posições entre os actores sociais. Contudo, as estratégias visando essa participação eram definidas centralmente, sem atender
à heterogeneidade das comunidades rurais, as suas lógicas de funcionamento, os seus
universos culturais distintos e os seus saberes múltiplos.
Qualquer que seja o ponto de vista sob o qual se pretenda abordar o assunto, é forçoso
reconhecer que os CCL constituem-se como um dos mais inovadores actores institucionais que emergiram no ano de 2006. Uma questão prévia pode ser colocada: por que é
que, sendo entidades relativamente recentes, os CCL ganharam grande protagonismo
nas práticas desenvolvimentistas e de participação comunitária dos distritos moçambicanos?
É fundamental reconhecer, primeiro, que os CCL respondem a uma necessidade imperiosa de desenvolvimento actual em que o processo de descentralização e desconcentração
é já um processo irreversível no País. Esses entes institucionais mantêm a sua acuidade
em virtude de: i) responderem aos anseios intrínsecos das pessoas de, ao participarem,
se envolverem mais activamente em assuntos que lhes dizem respeito, assegurando a
sua auto-realização; ii) propiciarem um mecanismo de interacção permanente e regular
entre o Estado e “as forças vivas da comunidade local”; iii) permitirem fiscalizar a acção
governativa ao nível local e dizer ao poder: “sim concordamos”, “não concordamos”
ou “mas”; iv) estimularem o exercício de cidadania ao nível local e aprofundarem a
democracia participativa ao nível de base, e; v) fortalecerem a auto-estima por via da
sua participação na tomada de decisões sobre a alocação dos recursos e outros eixos das
políticas públicas.
16 - Chichava (1999: 31) retrata na sua obra o papel dos Grupos Dinamizadores (GD) no processo de consciencialização
política das populações, instâncias de auscultação e veículo de transmissão das orientações do Partido Frelimo e o meio
através do qual os problemas e preocupações das comunidades chegavam ao conhecimento da cúpula política e as suas
sugestões consideradas.
41
Economia, Política e Desenvolvimento
A despeito de tudo o que se possa referir sobre as deficiências no funcionamento dos
CCL, a experiência empírica demonstra que o que se verificou nos três anos pelos Distritos do país foi um período de aprendizagem e de capacitação, tendo-se atestado a pertinência e relevância do seu papel ao nível distrital, que é já inquestionável. Dito doutra
forma, os CCL “pavimentaram” uma nova institucionalidade e alteraram a correlação
de forças ao nível local, a tal ponto que alguns especialistas questionam a denominação
“consultivo”.
Os Conselhos Consultivos Locais são forúns de consulta híbridos, constituídos por representantes do Estado e da sociedade civil, que se debruçam sobre assuntos relacionados
com o desenvolvimento local (ao nível distrital, do posto administrativo, da localidade
e da comunidade). Eles procuram ser instrumentos para a materialização da democracia
representativa e da democracia directa e participativa. Essas “instituições mistas” são
um eixo vital para demonstrar que ao nível local é mais fácil implantar a democracia participativa que nos níveis hierarquicamente superiores. Os CCL são a prova da mudança
em curso em Moçambique, duma lógica de gestão governamental, em que as decisões
eram tomadas unilateralmente pelo Estado, para um padrão de gestão compartilhada
entre o Estado e a sociedade civil17.
A experiência de três anos e meio dos CCL em Moçambique está ancorada na necessidade de envolver os actores sociais locais nos processos de discussão, elaboração e controle de políticas públicas, garantindo a expressão dos interesses e demandas dos principais grupos sociais que intervém no desenvolvimento ao nível de base. Os Conselhos
Consultivos são espaços privilegiados para a participação e consulta, satisfazendo uma
perspectiva segundo a qual respostas adequadas aos sistemas sócio-económicos e políticos abaixo do nível distrital devem considerar ao máximo a realidade local, tendo sempre como referência as potencialidades, os constrangimentos, os sistemas de produção,
a cultura, as instituições e a lógica política, os saberes e as soluções adoptadas ao nível
local. Como bem chama a atenção Silva & Marques (2004), a introdução de inovações
democráticas tais como os Conselhos Consultivos não se resume a um mero exercício de
“engenharia institucional”. De contrário, mudanças na estrutura e na dinâmica institucional sempre implicam alterações na correlação de forças entre actores (sociais, políticos,
institucionais), trazendo, necessariamente, resistências, conflitos e pressões (nem sempre explícitos, mas nem por isso menos efectivos e significativos).
17 - Um aspecto que merece referência especial é o facto de os CCL estarem a ser estimulados pelo quadro institucional
e legal vigente e não por parceiros de cooperação internacionais. É bem verdade que experiências piloto foram levadas a
cabo com fundos de organismos multilaterais e ONG. Podemos referir, a título de exemplo, a experiência de planificação
distrital realizada em Nampula com o apoio do PNUD, UNCDF, Embaixada do Reino dos Países Baixos e a ONG Holandesa SNV, na Região MAMM (Moma, Angoche, Mogincual e Mogovolas).
Para mais informações, vide República de Moçambique, 2006; República de Moçambique, 2005a; República de Moçambique, 2005b; República de Moçambique, 2004; República deMoçambique, 2001; MAE, MPF & MADER, 2003; MAE
& MPF, 1998, bem como o Decreto no 15/2000 (Estabelece as formas de articulação dos órgãos locais do Estado com as
autoridades comunitárias), o Diploma Ministerial no 107-A/2000 (Aprova o Regulamento do Decreto no 15/2000), a Lei
no 9/2002 (Cria o Sistema de Administração Financeira do Estado- SISTAFE), o Decreto no 17/2002 (Aprova o Regulamento do SISTAFE), o Decreto no 54/2005 (Aprova o Regulamento de contratação de empreitada de obras públicas,
fornecimento de bens e prestação de serviços ao Estado) e o Decreto no 6/2006 (Aprova a estrutura tipo da orgânica do
Governo Distrital e seu Estatuto Orgânico).
42
Economia, Política e Desenvolvimento
O papel dos Conselhos Consultivos Locais (CCL) tem sido positivamente surpreendente, constituindo-se num palco preponderante para a interacção entre as iniciativas do
Governo e as aspirações das comunidades locais, na gestação dos processos de desenvolvimento local e na procura de respostas que contribuam para melhorar condições de vida
das populações. São estes os órgãos que definem as prioridades e se responsabilizam
pela garantia da transparência dos fundos.
A Lei abriu espaço para uma melhor interacção entre o Governo Distrital e as Comunidades através dos Conselhos Consultivos, e a implementação do OIIL conferiu uma
dinâmica sem precedentes à estruturação e participação destes órgãos de consulta comunitária. O conhecimento e domínio do meio onde vivem tem permitido debates profundos em torno das prioridades, objectivos, mecanismos e beneficiários dos recursos
atribuídos pelo Estado. O sucesso deste programa passa, indubitavelmente, pela maior
integração destes órgãos, incluindo a nível da sua capacitação, de modo a conferir maior
fiabilidade, isenção e impacto do OIIL nas comunidades rurais. Os Conselhos Consultivos Locais ultrapassam a dimensão meramente consultiva em relação aos chamados sete
milhões de meticais. É nos Conselhos Consultivos onde se processa a aglutinação da
maior parte dos interesses das comunidades a nível local; é a partir destes órgãos que se
processa a articulação das vontades das comunidades locais com os interesses do Estado,
assegurando, assim, a legitimidade do exercício do desenvolvimento local participativo
e sustentável.
Os CCL não podem nem devem substituir os beneficiários na aquisição de meios de
produção, nem devem ser eles a adquirir os meios de produção, incluindo tractores.
Deve ser da iniciativa dos próprios beneficiários a identificação das suas necessidades,
pedido de financiamento e aquisição dos bens e serviços contidos no seu projecto, como
forma de eles se apropriarem da sua gestão e se responsabilizarem pelo reembolso do
empréstimo. Aos vários níveis, eles devem prestar contas à população sobre a gestão dos
sete milhões de meticais e informá-la sobre os projectos aprovados, incluindo as razões
dessas decisões, bem como apresentar publicamente os beneficiários e os valores a estes
concedidos18. O compromisso público dos beneficiários sobre o reembolso destes valores
é já um passo para a sua devolução, de acordo com o plano de reembolsos aprovado.
Concretamente, o Conselho Consultivo Local cumpre, no âmbito da implementação do
Orçamento de Investimento de Iniciativa Local, entre outras, as seguintes funções19:
a) Divulgar, em coordenação com as autoridades distritais, a existência do Orçamento de
Investimento de Iniciativa Local;
18 - Os CCL devem assegurar que os “7 milhões de MT” sejam geridos de forma transparente, devendo, por conseguinte,
primar pelo diálogo com os potenciais beneficiários de financiamento e a população em geral para prestação de contas.
Por outro lado, é imperioso garantir o maior envolvimento da população, no geral, e dos CCL aos vários níveis, em particular, no processo de planificação e na produção de resultados de impacto na acção governativa. Importa referir que os
CCL devem estar envolvidos não apenas nos “7 milhões de MT”, mas em todos os fundos descentralizados concedidos
para a gestão do Distrito.
19 - O detalhe de funções/tarefas consta do Guião sobre a Organização e o Funcionamento dos Conselhos Locais, aprovado no dia 30 de Novembro de 2008 por Despacho Ministerial Conjunto dos Ministros da Administração Estatal e da
Planificação e Desenvolvimento.
43
Economia, Política e Desenvolvimento
b) Anunciar o limite orçamental alocado para cada Posto Administrativo e as prioridades
definidas para a produção de mais comida e criação de mais postos de trabalho;
c) Participar no processo de priorização dos projectos com impacto a nível local, tendo
em conta o Plano Estratégico de Desenvolvimento Distrital (PEDD);
d) Decidir, de forma transparente, com base numa avaliação imparcial sobre os projectos
submetidos (tendo em conta a viabilidade económica, social e ambiental) e analisar a
idoneidade dos beneficiários do financiamento;
e) Fazer a monitoria participativa dos processos de utilização dos fundos, de modo a
que os recursos sejam aplicados nos projectos para os quais são concedidos, incluindo a
monitoria do plano de reembolso;
f) Apreciar e aprovar o relatório da execução global do Orçamento de Investimento de
Iniciativa Local.
Entretanto, ainda que os instrumentos regulem a actuação dos Conselhos Consultivos
Distritais no âmbito dos “7 milhões” (cf. Dec. 11/2005), as funções dos Conselhos Consultivos são mais abrangentes, intervindo também nos seguintes domínios:
1. Cívico: educação cívica e patriótica, convivência e justiça social;
2. Social: saúde pública, educação, cultura e solidariedade;
3. Económico: a segurança alimentar, abertura e manutenção de vias de acesso, fomento
de produção e comercialização agrícola e pecuária, pesca, comércio, indústria e outras
oportunidades para o emprego e negócios locais;
4. Recursos naturais: uso e aproveitamento da terra, recursos hídricos, florestas, fauna
bravia e meio ambiente.
De todos os domínios acima mencionados, com a implementação dos “7 milhões de
MT”, os Conselhos Consultivos estão a especializar-se no domínio da gestão económica,
relegando, muitas vezes, para plano secundário outros domínios não menos importantes
na governação e desenvolvimento económico local.
Depois de 42 meses de funcionamento dos CCL, como órgãos de gestão e tomada de
decisão sobre o OIIL, pode-se referir que o seu contributo foi decisivo para o alcance
dos resultados obtidos, e principalmente porque as comunidades locais, congregando
distintos segmentos e sensibilidades, estão no comando do desenvolvimento económico
dos distritos e estão assegurando mais democraticidade, transparência e prestação de
contas sobre o uso de recursos públicos ao nível local. Por outro lado, a experiência
de trabalho recomenda que se alargue o âmbito de intervenção dos CCL para poderem
decidir e monitorar a implementação do OIIL e de outras políticas públicas que têm impacto a nível dos Distritos de Moçambique. Os “OIIL destinam-se aos cidadãos que, não
tendo garantias reais exigidas pelos bancos, têm, contudo, a honestidade, a integridade e
a dedicação ao trabalho como a sua garantia e têm o CCL como avalista.
44
Economia, Política e Desenvolvimento
Principais Realizações
Em 2008, foi introduzida uma verba adicional dentro do orçamento de investimento de
iniciativa local, para a cobertura de despesas de decisão local relacionadas com infraestruturas de pequeno porte, manutenção e aquisição de bens duradoiros. Esta verba
alocada inicialmente em 2008, no valor de dois milhões e trezentos mil meticais, subiu
para dois milhões e quinhentos mil meticais em 2009.
Nos anos que se seguem, estes valores irão sempre crescer, enquanto a primeira linha de
financiamento (7 milhões de MT) gradualmente concorre para a sua autonomia e retrofinanciamento através dos recursos disponibilizados nos anos anteriores e reembolsados
pelos mutuários. As duas verbas são complementares entre si e assim são encaradas e
programadas na maior parte dos distritos. Há registo de distritos que ao programarem
as actividades económicas para os “7 milhões de MT”, relacionadas com a produção de
comida e geração de emprego, recorreram aos “2,5 milhões de MT” para a aquisição de
motociclos destinados às acções de monitoria e supervisão dos projectos financiados.
Em Maganja da Costa, por exemplo, o Governo Distrital estabeleceu o que chama de
“projectos de iniciativa do governo distrital”, cobrindo áreas que a priori não são de interesse de potenciais beneficiários individuais. Deste modo, foram construídas represas e
diques para a retenção e irrigação de campos agrícolas pertencentes aos beneficiários dos
projectos do OIIL. Essas novas infra-estruturas complementam as acções financiadas
pelo OIIL e ajudam os seus beneficiários na prossecução dos objectivos traçados.
O outro complemento vem das verbas que estão a ser gradualmente descentralizadas
para os distritos a partir dos sectores centrais e provinciais. Com efeito, desde 2008, há
registo de verbas atribuídas aos distritos para os sectores de águas, estradas, agricultura,
educação e saúde. Por exemplo, só nas estradas, cada distrito recebe um milhão de meticais por ano para decisão exclusivamente da responsabilidade do Governo Distrital, em
consulta com os conselhos consultivos locais.
O Ministério da Planificação e Desenvolvimento elaborou um conjunto de manuais de
apoio à Planificação Distrital, que são usados para acções de formação e capacitação de
técnicos, membros dos Conselhos Consultivos Locais e beneficiários em todo o País,
designadamente:
•
Diagnóstico Distrital;
•
Estratégias de Desenvolvimento Distrital;
•
Plano de Acção;
•
Plano Económico e Social do Distrito – PESOD;
•
Monitoria e Avaliação da implementação do PESOD e do PEDD;
•
Estabelecimento, organização e Funcionamento dos Conselhos Locais;
•
Planificação e Projectos Comunitários;
•
Monitoria e Avaliação;
•
Instruções Obrigatórias do Tribunal Administrativo;
•
Manutenção de Edifícios;
•
Fiscalização de Obras.
45
Economia, Política e Desenvolvimento
Adicionalmente, 2008 foi marcado também pela multiplicação de visitas multidisciplinares de monitoria aos projectos financiados pelo OIIL, as quais proporcionaram um
aprofundamento da situação e mecanismos subjacentes à aplicação do OIIL por todo o
território nacional. Entre as constatações no terreno são de destacar, três:
a)
As populações estão mobilizadas e satisfeitas com a implementação do OIIL,
pese embora alguma apreensão relacionada com a necessidade de melhorar a transparência na selecção e priorização dos projectos.
b)
Embora o nível de consciência dos mutuários seja alto quanto à necessidade de
devolver os recursos de modo a beneficiar mais pessoas, a taxa de reembolsos ainda é
baixa. Há factores que podem explicar esta situação: a inexistência de suporte documental claro e vinculativo na altura da concessão dos recursos, incluindo a ausência de um
plano de reembolsos com cronograma acordado entre as partes; limitados conhecimentos de gestão financeira de projectos; fraca viabilidade técnica e económico-financeira
dos projectos para enfrentarem situações de risco (cheias, secas, etc.), e situações de
puro absentismo e má fé da parte de alguns beneficiários. São reportados alguns casos
de mudança de projectos pelos beneficiários sem comunicação prévia, distorcendo os
prazos para a execução dos mesmos, com reflexos nos níveis de reembolsos
c)
Fraco nível de associativismo, marcado por fragilidade na sua constituição, incluindo acções de formação, registo e formalização a nível dos distritos, requerendo a
tomada de medidas pontuais para a reversão desta situação. Por exemplo, nos distritos
de Cahora Bassa e Tsangano, em Tete, e Pebane, na Zambézia, dentre outros, foram
reportados casos de associações formadas e imediatamente desfeitas após a recepção de
recursos do OIIL.
Tabela 1: Nº de Projectos Financiados & Postos de Trabalho 2006-08 no País
PROVÍNCIA
PROJECTOS
FINANCIADOS
POSTOS DE EMPREGO
Niassa
1,229
6,332
Cabo Delgado
4,319
10,000
Nampula
4,300
6,332
Zambézia
2,983
14,810
Tete
1,404
6,775
Manica
2,183
5,882
Sofala
2,110
15,697
Inhambane
469
25,536
Gaza
6,092
4,571
Maputo
854
5,685
Cidade de Maputo (Inhaca e Catembe)
55
236
TOTAL
25,998
109,737
Fonte: compilação feita na DNP-MPD e INEFP-MITRAB a partir de relatórios Provinciais, 2009
46
Economia, Política e Desenvolvimento
Gráfico 2: Representação Gráfica de Projectos Financiados e Empregos Criados
120,000
100,000
80,000
60,000
40,000
20,000
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0
Proj. Financiados
Empregos Criados
Impacto Positivo do OIIL no Desenvolvimento dos distritos
É consensual a ideia segundo a qual o estabelecimento do orçamento de investimento
de iniciativa local é benéfico para os distritos e suas populações, sendo uma das grandes
medidas de impacto tomadas pelo governo nos últimos quatro anos. Entre os pontos
fortes e oportunidades criadas desta medida são de destacar:
a.
A colocação de recursos muito próximo das comunidades locais, onde elas podem influenciar a sua aplicação em benefício próprio, contribuindo deste modo para a
redução dos índices de pobreza absoluta no Distrito e no País;
b.
O papel-chave dos Conselhos Consultivos na decisão sobre os projectos, os
montantes a alocar e o perfil dos beneficiários;
c.
A criação de oportunidades para o despertar do empreendedorismo a nível dos
distritos;
d.
A criação de emprego e aumento da produção de bens essenciais de consumo;
e.
O (re) despertar do interesse das populações em torno da acção participativa nos
assuntos de interesse comum e orientados para o desenvolvimento local;
f.
A injecção de recursos financeiros na economia local, criando bases para a monetarização do meio rural no País, tem constituído também um factor de atracção de
47
Economia, Política e Desenvolvimento
instituições financeiras privadas para os Distritos, com vista à captação de poupanças
resultantes do dinamismo económico criado;
g.
A transparência e prestação de contas foram induzidas em todos os distritos do
país, estando a propiciar acções de monitoria participativa de acções de desenvolvimento
local implementadas pelo Governo.
Principais Constrangimentos
A implementação do OIIL tem também os seus constrangimentos, entre os quais figuram
os que a seguir são apresentados:
a.
O carácter pioneiro da iniciativa, constituindo uma aprendizagem para os actores envolvidos, num processo de “aprender fazendo” a todos os níveis, levou a que,
obviamente, ocorressem desvios, imprecisões, lacunas e/ou fragilidades técnico-administrativas e deficiências no fluxo de comunicação;
b.
A não definição clara, desde o início, da alocação dos fundos em 2006 e dos seus
objectivos prioritários levou a que muitos Governos distritais “aproveitassem” o OIIL
para mudar a face dos edifícios (infra-estruturas) e adquirir novas mobílias.
c.
Nota-se a ausência de acções de monitoria e acompanhamento sistemático dos
projectos financiados, um pouco por todo o país, pelo nível central, provincial e mesmo
distrital;
d.
Observa-se um deficiente desenho e viabilidade dos projectos submetidos para a
aprovação, aliado à falta de experiência dos beneficiários na gestão de negócios;
e.
A inexistência de uma rede bancária e de outras instituições financeiras na maior
parte dos distritos faz com que valores monetários circulem informalmente, de mão em
mão;
f.
Revela-se uma limitada capacidade dos órgãos envolvidos no processo de selecção e aprovação de projectos viáveis;
g.
A ausência de contratos, por parte dos distritos, com os mutuários resulta na
ausência do plano de reembolso e na disparidade de fixação da taxa de juros, sendo que,
onde existem, eles não são claros quanto às obrigações dos mutuários;
h.
Notam-se dificuldades nos reembolsos em geral, considerando o carácter (inédito e inovador) do OIIL, aliado ao fraco domínio de prática de actividades que envolvem
sistemas de crédito por parte das autoridades locais;
i.
A falta de observância de elementos de ligação, sinergias e consistência entre
projectos resulta numa frágil cadeia de valor da produção e consequente subaproveitamento do potencial de oportunidades que o OIIL oferece para o desenvolvimento do
distrito;
48
Economia, Política e Desenvolvimento
j.
A fraca ligação entre os projectos aprovados e os Planos Estratégicos de Desenvolvimento Distritais (PEDD) faz com que a influência dos projectos no desenvolvimento dos distritos seja reduzida20;
k.
Nota-se pouco ou nenhum envolvimento dos Conselhos Consultivos Locais nas
acções de monitoria e controlo nas respectivas áreas de jurisdição;
l.
Observa-se uma falta de provedores de insumos de produção na maioria dos
distritos;
m.
Revelam-se dificuldades na interpretação e operacionalização do Decreto
54/2005, de 13 de Dezembro, sobre a Contratação de Empreitada de Obras Públicas,
Fornecimento de Bens e Prestação de Serviços ao Estado.
Desafios, Perspectivas e Considerações Finais
Considerando que os relatórios de algumas províncias se limitava a aflorar os aspectos
meramente financeiros, sem análise sobre o tipo de projectos financiados, beneficiários,
seu impacto, sustentabilidade, apresentam-se lacunas inerentes ao seguimento e potenciamento da cadeia de valor da produção gerada em torno da implementação do OIIL.
Diante deste cenário, que perspectivas devem ser tomas em consideração?
•
O OIIL, sendo um eixo da política inovadora do governo em prol da economia
rural multi-sectorial, deve incrementar a contribuição dos sectores relevantes no apoio ao
desenvolvimento dos Distritos, a saber: Ministério da Planificação de Desenvolvimento,
Ministério das Finanças, Ministério da Administração Estatal, Ministério da Agricultura,
Ministério da Industria e Comercio, Ministério do Trabalho, Ministério das Pescas e
Ministério do Turismo, entre outros, facilitando a assistência técnica e capacitação no
desenho, implementação e monitoria das acções. É de reconhecer a necessidade de manter em funcionamento o grupo técnico sobre o OIIL, constituído por quadros seniores
dos Ministérios de índole económica.
•
Acções de formação devem ser intensificadas e organizadas para envolver
quadros do nível central, provincial e distrital, tanto para os Conselhos Consultivos Locais, como para os Governos Distritais, Equipes Técnicas Distritais e beneficiários.
•
Nas Províncias, o apoio aos distritos na implementação do OIIL não pode ser
responsabilizado somente às Direcções Provinciais de Plano e Finanças, como tende
a acontecer, mas a todas as Direcções Provinciais, principalmente aquelas que podem
facilitar assistência técnica especializada em actividades económicas.
20 - Forquilha (2009), por exemplo, refere que a não integração do OIIL nos PEDD, mais do que as baixas taxas dos
reembolsos constitui o verdadeiro “calcanhar de Aquiles do processo de execução do OIIL”.
49
Economia, Política e Desenvolvimento
•
É preciso reforçar o papel das delegações do Instituto Nacional de Emprego e
Formação Profissional (Ministério do Trabalho), da Direcção nacional de Planeamento e
Ordenamento Territorial (Ministério para coordenação e acção Ambiental), e do Instituto
de Comunicação Social, tanto a nível central, como ao nível provincial e distrital, para
que concedam apoio na implementação do OIIL.
•
O Distrito de Nipepe, por exemplo, tem uma experiência interessante de uso
intensivo do seu Centro de Formação Profissional, que deve ser estimulada de forma
a assegurar uma aposta inequívoca na formação-acção e no reforço da experiência dos
beneficiários e das entidades de apoio.
•
É necessário continuar a sistematizar as boas práticas para que sirvam de matéria de divulgação, não só como estudos de casos nas capacitações, mas também nas
visitas, tanto de nível central, como provincial.
•
Está em curso um estudo de avaliação de impacto do OIIL, incluindo a estrutura
produtiva (produção agrícola e criação de empregos), comercial e de preços, considerando que os beneficiários directos e indirectos reduziram a sua pressão sobre os produtos
básicos provenientes de fora dos Distritos de origem.
•
Ainda é necessário continuar a preparar a transformação do OIIL em Fundo do
Desenvolvimento Distrital, permitindo uma melhor flexibilização e adequação à Legislação em vigor. Esta proposta carece ainda de discussão aprofundada.
•
É preciso divulgar a experiência de alguns distritos no que diz respeito à formação de subcomissões de Membros do Conselho Consultivo, para visitar e dialogar com
os beneficiários, permitindo assim inteirar-se do ponto de situação dos projectos e as
dificuldades identificadas.
Uma equipa multisectorial do Governo preparou os instrumentos de operacionalização
do OIIL, que foram posteriormente enviados para os Distritos, com vista a apoiar os
Conselhos Consultivos, os distritos e os beneficiários no desenho, avaliação, afectação
de recursos e controle de gastos.
No concernente às perspectivas, é necessário desenhar acções voltadas para:
a)
Criação de oportunidade de inclusão económica e social da população local
através da provisão de serviços financeiros ao nível local;
b)
Abertura duma “janela de oportunidade” para o desenvolvimento das potencialidades produtivas e comerciais dos pequenos empreendedores dos distritos visando a
geração de riqueza;
c)
Aperfeiçoamento do exercício da participação, consulta comunitária, responsabilização dos actores locais, transparência e prestação de contas sobre as decisões em
torno dos recursos alocados;
50
Economia, Política e Desenvolvimento
d)
Promoção do associativismo, como uma alternativa ao desenvolvimento de
negócios individualmente, materializando o princípio de que a união faz a força;
e)
Incremento da produção (e produtividade) de alimentos, o que contribuiu para
garantir a segurança alimentar e nutricional e o aumento do rendimento pelos agregados
familiares;
f)
Criação de mais postos de emprego a nível das comunidades rurais, como resultado duma mais rentável e racional exploração dos recursos naturais disponíveis;
g)
Disseminação de experiências de “boas práticas” na utilização dos fundos em alguns distritos, em termos de impacto, sustentabilidade, aumento da produtividade na agricultura, produção orientada para o mercado, adequado sistema de agro-processamento,
;
h)
Abertura de uma ampla oportunidade para a bancarização dos empreendedores,
a monetarização da economia e a captação de poupança ao nível dos distritos;
i)
Harmonização da iniciativa com os Fundos de Fomento, num exercício de articulação dos diferentes instrumentos financeiros disponíveis para a promoção da economia
rural;
j)
Envolvimento de instituições vocacionadas para a capacitação e treinamento
dos beneficiários directos dos recursos e dos Conselhos Consultivos Locais (CCL).
Conclusões do artigo
Para terminar, é importante referir que actualmente todos os Distritos do País estão em
efervescência, como resultado da “lufada de ar fresco” induzida pela injecção de recursos financeiros do Estado para financiar micro e pequenas empresas locais. Por todos os
distritos onde temos estado, como por exemplo, Chókwè, Bilene, Manjacaze, Xai-Xai,
Monapo, Ilha de Moçambique, Nacala, Nipepe, Marrupa, Maúa, Changara, Mutarara,
Ile, Mocuba, Maganja da Costa, Pebane, Morrumbala, Vilanculos, Massinga, Morrumbene, Inharrime, Boane, Namaacha, Magude e Marracuene, a população tem reconhecido o impacto positivo do OIIL no desenvolvimento da economia distrital e o papel
determinante dos CCL como catalizador do desenvolvimento participativo, inclusivo,
descentralizado e democrático. O OIIL está a contribuir para atrair mais investimentos
para os Distritos, e um dos exemplos marcantes é o movimento de implantação de bancos nos distritos, em que o Banco Comercial de Investimentos e o Standard Bank estão
na dianteira, a estimular o alargamento da base tributária e a fortalecer a bancarização
dos empreendedores rurais. Com a disponibilização de recursos do OILL aos distritos,
é a cultura de trabalho que se pavimenta, e a auto-estima “vem ao de cima”, porque se
alargam as oportunidades, e os moçambicanos (mulheres e homens) criativos e inconformados libertam-se das “algemas” e do pesado fardo da pobreza.
51
Economia, Política e Desenvolvimento
52
Economia, Política e Desenvolvimento
Participação dos Cidadãos nos Conselhos Locais e na Monitoria
do Plano-Económico-social e Orçamento Distrital - PESOD
Manuela Rico21 e Armindo Tomo22
Maputo, Moçambique
5-6 Junho, 2009
21 - O texto foi escrito e apresentado quando a autora desempenhava a função de Secretária Permanente da Província de
Inhambane e actualmente desempenha a função de Secretária Permanente no Ministério da Cultura.
22 - Assessor de Planificação e Finanças Descentralizadas em Inhambane
53
Economia, Política e Desenvolvimento
Resumo
Este texto apresenta os aspectos práticos da constituição e capacitação das Comissões de
trabalho nos Conselhos Locais e a sua participação na Monitoria do Plano Económicosocial e Orçamento Distrital – PESOD. De acordo com o processo de funcionamento, em
cada Conselho Consultivo da Localidade são constituídas cinco Comissões de Trabalho,
nomeadamente: a) Comissão de Trabalho para Actividades Económicas; b) Comissões
de Trabalho para Saúde Mulher e Acção Social; c) Comissões de Trabalho para Planeamento e Infra-estruturas; d) Comissões de Trabalho para Educação, Juventude e Tecnologia; e e) Comissões de Trabalho para Governação e Segurança Pública.
As Comissões de Trabalho devem garantir uma ligação e coordenação entre os cidadãos
e o Estado a nível do Distrito. A experiência de Inhambane revelou que um dos desafios
é a capacitação das Comissões de Trabalho em matérias relevantes para a promoção de
diálogo com as instituições do Governo Local e sociedade civil.
Um eficiente diálogo é importante para a recolha de informação sectorial desagregada
por diferentes unidades administrativas (Localidade e Postos Administrativos), que são a
base de verificação e prestação de contas. Por isso, os modelos originais foram modificados e orientados para a recolha de informação a nível das Localidades e Postos Administrativos. Depois disto forma divulgados em todos os sectores a nível da Província.
Para além dos modelos apresentados, o texto discute a adequação e divulgação dos modelos de recolha de informação sectorial que já existem mas com algumas limitações
que dificultam o alcance do nível de eficiência na recolha de informação. Em seguida,
o texto descreve o processo de implementação da monitoria participativa do PESOD
conduzido através das Comissões de Trabalho constituídas e capacitadas a nível local e
descreve os modelos de recolha de informação a nível da Localidade. O sucesso deste
processo depende sobremaneira da existência de estruturas de coordenação multissectorial a nível dos Governos Provincial e Distrital, nomeadamente o Conselho Técnico
Provincial -CTP e o Conselho Técnico Distrital – CTD. Por isso, os CTD e CTP desempenham papel importante no processo de recolha de informação em cada Localidade e
Posto Administrativo. O resultado desta implementação é a elaboração do balanço do
PESOD, que depois é apresentado na Sessão do Conselho Consultivo Distrital. Ao finalizar o texto apresenta-se o impacto alcançado com o processo de monitoria do PESOD,
os resultados, as lições aprendidas e as conclusões do processo dos últimos anos.
Introdução
Nos últimos anos em Moçambique, o Sistema de Governação e Administração Pública
tem registado avanços significativos, na direcção de uma maior desconcentração e descentralização de competências, tarefas, recursos e responsabilidades, transferidas do
nível central para os níveis provincial e distrital. A despeito dos avanços alcançados, os
desafios ainda persistem. Por exemplo, a primeira fase da Estratégia Global da Reforma
do Sector Público de 2001-2011 coloca uma meta ao Estado para estabelecer uma Administração Pública voltada para o cidadão, melhorar a qualidade dos serviços públicos
e aperfeiçoar as respostas administrativas oferecidas à sociedade.
54
Economia, Política e Desenvolvimento
A segunda fase da Reforma do Sector Público pretende, dentre vários resultados, o fortalecimento e funcionamento eficiente e eficaz dos órgãos Locais do Estado e órgãos de
Poder Local. Os resultados deste processo serão medidos através da percepção das comunidades beneficiárias sobre a qualidade das instituições e dos serviços de participação
comunitária.
Por seu turno, o número 1 do artigo 103 do decreto 11/2005 de 10 de Junho estabelece
que os Planos de Desenvolvimento Distrital são elaborados com a participação da população residente através dos Conselhos Consultivos Locais e visam mobilizar recursos
humanos, materiais e financeiros adicionais para a resolução dos problemas do Distrito.
Com efeito, o decreto supracitado atribui várias funções aos Conselhos Locais, donde se
destaca a participação no processo de preparação, implementação e monitoria dos planos
estratégicos provinciais, monitoria dos planos distritais de desenvolvimento e apreciação
dos relatórios sobre a planificação, destacando a qualidade de participação das comunidades locais e dos grupos de interesse.
Neste contexto de metas e desafios, o Governo Provincial, através da Secretaria Provincial, tomou a iniciativa de constituir as Comissões de Trabalho nos Conselhos Consultivos Locais como forma de consolidar a estrutura e funcionamento dos Conselhos
Consultivos Locais. Estes órgãos devem participar no ciclo de planificação operacional
distrital, que culmina com a elaboração, implementação e monitoria do Plano Económico e Social e Orçamento Distrital. Na província de Inhambane, a Secretaria Provincial,
em coordenação com a Direcção Provincial do Plano e Finanças (DPPF), decidiram aplicar os modelos simplificados de levantamento de informação sectorial por Localidade a
nível distrital como o primeiro passo da monitoria trimestral do PESOD. A informação é
recolhida nos sectores através dos modelos pelos técnicos que integram o Conselho Técnico Provincial e os Conselhos Técnicos Distritais. O resultado final do processo conduz
à elaboração do Relatório de Balanço do PESOD.
Assim, a realização da monitoria participativa do PESOD através das Comissões de Trabalho dos Conselhos Locais constitui a boa prática que é descrita e apresentada através
deste documento.
Apresentação do Projecto e o Problema
O processo de elaboração e implementação do Plano Económico-social e Orçamento
Distrital implica a ligação às orientações e metodologias nacionais e a consulta às comunidades locais através dos Conselhos Locais. Ao longo da implementação do PESOD,
decorre a monitoria que permite o acompanhamento sistemático da eficiência dessa implementação. No contexto de boa governação esta monitoria deverá ser participativa,
garantindo o envolvimento activo das comunidades através dos Conselhos Locais.
Para compreender o desafio do processo, identificam-se três momentos da monitoria
participativa do PESOD: i) recolha de informação sectorial através dos modelos apropriados; ii) consulta às comunidades através dos Conselhos Locais e iii) elaboração do
relatório trimestral do balanço do PESOD e aprovação pelo Conselho Consultivo Distrital. Estes momentos levantam algumas questões que ao todo corporizam o problema
55
Economia, Política e Desenvolvimento
central e a base para a reflexão:
•
Como podem os Conselhos Consultivos Locais participar activamente na elaboração, implementação, monitoria e avaliação do PESOD sem Comissões de Trabalho
especializadas e que possam garantir a ligação e coordenação com as instituições do
Governo Distrital?
•
Como é que o Governo Distrital pode reduzir a distância entre si e os cidadãos
quando nos Conselhos Locais não existem Comissões de Trabalho com funções directamente ligadas aos Serviços Distritais?
•
Como é que se pode garantir a fidelidade da informação sectorial quando os
modelos da sua recolha não estão desagregados em Localidades?
•
Como é que o relatório de balanço trimestral do PESOD pode ser validado na
Sessão do Conselho Consultivo Distrital quando é apresentado em termos globais ao
invés de apresentação por Localidades?
Com estas questões pode-se ver que paralelamente ao desafio de organização e funcionamento dos Conselhos Consultivos Locais, regista-se também a falta de um modelo
simplificado para o levantamento da informação sectorial e o fraco fluxo de informação
estruturada sobre o desempenho da execução do PESOD. Também registam-se várias
actividades de monitoria realizadas em cada serviço distrital ou Direcção Provincial,
mas sem integração no contexto de desenvolvimento Distrital. Um dos grandes desafios
é a forma como é realizada a monitoria de actividades do PESOD, uma vez que nem
sempre a informação é recolhida ao nível das Localidades devido à exiguidade de recursos financeiros.
Para corrigir estes desafios e, por conseguinte, aumentar a eficiência nos processos acima referidos, desenhou-se um conjunto de acções que consistiram em: a) Constituir e
capacitar as Comissões de Trabalho nos Conselhos Consultivos Locais; b) Melhorar e
difundir os modelos de levantamento da informação sectorial; c) Implementar a monitoria participativa do PESOD; d) Compilar o Balanço do PESOD e apresentá-lo à Sessão
do Conselho Consultivo Distrital.
Que resultados este tipo de intervenção trouxe ao processo de planificação
participativa?
Trata-se do Projecto de Participação dos cidadãos através das Comissões de Trabalho
dos Conselhos Consultivos Locais na Monitoria Participativa do Plano Económico e
Social e Orçamento Distrital. Nele participaram a Secretaria Provincial, os Governos
Distritais e os Conselhos Locais.
A Secretaria Provincial tem o mandato de coordenar e orientar as discussões do Conselho Técnico Provincial até que este, por sua vez, produza propostas técnicas que ao
serem aprovadas são encaminhadas aos Governos Distritais para a análise e aplicação.
56
Economia, Política e Desenvolvimento
Os membros do Conselho Técnico Provincial são também participantes no processo de
recolha e compilação da informação a nível das Localidades.
Os Governos Distritais através dos Conselhos Técnicos Distritais analisam as propostas
técnicas, testam, aplicam e reportam para o nível provincial os resultados e lições aprendidas.
Os Conselhos Locais através das Comissões de Trabalho reportam aos técnicos dos Conselhos Técnicos Provincial e Distritais sobre o desempenho qualitativo dos projectos e
serviços públicos ou privados localizados em cada uma das Localidades onde residem.
Para além disso, também procedem à verificação preliminar da informação quantitativa
contida nas fichas preenchidas pelos Serviços Distritais.
O primeiro passo na operacionalização dos Conselhos Consultivos Locais consiste em
constituir e capacitar as Comissões de Trabalho nos Conselhos Consultivos Locais. Em
conformidade com os Termos de Referência das Comissões de Trabalho dos Conselhos
Consultivos Locais e com a supervisão dos membros dos Conselhos Técnicos Distritais,
realizam-se eleições a nível da Localidade para encontrar os membros que constituirão
as referidas comissões. Os membros eleitos devem ser idóneos, confiados a nível da
comunidade e com experiência ou forte interesse na área da comissão a que se candidatam. Assim, preenchem-se lugares para as Comissões de Trabalho de Actividades
Económicas; Saúde, Mulher e Acção Social; Planeamento e Infra-estruturas; Educação,
Juventude e Tecnologia e; Governação e Segurança Pública. Em seguida realiza-se a
capacitação dos membros destas comissões.
Cumprida esta fase seguiu-se o melhoramento e difusão dos modelos de levantamento
da informação sectorial. Com recurso aos modelos de levantamento de informação sectorial compilados pela Direcção Provincial do Plano e Finanças, procedeu-se à transformação do enfoque distrital para o enfoque da Localidade, facilitando o levantamento de
informação de todos os sectores neste nível da administração do Estado.
Os modelos modificados foram discutidos e aprovados a nível do Conselho Técnico
Provincial para efeitos de disseminação a nível distrital. A nível dos distritos, os novos
modelos dão maior enfoque ao processo de planificação nas Localidade. Estas alterações
de enfoque são enormes e implicam que os dados para o balanço do PESOD sejam
levantados a nível da Localidade e não agregados por Distrito como habitualmente se
pratica.
Uma das lições aprendidas deste processo é que o envolvimento dos cidadãos deve ter
um carácter de obrigatoriedade, partindo da Localidade e não apenas através do Conselho Consultivo Distrital. Uma outra lição é a de que os técnicos, tanto do nível provincial,
como distrital, devem trabalhar no nível da Localidade, estabelecendo contacto directo
com os membros das Comissões de Trabalho. As condições logísticas são determinantes
para o sucesso deste trabalho. Por isso, meios circulantes, materiais, financeiros como
viaturas, combustíveis, ajudas de custo, devem ser assegurados para facilitar o trabalho
dos técnicos.
57
Economia, Política e Desenvolvimento
É importante reconhecer que as experiências revelaram que os ganhos deste processo
são grandes. Só para exemplificar, actualmente, os instrumentos de recolha de dados do
balanço estão cada vez mais simplificados, regista-se um maior contacto com a população, o que permite melhor conhecimento dos desafios existentes e o alargamento do
espaço para um mútuo cometimento entre as comunidades locais e o Governo Distrital.
Implementação da Monitoria Participativa do PESOD
O esquema de monitoria participativa apresentado a seguir serve para mostrar que ao
longo do processo realiza-se uma discussão e concordância em relação ao modelo ou
metodologia de monitoria participativa a nível do Conselho Técnico Provincial. A seguir
a esta fase, cada um dos técnicos desloca-se para os Distritos indicados, onde juntamente
com os técnicos do Conselho Técnico Distrital discutem detalhadamente a aplicação dos
modelos de levantamento de informação sectorial e o procedimento a ser seguido para a
recolha de informação qualitativa a nível das Localidades que é complementar à informação quantitativa sectorial.
Nesta fase, são envolvidos no mínimo 5 técnicos do Conselho Técnico Distrital, representando os Serviços Distritais de Planeamento e Infra-estruturas, Actividades Económicas, Saúde, Mulher e Acção Social, Educação, Juventude e Tecnologia e a Secretaria
Distrital. Para além destes, é também envolvido um técnico do Conselho Técnico Provincial, totalizando seis técnicos que se deslocam para as Localidades do Distrito. Em
cada uma das Localidades, cada técnico distrital discute os assuntos referentes ao seu
sector com os membros das Comissões de Trabalho correspondentes.
O técnico provincial que acompanha os trabalhos tem responsabilidade de dar o devido
suporte em relação ao processo de recolha de informação, incluindo a explicação clara
sobre os propósitos do exercício, para que não seja em nenhum momento confundido
com um processo de busca de informação que questiona o desempenho do Governo Distrital. Este exercício é basicamente uma oportunidade de troca mútua de informação entre membros da Administração Pública a nível do Distrito e as comunidades locais e que
também é utilizado para reflexão conjunta sobre opções de solução dos vários problemas
que afectam as comunidades locais através de iniciativas locais (por exemplo, alfabetização de adultos, participação em Conselhos de Escolas e Comités de Gestão de Água,
disponibilidade de mão-de-obra voluntária para projectos comunitários, sensibilização
sobre queimadas descontroladas, violência doméstica, HIV/SIDA, entre outras).
Feito o levantamento a nível de localidade, segue-se a compilação do Balanço do PESOD e a sua apresentação na Sessão do Conselho Consultivo Distrital. Depois de recolhida a informação, segue um momento de reunião entre todos os técnicos envolvidos.
Nela elabora-se uma síntese das constatações obtidas por Localidade e Serviço Distrital
com base nos respectivos modelos dos Serviços Distritais. Esta síntese é encaminhada à
apreciação do Secretário Permanente Distrital, e este, ao Administrador Distrital. Depois
de análise, em Sessão do Governo Distrital, é elaborado um relatório preliminar de balanço do PESOD. Este relatório é o objecto da Sessão do Conselho Consultivo Distrital.
Neste Conselho, discutem-se as propostas de solução dos problemas identificados e a
58
Economia, Política e Desenvolvimento
divisão de responsabilidades entre o Governo e a população através dos seus representantes no Conselho Consultivo Distrital. Os principais pontos discutidos nesta sessão são incluídos na acta de reunião do Conselho Consultivo e publicados nas vitrinas
da Administração e dos Postos Administrativos. Depois, é definitivamente compilado o
Relatório Final de Balanço do PESOD, onde são sublinhados em particular os desafios
que carecem de apoio do nível provincial.
A perspectiva é a de que este relatório seja suficiente como Relatório Trimestral do
Governo Distrital e não haja espaço para outros balanços paralelos, pois abrange todos
os projectos sectoriais que decorrem no Distrito, incluindo as actividades de actores
não governamentais. Este é o relatório que deve ser enviado à Secretaria Provincial e a
qualquer interessado. A Secretaria Provincial, através do Conselho Técnico Provincial,
fará a compilação do Relatório de Balanço do PESOP, bastando incluir aquelas acções
que por razões de separação de competências não podem ser incluídas no relatório distrital, como é o caso das acções de nível provincial e nacional.
Análise dos Indicadores de Avaliação do Projecto
Os esforços para avaliação de indicadores enquadram-se no processo de Reforma do
Sector Público e visam o melhoramento dos instrumentos e processos de gestão. Antes
das actividades desenvolvidas a nível dos Conselhos Locais, não existiam Comissões
de Trabalho. Esta situação era ainda mais grave no contexto em que as estruturas de coordenação multissectorial, como o Conselho Técnico Provincial e o Conselho Técnico
Distrital, não estavam consolidadas. Por isso, os Conselhos Consultivos não tinham a
sua parte operacional. Nestas condições, o seu funcionamento não tinha a efectividade
desejada. Para superar esta situação, a província de Inhambane constituiu e capacitou
as Comissões de Trabalho mediante Termos de Referência previamente elaborados e
testados.
As intervenções realizadas revelam que estão sendo alcançados resultados positivos.
Uma nova metodologia foi preparada para a monitoria do PESOD. As informações são
recolhidas a nível das localidades e depois partilhadas por uma equipa multisectorial. O
nível de envolvimento das comunidades locais aumentou.
Anteriormente, os diferentes sectores efectuavam monitorias específicas conforme áreas
de intervenção. O processo de coordenação era bastante fraco. Isto enfraquecia largamente o conceito de “Governo Distrital” preconizado na Lei 8/2003 de 19 de Maio. A
nova metodologia adoptada a nível da província de Inhambane reforça o processo de
conjugação de esforços, sinergias e recursos, ao mesmo tempo que garante o fortalecimento dos mecanismos de coordenação multissectorial, fortalecimento da governação
local, da democracia participativa, evita duplicações de esforços e de recurso se reforça
os pilares básicos da descentralização.
No contexto da descentralização, fortaleceu-se a capacidade dos Governos Distritais para
a consolidação da sua estrutura orgânica, permitindo a realização cabal das atribuições e
tarefas para eles desconcentradas pelos níveis provincial e central. A cadeia de impacto
que se segue resume a sequência de acontecimentos desde os recursos aplicados até ao
59
Economia, Política e Desenvolvimento
impacto desejado com este projecto.
Secretaria Provincial de Inhambane
Cadeia de Impacto: Monitoria Participativa do PESOD
Objectivo/Benefício directo
Utilização dos produtos/
serviços
Produto/serviços
Actividades
Recursos
A distância entre o Governo Distrital e a população diminui;
aumenta o conhecimento mútuo dos desafios reais para a melhoria
dos serviços públicos ao cidadão; é clarificada a separação de
responsabilidades entre o Governo e os cidadãos; são estabelecidos e institucionalizados os canais de prestação de contas entre
o Governo e os cidadãos criando bases para a transparência nos
processos administrativos
Os Conselhos Técnicos Provincial e Distritais em representação dos respectivos
Governos aplicam o modelo de levantamento de informação sectorial nos procedimentos acordados e com envolvimento da população através dos Conselhos
Locais;
Os representantes da população usufruem da oportunidade de exprimir a sua
percepção sobre o desempenho do Governo, propor soluções para os problemas
identificados assim como tomar responsabilidade sobre certas acções para a
solução desses problemas
As propostas de modelo de levantamento de informação sectorial e do procedimento de
recolha dessa informação são aprovados e há consenso para o início da sua aplicação;
O envolvimento das Comissões de Trabalho dos Conselhos Locais é aprovada e há
consenso para o início do processo
Elaborar a proposta de utilização do modelo melhorado para o levantamento da
informação sectorial para a monitoria do PESOD;
Elaborar a proposta de aplicação dos modelo modificados com envolvimento das
Comissões de Trabalho dos Conselhos Locais das Localidades;
Efectuar a discussão das propostas elaboradas.
Técnicos, recursos materiais, acordos financeiros
Resultados, Desafios e Lições Aprendidas
Com a aprovação dos instrumentos de recolha de dados sectoriais e procedimentos de
monitoria participativa desenvolvidos com o envolvimento activo das comunidades locais e com o apoio das Comissões de Trabalho dos Conselhos Locais, já foram abrangidos todos os Distritos.
60
Economia, Política e Desenvolvimento
O quadro a seguir resume de forma analítica os pontos fortes, oportunidades, fraquezas
e ameaças.
PONTOS FORTES
• Disponibilidade de técnicos qualificados dentro
das Direcções Provinciais que integram o Conselho Técnico Provincial de Inhambane
• Disponibilidade de recursos financeiros que possibilitam a testagem de instrumentos elaborados e
ou aperfeiçoados.
• Existência de mecanismos de coordenação
multi-sectorial – Conselhos Técnicos Provincial
e Distrital que facilitam a rápida disseminação de
novas práticas.
OPORTUNIDADES
• Existência de parceria entre o Governo Provincial
e o Programa de Descentralização-GTZ.
• Existência de Conselhos Consultivos Locais
dinâmicos e com experiência de participação na
governação.
FRAQUEZAS
• Falta de conhecimento sobre experiências
similares de monitoria participativa do PESOD
sendo esta prática uma iniciativa da Província de
Inhambane.
• Falta de complementaridade com outros
mecanismos de governação participativa como
por exemplo o Observatório de Desenvolvimento
Provincial. Para este caso estão sendo tomadas
acções visando a inclusão.
AMEAÇAS
• Vulnerabilidade perante ao surgimento de conflitos entre os Governos Distritais e a população
devido a ausência da cultura de prestação mútua de
contas: O Governo é sempre visto como a entidade
que deve satisfazer as necessidades da população a
todo o custo.
• Vulnerabilidade perante possível aproveitamento
político: o facto que a população levanta livremente falhas reais da actuação da Administração
Pública pode ser utilizado como indicador de
descrédito e incapacidade do Governo ou mesmo
negligência face as necessidades do povo.
As principais constatações e lições aprendidas deste processo compreendem:
•
Para o sucesso da monitoria participativa do PESOD, é indispensável que esteja
criado e funcional um mecanismo de coordenação multissectorial. No caso da Província de Inhambane, foi decisiva a existência do Conselho Técnico Provincial, colectivo
criado pelo Governo Provincial, à luz da Resolução No 3/2006, de 20 de Dezembro, da
Autoridade Nacional da Função Pública. Este colectivo facilita a discussão e disseminação de práticas novas dentro das Direcções Provinciais e também facilita a transferência
de recursos e competências para os Distritos.
•
A nível distrital, à semelhança do nível provincial, a existência dos Conselhos
Técnicos Distritais desempenhou um papel decisivo para o sucesso da monitoria participativa do PESOD.
•
É fundamental a existência de consenso sobre os objectivos, relevância e procedimentos da monitoria do PESOD entre os técnicos das diferentes instituições provinciais e distritais. Também deve ser garantida informação atempada sobre este processo
aos Administradores e Secretários Permanentes Distritais, pois a sua decisão e apoio é
indispensável para o sucesso do processo.
61
Economia, Política e Desenvolvimento
•
Aos membros das Comissões de Trabalho nos Conselhos Consultivos Locais
deve-se explicar com antecedência os objectivos da monitoria, para que não o confundam com um processo de confirmação de fraquezas ou virtudes no desempenho do Governo Distrital.
•
Em cada uma das Localidades que constituem cada Distrito, deverão previamente existir Comissões de Trabalho capacitadas para dialogar com o Governo Distrital
através do Conselho Técnico Distrital. Ao lado disto, também os técnicos devem ter
capacidade profissional de auscultar, tolerar e encorajar as exposições dos membros das
comissões.
•
Foi confirmado que a cobertura dos serviços públicos básicos oferecidos, como
educação, saúde, água, melhorou substancialmente desde que a planificação participativa iniciou em 2003.
•
Apesar da satisfação demonstrada, foram apontados casos de atrasos e irregularidades em relação ao desempenho do Governo Local e das Organizações Não-Governamentais.
•
Em todos os encontros foi referido haver satisfação da população em relação ao
processo de planificação e monitoria participativas. Este facto foi também confirmado
pelos técnicos dos Serviços Distritais.
•
Nenhuma Localidade tinha a parte do PESOD correspondente ao seu território.
Esta situação levou a que os membros das Comissões de Trabalho entrevistados avaliassem o grau de implementação do PESOD na generalidade, isto é, sem considerar as
acções planificadas para determinada Localidade.
•
Nos casos em que as comunidades não tiveram desempenho satisfatório no cumprimento das suas obrigações, como, por exemplo, funcionamento dos comités de água,
mobilização das pessoas para participarem na alfabetização de adultos, prestação de
contas dentro das associações, os membros das comissões de trabalho foram solicitados
a apresentarem propostas de soluções.
•
Também nos casos de fraco desempenho dos serviços públicos, os técnicos
foram solicitados a apresentarem propostas de soluções até à próxima monitoria do PESOD.
•
Para implementar a monitoria participativa uma vez em cada trimestre durante
o ano, um Distrito na Província de Inhambane necessita de um valor aproximado de
130.000,00 MT (Cento e trinta mil meticais). Este valor é insignificante quando comparado à situação em que cada Serviço Distrital faz a sua monitoria individualmente. É
ainda insignificante quando comparado com a vantagem de que, tanto o Governo Distrital, como os cidadãos terão à sua disposição informação actualizada sobre o desempenho
da implementação do PESOD e sobre o grau de satisfação pelos serviços oferecidos,
tornando assim possível a correcção de possíveis falhas.
62
Economia, Política e Desenvolvimento
Conclusões do artigo
As abordagens enquadradas no processo de Reforma do Sector Público concentram-se
na necessidade de consolidação das instituições e serviços de participação comunitária,
de oferta de modelos simplificados de levantamento de dados sectoriais por Localidade
e de adopção de uma nova forma de realizar a monitoria do Plano Económico e Social e
Orçamento Distrital.
Estes enfoques são parte integrante da agenda da segunda fase da Reforma do Sector
Público em Moçambique. Assim, os aspectos mais importantes que a nova abordagem
e metodologia trouxe como contributo para a melhoria dos serviços públicos e boa governação são:
•
Com a constituição das Comissões de Trabalho, os Conselhos Consultivos Locais ganharam maior capacidade de intervir nos assuntos de governação, porque os seus
membros discutem assuntos concretos que fazem parte do seu domínio. O facto de as
Comissões de Trabalho estabelecerem correspondência directa com os Serviços Distritais e a Secretaria Distrital confere mais estabilidade ao circuito de prestação de contas do Governo Distrital para a comunidade e vice-versa. Em suma, o contacto entre o
Governo e a comunidade está estabelecido, institucionalizado e está garantida uma das
condições básicas para a boa governação.
•
Com a disponibilização e aplicação dos modelos simplificados de recolha
de informação sectorial, reduziu-se o esforço que cada técnico tinha de realizar para
sistematizar a informação do seu sector. Com o enfoque da recolha de informação para
a Localidade, aumenta a sua validade e confiança. Por outro lado, ela torna-se mais
verificável, porque o nível territorial é relativamente pequeno quando comparado com o
do Distrito. O enfoque nas Localidade permite ao Governo visualizar as diferenças e assimetrias na capacidade individual das Localidades, facilitando, assim, a orientação dos
projectos de desenvolvimento.
•
A presença dos técnicos dos Serviços e Secretaria Distritais nas Localidades na
monitoria participativa do PESOD, a elaboração e apresentação de relatórios das Localidades nos Conselhos Consultivos Distritais, onde também participam membros dos
Conselhos Consultivos das Localidades, permite a verificação e controlo social, que são
indicadores importantes da transparência na acção governativa.
63
Economia, Política e Desenvolvimento
64
Economia, Política e Desenvolvimento
Registo de Crianças em Brigadas Móveis:
Uma Lição da Aproximação da Administração da Justiça
às Comunidades
Manuel Didier Malunga23
Maputo, Moçambique
5-6 Junho, 2009
23 - O texto foi escrito e apresentado quando o autor desempenhava a função de Director Nacional dos Registos e
Notariado no Ministério da Justiça, onde actualmente desempenha a fnção de Inspector Geral.
65
Economia, Política e Desenvolvimento
Resumo
Este texto apresenta os fundamentos da concepção do processo de estabelecimento de
Brigadas Móveis do Registo de Crianças. Esta iniciativa procura suprir a grande distância que separa os serviços do registo de nascimento das populações residentes nas zonas
rurais. O impacto que as distâncias causam no processo de registo não se limitam aos
aspectos físico-geográficos, como também integram uma componente sociocultural associada às práticas tradicionais e à falta de conhecimento sobre a importância do registo
oficial da cidadania.
Ao estabelecer brigadas móveis que se deslocam às comunidades, o Ministério da Justiça
colocou perante a sua missão dois grandes desafios: por um lado, permitir às comunidades residentes nas zonas recônditas um maior acesso aos serviços públicos, facilitando
assim o registo de nascimento das crianças, o que lhes confere direito à cidadania e às
múltiplas formas de protecção perante as leis nacionais; e, por outro, vencer gradualmente a fraca educação jurídica, associada aos problemas culturais que não motivam o
registo voluntário à nascença.
Os resultados alcançados até ao momento sugerem mais desafios, nomeadamente a pertinência de expandir a rede registral para os locais recônditos pela criação de postos
fixos de registo. Na componente referente ao reforço da educação jurídica às populações,
constata-se a problemática da não documentação, ou seja, casos em que as pessoas foram
registadas mas não conservam a documentação e, consequentemente, duplicam a declaração de nascimento sempre que pela zona passe uma brigada de registo.
Embora o registo de crianças em brigadas móveis seja uma prática que remonta ao
período pós-guerra civil, ela foi relançada em fase experimental em 2004. A fase piloto
compreendeu uma campanha de registo de nascimento em dois distritos da Província de
Gaza (Bilene e Chókwé), onde em dois meses de trabalho se logrou registar cinquenta e
três mil crianças. Em 2005, o processo foi estendido a onze distritos, ou seja, um distrito
por província, onde se conseguiu registar, em dois meses, cerca de cem mil crianças.
Desde o ano 2006 até ao presente, cerca de três milhões de crianças foram registadas
num agregado de cerca de cento e dez distritos de todo o país.
Os dados reportados revelam que o estabelecimento de brigadas móveis do registo de
nascimento gera resultados tangíveis no seio das comunidades locais. Esta constatação
mostra que o país enfrenta os desafios da não total cobertura do vasto território nacional
pela administração pública, agravada por uma fraca cultura jurídica das populações sobre o valor e os efeitos da documentação jurídica.
Introdução
Em Moçambique, um dos imperativos da Reforma do Sector Público é levar a administração pública para mais próximo do cidadão, através de adopção de medidas que reduzam a distância e o tempo de espera dos utentes na satisfação de diversas preocupações
da sua vida privada. O acesso à justiça, entendido como uma sub-componente do acesso
à administração pública, tem sido o guião de trabalho na área dos registos e notariado,
visando suprir a distância que estes serviços têm em relação às comunidades e regiões
66
Economia, Política e Desenvolvimento
mais recônditas do país. Assim, foi desenhado o projecto do registo de crianças através
de brigadas móveis, que, na prática, se traduz na deslocação dos serviços ao encontro das
comunidades locais. Este é um esforço para solucionar dois lados negativos da mesma
problemática: distâncias físicas e psico-culturais.
As distâncias físicas compreendem-se pelo facto de a rede registral ainda não abarcar as
localidades situadas fora da sede dos postos administrativos. Por sua vez, o lado psicocultural justifica-se pelo desconhecimento do valor, importância e efeitos do registo da
criança, o que está associado a questões de ordem cultural que determinam a atribuição
tardia do nome às crianças após o nascimento (ritos tradicionais, consultas espirituais
diversas, etc.).
O comportamento mais comum das comunidades locais é a preocupação pela documentação jurídica somente quando é necessário usá-la para matrículas escolares, pensão de sobrevivência, regularização da herança, etc. Através de Registo de Crianças em
Brigadas Móveis, o Ministério da Justiça está a desenvolver esforços para combater este
espírito por meio de medidas mais concretas. Esta iniciativa justifica-se pela pertinência
de inverter a situação.
A iniciativa de Registo de Crianças em Brigadas Móveis traduz-se na criação de brigadas
a partir das comunidades onde são recrutados jovens que são submetidos à formação de
curta duração em matéria técnica de recolha de dados registrais. A iniciativa é elaborada
de acordo com as preocupações de cada local e envolve as comunidades, governos locais
e é precedido de uma forte consulta comunitária.
Os brigadistas são formados não só em matéria técnica registral, como também, lhes é
transmitida a componente de mobilização social (factor chave para que os beneficiários
mudem de mentalidade e repliquem o conhecimento aos outros membros da comunidade). Nesta componente aprendem-se matérias sobre o género e HIV-SIDA, como
elementos que devem estar associados à educação cívica. Com as brigadas móveis do
registo de nascimento é possível superar as grandes barreiras que impossibilitam o registo atempado das populações sobretudo as que se encontram em zonas recônditas ou
remotas.
Um dos factores de sucesso das brigadas móveis é o maior envolvimento das comunidades na mobilização social sobre a importância do registo de nascimento, para que cada
membro da sociedade perceba que a prova da idade proporcionada por uma certidão de
nascimento oferece um grau de protecção à criança contra uma série de abusos relacionados com a idade, entre os quais casamento prematuro, formas de trabalho prejudicial
e inadequado, exploração sexual infantil, instauração de uma acção judicial segundo os
procedimentos aplicáveis a adultos, e detenção em instalações destinadas a adultos.
Numa outra perspectiva, o registo atempado de crianças pode proporcionar à criança,
a protecção contra abusos com base na identidade, especialmente tráfico de menores.
Dependendo dos dados agregados sobre registo que forem disponibilizados ao Instituto
Nacional de Estatística, o registo de nascimento de crianças pode ser uma fonte de infor67
Economia, Política e Desenvolvimento
mação necessária para a boa governação, podendo proporcionar ao governo dados sobre
as tendências demográficas em que se pode apoiar o desenvolvimento de políticas e a
tomada de decisão sobre a distribuição dos recursos do Estado.
Apresentação do Projecto
O projecto foi concebido como uma estratégia do governo para permitir o acesso de
todas as crianças aos seus direitos de cidadania através do seu registo à nascença. O
projecto foi motivado pela necessidade de levar o registo de nascimento até junto das
populações que se encontram em pontos mais distantes da Administração do Estado. As
brigadas móveis são constituídas para a deslocação permanente aos locais com maior
concentração das populações e trabalham orientadas na componente de mobilização social das populações sobre a importância de registar as crianças logo a nascença.
A ideia de registar em brigadas móveis teve o seu início a seguir aos acordos de Paz em
1992 mas ganhou maior abrangência como projecto, a partir de 2005 e os objectivos do
mesmo são fazer o registo universal da criança, permitindo lhe o acesso aos seus direitos
de personalidade (nome e nacionalidade), à educação escolar, à assistência médica e
protecção legal. Os principais problemas que o projecto visa resolver são: a) a falta de
documentação de identificação das crianças sobretudo nas zonas rurais; e b) a falta do
conhecimento completo pelo Estado sobre o crescimento da população e a protecção
das crianças em todos os aspectos de legalidade (herança, paternidade e maternidade,
educação, saúde e outros).
O aspecto inovador do projecto comparando com a situação anterior, circunscreve-se no
facto de ao invés de a Administração Pública esperar que as populações se desloquem à
porta dos serviços (Conservatórias e Postos do Registo Civil). Estas unidades técnicas
se desdobram entre as povoações com uma dupla missão: a) registar as crianças; e b) depositar uma mensagem pedagógica às comunidades sobre o valor, importância e efeitos
do registo de nascimento tanto para o cidadão como para o Estado. Neste último ponto,
foi desenvolvida uma estratégia para a eliminação de barreiras culturais e elevação do
conhecimento das populações sobre a importância do registo à nascença, instrumento
valioso para o acesso das crianças à justiça, à protecção legal e serviços sociais básicos.
O processo de mobilização social observa uma abordagem multi-sectorial, envolvendo
parceiros que, pelo seu papel estratégico na sociedade, podem contribuir para a mudança
de atitudes da população em matérias do registo de nascimento. Grande parte da população, sobretudo nas zonas rurais, seguem práticas tradicionais locais que não permitem
atribuir o nome de crianças logo à nascença, consequentemente, o seu registo é feito
tardiamente. A aprovação do novo Código do Registo Civil em 2004, e o aumento do
prazo de registo de nascimento obrigatório de 30 para 120 dias, por si só, não surtiu os
efeitos desejados, pois as populações não conhecem a importância do registo para o
benefício da criança. Por isso, é necessário incrementar outras medidas para a mudança
da atitude.
Foram identificados vários parceiros estratégicos para o processo de advocacia de modo
a ser possível centrar a mobilização social nas pessoas e nas comunidades: i) instituições
68
Economia, Política e Desenvolvimento
do Estado; ii) com destaque para pessoal de saúde e educação; ii) organizações da sociedade civil; e iv) pessoas de influência local: líderes comunitários, tradicionais e religiosos. Através do fortalecimento da mobilização social pretende-se conseguir que o índice
de registos voluntários seja crescente, decorrendo do conhecimento e responsabilidade
das populações sobre o direito ao registo de nascimento como chave para o acesso aos
demais direitos de cidadania.
Verificámos que os papéis dos parceiros devem ser definidos e assentes nos resultados a
alcançar na remoção de barreiras que distanciam as populações dos serviços dos registos
com maior expressão para as de natureza cultural e falta do uso do documento do registo
(certidão e cédula) nos serviços sociais básicos. Foi fundamental mobilizar as pessoas
sobre a importância e os efeitos do simples uso de documentos do registo, o que tem
contribuído para a melhoria da valorização destes e mesmo a sua correcta conservação
por parte das populações.
Os funcionários públicos, com destaque para educação e saúde, têm um papel de facilitar o registo de nascimento nas instalações de saúde ou educação pelo agente fixo de
registo em datas previamente determinadas (nos dias de vacinação e de matricula nas
escolas, etc.). As populações devem ser consciencializadas de que, em princípio, só com
o registo de nascimento as crianças poderão gozar dos seus direitos básicos de cidadania
(a própria nacionalidade, a saúde, a educação, a protecção contra violação de direitos e
outros).
O comprometimento do Governo em matérias do registo de crianças está patente em
vários instrumentos de intervenção política dos últimos tempos. Um dos exemplos é o
empenho do Governo na aprovação de instrumentos valiosos sobre o direito de crianças
e que em todos está inserida a obrigatoriedade de registar a criança logo a nascença. Ao
nível de cooperação e coordenação interministerial, deparámos ainda o trabalho do Governo em apoio a criança através de Grupo Técnico das Crianças Órfãs e Vulneráveis (ou
o Conselho de Criança que está sendo constituído) no âmbito do Plano de Acção para
Crianças Órfãs e Vulneráveis.
Apresentámos, de seguida, dois quadros ilustrando as linhas orientadoras para a definição
da estratégia de parceria multi sectorial com base em lições aprendidas durante a implementação do registo em campanhas na componente de mobilização social.
69
Economia, Política e Desenvolvimento
Tabela 1: Linhas Orientadoras para a Definição da Estratégia de Parceria Multisectorial
ao Nível das Instituições do Estado
Ministério das Finanças/
Ministério da Planificação e
Desenvolvimento
Ministério da Saúde
70
Incumbidos de esforços para dotar orçamento às instituições governamentais envolvidas nas actividades relacionadas com o registo de nascimento
Por uma economia de recursos, aliar as campanhas de
vacinação com o registo de nascimento para promover e
reforçar a ligação inter sectorial
Exigir o documento do registo sempre que haja uma assistência médica à criança: vacinações e outro tipo de controlo hospitalar mas sem excluir e pelo contrário, mobilizando. Não tendo o documento, incentivar os pais para a
declaração do registo.
Facilitar acções de registo nas instalações dos serviços de
saúde.
Ministério da Educação
Exigir o documento do registo para todo o tipo de matrículas escolares. Nestes termos, o conselho de escola
promoverá o registo de nascimento assegurando, desta
forma, o acesso fácil à educação das crianças e criando
ligações com os agentes fixos ou postos dos registos. O
Conselho de escola facilitará o registo das crianças durante o período de matrículas ou dentro do primeiro semestre escolar.
Ministério da Justiça
Garantir a efectivação de registos junto das populações
através dos agentes do registo fixo, assegurando recursos
humanos e financeiros bem como a formação e capacitação para o registo de nascimento.
Coordenar todas as actividades relativas ao registo.
Assegurar a cooperação entre o agente fixo de registo ao
nível de localidade e o posto fixo ao nível do posto administrativo ou conservatória e garantir fundos para tal.
O Ministério da Justiça vai participar activamente na mobilização de apoios financeiros propondo a cooperação
com outros Governos, organismos nacionais e internacionais.
Economia, Política e Desenvolvimento
Ministério da Justiça
Garantir a efectivação de registos junto das populações
através dos agentes do registo fixo, assegurando recursos
humanos e financeiros bem como a formação e capacitação para o registo de nascimento.
Coordenar todas as actividades relativas ao registo.
Assegurar a cooperação entre o agente fixo de registo ao
nível de localidade e o posto fixo ao nível do posto administrativo ou conservatória e garantir fundos para tal.
Ministério da Justiça vai participar activamente na mobilização de apoios financeiros propondo a cooperação com
outros Governos, organismos nacionais e internacionais.
Ao nível interno, o Ministério da Justiça vai assumir a
coordenação do processo e garantir a articulação com os
Governos locais na identificação de prioridades em termos de expansão do registo por meio implantação de Postos Fixos.
Fazer diligencias políticas para que as províncias tenham
dotação orçamental para a criação e implantação de mais
Postos Fixos do Registo Civil.
Ministério da Administração
Estatal
Articular com as autoridades locais e tradicionais e incentivar que a população faça o registo civil (incluindo
de óbito).
Ministério da Mulher e Acção
Social
Identificar as crianças órfãs e vulneráveis e facilitar o registo de nascimento.
Tabela 2: Linhas Orientadoras para a Definição da Estratégia de Parceria Multisectorial
ao Nível das Instituições Não-Governamentais
Parceiros Estratégicos
ONG´s e Organizações
religiosas
Líderes de opinião
Vantagem Comparativa
Identificar crianças não registadas e facilitar o registo (em
grupos), facilitando a ligação com o agente do registo ao
nível de localidade ou o posto fixo.
Facilitar transporte no caso de actuar na mesma área de
trabalho
Incentivar a população sobre a importância do registo
civil.
71
Economia, Política e Desenvolvimento
Análise dos Indicadores de Avaliação do Projecto
Os indicadores de avaliação foram desenhados dentro da estratégia da participação
multissectorial envolvendo instituições do Estado, sociedade civil e as próprias comunidades. O grau de satisfação das populações nos locais onde decorre a campanha é
avaliado através de consulta comunitária feita em visitas de supervisão por equipas da
Direcção Nacional dos Registos e Notariado que também auscultam os líderes locais.
As falhas mais comuns no processo relacionam-se com a tendência de as populações
duplicarem o registo. Neste ponto, reforçamos a educação jurídica das populações para
que valorizem a documentação pessoal.
Resultados, Desafios e Lições
Os êxitos do projecto expressam-se através do aumento considerável de crianças registadas, sobretudo nas zonas rurais, e os seus desfechos nos últimos dois anos revelam-se
no registo de cerca de três milhões de crianças em brigadas móveis contra cerca de quinhentas mil registadas junto aos serviços, ou seja, sem o projecto não se teria logrado o
registo de três milhões de crianças.
Desde o início do projecto em 2005, já foram abrangidos cerca de 110 distritos dos 138,
projectando-se que até ao final de 2010 sejam abrangidos os restantes para, a partir daí,
estabelecer-se um sistema de rotina de registo ao qual as populações possam voluntariamente aderir, com verificação periódica e incentivo por parte dos funcionários residentes
nos locais. Os grandes desafios enfrentados pelo projecto resumem-se na necessidade de
expandir a rede registral fixa através do aumento dos postos do Registo Civil em áreas
mais remotas distantes das sedes distritais.
Este processo tem sido implementado com dificuldades, atendendo às limitações orçamentais. No entanto, sublinham-se algumas iniciativas visando suprir essas fraquezas, como é o caso do recurso ao material local e, muitas vezes, ao apoio das próprias
populações para a construção de postos de registo. Os desafios enfrentados pelo projecto
incidem na necessidade de vencer, não só as barreiras físicas que separam as comunidades locais dos serviços registrais, mas, sobretudo, os aspectos culturais associados
ao desconhecimento que muitas pessoas têm, principalmente nas zonas rurais, sobre a
importância do registo civil.
As grandes lições aprendidas a partir do projecto fundamentam-se na necessidade de
privilegiar mais a educação cívica e jurídica das populações sobre a matéria do registo
de nascimento e ainda a necessidade de criar a base dos serviços ao nível local, porque as
brigadas são uma medida extraordinária, havendo que assentar os serviços permanentes
junto das populações para permitir a sua normalização junto das mesmas.
As brigadas do Registo Civil associam-se às da Saúde, como forma de juntar dois objectivos: Registar e Vacinar as Crianças, criando, deste modo, um elemento de atracção adicional – vacinação e registo –, beneficiando as populações e ao mesmo tempo tornando
eficaz a mensagem de que só a partir da identidade da criança pelo registo é possível ao
Estado aperceber-se da sua existência e orientar para ela todo o benefício para um sadio
e harmonioso crescimento.
72
Economia, Política e Desenvolvimento
A componente da comunicação social foi uma estratégia sempre presente no processo
e, com efeito, o foco das actividades de mobilização comunitária do Registo de Nascimento foi, durante a implementação, direccionado para a consciencialização a nível
comunitário através dos activistas de comunicação, com uma forte participação de líderes comunitários e religiosos e das escolas. Os mobilizadores comunitários tiveram
um papel muito importante na disseminação das mensagens em língua local relativas ao
registo e no esclarecimento das dúvidas apresentadas pela comunidade.
Estas actividades foram ainda acompanhadas pela divulgação de informação sobre o
registo através de spots nas rádios comunitárias, unidades móveis do Instituto de Comunicação Social e peças teatrais com o apoio do Grupo de Teatro do Oprimido. Foram
ainda desenvolvidos materiais de suporte, tais como posters e panfletos informativos a
serem utilizados pelos activistas de mobilização social e pelos professores durante as
aulas. Desta maneira, pretendeu-se sensibilizar e mobilizar as comunidades dos distritos
abrangidos a aderirem à iniciativa. Pretende-se também que os pais e encarregados/cuidadores sejam mobilizados no sentido de fazerem o registo dos seus filhos ou crianças
à sua guarda.
73
Economia, Política e Desenvolvimento
Eis uma tabela ilustrando os resultados do registo de crianças em brigadas móveis (campanha do registo de crianças).
Província
Distritos
2006
1.
Maputo
Gaza
Inhambane
Sofala
Manica
Zambézia
Tete
Nampula
Cabo Delgado
Niassa
Maputo Cidade
TOTAL
74
População
Numero
estimada em
estimado de
2005
crianças
Resultado
final
Matutuíne
2.322
2.322
Manhiça
1 200
1 200
Chicualacuala
12 500
12 500
Xai-Xai
62 062
74 000
Inharrime
22 710
22 710
Homoine
31 793
31 793
Nhamatanda
38 000
34 751
Gorongosa
23 000
23 781
Gondola
65 000
83 820
Barué
58 000
41 980
Milange
175 083
175 083
M. da Costa
126 873
126 873
Moatize
25 000
25 000
Cabora Bassa
23 886
34 000
Muecate
45 314
45 314
154 237
154 237
Montepuez
40 039
40 039
Chiúrre
83 000
83 832
Nipepe
12 846
19 823
Mecula
9 447
10 277
6 000
4 000
Moma
Dist. Urbanos
3,4 e 5
1 047 338
Economia, Política e Desenvolvimento
População
Número
estimada em
estimado de
2006
crianças
Resultado
final
2007 Província
Distritos
2.
Maputo
Marracuene
24 600
7 300
Gaza
Guijá
38 000
9 000
Inhambane
Morrumbene
67 000
33 824
Buzi
147 000
73 500
Caia
120 000
50 000
72 880
36 440
Mossurize
137 594
68 797
Zambézia
Gilé
210 000
190 000
Tete
Mutarrara
77 400
38 700
Nampula
Murrupula
141 000
70 500
C. Delgado
Mueda
165 000
84 000
Niassa
Sanga
47 000
23 350
1 247 474
685 411
Sofala
Manica
TOTAL
Tambara
75
Economia, Política e Desenvolvimento
Província
Distritos
2008
3.
Maputo
Gaza
Inhambane
Sofala
Manica
Zambézia
Tete
76
População
Numero
estimada em
estimado de
2007
crianças
Resultado
final
Namaacha
5 100
5 114
Magude
7 800
7 800
Boane
49 482
4 025
Moamba
56 335
2 195
Mabalane
16 020
16 105
Manjacaze
83 244
11 788
7 819
8 244
Chibuto
98 607
51 000
Panda
23 973
21 117
Zavala
69 808
41 018
Funhalouro
18 963
13 376
Inhassoro
24 269
15 344
Machanga
25 928
39 100
Marromeu
59 859
80 124
Manga
150 000
150 000
Dondo
71 194
55 500
Manica
106 603
107 930
Guro
34 263
34 300
Machaze
52 304
19 085
Sussundenga
64 926
50 461
Chinde
60 587
43 200
Mopeia
57 807
57 600
Pebane
93 165
90 900
Ile
146 252
113 908
Angonia
167 904
61 250
Tsangano
85 398
41 834
Changara
78 369
60 100
Zumbo
28 652
6 500
Maravia
41 395
33 881
Massangena
Economia, Política e Desenvolvimento
Nampula
Mogincual
65 781
66 438
Malema
84 517
84 900
Angoche
138 706
138 706
Mecuburi
Cabo Delgado
Niassa
52 326
Muidumbe
36 729
36 729
M. Praia
47 099
47 000
P. Metuge
32 783
10 123
Macomia
40 604
33 256
Muembe
14 542
0
Lichinga
24 775
37 282
Marrupa
29 342
24 000
Mavago
10 154
10 500
2 311 058
1 784 059
TOTAL
Distritos
População
Abrangidos
Total
Nr. Agentes
Nr. de Registos
37
Matituine
165.00
de Registos
18
583.00
14
79
1.º Sem.
Manhiça
159 812.00
906.00
48
68
Marracuene
136 784.00
392.00
42
100
Maputo
2.º Sem.
Matola
675 422.00
000.00
Sub-Total 1.º
Sem.
98
196 977.00
489.00
Sub-Total 2.º
Sem.
190
62
168
812 206.00
392.00
232
77
Economia, Política e Desenvolvimento
63
Mabote
867.00
25
000.00
21
50
1.º Sem.
Govuro
135 710.00
000.00
45
Inhambane
101.00
Vilanculos
809.00
22
551.00
34
Inhambane
2.º Sem.
16
17
405.00
Sub-Total 1.º
14
75
Sem.
199 577.00
Sub-Total 2.º
000.00
79
Sem.
910.00
Chigubo
576.00
956.00
Bilene
334.00
30
5
788.00
84
1.º Sem.
63
39
11
Gaza
42
6
42
167.50
26
2.º Sem.
Sub-Total 1.º
95
Sem.
910.00
47
955.50
32
Sub-Total 2.º
Sem.
26
27
Macossa
245.00
13
623.00
10
71
1.º Sem.
Manica
C. Chimoio
213 206.00
068.67
2.º Sem.
Sub-Total 1.º
Sem.
62
84
240 451.00
691.67
72
Sub-Total 2.º
Sem.
78
62
Economia, Política e Desenvolvimento
65
Chemba
107.00
32
554.00
75
1.º Sem.
Maringue
089.00
Muanza
229.00
Cheringoma
133.00
37
545.00
25
2.º Sem.
24
12
614.50
34
Sofala
21
8
17
066.50
Sub-Total 1.º
10
70
Sem.
104 196.00
Sub-Total 2.º
099.00
59
Sem.
362.00
29
681.00
74
Chiuta
534.00
45
32
37
267.00
24
56
1.º Sem.
Macanga
112 551.00
276.00
70
Magoe
614.00
34
35
307.00
23
50
Tete
2.º Sem.
Chifunde
101 811.00
906.00
Sub-Total 1.º
31
93
Sem.
187 085.00
543.00
Sub-Total 2.º
58
86
Sem.
172 425.00
213.00
Alto
Zambezia
Molocue
57
139
278 064.00
032.00
30
151
1.º Sem.
Morrumbala
302 948.00
474.00
91
Inhassuge
989.00
45
994.00
81
Form
0 mm
Num
Num
Start
Align
after
12,7
63
2.º Sem.
Namarroi
127 651.00
826.00
Sub-Total 1.º
Sem.
290
581 012.00
506.50
Sub-Total 2.º
Sem.
39
30
109
219 640.00
820.50
81
79
Economia, Política e Desenvolvimento
53
Rapale
106 454.00
227.00
94
1.º Sem.
Ribaue
882.00
33
47
441.00
29
78
Monapo
156 438.00
219.00
80
Nampula
2.º Sem.
Meconta
236.00
40
118.00
Sub-Total 1.º
25
100
Sem.
201 336.00
668.00
Sub-Total 2.º
62
118
Sem.
Cabo
Delegado
46
236 674.00
337.00
75
89
1.º Sem.
Namuno
179 992.00
996.00
53
63
Balama
126 116.00
058.00
63
Nangade
739.00
38
31
870.00
21
54
2.º Sem.
Ancuabe
109 792.00
896.00
Sub-Total 1.º
33
153
Sem.
306 108.00
054.00
Sub-Total 2.º
91
86
Sem.
173 531.00
766.00
65
Ngauma
436.00
32
718.00
22
1.º Sem.
Metarica
772.00
59
21
11
386.00
7
68
Mandimba
136 238.00
119.00
38
78
Niassa
80
2.º Sem.
Mecanhelas
157 976.00
988.00
44
For
0m
Num
Num
Star
Alig
afte
12,7
Economia, Política e Desenvolvimento
Sub-Total 1.º
Sem.
88
208.00
44
104.00
Sub-Total 2.º
Sem.
Total
Total
147
294 214.00
1.º
Semestre
107.00
82
1 058
2 477 311.00
110.67
2.º
Semestre
28
480
786
1 753 748.00
272.50
736
184 438
TOTAL
4 231 059.00
317.00
1216
Conclusões do artigo
As conclusões tiradas depois da implementação do projecto vão promover melhorias
contínuas nas comunidades por três vias estratégicas:
•
A primeira, através do envolvimento das comunidades na arena educacional jurídica das populações através da liderança local – líderes comunitários, chefes tradicionais e estruturas administrativas locais que reforçam, sobretudo, a componente de mobilização social para que as populações sejam mais participativas, tanto na identificação de
crianças não registadas, como na realização do próprio registo, através de formação de
jovens que apoiem as brigadas na recolha de dados e distribuição de cédulas pessoais.
•
A segunda linha de sustentabilidade recai sobre a gradual criação de postos fixos
do Registo Civil, em substituição de brigadas móveis, como forma de colocar os serviços
permanentes do Estado à disposição das comunidades locais nas áreas rurais.
•
A terceira, a iniciativa é replicada através da intervenção das próprias comunidades que levam a informação para os locais onde seja difícil aceder por parte dos
serviços.
81
Economia, Política e Desenvolvimento
82
Economia, Política e Desenvolvimento
Contextualização do Sector Micro Financeiro em Moçambique
-Período 2000 A 2006
Jacqueline A. H. Haffner24 e Odeisse de Mira Matilde Daniel25
Maputo, Moçambique
5-6 Junho, 2009
24 - Economista, Pós-Doutorada em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, Professora
do Curso de Ciências Económicas.
25 - Economista Formada pela Universidade Luterana do Brasil.
83
Economia, Política e Desenvolvimento
Resumo
O objectivo deste trabalho é analisar o sector micro- financeiro em Moçambique. Para
tal, são apresentadas informações gerais sobre a formação das Instituições de Micro
Finanças (IMF), o impacto que elas causam sobre as zonas rurais, assim como informações sobre o nível da pobreza do país e a importância da expansão dos serviços micro
financeiros para as regiões onde ainda não existem instituições bancárias.
Palavras-chave: Micro finanças, Crédito, Pobreza.
Introdução
A situação económica de Moçambique, agravada pelos elevados índices de analfabetismo, consequentemente gerador de pobreza, tem levado o governo, a sociedade civil e
as Agências de Desenvolvimento à preocupação com o desenvolvimento fortalecido do
sector de micro finanças, em particular nas regiões rurais, com vista à redução da pobreza absoluta e ao desenvolvimento do sector privado como um todo.
A concessão de crédito pelos bancos tradicionais e pelas Instituições de micro Finanças
tem sido tema de grande discussão e é prioritário na agenda do governo, tanto no âmbito económico, quanto no político, com vista à expansão dos serviços financeiros às
regiões menos favorecidas, designadas “Distritos”, assim como para o país em geral,
dada a importância destes serviços para o crescimento e desenvolvimento económico de
Moçambique. Nesses moldes, os distritos, áreas actualmente consideradas como pólos
de desenvolvimento e onde habita a maior parte da população pobre, tornam-se estratégicos para o crescimento e desenvolvimento deste sector.
As micro finanças, no seu conceito, referem-se à concessão de micro créditos em pequena
escala à população carente e ao micro empreendedor sem acesso aos recursos no sistema
financeiro tradicional, por ausência de garantias reais. Desta forma, as micro finanças
consistem na prestação de serviços financeiros essencialmente em operações de reduzida
e média dimensão, podendo os operadores ser entidades singulares ou colectivas que se
dedicam, com carácter habitual e profissional, a essa actividade.
Os operadores de micro finanças em Moçambique são regidos pelo Regulamento das
Micro Finanças (RMF), aprovado pelo Decreto nº 57/2004, de 10 de Dezembro, dividindo-se em dois grandes grupos: os micro bancos e as cooperativas de crédito (Banco
de Moçambique, 2007). De acordo com um estudo de caso realizado pela Oikos em
2006, as micro finanças foram definidas como a concessão de um conjunto de serviços
financeiros de pequena escala a famílias pobres, podendo ser assumidos em forma de
poupança, créditos, seguros, transferências e capital de risco. Entretanto, nota-se a distinção entre os serviços de concessão de micro crédito praticado pelas Instituições de
Micro Finanças e o crédito concedido pelas Instituições Bancárias Tradicionais.
Para alguns autores, como é o caso de Parente (2002), as micro finanças (micro crédito)
visam a sustentabilidade, priorizando operações com crédito em pequena escala, como
uma política social, na qual os juros reflectem o custo operacional, e na sua maioria os
activos são concedidos sem nenhuma garantia real, baseando-se na relação de confiança
84
Economia, Política e Desenvolvimento
mútua. Nas Instituições de Micro Finanças, as transacções são efectuadas com pouca
formalidade e trâmite ágil. Os agentes é que procuram os clientes e funcionam como elo
permanente entre eles e a instituição. A terminologia e atendimento são acessíveis aos
clientes, mediante uma relação contínua.
Para além disso, as operações de micro finanças enfatizam o desenvolvimento de rede de
apoio mútuo entre empreendedores e avaliam de forma ponderada as suas características,
as suas actividades e as garantias disponíveis (Parente 2002). Já os bancos tradicionais
operam de forma diferente; visam o lucro, dando prioridade, sobretudo, às operações
de maior vulto, sem acrescentar as funções sociais do crédito. A avaliação do tomador é
feita mediante informações contáveis, plano de negócio e liquidez de garantias. O juro
e taxas aplicadas são condicentes com a infra-estrutura pesada e a alta tecnologia para a
terminologia e o atendimento técnico (Idem, loc.cit).
Este artigo estuda a implantação do micro crédito em Moçambique e verifica o desempenho das instituições operadoras de crédito, partindo da análise do quadro das maiores
Instituições de Micro Finanças e associações que vêm operando no país. O estudo é
importante pelo facto de as micro finanças serem instrumento de combate à pobreza
absoluta.
Formação do Sector Micro Financeiro em Moçambique
O surgimento das Micro Finanças em Moçambique, segundo aponta Vlatter (2006), data
do ano de 1989, aquando da criação do fundo de crédito para empresas urbanas através
do Programa de Reabilitação Urbana (PRU) do Banco Mundial, em parceria com o Gabinete de Promoção de Emprego (GPE), que concedeu pequenos empréstimos para uma
variedade de actividades urbanas, usando fundos desembolsados pelo antigo banco estatal, o Banco Popular de Desenvolvimento (BPD). Entretanto, os primeiros debates sobre o papel das micro finanças em Moçambique surgiram em 1992, logo após assinatura
do Acordo Geral de Paz. O programa de crédito era destinado aos regressados da Alemanha, de onde tinham sido repatriados cerca de 18.000 trabalhadores moçambicanos.
Após este processo, em 1993, a World Relief implantou as primeiras operações de micro finanças para a população mais pobre, especialmente para as mulheres das vilas do
país. Esta acção foi desenvolvida por intermédio de pequenos bancos comunitários. No
entanto, por ter sido a primeira experiência no país, a ideia gerou inicialmente muita
desconfiança entre a população. Contudo, os resultados dessa iniciativa foram impressionantes, atingindo taxas de recuperação próximas de 100% (Vlatter, 2006).
Dois anos depois, (1995/1996) o Banco Internacional de Moçambique (BIM) e a Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade (FDC), através de financiamento suíço,
iniciaram um projecto-piloto para a criação da Tchuma, cooperativa dedicada às micro
finanças. Em seguida, o Institute de Recherche d’Aplications des Methodes de Dévelopment (IRAM), em parceria com o Banco de Moçambique, lançou, em 1997, para as
regiões de Maputo e Chokwé, o programa Caixa Comunitária de Crédito e Poupança
(CCCP), espécie de banco comunitário formado por associação de grupos solidários,
denominados Caixas Comunitárias.
85
Economia, Política e Desenvolvimento
Com este programa, o IRAM promoveu a criação de 40 associações, uma união no formato das CCCP. Em 1998, foi constituída a SOCREMO, como o primeiro programa de
micro finanças, da qual 94% das acções estavam a cargo do Governo de Moçambique.
Em seguida, em 1999, uma instituição financeira especializada em crédito rural, denominada Gabinete de Apoio à Pequena Indústria (GAPI SARL), iniciou um mecanismo de
segundo escalão (por atacado) para conceder empréstimos em micro créditos, que até
aqui constitui a única fonte de fundos que é dirigida as IMF. Dentre os clientes da GAPI,
encontramos a Cooperativa de Poupança e Crédito – Tchuma, Sociedade de Créditos
Moçambique –, SOCREMO, União Geral das Cooperativas (UGC), Fundo de Crédito
Comunitário (FCC) e associações de comerciantes e agricultores. Ainda neste período,
as actividades da Tchuma foram estendidas para a concessão de créditos a pequenos
empreendedores (Vlatter, 2006).
Em 2000, através do Project Consult, foi constituído o Novo Banco, como parte da rede
mundial Procredit, com categoria de microbancos, detendo o BIM 30% das acções, a rede
Procredit Holding AG 25% e o restante dividido entre os outros parceiros do banco. O
Novo Banco opera actualmente com a denominação de banco Procredit Moçambique.
Entretanto, como resultado do crescimento das ONG nacionais, nasceu em 2004 o Fundo
de Desenvolvimento da Mulher (FDM), a partir do Project Group Guarantee Loan and
Savings (GGLS) da ONG Internacional Save the Children (EUA). No mesmo período,
a CARE estabeleceu o programa da PCR, que provocou uma mudança “dramática na
natureza e localização das micro finanças, sobretudo com relação à poupança”. Foram
criados cinco operadores, sendo três através do financiamento do PNUD pelos programas da CRER, ILRP e o próprio apoio da CARE, fundando assim a CARE Poupanças
e Empréstimos a nível comunitário (VSL), na Província da Zambézia, Ophavela, em
Nampula, e Kukula, em Inhambane. As duas restantes ADEM e AKSM estão localizadas
na província de Manica (Vlatter, 2006).
De acordo com o Banco de Moçambique (BM), existe também ao serviço da indústria
micro financeira quatro tipos de micro bancos, nomeadamente:
1. Caixa Geral de Poupança e Crédito, que usa um capital mínimo de cinco milhões
de meticais, tendo como principais operações a concessão de crédito e a captação de
depósitos do público.
2. Caixa Financeira Popular, que opera com um capital mínimo de 1.200.000.000, 00
MT para actividades com obrigação de focalizar pelo menos metade (50%) da sua actividade no meio rural.
3. Caixa Económica, que opera nos moldes da Caixa Geral de Poupança e Crédito, com
um capital mínimo de 2.400.000.000,00 MT. Esta instituição só pode contratar depósitos
até 1 ano. Constitui obrigação da Caixa Económica ser uma instituição sem fins lucrativos ou de solidariedade social, que mantêm uma relação de domínio (controlo).
4.Caixa de Poupança Postal, que opera com um capital mínimo de 1.800.000.000,00 MT
nos mesmos moldes da Caixa Geral de Poupança e Crédito, mas sem conceder crédito.
Os fundos recebidos em depósito do público apenas podem ser aplicados em investi86
Economia, Política e Desenvolvimento
mentos, em títulos e depósitos a prazo, e, operações similares (de baixo risco). A Caixa
de Poupança Postal deve ter entre os seus sócios uma empresa de prestação de serviços
postais ou similares, que com ela mantenha uma relação de domínio (controlo). Ambas
enquadram-se na categoria A (Banco de Moçambique, 2007).
As cooperativas de crédito e os operadores de micro crédito também fazem parte da
abrangência dos serviços de micro finanças. As primeiras enquadram-se na categoria B,
e os últimos na categoria C. As cooperativas de créditos captam depósitos e concedem
crédito apenas aos membros. Só concedem empréstimos ao público mediante autorização prévia de outros serviços financeiros (pagamentos, aluguer de cofres, guarda de
valores, etc.).
Um dos requisitos para a constituição de uma Cooperativa de Crédito é a existência de um
elo de ligação entre os associados, baseados numa relação preexistente (terem a mesma
profissão ou ocupação, serem membros da mesma associação ou organização). O Capital
Mínimo estabelecido é de 200.000.000,00 Mt. Os operadores de micro crédito concedem
crédito ao público, pessoas singulares ou pessoas colectivas (Associações, Fundações),
excepto sociedades comerciais. O capital mínimo exigido é de 75.000.000.00Mt (Banco
de Moçambique, 2006).
No mesmo período (2005), a subcategoria de banco micro-financeiro que exigia um capital mínimo de vinte e cinco biliões de meticais foi abolida. Em resposta, foram criados
três bancos comerciais empenhados na prestação de serviços de micro finanças (Novo
Banco, SOCREMO e BOM). As demais cooperativas de crédito estavam ainda a avaliar
a melhor categoria com estatuto de micro banco (Vlatter, 2006).
Abaixo, apresenta-se o quadro resumo ilustrando a tipologia dos operadores de micro
finanças e os capitais necessários para início das actividades em Moçambique.
TABELA 1 Resumo dos operadores de micro finanças: Tipologia, Capital Mínimo e Operações Permitidas
OPERADORES DE MICROFINANÇAS
CAPITAL
OPERAÇÕES PERMITIDAS
MÍNIMO*
Captação de
Depósitos
Do
Apenas
Público
dos
Créditos
Ao
Público
membros
Sujeitos a
Micro
Caixa Geral de Poupança
supervisão
bancos
e crédito
prudencial
5.000.000.000,00 Mt
Sim
n/a
Outras
Concessão de
Apenas
aos
membros
Sim
n/a
Sim**
Caixa Financeira Rural
1.200.000.000,00 Mt
Sim
n/a
Sim
n/a
Idem
Caixa Económica
2.400.000.000,00 Mt
Sim
n/a
Sim
n/a
Idem
Caixa de Poupança
1.800.000.000,00 Mt
Sim
n/a
Não
n/a
Idem
Postal
Sujeitos a
Monitorização
Cooperativa de Credito
200.000.000,00 Mt
Não
Sim
Não
Sim
Sim*
Organizações de Poupança e
150.000.000,00 Mt
Não
Sim
Sim
Não***
Não
75.000.000,00 Mt
Não
Não
Sim
n/a
Não
n/a
Sim
n/a
Não
n/a
Não
Empréstimos
Operadores de Micro Crédito
Intermediários de Captação de
Poupança
Fonte: Banco de Moçambique, 2007.
87
Economia, Política e Desenvolvimento
Obs.
*Consoante a instituição esteja sedeada fora dos grandes centros urbanos, o Capital
Mínimo pode ser reduzido em até 50% (Lichinga) ou até 70 % (Outras capitais, excepto
Maputo, Matola, Xai-Xai, Beira, Quelimane).
** Dentro de certos condicionalismos, e mediante autorização a conceder caso a caso
pelo BM, os microbancos e as cooperativas de créditos poderão ser autorizados a prestar
outros serviços financeiros.
*** A concessão de crédito pelas Organizações de Poupança e Empréstimo pode, em
princípio e salvo a estipulação em contrário nos estatutos da organização, ser extensiva
a não membros.
A tabela seguinte apresenta o número de agências bancárias existentes no país até 2005.
Este número remete à percepção da dificuldade de obtenção do crédito e do acesso às
instituições bancárias no País.
Tabela 2 Distribuição Geográfica de Agências de Bancos Comerciais em Moçambique:
1995-2005
Províncias
1995
2004
2005
Maputo (Província +Cidade)
93
109
114
Gaza
20
15
14
Inhambane
15
10
12
Sofala
16
19
22
Manica
33
7
12
Tete
11
8
8
Zambézia
16
10
10
Nampula
23
16
16
Cabo Delgado
14
7
7
Niassa
8
3
4
Total
249
204
219
Fonte: DSB, 2005, in Domingo, 29 Janeiro 2006 apud (Silva Francisco; Margarida Paulo, 2006.)
Até ao ano de 2005, existiam apenas 219 agências bancárias no país. Entretanto, não
existem dados actualizados sobre o número de pessoas com acesso à Banca. A partir do
pequeno número de balcões e agências dos bancos comerciais distribuídas pelo País, é
possível ter uma ideia da fraca cobertura bancária existente.
Operadores de Micro Finanças em Moçambique
Segundo Vlatter (2006), quando as primeiras experiências com o micro crédito iniciaram, os fundos usados provinham de ONG’s internacionais com experiências no sector financeiro. Entretanto, com o crescimento das ONG’s, associações e cooperativas
moçambicanas operando em âmbito nacional, as ONG’s estrangeiras começaram a apresentar declínio na avaliação do desempenho da carteira. A contribuição dessas ONG’s
88
Economia, Política e Desenvolvimento
para a abertura do mercado micro financeiro em Moçambique foi de extrema importância, mormente porque ocorreu numa altura crítica de desenvolvimento do país.
Considerando-se a fraca cobertura dos bancos, a existência de Instituições de Micro
Finanças em Moçambique torna-se necessária, não somente para cobrir as áreas em que
a banca ainda se faz ausente, como para prover crédito de forma ágil e sustentável à
população de baixa renda. Segundo as informações do Banco de Moçambique, em 2005
existiam 45 instituições micro financeiras em Moçambique; este número aumentou para
72 em 2008, mas como algumas estavam vinculadas à rede CCCP – CCOM, o número
das IMF de 2005 reduziu para 32. Estas informações podem ser comprovadas na tabela
seguinte (Banco de Moçambique, 2007).
Tabela 2.1: Cobertura da Rede de Instituições Financeiras (*)
Fonte: Banco de Moçambique, COMUNICADO Nº 11/2008
Observando a tabela acima, nota-se que atendendo ao universo de 20.530.714 pessoas
no país (INE, Censo 2007), o número de balcões existentes por província continua sendo
insuficiente para responder à demanda e à oferta de crédito no país. Note-se que existem
apenas 298 balcões, sendo que a grande concentração é verificada na cidade de Maputo,
onde há 131 balcões e apenas 5 para a província de Niassa. Dos 128 distritos existentes,
apenas 36 possuem cobertura bancária.
A Tabela abaixo mostra três IMF que, ao longo dos anos, apresentam estabilidade financeira, quando comparadas com os três maiores bancos comerciais de Moçambique.
89
Economia, Política e Desenvolvimento
Tabela 2.2: IMF Melhor Estabelecidas em Moçambique no período: 2003 a 2007
Início das Operações
Período
PROCREDIT
SOCREMO
TCHUMA
2002/03
1998/09
1998/09
2003/2004 2006/2007 2003/2004 2006/2007 2003/2004 2006/2007
Nr. de Agências
6
12
5
8
3
6
Portfólio (Milhões de USD)
2,8
13,4
2
5,1
1,3
4,1
Nr de empréstimo em mora
8,178
26,738
5,931
2.042
6,154
493
347
859
331
400
217
497
16,125
97,258
415
26,526
1,117
9,755
2,2
3,1
0,3
1,2
2,9
2,8
Tamanho do
Tamanho médio
do empréstimo em USD
Nr. de Clientes de Depósito
Portfólio em risco (%)
Fonte: Vlatter, 2006.
Os dados acima mostram que, no período de 2003 a 2007, o número de agências do Banco Procredit (NOVOBANCO) e da Tchuma aumentou em 100%. Ainda no período em
referência, o percentual de inadimplência da PROCREDIT foi maior, chegando a 3,1%
de seu portfólio em risco, podendo ser justificado pelo maior número de empréstimos em
mora que o banco apresenta. Já em termos de risco, a SOCREMO, em 2003, apresentava
a carteira com apenas 0,3% do portfólio e continuou num patamar menor em relação às
demais IMF. Isso se deve também ao menor número de empréstimos em mora.
Na tabela a seguir faz-se uma comparação das três maiores Instituições de Micro Finanças em relação aos três maiores bancos que operam em Moçambique.
Tabela 2.3: Comparação das três maiores Instituições de Micro financeiras em relação
dos três maiores bancos comerciais.
Standard
BIM
BCI
Bank
Procredit
Socremo
Tchuma
1) Rendimento
2740
1340
1249
171
98
36
2) Lucro Líquido
1156
512
452
38
3
5
24671
14038
13380
437
364
77
4) Fundos dos Accionistas
2620
1348
1130
103
97
48
5) Custos Operacionais
1505
567
692
120
94
31
6) Empregados
1386
637
524
297
254
109
2
2,1
2,4
0,6
0,4
0,3
Custo/Rendimento (%)
54,9
42,3
55,4
70,2
95,9
86,1
Fundos do Lucro/Accionistas
42,1
38
40
36,3
2,9
10,4
3) Recursos Líquidos
Rendimento por
Trabalhador
Fonte: DNPO – KPMG. Obs.
90
os valores são em milhões de MZM
Economia, Política e Desenvolvimento
Observa-se nos dados acima que os três maiores bancos captam mais recursos líquidos,
recebem mais valores dos seus accionistas e que os custos operacionais com os quais
operam são elevados, ao contrário do que ocorre nas IMF, que conseguem ter um percentual maior em termos de custos sob rendimentos, apesar de operarem com quantias
pequenas. E das três IMF, o Banco Procredit (NovoBanco) é que capta maior volume de
recursos e tem o lucro líquido maior.
A seguir, apresenta-se a tabela do desempenho das três maiores Instituições que operam
crédito em Moçambique de 2003 a 2007.
Tabela 2.4: Desempenho das Instituições Operadoras de Crédito
PROCREDIT/ NOVO
SOCREMO
BANCO
Período
2003/04
2006/07
110
120
24
4,8% a 5,9%
2003/04
TCHUMA
2006/07
2003/04
131
120
65
60
12
48
12
24
2% a 6,5%
5,5% a 6,3%
2,7% a 5%
5%
5%
Volume dos
Empréstimos (Mínimo
em USD)
Prazo do Empréstimo
Máximo
Taxa de Juros Mensal
Outras Taxas
2% do
1% a 2% do
tamanho do
tamanho do
empréstimo
empréstimo
Nenhum
A cobertura de 120% pode
A cobertura
ser
de 120%
Colateral
pode ser
reduzida para bons clientes
reduzida para
bons clientes
1% a 2%
A cobertura
de 50% a
200%
Pode ser
reduzida
para bons
clientes
USD 4,00
2006/07
Nenhum
Min Fixo
USD 4,00
A cobertura
de 120%
pode ser
reduzida
para bons
Nenhuma
política
colateral
clientes
Fonte: DNPO/MPD. Obs.: Para 2003/04 os dados foram colectados de Vletter (2006), e para 2006/07 foram
colectados pelas IMF Taxas de Câmbio: 2006/07 = 25 Mt p/ 1 USD.
Na tabela anterior, observa-se que os empréstimos das três instituições não ultrapassam
200,00 Dólares. Sendo a média de USD109,00. Para Vletter (2006), no ano de 2005,
apenas quatro operadores tinham empréstimos médios entre 500 a 1000 USD, nomeadamente o NovoBanco, com 827,00USD, e a SOCREMO, com 624,00 USD. Em relação
ao custo de transacção das operações, em Moçambique ainda existe uma grande dispersão das taxas de juros aplicadas pelos bancos comerciais para depósitos e empréstimos. Estes aplicam taxa de juros nominais para empréstimo entre 22% e 24% a.a. E a
taxa de juros real entre 11% e 14% com inflação a 8,2% a.a.
91
Economia, Política e Desenvolvimento
No entanto, estas taxas vêm caindo desde 2002, quando atingiam 22%, para 11,1% em
2007. Ou seja, as taxas de juro aplicadas pelas Instituições de Micro Crédito têm sido, no
geral menores, que as taxas aplicadas pelos bancos comerciais. E o volume de crédito,
com excepção da Tchuma, não difere muito entre o concedido pela SOCREMO e pelo
Banco Procredit.
Captação de Poupança em Moçambique
De acordo com Vletter (2006), “as poupanças foram frequentemente esquecidas nas
discussões do sector micro financeiro em Moçambique”. Nos anos 90, as micro empresas e os pobres economicamente activos recorriam a uma série de sistemas tradicionais
e informais para adquirir empréstimo. No modelo informal, maior parte da população
toma empréstimo de amigos e familiares. Este sistema é denominado “Xitique”. No
sistema tradicional, o crédito, além de restrito, é concedido a taxas de juros muito elevadas (Chidzero, at al, 1998).
O Xitique é uma espécie de crédito rotativo concedido por meio de depósito diário,
semanal ou mensal em pequenas quantias, estipulado pelo próprio grupo participante.
O crédito (xitique) pode ser em espécie (bem ou animal) ou em valor monetário, dependendo da finalidade requerida pelo grupo constituinte. No geral, os grupos são compostos por um número que varia entre 4 e 10 pessoas do mesmo sexo, e os fundos são
captados sob forma de poupança e concedidos aos membros de forma individual, onde
cada membro tem a sua vez de receber.
Este sistema vigorou por muito tempo e ainda é usado pela maioria da população moçambicana, tanto nas áreas rurais como nas urbanas, entre assalariados e entre trabalhadores
informais. Entretanto, a região sul é que mais faz uso desta prática (Chidzero, at al,
1998).
Ressalva-se que, na economia, aqueles que fazem poupança muitas vezes aplicam-na nos
seus próprios negócios, nas suas necessidades. Entretanto, se há uma sobra de dinheiro
eles não sabem como aplicá-lo. Em uma economia em que os recursos não são mobilizados, isso se perde; em uma economia que se aplica sua poupança fora do país, também.
A poupança no momento em que é aplicada se transforma em capital. (...) E para que se
torne capital, precisa ser aplicada em actividades económicas (Pretto, 2003, p.11).
Nesses moldes, vale dizer que inicialmente a poupança era o principal produto micro
financeiro nas zonas rurais, iniciado pelos grupos de PCR, os quais, em Junho de 2005,
tinham cerca de 25000 poupadores rurais, o que correspondia a 40% de todos os poupadores micro financeiros do país (Vletter, 2006). Em 2000, a Tchuma, em colaboração
com a CARE, iniciou um esquema piloto de captação de poupanças baseado em selos,
e, em 2003, introduziu a caderneta de poupança. O NovoBanco e a SOCREMO também
introduziram estes serviços, sendo o primeiro em 2001, exigindo um capital mínimo de
4,00 Dólares, e o segundo em 2005 (Vlatter, 2006).
92
Economia, Política e Desenvolvimento
A tabela abaixo, mostra a distribuição dos clientes e da carteira de crédito activa no país
até 30 de Junho de 2005.
Tomadores activos
REGIÃO
Maputo/ Matola
Nr.
%
Poupadores activos
Nr.
Carteira activa (USD)
%
34.164
50,80%
Província de Maputo
3.478
5,2
***
Gaza
2.624
3,9
***
Inhambane
6.050
9
6.000
Beira
3.554
5,3
129
58%
***
859.303
5,2
***
266.519
1,6
9,4
616.977
3,7
6.172
9,7
1.750.000
10,6
0,2
645
1
5.160
0,03
3.207
4,8
1.873
2,9
748.000
4,5
924
1,4
2.730
4,3
53.760
0,3
Tete
1.631
2,4
238.000
1,4
Zambézia
1.888
2,8
6.050
9,5
240.370
1,5
Cidade de Nampula
1.433
2,1
6.274
9,8
548.000
3,3
Província de Nampula
2.684
4
9.122
14,3
441.720
2,7
Cabo Delgado
5.246
7,8
***
***
887.000
5,4
300
0,4
***
***
200
1,2
Chimoio
Província de Manica
Niassa
Totais
67.312
39,10%
%
9.555.700
Província de Sofala
24.927
Nr.
63.793
16.210.709
Fonte: Vlatter, 2006.
Tabela 2.5: Distribuição Geográfica dos Clientes Activos e da Carteira Activa das IMF por todo o País até
2005.
Esta tabela reflecte o grau de disparidade entre as províncias do nosso pais na provisão
dos serviços micro financeiro. Nota-se que algumas províncias, como é o caso de Sofala, Niassa e Manica, apresentam número relativamente menor de tomadores activos e
têm carteiras activas muito pequenas. E em termos de poupança, quatro províncias não
apresentam poupadores activos (Cabo Delgado, Niassa, Gaza, Província de Maputo).
A grande concentração de agências bancárias e IMF na região de Maputo/Matola influencia para um maior número, tanto de tomadores, poupadores, assim como de carteiras
activas. Esse número é justificável também pela grande concentração de negócios na
capital e na região industrial da Matola.
Conforme afirma Pretto (2003), a transformação da sobra de alguns em capital através
do circuito financeiro é um dos elementos imprescindíveis para que o desenvolvimento
aconteça. Dessa forma, torna-se necessária a concessão de crédito sem muita burocracia,
ou seja, fornecido na base da confiança (Pretto, 2003). A necessidade de crédito demonstra também a necessidade do serviço de poupança como produto de micro finanças para
se alcançar a sustentabilidade do sistema financeiro moçambicano.
93
Economia, Política e Desenvolvimento
Extensão dos Serviços de Micro finanças as zonas rurais de Moçambique
Com vista à necessidade crescente da captação de poupança por parte dos bancos, e a
necessidade de as pessoas guardarem os seus capitais de forma segura, as autoridades
financeiras em conjunto com o Governo de Moçambique, vêm incentivando o desenvolvimento da rede dos serviços financeiros no país, de forma a beneficiar a camada
da população empreendedora que, na sua maioria, é constituída pela população pobre e
residente em áreas rurais, como afirma o Portal do Governo de Moçambique em 2008.
Essas pessoas, até então, tinham as suas pequenas quantias enterradas em latas ou guardadas em saquinhos, tendo dificuldades de ampliar os seus negócios devido à escassez
de crédito e das instituições concedentes nessas regiões. Deste modo, o desenvolvimento
da rede dos serviços financeiros em zonas rurais tem sido prioritário e é feito por meio
das instituições de Micro Finanças que operam com o apoio da FARE, do Banco de
Moçambique e através do financiamento de ONG Internacionais, não somente em forma
de capital, mas também em treinamentos, de modo a expandirem as suas operações de
maneira sustentável, atingindo por meio do micro crédito a população de baixa renda.
Assim, os planos do Governo nesta área, além de visarem o melhoramento das condições
de vida da população moçambicana, o que passa por reduzir os índices de pobreza absoluta ainda verificados no país, têm também como estratégia incentivar o sector privado
a tomar pequenos empréstimos (micro crédito) nas IMF, de forma a ampliar as capacidades produtivas, possibilitando o crescimento deste sector no país.
A importância da Concessão de Crédito para o sector informal em Moçambique
A economia moçambicana é dominada pelo sector informal. Do total dos 20.226.296
milhões de habitantes (censo /2007), cerca de 75% da população economicamente activa
(PEA) exerce actividade informal, sendo 25,2% no norte, 34,3% no centro e 15,6% no
sul. A maioria da população empregada no sector informal compreende a faixa etária dos
25 aos 34 anos, dos quais 26,1% são dominados essencialmente por mulheres. Segue a
faixa dos 15 aos 24 anos, com 24,4%, dos quais 15,7% é composto por mulheres entre
25 a 34 anos e 15,2% entre 15 a 24 anos.
Em termos gerais, cerca de 90,9% dos trabalhadores informais praticam a agricultura.
Na área rural, 83,6% na agricultura e na área urbana 77,9%, no comércio e turismo (INE,
2006). Entretanto, a grande maioria empregada no sector informal sofre fortes influências com relação à inflação e câmbio, que contribui negativamente na rentabilidade dos
seus negócios. Este facto é verificado principalmente naqueles que cruzam a fronteira
sul-africana em busca de mercadorias de preço mais baixo. E, para além dos impostos,
salvo nos casos de contrabando, que são comuns, ou de mercadorias não declaradas às
alfândegas, o aumento da taxa de câmbio em relação ao metical tem prejudicado em
muito a população, não somente os vendedores, em termos de receita, como também o
consumidor final, pelo facto de os custos serem repassados directamente às mercadorias
no acto da venda.
As tabelas seguintes mostram as médias anuais da taxa de câmbio e da inflação acumulada. Na tabela 2.5.1, observam-se as médias anuais das taxas de câmbio para transacções
feitas em Dólares, assim como em Randes (moeda sul-africana), moeda muito usada na
94
Economia, Política e Desenvolvimento
fronteira de Moçambique com a África do Sul.
Tabela 2.5.1: Taxas de Câmbio no Período: 2001 - 2006
Período
Moedas
Média Anual
USD (EUA)
2001
20,704.37
Rand
2,535.41
USD (EUA)
2002
23,665.38
Rand
2,373.69
USD (EUA)
2003
23,782.27
Rand
3,187.68
USD (EUA)
2004
22,513.36
Rand
3,523.43
USD (EUA)
2005
22,844.64
Rand
3,583,36
USD (EUA)
2006
24.99
Rand
3,72
Fonte: Banco de Moçambique
Nota-se que no período de 2001 a 2004 houve uma estabilidade em relação ao câmbio.
E a inflação para o mesmo período apresentou grande volatilidade (ver a tabela 2.5.2).
Entretanto, desde o ano de 2006, o metical vem sofrendo desvalorização face ao Dólar.
A tabela abaixo mostra a variação acumulada da inflação no período 2000 a 2006. Para
o período de 2001, a inflação acumulada ficou em 22,3%, taxa bastante elevada quando
comparada ao período anterior, o de 2000, e a variação positiva em termos de decréscimo
para o ano de 2002. Essas variações afectam, não só a rentabilidade dos negócios, como
a alta do preço das mercadorias. Uma vez que os comerciantes atravessam a fronteira
em busca de produtos mais baratos, presume-se que no período analisado os preços dos
produtos comercializados tenham sofrido uma subida por influência da valorização da
moeda sul-africana (ver tabelas 2.5.1 e 2.5.2.).
Tabela 2.5.2: Inflação acumulada em Moçambique: 2000 a 2006
Período
Inflação Acumulada (%)
2000
10.5
2001
22.3
2002
9.1
2003
11.4
2004
9.3
2005
13.1
2006
8.1
Fonte: Banco de Moçambique
95
Economia, Política e Desenvolvimento
Em 2006, a inflação atingiu o nível mais baixo, chegando a 8,1%. Essa queda deveuse também ao facto do país ter começado a apresentar níveis estáveis de inflação, bem
como a sua redução para um dígito.
Nível de Pobreza em Moçambique
Moçambique é considerado um dos países mais pobres do mundo. Cerca de 80% da
população vive da agricultura de subsistência. A pobreza é uma questão que vem sendo
debatida pelo governo, ONG’s nacionais e internacionais e, mesmo assim, ainda existe
um número significativo de moçambicanos a viver com menos de 1 USD por dia. E,
embora o país apresente grande potencial para o desenvolvimento da agricultura, comércio e turismo, os sectores apresentam crescimento insignificante e não respondem à
demanda de emprego no país.
Tabela 2.5.3: mostra as Taxas de Desemprego da População de 15 e Mais Anos (Definição
Nacional) por Sexo: 2004 – 2005
DESEMPREGO
SEXO
Homens
Mulheres
Total
14.7
21.7
18.7
25.6
35.7
31.0
9.1
15.7
12.9
Total
Área de Residência
Urbana
Rural
Fonte: INE – IFTRAB, 2004/05, acesso: 25/05/2009.
Tabela 2.5.3. Taxas de Desemprego da População de 15 e Mais Anos
Os dados acima apresentados mostram a taxa de desemprego total do país para a população de 15 anos e mais. No ano de 2005, a percentagem da população desempregada
atingiu 18,7% e permanece nos mesmos níveis até à actualidade. O percentual maior de
desempregados é verificado no sexo feminino, sendo de 21,7% contra 14,7% para os
homens.
Na tabela seguinte, os dados reflectem a Distribuição Percentual da População dos 15
e mais anos por Condição de Actividade Económica (CAE), onde é possível observar
que 91,8% da população do país economicamente activa (PEA), tem apenas o ensino
primário do 1° grau como nível de escolaridade.
96
Economia, Política e Desenvolvimento
Tabela 2.5.4: Distribuição Percentual da População de 15 e mais anos por Condição de
Actividade Económica: 2004 – 2005.
Características Seleccionadas
Condição de Actividade
PEA
PNEA
Total
91.8
8.2
100.0
Urbana
84.3
15.7
100.0
Rural
95.8
4.2
100.0
Norte
93.6
6.4
100.0
Centro
92.7
7.3
100.0
Sul
88.4
11.6
100.0
Niassa
94.2
5.8
100.0
Cabo Delgado
92.0
8.0
100.0
Nampula
94.2
5.8
100.0
Zambézia
94.1
5.9
100.0
Tete
94.9
5.1
100.0
Manica
89.9
10.1
100.0
Sofala
89.9
10.1
100.0
Inhambane
92.3
7.7
100.0
Gaza
90.1
9.9
100.0
Maputo Província
90.3
9.7
100.0
Maputo Cidade
80.6
19.4
100.0
Total
Área de Residência
Região
Províncias
97
Economia, Política e Desenvolvimento
Tabela 2.5.5: Incentivo a Educação
Nível de Educação
Nenhum
94.1
5.9
100.0
Primário do 1º Grau
95.0
5.0
100.0
Primário do 2º Grau
85.9
14.1
100.0
Secundário e mais
79.2
20.8
100.0
Solteiro (a)
76.5
23.5
100.0
Casado(a)
96.1
3.9
100.0
União Marital
97.5
2.5
100.0
Divorciado(a)/Separado(a)
95.2
4.8
100.0
Viúvo(a)
86.0
14.0
100.0
Estado Civil
Fonte: INE, IFTRAB, 2004/05
Observando a tabela acima, estes dados remetem à análise da necessidade continuada
de políticas públicas e de incentivo à educação, visto que os índices de analfabetismo
continuam sendo elevados e constituem entrave ao crescimento e desenvolvimento do
país. A introdução das micro finanças no país é também um dos meios encontrados pelas
autoridades moçambicanas (Financeiras e do Governo) com apoio de financiamentos
externos para elevar o nível de actividade económica através de concessão de micro
créditos ou crédito à população de baixa renda e ao micro empreendedor.
Dessa forma, as operações das Instituições de Micro Finanças no país visam o desenvolvimento económico sustentável e a expansão dos serviços financeiros à população
economicamente activa, incluindo os pobres e os micro empreendedores.
Nesses moldes
“... as IMFs são um instrumento institucional de redução e eliminação da pobreza,
qualquer que seja a abrangência das insuficiências consideradas (necessidades fisiológicas básicas para a sobrevivência; ou as primeiras mais o acesso a serviços sociais básicos de saúde, educação, etc; ou as primeiras mais o acesso aos direitos jurídicos, «informacionais», etc., que são paradigmáticos de um estádio civilizacional) (Dias; Psico,
2008)”.
O desenvolvimento económico torna-se uma das condições necessárias conducentes à
redução dos níveis de pobreza absoluta verificados no país. Psico (2008) aponta como
um dos desafios a expansão do sistema financeiro, especialmente no que concerne ao
micro crédito para a população empreendedora do país.
98
Economia, Política e Desenvolvimento
Segundo Sousa (1993), o “desenvolvimento económico refere-se à existência de crescimento económico contínuo em ritmo superior ao crescimento demográfico, envolvendo
mudanças de estruturas e melhoria de indicadores económicos e sociais per capita, sendo,
portanto, um fenómeno de longo prazo, que implica uma economia nacional fortalecida,
com nível elevado de produtividade e ampliação da economia de mercado”.Portanto,
enquanto as condições básicas da população não forem supridas e o país não apresentar
um crescimento contínuo, este país passa longe de estar em desenvolvimento.
É assim que
O Governo de Moçambique e os doadores têm despendido esforços e recursos consideráveis no desenvolvimento económico e redução da pobreza. Embora isto tenha conduzido a melhorias em termos de um crescimento económico de 8% anual ao longo dos
últimos dez anos (Arndt et al. 2006) e a uma redução de 69 para 54% da proporção de
Moçambicanos a viver na pobreza (INE 2004), os indicadores chave sócio-económicos
são ainda muito graves: o PIB per capita é de USD 1.117, a taxa de alfabetização entre adultos é de 46,5% e a esperança de vida à nascença é de 41,9 anos (Banco Mundial 2006; UNICEF 2007). Isto coloca Moçambique no 172º lugar, entre 177 países, do
Índice de Desenvolvimento Humano do PNUD, ou seja o país menos desenvolvido da
África Austral, SARPN (Tvedten, Paulo e Rosário 2006).
Assim, o acesso aos serviços financeiros por parte da população de baixa renda tornase necessário para combater a pobreza que ainda assola o país. E parte destes serviços
devem ser concedidos em forma de micro crédito, de forma a estimular o consumo
antecipado por parte da população economicamente activa, que devido a restrições do
sistema financeiro tradicional tem dificuldades de captar recursos para produção e, consequentemente, para poupar e para investir ou consumir no futuro.
99
Economia, Política e Desenvolvimento
Conclusão do artigo
O objectivo do Governo de Moçambique é a redução dos níveis de pobreza absoluta e
a promoção do crescimento económico rápido, sustentável e abrangente. Dessa forma,
uma das acções que o Governo tem vindo a implementar com vista a promover o desenvolvimento económico e social das áreas rurais tem sido, a nível político e administrativo, a conversão do Distrito em pólo de desenvolvimento sócio económico do país,
e, a nível da descentralização das finanças públicas, a atribuição de parte dos fundos
orçamentais públicos à gestão directa dos responsáveis distritais, através do Orçamento
de Investimento de Iniciativas Locais.
Contudo, é necessário que as políticas sejam também direccionadas para incentivar maior
qualidade do ensino, para que o país possa beneficiar de um crescimento sustentável
nesses pequenos negócios, uma vez que grande maioria da população empregada no sector informal não possui conhecimento de gestão. A formação das IMF, no que concerne
à indústria de micro crédito ainda é pouco desenvolvida, o que implica a necessidade de
medidas mais arrojadas por parte do Governo e das Instituições de Micro Finanças na
concessão e difusão destes serviços.
Isto também deve-se ao facto de o sistema financeiro moçambicano ainda ser caracterizado por falhas e ser tido como fraco e apertado, devido à existência de poucas instituições
financeiras, poucos bancos a dominarem o sector e cerca de 80% dos activos totais pertencerem aos três maiores bancos comerciais (BIM, BCI, Standard Bank). Estes factores
contribuem para o gargalo na aquisição do crédito, constituindo, consequentemente, um
dos principais obstáculos para o desenvolvimento das zonas rurais, incluindo o sector
privado em Moçambique (DNPO, 2009).
Apesar do notável esforço do governo para a expansão destes serviços financeiros às zonas rurais (distritos), o desenvolvimento da indústria micro financeira em Moçambique
ainda carece de um ambiente favorável, que estimule a sua oferta e procura. Em torno
dessas dificuldades, a multiplicação de experiências bem sucedidas vem provando que
podem ser servidos os que até aqui não tinham acesso aos bancos, começando-se a olhar
com interesse para este nicho de mercado (população das zonas rurais).
Algumas Instituições de Micro Finanças já estudam formas de criação de uma união
nacional para abrangência destes serviços sem restrições à população de baixa renda.
Acredita-se que partindo da base, onde as instituições financeiras são auto-sustentáveis
ou com sustentabilidade a longo prazo, a disponibilidade de crédito será menos burocrática e menos restrita aos reais necessitados destes serviços.
100
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