REVISTA CIENTÍFICA MATERNIDADE, INFÂNCIA E GINECOLOGIA VOLUME 19 - NÚMERO 1- JANEIRO/ JUNHO 2010 Publicação Oficial da Assessoria de Ensino e Pesquisa do Hospital Materno Infantil Presidente Vargas - HMIPV SUMÁRIO PALAVRA DA DIREÇÃO - Maria Isabel de Bittencourt...............................................6 EDITORIAL - Carlos Zaslavsky....................................................................................7 HISTÓRIA DO HMIPV Hospital Materno Infantil Presidente Vargas (HMIPV): 1975/ 2011- Jorge Hauschild..9 COMENTÁRIOS 1. Publicação científica: quem deve escrever e quem deve ler? Dr. Danilo Blank..14 ARTIGOS ORIGINAIS 1. Doenças sexualmente transmissíveis: incidência em mulheres de um Centro de Especialidade em 2009 - Juliana Talita de Goes, Daniele Maieron, Fernanda Silveira Fortes, Leandro Luiz Assmann.............................................................21 2. Perfil epidemiológico dos pacientes que realizaram videofluoroscopia no HMIPV em 2009 – Fga. Patrícia Barcellos Diniz, Cláudia Marcuzzo, Luciana Sá Carneiro, Sâmara Fávero, Thayse Goetze .....................................................37 ARTIGO DE REVISÃO 1. Monitorização do crescimento do lactente nascido a termo: uma atualização Danilo Blank, Marcelo Zubaran Goldani ..........................................................54 RELATO DE CASO 2. Lesão perineal obstétrica de 3° 4° graus: um relato de caso. Sérgio Flávio Munhoz de Camargo, Bianca Zardo, Mariana Barth de Barth..........................98 ENSINO E PESQUISA NO HMIPV Educação: a oportunidade de transformação - Deise Maria Ramos Cunha ...............107 INSTRUÇÕES AOS AUTORES...................................................................................116 1 REVISTA CIENTÍFICA MATERNIDADE, INFÂNCIA E GINECOLOGIA VOLUME 19- NÚMERO 1- JANEIRO/ JUNHO 2010 Publicação Oficial da Assessoria de Ensino e Pesquisa do Hospital Materno Infantil Presidente Vargas - HMIPV Prefeito Municipal de Porto Alegre José Fortunati Secretaria Municipal da Saúde Secretário Dr. Carlos Henrique Casartelli Secretário Adjunto Marcelo Bósio Secretária Substituta Carolina Santana Hospital Materno Infantil Presidente Vargas Diretora Geral do HMIPV Drª Maria Isabel de Bittencourt Diretora Técnica do HMIPV Drª Angela Smaniotto Diretor Administrativo Carlos Jorge F. da Rosa Assessoras Técnicas Enf. Maria Inês Voigt Enf. Patrícia Luz da Silva Assessoria de Ensino e Pesquisa Ana Luiza T. Lovato Carlos Zaslavsky Deise Maria Ramos Cunha 2 Revista Científica do Hospital Materno Infantil Presidente Vargas A Revista Científica do Hospital Materno Infantil Presidente Vargas tem como objetivo informar sobre a política institucional para a saúde e contribuir para a difusão de conhecimentos científicos e pertinentes ao aperfeiçoamento dos recursos humanos de saúde para melhor atender aos que necessitam dos serviços prestados por este hospital. Editor Dr. Carlos Zaslavsky Editora Executiva Deise Maria Ramos Cunha Conselho Editorial Dr. Ygor Ferrão Ana Luiza Lovato Bruno Iasnogrodski Vera Tentardini Dr. Carlos Link Drª Rosilene Jará Reis Dr. Danilo Blank Drª Lizia Meirelles Mota Leonardo Silveira Thiago Hartmann Contato: Os trabalhos para publicação devem ser encaminhados para Assessoria de Ensino e Pesquisa do HMIPV (ASSEP) Endereço: Av. Independência, 661 - 7º andar – Bloco C - CEP 90035-076 – Porto Alegre/ RS/ Brasil Telefone: (51) 3289.3185 E-mail: [email protected] 3 Catalogação na Publicação ISSN 01025120 4 REVISTA CIENTÍFICA MATERNIDADE, INFÂNCIA E GINECOLOGIA VOLUME 19 - NÚMERO 1- JANEIRO/ JUNHO 2010 Publicação Oficial da Assessoria de Ensino e Pesquisa do Hospital Materno Infantil Presidente Vargas - HMIPV SUMÁRIO PALAVRA DA DIREÇÃO - Maria Isabel de Bittencourt EDITORIAL - Carlos Zaslavsky HISTÓRIA DO HMIPV Hospital Materno Infantil Presidente Vargas (HMIPV): 1975/ 2011- Jorge Hauschild COMENTÁRIOS 1. Publicação científica: quem deve escrever e quem deve ler? Dr. Danilo Blank ARTIGOS ORIGINAIS 1. Doenças sexualmente transmissíveis: incidência em mulheres de um Centro de Especialidade em 2009 - Juliana Talita de Goes, Daniele Maieron, Fernanda Silveira Fortes, Leandro Luiz Assmann. 2. Perfil epidemiológico dos pacientes que realizaram videofluoroscopia no HMIPV em 2009 – Fga. Patrícia Barcellos Diniz, Cláudia Marcuzzo, Luciana Sá Carneiro, Sâmara Fávero, Thayse Goetze ARTIGO DE REVISÃO 1. Monitorização do crescimento do lactente nascido a termo: uma atualização Danilo Blank, Marcelo Zubaran Goldani RELATO DE CASO 1. Lesão perineal obstétrica de 3° 4° graus: um rel ato de caso. Sérgio Flávio Munhoz de Camargo, Bianca Zardo, Mariana Barth de Barth. ENSINO E PESQUISA NO HMIPV Educação: a oportunidade de transformação - Deise Maria Ramos Cunha INSTRUÇÕES AOS AUTORES 5 Palavra da Direção Word of Director Este é um momento importante para a história do Hospital Materno Infantil Presidente Vargas. Por muitos anos, a Revista Científica do HMIPV era o orgulho de todos os que trabalhavam neste hospital. Uma revista indexada, com artigos de grande interesse científico, elaborados pelos profissionais de alto nível que aqui sempre exerceram suas atividades. Com o passar dos anos, as dificuldades existentes na saúde pública, entre outros fatores, levaram ao cancelamento da edição da revista. Não houve, porém, uma desistência definitiva; havia sempre o sonho – ou a meta? – de reerguer a área de Ensino e Pesquisa do hospital. Essa tarefa foi uma meta estabelecida pela direção anterior, na pessoa do Dr. Carlos Henrique Casartelli, hoje Secretário Municipal da Saúde de Porto Alegre. Imediatamente foi lembrado o Dr. Carlos Zaslavsky, ainda hoje servidor da instituição, e que tinha sido com sucesso o Editor Chefe da revista anteriormente. Quando assumimos a Direção, em abril de 2010, com o auxílio dos colegas que encamparam a Assessoria de Ensino e Pesquisa (ASSEP) do HMIPV, levamos adiante a idéia do Dr. Casartelli e partimos para o convite ao Dr. Zaslavsky. Convite aceito, e mãos à obra. Não foi tarefa fácil para ele, mas quem sabe como fazer já tem metade do serviço feito! Os colegas responderam positivamente, e forneceram seu qualificado material. Assim, alguns meses e muito trabalho depois, eis aqui o primeiro número dessa nova etapa da Revista do HMIPV. E o segundo número já está a caminho! Pretendemos ser novamente a publicação qualificada que fomos outrora. Pretendemos ser aos nossos residentes, à nossa comunidade e a todos os que aqui buscarem conhecimento, uma fonte valiosa de informações e cultura, proporcionado, também, aos colegas interessados em pesquisar, estudar e publicar, uma terra propícia para semearem a semente da curiosidade, da descoberta, e da divulgação desse bem mais precioso que devemos dividir uns com os outros, que é o conhecimento. Parabéns ao Dr. Zaslavsky, aos demais componentes do Editorial da Revista, e a toda a comunidade científica do HMIPV. Drª Maria Isabel de Bittencourt Porto Alegre, abril de 2010 6 Editorial Está sendo reeditada a Revista Científica do Hospital Materno Infantil Presidente Vargas, Porto Alegre. Foi uma iniciativa elogiosa da Direção. Aceitei, juntamente com o Conselho Editorial, novamente o desafio de valorizar a pesquisa científica desenvolvida no HMIPV e divulgar as informações pertinentes ao bom exercício profissional. A interrupção da Revista não quis dizer ausência de pesquisa. Os casos clínicos, os artigos originais, as revisões e outras criações eram realizados e divulgados pelos profissionais em outros veículos científicos de informação. Portanto a pesquisa científica não foi interrompida. Mas o que muda então com a reedição da Revista Científica? As pessoas que produzem trabalhos científicos não mudam. Elas possuem a indagação, a curiosidade, a ousadia, a leitura e a humildade. Alguns dos atributos que movem o progresso. Na Saúde não seria diferente. O que muda é a postura da instituição em relação aos profissionais que nela trabalham. Começam a serem valorizados como membros ativos e responsáveis diretos pela atividade diária junto aos pacientes. Aumentando a auto-estima destas pessoas, elas começam a participar mais ativamente na instituição. Aumenta o prazer de trabalhar. Esta é a interface da Revista Científica com os profissionais da instituição. Serão incentivados para mostrar o que fazem e o farão tecnicamente da melhor forma possível. O grupo que trabalhou na reimplantação da Revista buscou ativamente aquelas pessoas que, além do seu trabalho diário, escrevem. Eles foram os porta-vozes na 7 divulgação do trabalho desenvolvido em seus Serviços. Foi um trabalho gratificante para este grupo de trabalho. Participaram médicos preceptores e Residentes, enfermeiras, psicólogas, fonoaudiólogas e assistentes sociais. O avanço foi aparecendo. A procura pelas Instruções aos Autores foi aumentando. Finalmente os volumes foram tomando forma. A nossa meta é editar quatro volumes para reindexá-la na Literatura Científica na Área da Saúde. Muitas pessoas trabalharam. Mesmo correndo riscos identifico alguns. O Dr. Ygor Ferrão pela presença otimista. Os médicos residentes Thiago Hartmann e Leonardo Silveira pelo incansável trabalho e inteligência. A socióloga Deise Cunha pelo apoio permanente. Muito obrigado ao Conselho Editorial pela confiança. Parabéns a Direção pelo retorno da Revista Científica. Parabéns aos profissionais do HMIPV pela competência e coragem de divulgar o que fazem. Muito obrigado pelo convite para editar a Revista. Carlos Zaslavsky MD, PhD Editor da Revista HMIPV 8 História do HMIPV Hospital Materno Infantil Presidente Vargas (HMIPV): 1975 / 2011. Jorge Antônio Hauschild1 1 Médico admitido pelo INPS em 27/11/75, “em vaga originária de dispensa, a pedido,...” Em plena ditadura militar, o espigão da Independência, que havia pertencido ao Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Estivadores e dos Transportadores de Cargas (IAPETC), passava por reformulações, transformava-se num Hospital MaternoInfantil. O impulso inicial para a mudança havia sido a criação, no então Hospital Geral, próprio do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), do embrião da primeira Unidade de Terapia Intensiva Neonatal do Estado do Rio Grande do Sul, localizada no nono andar do bloco A. O pioneirismo coube a “um grupo de Pediatras, convidado a montar uma unidade de atendimento de pós-operatório de recém-nascidos”.1 Em 1975, para o atendimento desses recém-nascidos, o INPS, que resultou da unificação de todos os institutos de pensões e aposentadorias, como o Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários (IAPI), o Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Comerciários (IAPC) e o IAPETC, entre outros, precisou contratar pediatras, tanto rotineiros como plantonistas. No mesmo ano, com a abertura da internação pediátrica, no quinto andar do mesmo edifício, outros pediatras foram contratados, também rotineiros e plantonistas, dessa vez para o atendimento às crianças maiores. Em 02 de janeiro de 1978 o Hospital Geral transformou-se, oficialmente, num Hospital Materno-Infantil.2 Nessa época foi concluída a construção 9 do bloco C. No terreno hoje ocupado por esse prédio, na Avenida Independências, erguiam-se casas consideradas “velhas”. Com certeza, os tempos eram outros. Os médicos contratados em 1975 ocuparam vagas temporárias, de colegas afastados do serviço público, por dispensa, aposentadoria ou morte. Eles conheciam bem as regras do jogo: a efetivação no emprego ocorreria após a aprovação em concurso. Eram chamados de “precários”, e não existiam apenas no HMIPV, também em outros locais da rede do INPS. Providencialmente, em 1976, após muitos anos sem essa forma de ingresso na carreira pública, houve grande concurso para médicos do INPS, que foi prestado por elevado número de candidatos, das mais diferentes especialidades. Situação dos “precários” após a divulgação do resultado do concurso: alguns reprovados, muitos os aprovados, poucos os chamados. A ameaça de demissão era iminente para os reprovados. A insegurança também atingia os aprovados e não classificados nos melhores lugares. Não se sabia quando chamariam novos aprovados. No HMIPV havia um bom número daqueles que continuavam “precários”. Estes recorreram ao Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (SIMERS). O então presidente do SIMERS representava a renovação sindical, era jovem e parecia atuante. Foi solidário com os “precários”. Após muitas reuniões e discussões vislumbrou-se uma saída, certamente engendrada no próprio Edifício Brasiliano de Morais, quartel-general do INPS no Rio Grande do Sul, hoje sede da representação local do Ministério da Saúde. Para tentar manter o emprego público os “precários” precisariam sair de Porto Alegre. Escolhidos 10 os destinos, o êxodo médico distribuiu os ameaçados pela demissão em cidades da região metropolitana, especialmente em Canoas e em Gravataí. Alguns foram até mais longe. A solução paliativa havia sido administrativa. A imprensa emudecia. Com o tempo, após novos chamamentos, muitos voltaram para Porto Alegre, alguns para o HMIPV. Até reprovados conseguiram manter o emprego. Naqueles “anos de chumbo” o hospital contava com razoável contingente de funcionários, inclusive médicos. A Emergência Pediátrica, que funcionava, na verdade, como pronto atendimento, chegou a atender 4.800 crianças por mês.3 Externamente, de forma impiedosa, outros médicos se referiam ao Presidente Vargas como “a Sorbonne”, tal o número professores das Faculdades de Medicina da cidade de Porto Alegre que trabalhavam na instituição. Esse grupo qualificava a Residência Médica. Surgiu a Revista Científica do Hospital Materno Infantil Presidente Vargas. Em 1978 constituiu-se a Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH). Com orgulho, muitos pediatras expressavam abertamente o seu “agapevismo”. O tempo passou. As direções se sucederam, ao sabor das mudanças políticas. O único próprio do INPS no Rio Grande do Sul passou para o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS). Flertou com a então Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre, pertenceu ao Ministério da Saúde e, finalmente, a partir do ano 2000, integrou-se à Secretaria da Saúde da Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Apesar dos percalços, programas e serviços qualificados foram criados. Atenção especial merece a Residência Médica. Ao longo desses anos, centenas de médicos residentes trabalharam, sob supervisão, no HMIPV. A absoluta maioria engrandece sobremaneira a instituição. Hoje desenvolvem suas 11 atividades em Porto Alegre, em grande parte dos rincões do Rio Grande do Sul, no Brasil e no exterior; são excelentes clínicos e cirurgiões, professores e pesquisadores; são mestres, doutores e pós-doutores. No âmago do externamente feio e mal-cuidado “cinzentão da Independência” sempre pulsou um coração chamado qualidade, devotado à camada mais carente da população. A paulatina redução no número de funcionários, principalmente técnicos de enfermagem, levou à redução na oferta de leitos hospitalares e à diminuição do número de pacientes atendidos no HMIPV. Na segunda metade dos anos 90, frente ao agravamento do déficit de recursos humanos, a direção da época buscou solução na contratação de funcionários celetistas, através da Fundação Universitária de Gastroenterologia (FUGAST). Era a forma encontrada para não parar o hospital. Contudo, aquilo que era temporário se perpetuou. Os ameaçados pela demissão não eram mais os “precários”, mas os “fugastianos”. A incerteza quanto ao futuro e a ansiedade eram as mesmas. A ameaça de demissão se repetiu ano após ano, até a solução final, neste mês de março de 2011. Sob certos aspectos, a história se repetiu. Funcionários celetistas, “precários” e “fugastianos”, sem garantia no emprego, buscaram de todas as formas a efetivação no serviço público. Os desfechos foram distintos. O apoio dos sindicatos aos ameaçados pela demissão na FUGAST e a ampla divulgação dos fatos pela imprensa não foram suficientes para a manutenção dos empregados nos respectivos cargos. Os tempos 12 são outros. Em plena democracia, a solução meramente administrativa tornou-se menos provável. Em dois anos o HMIPV fará 60 anos. Referências bibliográficas: 1.Bohrer MAS. A atuação do Pediatra e do Neonatologista. Boletim Científico da Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul 2009(1):2. 2. www2.portoalegre.rs.gov.br/hmipv/ Histórico 3. Hauschild JA, Cantalice Neto AF, Gus J. Emergência Pediátrica. Fluxo de um atendimento à população infantil. Revista Científica do Hospital Materno Infantil Presidente Vargas 1981;2(3):127-9. 13 Publicação Científica: Quem deve escrever e quem deve ler? Scientific Publication: Who should write and who should read? Danilo Blank1 1 Preceptor do Ambulatório de Pediatria do Hospital Materno Infantil Presidente Vargas De volta à ativa – auspiciosamente, já veremos por quê –, a Revista Científica do Hospital Materno Infantil Presidente Vargas me pede que responda à pergunta do título; que eu entendo, por senso e comedimento, querer referir-se a este mesmo periódico ou, no máximo, às coisas médicas. A segunda parte da pergunta é certamente a mais importante, porque, sem contar que a quantidade dos que lêem é evidentemente (ou deveria ser) muitíssimo maior, são eles que fazem (ou deveriam fazer) a saúde acontecer; enquanto os poucos que escrevem quase sempre o fazem bem e pelo bem. Parar para pensar em quem deve ler remeteu-me na hora ao slogan da MedPage Today – publicação online co-editada pelo renomado George Lundberg, experto em comunicação médica, que foi por 17 anos o editor-chefe do prestigioso JAMA (Journal of the American Medical Association) –, um portal de informações que se apresenta como “o único serviço para médicos que fornece uma perspectiva clínica das últimas notícias médicas que os seus pacientes estão lendo”: At MedPage Today, we are putting breaking medical news into practice®1. Nos dias de hoje, de franco acesso ao conhecimento de todo tipo, inclusive especializado, nada poderia ser mais verdadeiro: qualquer tema médico que uma revista científica de respeito – como o Lancet ou o New England Journal of Medicine – publique de manhã, a Fátima 14 Bernardes anuncia à noite e os pacientes acessam na Internet na manhã seguinte. E mais: isso ocorre talvez com mais relevância com os trabalhos incluídos na rubrica online first, postados na grande rede e expostos ao imenso tribunal da chamada revisão pós-publicação, frequentemente vários meses antes da data oficial da publicação2. Aos profissionais de saúde resta não só incorporar esses conhecimentos à sua prática com presteza similar, mas com a responsabilidade adicional do discernimento habilitado, sob pena de ser tachado de imperito ou negligente. Bem a propósito, numa segunda-feira dessas, me aparece no ambulatório uma menina de cinco anos, cuja mãe contava a seguinte história: – A Júlia estava se queixando de dor de ouvido desde a madrugada de anteontem e eu, que já tinha lido na versão traduzida do Crianças Saudáveis e até no site de vocês* que não se dá antibiótico de cara nesses casos para uma criança da idade dela, ainda por cima sabendo que nas emergências eles só prescrevem amoxicilina, resolvi aguardar um tempo. Só que ontem a dor continuou e eu resolvi levar ela no pronto atendimento. Não deu outra: a médica disse que o tímpano estava vermelho e receitou antibiótico, só que em vez da famigerada amoxicilina ela deu azitromicina. Resultado: insegura, fiquei só no paracetamol e resolvi esperar a consulta. Hoje a Júlia está um pouco melhor. Agi certo ou errado? Ao exame, como a Júlia se queixasse de pouca dor, ainda que à otoscopia os dois tímpanos estivessem vermelhos, com diminuição da transparência e discretamente abaulados (tratava-se definitivamente de otite média aguda), à luz do 15 conhecimento atual5, fui obrigado a reconhecer que a mãe tivera mais juízo do que a médica, ao que ela redarguiu: – Mas será que não se escrevem as coisas certas nas revistas de médico ou os médicos é que não dão bola e não leem? A conclusão da paciente, ainda que um tanto caricatural, põe o dedo na ferida de todos nós médicos e demais profissionais de saúde. Sob tal perspectiva, responder à segunda parte da questão inicial fica muito fácil: todo mundo! Levando em conta que a nossa revista se propõe dar à vista não apenas protocolos e casos clínicos de alcance (só supostamente) paroquial, mas sobretudo trabalhos de revisão com fins educativos, é evidente que lê-la interessa a quem quer que se preocupe com a saúde; e saúde – individual ou coletiva – é responsabilidade de todo mundo. Responsabilidade essencial de todo cidadão, cada vez mais chamado a contribuir com hábitos de vida saudáveis ao bem estar comunitário, mas principalmente do profissional de saúde, comprometido por ética de ofício com o apuro técnico incessante e à justeza de condutas. No caso específico dos médicos, supõe-se que tal responsabilidade seja mais premente entre profissionais em formação, alunos de graduação e residentes, mas sem esquecer de que ao longo dos anos de prática a inércia e a onipotência conspiram contra o bom senso da educação permanente e o juízo crítico. * A paciente se referia – depois ela me explicou – à tradução automática obtida por meio do Google Tradutor da página “Get Smart About Antibiotics”, do site “Healthy 16 Children”3 e a um artigo sobre otite média para a realidade brasileira, publicado pelo SBP Ciência, da nossa Sociedade Brasileira de Pediatria 4. Em tempo: é oportuno lembrar que publicações médicas veiculadas exclusivamente por meio de impressão em papel tendem a restringir muito a sua abrangência e visibilidade, uma vez que há documentação de que o acesso livre via internet de textos acadêmicos aumenta da distribuição do conhecimento, particularmente abaixo do Equador6. Por isso, quando o editor da Revista do HMIPV, Carlos Zaslavsky, comentou acerca da sua reativação, dei-lhe a minha opinião de que ela deveria ter uma versão online (e preferencialmente só a versão online), justamente em vista da acessibilidade, mas também pelos aspectos operacionais e econômicos. Quanto a ter sido uma novidade auspiciosa, além de valorizar a instituição, sem dúvida estimulará o seu corpo clínico a expor suas experiências, estudos e ideias. O que nos traz de volta à questão de quem deve escrever. Letícia Wierchowski apontou em recente crônica7, as mais variadas motivações, das poéticas às práticas, que levam ficcionistas de todas origens a criar e registrar histórias: vocação, prazer da leitura, medo do passado ou do futuro, timidez, compulsão e – é claro – dinheiro. As três que mais se aplicam aos escrevedores da área médica, porque apontam indiretamente quem deve escrever, são as de Umberto Eco (“porque eu gosto”), Gustave Flaubert (“escrever é uma maneira de viver”) e, principalmente, Use Lahoz (“escrevo porque aprendo”). A cronista arremata ponderando que se alguns escrevem, outros tantos leem, todos unidos, afinal de contas, pelo fio invisível do verbo. No caso da escrita médica científica, o essencial é gostar de aprender e de dividir o conhecimento. 17 Mais pragmático, Richard Smith, grande polemista da comunicação médica, exeditor do British Medical Journal, formulou um decálogo de quem deve escrever, pensando especificamente nas revistas médicas8. Assim, escreve quem tem algo importante a dizer, quer mudar a prática, promover o pensamento, o debate ou simplesmente divulgar o seu trabalho. Escreve quem tenta educar, divertir ou apenas consolar. Escreve, por fim, quem quer avançar na carreira, ganhar dinheiro ou tão somente ganhar fama e mulheres bonitas. Tais motivações se aplicam de alguma forma a cada um de nós e não exigem nenhum dom especial, apenas um pouco de interesse, prática e disposição. Além disso, vale sempre sublinhar que deve escrever sobre saúde quem tem capacidade de transmitir ideias com clareza e concisão, mas sobretudo com um tom incisivo. Pat Skerrett, editor da Harvard Heart Letter, recentemente enfatizou esses aspectos, lembrando que o estilo usualmente denso e impenetrável da escrita médica serve mais para sugerir profundidade científica do que para comunicar efetivamente experiências e que o leitor – seja clínico, pesquisador ou gente comum querendo saber sobre uma doença ou meios de se manter saudável – merece uma linguagem mais direta9. De novo, basta associar um senso mínimo de comunidade com um pouco de tempo para crescer e socializar o crescimento com método. Referências bibliográficas: 1. MedPage Today and The University of Pennsylvania School of Medicine, Office of Continuing Medical Education. About MedPage Today [Internet]. Philadelphia: Everyday 18 Health, Inc; 2011. Accesso: 06/02/2011; [2 telas]. Disponível em: http://www.medpagetoday.com/About/. 2. Gøtzsche PC, Delamothe T, Godlee F, Lundh A. Adequacy of authors’ replies to criticism raised in electronic letters to the editor: cohort study. BMJ. 2010;341:c3926. Disponível em: http://www.bmj.com/content/341/bmj.c3926.full.pdf 3. American Academy of Pediatrics. Get Smart About Antibiotics [Internet]. Elk Grove Village, IL: American Academy of Pediatrics; 2010. Accesso: 06/02/2011. Disponível em: http://www.healthychildren.org/English/news/Pages/Get-Smart-About- Antibiotics.aspx. 4. Saffer M, Neto JFL, Ramos BD, Montovani JC, Nóbrega Md, Alcântara LJL, et al. Otite Média Aguda: Diagnóstico e Tratamento Propostos para a Realidade Brasileira SBP Ciência [Internet]. Rio de Janeiro, Brasil: Sociedade Brasileira de Pediatria; 2010. Accesso: 06/02/2011. Disponível em: http://www.sbp.com.br/sbpciencia/show_item.cfm?id_categoria=5&id_detalhe=483&tipo =D. 5. Klein JO. Is Acute Otitis Media a Treatable Disease? N Engl J Med. 2011;364(2):1689. Disponível em: http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMe1009121. 6. Evans JA, Reimer J. Open Access and Global Participation in Science. Science. 2009 February 20, 2009;323(5917):1025. Disponível em: http://www.sciencemag.org/content/323/5917/1025.full.pdf; 19 7. Wierzchowski L. Por que se escreve? Zero Hora. 03/02/2011;16587(Segundo Caderno):6(col3). 8. Smith R. The inside view on writing for medical journals [Internet]. London: British Medical Journal; 2001. Accesso: 07/02/2011. Disponível em: http://resources.bmj.com/files/talks/wjournal.ppt. 9. Skerrett PJ. Medical journals: Stop being so passive. [Internet]. Harvard Health Blog; Boston: Harvard Health Publications; 2010 14/10/2010. Accesso: 07/02/2011. Disponível em: http://www.health.harvard.edu/blog/medical-journals-stop-being-so- passive/. 20 Doenças Sexualmente Transmissíveis: Incidência em Mulheres de um Centro de Especialidade em 2009. Sexually Transmitted Diseases: Incidence in Women of a Center of Expertise in 2009. Autores: Juliana Talita de Goes1 Daniele Maieron1 Fernanda Silveira Fortes1 Leandro Luiz Assmann2 1 Acadêmica do curso de medicina da Universidade de Santa Cruz do Sul-UNISC; 2 Professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Santa Cruz do Sul-UNISC; médico ginecologista e obstetra. Endereço para correspondência: Juliana Talita de Goes, Rua Galvão Costa, 1074, apto 402; Bairro: Centro; Santa Cruz do Sul, RS; CEP: 96810170 e-mail: [email protected] RESUMO 21 Contexto: As doenças sexualmente transmissíveis (DST) são consideradas um dos problemas de saúde mais comum em nível mundial. Entretanto são escassos os dados epidemiológicos relativos às DST, apenas a AIDS e a sífilis na gestação ou congênita são de notificação compulsória. Essa situação contribui para a falta de informação sobre sua magnitude. Objetivo: Apresentar e discutir a incidência de DSTs na população feminina, da cidade de Santa Cruz do Sul. Métodos: Estudo observacional do tipo transversal de base populacional. Para obtenção de informações utilizou-se 608 prontuários, de mulheres de 15-60 anos de idade que realizaram consulta no ano de 2009. Resultados: Dos 608 prontuários analisados, 125 pacientes apresentavam diagnóstico de DST, sendo que 483 re-consultas, sendo excluídos dos resultados. Idades entre 2029 anos obteve maior incidência com 40%. As incidência das DSTs, em ordem decrescente foram: HPV, clamídia, sífilis, herpes, gonorréia. Em relação ao tratamento, 49.6% tiveram alta curada, 16% não tiveram alta curada, 6,4% ocorreu abandono do tratamento e em 28% não apresentavam dados no prontuário. Conclusão: A prevalência de DSTs vem aumentando, afetando todas as faixas etárias, predominantemente em adolescentes e adultos jovens, enfatizando assim a necessidade de prevenção e tratamento adequado para evitar sua disseminação e complicações. 22 Palavras chave: Doenças sexualmente transmissíveis – Epidemiologia – Controle ABSTRACT Background:Sexually transmitted diseases (STDs) are considered one of the most common health problems in worldwide. However there are few data Epidemiological related to STDs, AIDS and only Congenital syphilis during pregnancy or are reporting compulsory. This situation contributes to the lack of information on its magnitude. Objective: To present and discuss the incidence of STDs in female population of the city of Santa Cruz do Sul. Methods: This observational cross-sectional population. To obtain information was used 608 medical records of women aged 15-60 years who consultation held in 2009. Results: Of 608 charts reviewed, 125 patients had a diagnosis of STDs, with 483 requeries, being excluded from the results. Ages 20-29 years had a higher incidence of 40%. The incidence STDs, in descending order were: HPV, chlamydia, syphilis, herpes, gonorrhea. Regarding treatment, 49.6% were discharged cured, 16% had high healed 6.4% treatment dropout occurred in 28% and not data presented in the chart. Conclusion: The prevalence of STIs is increasing, affecting all age groups, predominantly in adolescents and young adults, thus emphasizing the need for prevention and appropriate treatment for prevent its spread and complications. Key words: Sexually transmitted diseases - Epidemiology – Control 23 INTRODUÇÃO As doenças sexualmente transmissíveis (DST) têm grande impacto na saúde da população mundial, causando um ônus desproporcional na população feminina de diversos países. A determinação dessa magnitude é dificultada pela inconsistência em se obter notificações condizentes com a realidade. As DSTs são um grupo de doenças endêmicas de múltiplas causas que incluem as doenças venéreas clássicas e um número crescente de entidades clínicas e síndromes que têm como traço comum a transmissão durante a atividade sexual, sem cuidados adequados, com uma pessoa que esteja infectada. As infecções sexualmente transmissíveis têm como apresentação clínica úlceras, corrimentos vaginal e cervical, vesículas, verrugas. Podem acrescentar ainda adenopatias, dor pélvica crônica e potenciais complicações como abscessos pélvicos e infertilidade.¹ A presença de uma DST serve como fator facilitador para a transmissão sexual do vírus da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS), pois são uma porta de entrada para o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV). As DST, entretanto, são geralmente assintomáticas e, com freqüência, silenciosas; sendo assim, quando ocorrem sintomas dessas doenças, estes podem não despertar suspeita. Dessa forma, aqueles que estão infectados podem inadvertidamente disseminar doença por não saberem de sua condição e ainda quando não diagnosticados e tratados a tempo, podem evoluir para complicações graves e até a morte. Segundo dados de pesquisas divulgados pelo Ministério da Saúde (MS), os mais baixos índices de prevenção contra DSTs se encontram entre 15 e 19 anos.¹ As 24 limitações dos planos de saúde e dos programas preventivos, a que se justapõem fatores tais como o desconhecimento das doenças em geral e dos seus fatores de risco, levam as pessoas a procurarem os serviços de saúde somente quando se tornam sintomáticas.¹ A maioria dos casos de DSTs esta restrita às pessoas sexualmente ativas e recém nascidos ou lactentes de mães contaminadas. As mulheres e crianças geralmente têm sintomas e seqüelas mais severas. Além disso, elas são duas vezes mais vulneráveis de que seus parceiros masculinos após exposição única.¹ Cerca de 40 agentes microbianos diferentes podem ser transmitidos sexualmente, embora apenas uma minoria tenha a transmissão sexual como mecanismo único ou predominante de disseminação, entre elas podemos citar a gonorréia e a tricomoníase.² A incidência das DST vem aumentando nos últimos anos, sendo considerada como um problema de Saúde Pública. Este aumento ocorre em conseqüência das baixas condições socioeconômicas e culturais, falta de uma educação sexual adequada, menor idade de iniciação sexual e baixa escolaridade. A Organização Mundial de Saúde estima que ocorram, no mundo, cerca de 340 milhões de casos de DST por ano. Nessa estimativa não estão incluídos a herpes genital e o HPV.¹. No Brasil o maior número de caso de infecções com transmissão sexual na população sexualmente ativa engloba, em ordem decrescente, Clamídia, Gonorréia e Sífilis, na proporção de: 4.4%; 3.4%; 2.1, respectivamente.¹ 25 O atendimento e o tratamento de DST são gratuitos nos serviços de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS), tendo como principal objetivo interromper a cadeia de transmissão da enfermidade e levar a cura, se possível.² O objetivo do presente estudo foi conhecer a incidência de DSTs na população feminina sexualmente ativa, atendidas no Centro Municipal de Atendimento a Sorologia (CEMAS), da cidade de Santa Cruz do Sul, interior do Rio Grande do Sul, Brasil. METODOLOGIA Trata-se de um estudo observacional do tipo transversal, cuja população alvo foi mulheres sexualmente ativas na faixa etária de 15 a 50 anos, que realizaram consulta ginecológica no CEMAS no período de janeiro a dezembro de 2008. O CEMAS é um serviço de referência no atendimento de sorologias em Santa Cruz do Sul, município do interior do Rio Grande do Sul. Por este motivo foi escolhido para serem coletados os dados secundários, através de 608 prontuários analisados, os quais são padronizados pelo Ministério da Saúde. Foram consideradas mulheres sexualmente ativas aquelas que mantém relações sexuais por pelo menos uma vez ao mês. O trabalho apresenta e discute as DSTs, levando em consideração a idade das pacientes, as DSTs mais prevalentes, cura ou abandono do tratamento, HIV associado, segundo fontes secundárias coletadas no CEMAS. A amostra estudada incluiu mulheres que procuraram o atendimento devido à DSTs no período de 01 de janeiro de 2007 à 31 de dezembro de 2009. Os critérios 26 utilizados para a exclusão foram de mulheres que se encontravam fora da faixa etária pré-estabelecida, as que apresentavam diagnóstico de AIDS, sem outra DST concomitante, e as que retornaram ao serviço somente para acompanhamento. Como o presente estudo foi realizado através da análise dos dados secundários obtidos nos prontuários, não ocorreram perdas e/ou recusas. Os casos de DSTs foram diagnosticados por critério clínico e/ou laboratorial, utilizando-se abordagem sindrômica, ou seja, o conjunto de sinais e sintomas que determinarão as causas para determinada patologia de acordo com os principais agentes etiológicos e quando necessário comprovação laboratorial, testes diagnósticos específicos para cada sorologia definidos no manual de DST do Ministério da Saúde.4 Quando houve necessidade de solicitar exames laboratoriais para o diagnóstico, foram considerados o VDRL (Venereal Disease Research Laboratory) ou FTA (Fluorescent Treponemal Antibody) - ABS (Absorption) para sífilis, método de Gram e cultura para cancro mole, imunoglobulinas anti-IgG e anti-IgM ou cultura para linfogranuloma venéreo, biopsia e hibridização molecular para confirmação de Infecção pelo papilomavírus humano (HPV) e o exame histopatológico, com as colorações pelos métodos de Wright, Giemsa ou Leishman para donovanose. Os resultados foram obtidos através da analise dos dados, classificando as doenças e a faixa etária das portadoras. RESULTADOS E DISCUSSÃO Foram avaliados 608 prontuários de pacientes atendidas no centro de referência em atendimento de DST. Destes, 125 das pacientes atendidas apresentavam como 27 diagnóstico algum tipo de DST, sendo considerados critérios de inclusão o diagnóstico e não a queixa principal. Algumas pacientes apresentavam como queixa principal a suspeita de doença sexualmente transmissível, mas após diagnóstico clínico ou laboratorial a mesma foi descartada. Alguns diagnósticos foram feitos pelo protocolo de abordagem sindrômica do Ministério da Saúde sendo incluídos no tabelamento dos dados o diagnóstico sindrômico baseado na avaliação médica e no tratamento realizado. A figura 1 mostra a taxa de incidência das pacientes com DST’s. A maioria apresentou diagnóstico de infecção por HPV apresentando clinicamente em 46 (36.8%) casos como Condiloma Acuminado e apenas três casos com diagnóstico laboratorial de HPV. Deve-se ressaltar que neste caso apenas foram incluídas mulheres que realizaram a primeira consulta com tal diagnóstico e os casos de recidivas das mesmas, não sendo consideradas os retornos para realizar o tratamento da patologia. Das 16 (12.8%) pacientes que apresentaram diagnóstico de infecção por Clamídia 12 pacientes foram enquadradas neste diagnóstico por abordagem sindrômica e 4 apresentavam o diagnóstico através de Imunofluorescência Indireta. Dentre as pacientes com Vaginites, 4 (3,2%) apresentavam vaginites inespecíficas, 2 (1,6%) apresentavam Candidíase e 4 (3,2%) apresentavam vaginose bacteriana. Esse último dado discorda da realidade provavelmente pela subnotificação, pelo fato de as pacientes tratarem as patologias relacionadas com leucorréia em Unidades Básicas de Saúde, ou realizarem automedicação, além de as mesmas não serem referenciadas a centros de referência pela facilidade de diagnóstico e tratamento. Acreditamos também 28 que as mulheres que realizam o exame preventivo de papanicolau, já tem a sua leucorréia tratada no momento da coleta pelo médico em Unidade Básica. Os números relacionados com Sífilis têm como principal característica em comum o fato de todos os 9 (7.2%) casos as pacientes serem diagnosticadas por exames laboratoriais, não apresentando no prontuário qualquer indicação de apresentarem sinais de sífilis clínica em qualquer dos seus estágios. Os casos de Herpes apresentados demonstraram a recorrência como característica principal não havendo possibilidade de definir a primo infecção nos 7 (5.6%) casos verificados. Chama a atenção a pequena quantidade de diagnósticos de Gonorréia apenas 2 casos (1.6%). Acreditamos que tal dado discorda da literatura de textos livros, pelo fato de não haver indicação de investigação laboratorial para tais eventos. Mas vai ao encontro da pesquisa realizadas pelo Ministério da Saúde que também demonstra um percentual abaixo do esperado, sendo de 3,3% no Brasil e 0,9% em São Paulo. No mesmo estudo uma proporção de 38,8% das pessoas de ambos os sexos que tinham gonorréia estavam co-infectadas por clamídia, sendo a taxa de 70,1% nas mulheres, o que é consistente com a elevada freqüência da infecção mista (sobretudo na mulher) e justifica o tratamento sindrômico e empírico dos corrimentos cervicais e uretrais, abrangendo assim as duas DSTs.5 O diagnóstico sindrômico inclui tratamento imediato para agentes etiológicos mais freqüentes. As infecções mistas ocorrem com freqüência, e o diagnostico sindrômico apresentou excelentes resultados especialmente nos casos de corrimento e úlcera genital, evita-se assim que pacientes curados com o tratamento para uma única 29 causa retornem ao centro médico sintomáticos, ou ainda tornar-se assintomático e continuar disseminando a infecção ou infecções.6 Da mesma forma, pacientes apresentando dor em baixo ventre foram tratadas apenas para infecção por Chlamídia Trachomatis, sendo desconsiderado o diagnóstico de Gonorréia mesmo que no fluxograma de abordagem sindrômica apareça tal conduta.7 Resultando assim em um viés no diagnóstico da infecção por gonorréia. Os demais percentuais dos resultados, estão compatíveis com o estudo realizado em 2008, pelo Ministério da Saúde (MS), em que foram analisada a prevalência de DSTs em populações de 6 capitais brasileiras, sendo que Porto Alegre, capital do Rio grande do Sul obteve valores mais próximos dos obtidos no presente trabalho, realizado em Santa Cruz do Sul, interior mesmo estado. Nesta pesquisa do MS o percentual de infecção por clamídia para as mulheres foi 7,3%, sendo as taxas globais para cada uma das cidades participantes foram: Rio de Janeiro, 15,9%; Porto Alegre, 13,8%; São Paulo, 9,1%; Manaus, 7,8%; Goiânia, 7,6% e Fortaleza, 4,7%, sendo neste trabalho de 12,8%.5 A taxa global da infecção pelo HPV foi 41,2%. Por cidade, a prevalência de HPV foi: Manaus, 61,3%; Fortaleza, 42,9%; Porto Alegre, 38,2%; Goiânia, 34,4% e São Paulo, 33,5%. Sendo neste trabalho de 36,8%.5 Em relação a infecção por Herpes, a taxa global foi de 5,5%, sendo neste trabalho de 5,6%.5 Conforme descrito, nota-se que as taxas do Brasil e principalmente as de Porto Alegre são semelhante ao do centro de referencia utilizado como base de dados para 30 este trabalho. Exceto no caso da infecção por sífilis, onde encontrou-se uma divergência entre os dois estudos. Sendo que a taxa no Brasil foi de 3,4%; Manaus, 4,4%; Fortaleza, 4,1%; Porto Alegre, 4,0%; Goiânia, 1,7% e São Paulo, 2,8%, e neste estudo mostra uma taxa de 7,2%. Este dado pode ser explicado pelo fato da sífilis vir aumentando significativamente entre as mulheres, levando em consideração que os dados do MS foram coletados em 20045, já os deste trabalho em 2009. Entre os anos de 1998 e 2000 os casos de sífilis primária ou secundária dobraram, contribuindo para isto não só a permissividade sexual, como também a disseminação do uso de heroína, maconha, metadona, álcool e, especialmente, cocaína e crack, levando à prostituição por droga.8 Pode-se também inferir que as pacientes não realizaram o devido tratamento, durante a fase primaria pois a lesão, nesta fase, o cancro duro, é autolimitada, desaparecendo espontaneamente, mas não cessando a transmissão da DST. A Figura 2 relaciona as faixas etárias das pacientes com DST. Percebe que os maiores números de diagnósticos foi realizado na faixa etária de 20-29 anos, seguido pela de 30-39 anos, coincidindo também com o maior numero de mulheres sexualmente ativas. Em relação a comorbidade entre DST com o HIV, 65.4% das pacientes eram positivas para esta associação e 34.6% eram negativas. Pelas lesões causadas pelas DSTs há uma porta de entrada para o vírus, tornando as DST cofatores à aquisição e transmissão do HIV, com papel fundamental na dinâmica de transmissão do HIV em todo o mundo.9 31 Assim como o HIV, especificamente quanto à infecção pelo HIV-1, torna as mulheres mais suscetíveis devido a contrair DSTs devido a mudanças hormonais, fisiologia e ecologia da microbiota vaginal. Também se deve consideram que a mulher após ter contraído HIV, passa a tem uma menor preocupação em se prevenir, se expondo, desta forma, a outras infecções.10 Em relação ao tratamento, no presente estudo 49.6% das pacientes tiveram alta curada, 16% não, 28% não constava o dado no prontuário e 6.4% abandonaram o tratamento, levando a não cura e recorrência da infecção, conseqüentemente a possibilidade de disseminação da infecção. Deve-se salientar que um tratamento eficiente envolve cuidados médicos, higiene pessoal, medicação adequada e aconselhamento. Envolve, também, o tratamento rápido e breve das parcerias sexuais, postura que reflete a preocupação com a interrupção da cadeia de transmissão das DST. A Abordagem Sindrômica, citada anteriormente, resume a principal estratégia na atenta abordagem aos portadores de DST, promovendo um fácil acesso ao diagnóstico e ao tratamento, oportuno, por síndromes clínicas. Com exceção das causadas por vírus (aids, HPV e herpes), existe cura para todas DST, se o tratamento for feito adequadamente.¹ Mas os profissionais de saúde são unânimes em apontar a principal causa de falhas na terapia: problemas na adesão. Deve salientar que o tratamento do parceiro é fundamental para a remissão completa da patologia, evitando-se a reinfecção. Acredita-se que a taxa de 16% das pacientes que não tiveram a alta curada, deve-se a um processo multifatorial, que envolve alem do não tratamento do parceiro, se parceiro 32 fixo, múltiplos parceiros sem proteção, não adesão ao tratamento, uso inadequado, interação medicamentosa, uso de álcool concomitante a medicação, o qual diminui sua eficácia.11 Além disso, muitas DST, tornam-se assintomáticas, mesmo com infecção ativa ou então em período de latência, sendo o tratamento interrompido pela própria paciente sem orientação médica. CONCLUSÃO No presente estudo foi verificado que, dentre as DSTs, a infecção por HPV apresentou o maior número de casos no centro de especialidade em 2009, corroborando com a idéia da necessidade de profilaxia da mesma através do códon, diminuição do número de parceiros, o não compartilhamento de objetos íntimos e uso da vacina contra o HPV. Além disso, presencia-se ainda um número considerável de abandono de tratamento sem a confirmação médica de cura, interrogando-se o desfecho da infecção. A gonorréia apresentou um número de casos abaixo do esperado possivelmente pelo fato da mesma ser tratada juntamente com a clamídia. A faixa etária de maior prevalência encontrada foi de 20 a 30 anos. Assim, é necessário enfatizar para a população local a importância do tratamento completo das DSTs para evitar sua disseminação e eventuais complicações. 33 Figura 1. Incidência (%) de DST entre mulheres no centro de referência em Santa Cruz do Sul, RS, Brasil. 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 HPV Clamidia Vaginites Herpes Sifilis Gonerréia Figura 2. Idade das paciente com diagnóstico de DST no centro de referência no ano de 2008. 34 Pacientes 60 50 40 30 Pacientes 20 10 0 < 20 anos 20 - 29 anos 30 - 39 anos 40 - 49 anos > 50 anos Referências bibliográficas: 1. Ministério da Saúde. Dados e pesquisas em DST e Aids. Disponível em <www.aids.gov.br>. 2. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Projetos Especiais de Saúde. Coordenação de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids. Manual de Controle das Doenças Sexualmente Transmissíveis. Brasília. Ministério da Saúde, 1997. 3. Aquette, Stella R.; Vilhena, Marília Mello De; Paula, Mariana Campos de. Doenças sexualmente transmissíveis na adolescência: estudo de fatores de risco. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, Rio de Janeiro, 2004; 3:.210-4. 4. Fernandes S, Antonio G, Bahamondes LG, Cupertino CV. Conhecimento, atitudes e praticas de mulheres brasileiras atendidas pela rede básica de saúde com relação as doenças e transmissão sexual. Cad Saude Publica 2000; 16 Supl 1:103-12. 35 5. Benzaken A, Herlt C, Ribeiro D. Prevalências e freqüências relativas de Doenças Sexualmente Transmissíveis em populações selecionadas de seis capitais brasileiras, 2005. Brasília: Ministério da Saúde, 2008; 1:5-7 6. Manual De Controle Das Doenças Sexualmente Transmissíveis – DST Disponível em: <http://www.aids.gov.br/assistencia/manualcontroledst.pdf> 7. Penna G O, Hajjar L A, Braz Tm. Gonorréia. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. 2000; 33:451-64. 8. Ribeiro As, Souza Fb, Pinto Ss. Triagem para Sífilis: Incidência de. Newslab. 2007;45:142-149. 9. Boily MC, Anderson RM. Human immunodefi ciency virus transmission and the role of other sexually transmitted diseases. Measures of association and study design. Sex Transm Dis. 1996;23(4):312-32. 10. Quinn TC, Overbaugh J. HIV/AIDS in women: an expanding epidemic.Science. 2005;308(5728):1582-3. 11. Beria JU, editor. Ficar transar: a sexualidade do adolescente em tempos da AIDS. Porto Alegre:Tomo Editorial; 1998.p.507. 36 Perfil epidemiológico das crianças atendidas no serviço de Videofluoroscopia da deglutição no Hospital Materno Infantil Presidente Vargas no ano de 2009 Epidemologic profile of children served in the videofluoroscopy swallowing service of the Presidente Vargas Children´s Hospital in 2009. Autores: Patrícia Diniz1 Cláudia Marcuzzo2 Luciana Sá Carneiro3 Samara Fávero3 Thayse Goetze3 1 Fonoaudióloga do Hospital Materno Infantil Presidente Vargas; 2 Enfermeira chefe do serviço de radiologia do Hospital Materno Infantil Presidente Vargas; 3Fonoaudióloga aluna do programa de estágio de aperfeiçoamento profissional em disfagia pediátrica do Hospital Materno Infantil Presidente Vargas. Endereço para contato e correspondência: Patrícia Diniz, Hospital Materno Infantil Presidente Vargas - Setor de Radiologia Av. Independência, 661 – Centro – Porto Alegre/RS e-mail: [email protected] 37 RESUMO A deglutição consiste na efetiva condução do alimento desde a boca até o estômago por meio de fases que se interrelacionam, sendo que qualquer dificuldade que venha a ocorrer em uma das etapas denomina-se disfagia. A Avaliação Videofluoroscópica da Deglutição é um dos métodos mais utilizados para complementar a avaliação clínica da deglutição, visto que possibilita um estudo mais criterioso dessa função. O objetivo foi descrever o perfil epidemiológico da população pediátrica submetido ao exame videofluoroscópico no hospital público de Porto Alegre/RS no ano de 2009. Estudo retrospectivo que investigou achados videofluoroscópicos de 64 crianças submetidas ao estudo da deglutição no período entre agosto e dezembro de 2009. O exame foi conduzido pelo técnico de radiologia e acompanhado pelo fonoaudiólogo, ao qual competia a função de analisar a fisiologia e a fisiopatologia da deglutição. Foram computados os seguintes achados: disfagia, penetração laríngea e aspiração. Foram obtidos resultados de 64 pacientes (64,1% sexo masculino), sendo 90,6% destes diagnosticados com disfagia. Conclui-se alta prevalência de disfagia na população investigada através da Videofluoroscopia, inclusive sinalizando para a ocorrência dessa disfunção em grupos pouco estudados, como em crianças sem fatores de risco e com problemas respiratórios e bebês expostos ao crack e outras drogas. Palavras-chave: Epidemiologia, Fluoroscopia, Transtornos de deglutição, Pediatria, Fonoaudiologia. 38 ABSTRACT The swallowing consists in an effective passing of food since the mouth until the stomach through phases that are integrated, and any difficulty that could occur in one of these phases is called dysphagia. The videofluoroscopic swallow evaluation is one of they most used method to complement the clinic swallowing evaluation, since it allows a more careful study of this function. The aim of this study was to describe the epidemiologic profile of pediatric population that were submitted to the videofluoroscopic exam in a public Hospital located in Porto Alegre \Rio Grande do Sul. The method was a retrospective study that investigated the videofluoroscopic results in 64 children from a period between August and December of 2009. This videofluoroscopic evaluation was made by a radiologist technician and a speech therapist, which who had the job to analyze the anatomy and physiology of swallowing. The results showed the prevalence of dysphagia, laryngeal penetration and aspiration. All these results were obtained from 64 children, and from this number of patients (64,1% were male gender) and 90% had dysphagia. The conclusion was that the prevalence of dysphagia in this population, investigated through videofluoroscopic swallow study, was high; mainly alerting for the occurrence of this swallow dysfunction in groups of children that are rare studied, like the ones without any risk or who have breathing problems and also infants that are exposed to drugs like crack. Keywords: Epidemiology, Fluoroscopy, Deglutition Disorders, Pediatrics, Speech, Language and Hearing Sciences 39 INTRODUÇÃO A deglutição é uma ação motora automática e complexa que envolve músculos da respiração e do trato gastrointestinal1, e consiste na efetiva condução do alimento desde a boca até o estômago por meio de fases (oral preparatória, oral propriamente dita, faríngea e esofágica) que se interrelacionam. Esse ato é comandado por um complexo mecanismo neuromotor, sendo que qualquer dificuldade que venha a ocorrer em uma das etapas supracitadas denomina-se disfagia2,3. A incidência de disfagia em pediatria é pouco conhecida, embora pareça claro que o número de pacientes com essa disfunção está aumentando 4-7 , não somente em função do aumento da taxa de nascimentos prematuros, mas também pela melhor assistência no período neonatal. A prevalência de distúrbios de alimentação na população pediátrica é estimada no intervalo de 25% a 45% em crianças com desenvolvimento tipicamente normal e de 33% a 80% em crianças com distúrbios do desenvolvimento8. Dentre os fatores etiológicos destacam-se prematuridade, paralisia cerebral, traumatismo cranioencefálico, acidente vascular encefálico, alterações anatômicas do trato aerodigestivo (fissura lábio-palatina, fístula traqueoesofágica, laringomalácia, traqueomalácia), condições genéticas (Síndrome de Down, Síndrome Velocardiofacial, Sequencia de Pierre Robin, Síndrome de Moebius) e condições que afetam a coordenação entre sucção, deglutição e respiração (atresia de coanas, laringomalácia, displasia broncopulmonar, doenças cardíacas, doenças respiratórias)8,9. Além disso, estudos recentes descrevem a presença de penetração laríngea e aspiração traqueal silente em uma amostra de bebês e crianças sem aparente fator de risco para disfagia, mas que clinicamente apresentam sintomas 40 respiratórios crônicos não explicados10-13 . Outro estudo descreve o padrão de coordenação entre sucção, deglutição e respiração em bebês expostos a substâncias químicas durante a gestação, avaliados no terceiro dia de vida e com um mês de idade14. Esses autores verificam que aos 30 dias de vida os bebês expostos apresentam o mesmo padrão de alimentação do grupo controle, sendo evidentes as diferenças apenas nos primeiros dias de vida. A dificuldade de deglutição pode se constituir em risco para a sobrevivência e para o desenvolvimento do recém-nascido (RN) no período neonatal15. Na população pediátrica, a disfunção na alimentação e na deglutição acarreta um risco aumentado para desenvolver doenças pulmonares crônicas induzidas por aspiração, desnutrição, problemas no desenvolvimento neurológico e interações estressantes entre criança e alimentador durante a alimentação8,12. A Avaliação Videofluoroscópica da Deglutição - também conhecida como estudo dinâmico da deglutição - é um dos métodos mais utilizados para complementar a avaliação clínica da deglutição, uma vez que avalia determinando a natureza e a extensão da disfagia orofaríngea; bem como propicia a execução de manobras e estratégias terapêuticas que proporcionarão uma alimentação segura por via oral16,17. Visto a inexistência de estudos que descrevam o perfil epidemiológico de pacientes pediátricos com avaliação dinâmica da deglutição, o presente estudo tem como objetivo descrever o perfil epidemiológico da população pediátrica submetido ao exame videofluoroscópico em um hospital público de Porto Alegre/RS no ano de 2009. METODOLOGIA 41 Este é um estudo retrospectivo que investigou os achados videofluoroscópicos de 64 crianças submetidas a esse exame no período entre agosto e dezembro de 2009, no Hospital Materno Infantil Presidente Vargas, de Porto Alegre/RS. Para a realização dos exames - que foram digitalizados e posteriormente gravados em CD utilizou-se o equipamento da marca Simens, modelo Axiom Iconos R100. O exame foi conduzido pelo técnico de radiologia e acompanhado pelo fonoaudiólogo, ao qual competia a função de analisar a fisiologia e a fisiopatologia da deglutição. Para esse estudo foram computados os seguintes achados: disfagia3, penetração laríngea e espiração12. Além disso, durante a realização dos exames, havia um radiologista a disposição caso houvesse necessidade de análise anatômica ou definição de diagnóstico. Em um primeiro momento, uma entrevista baseada em um protocolo previamente validado18, foi respondida pelos pais ou responsáveis da criança. Esse primeiro contato visou identificar o motivo da solicitação do exame, a etiologia de base da criança, os sinais e sintomas que a criança apresentava, bem como seus hábitos alimentares e os utensílios utilizados na alimentação diária. A partir desses dados, eram selecionados os alimentos a serem utilizados no exame, que variam conforme o padrão de deglutição, a faixa etária e a preferência alimentar da criança. Para tanto, no momento da marcação do exame, os pais já recebiam orientação em relação aos alimentos que deveria ser levados no dia da execução do exame. As consistências que fizeram parte da avaliação foram: líquido, líquido espessado, líquido bem espessado, pastoso e sólido. Essas foram preparadas e 42 misturadas com sulfato de bário (100% da marca Bariogel) e, em seguida, foram administradas conforme a faixa etária da criança, hábitos alimentares e indicação terapêutica16. As crianças que já se alimentavam por via oral receberam os alimentos do próprio cuidador. O fonoaudiólogo alimentou apenas as crianças que, no momento do exame, encontravam-se recebendo alimentação 100% por tubo de alimentação. Os utensílios utilizados para oferta do líquido foram mamadeira, copo ou canudo e, para a oferta do alimento em outras consistências foram utilizadas colher de metal ou colher de silicone, de acordo com o que a criança utilizava em casa. Durante o exame, poderia ocorrer a mudança de utensílio ou de bico de mamadeira, a fim de aumentar a eficiência e segurança da alimentação. Para condução e avaliação dos achados radiológicos foi utilizado um protocolo previamente descrito18. Durante a execução do exame, as crianças permaneceram sentadas para simular a posição usual de alimentação, sendo que as mesmas variaram de ângulo semi-reclinado (para bebês) até a posição sentada e reta - para crianças. As crianças que utilizavam cadeira adaptada, no momento da marcação do exame foram orientadas para levá-la no dia da realização do exame, e foram alimentadas nela. RESULTADOS Foram obtidos resultados de 64 pacientes (64,1% sexo masculino), que realizaram a Videofluoroscopia da Deglutição. Constatou-se que a média de idade dos pacientes foi de um ano e seis meses, sendo a mínima de 29 dias e a máxima de 12 anos. Verificou-se que 57,8% dos pacientes avaliados são provenientes da cidade de Porto Alegre e o restante do interior do Rio Grande do Sul. Em relação ao local de 43 encaminhamento, 90,6% dos pacientes foram encaminhados pelo próprio hospital, tanto do setor de internação (45,3%) quanto do setor ambulatorial (54,7%). A principal via de alimentação utilizada pelos pacientes foi a via oral (VO) com a percentagem de 79,7%, e a via de alimentação alternativa (sonda) esteve presente em 15,6% dos casos. A forma de alimentação VO associada a via de alimentação alternativa foi encontrada em 4,7% da população estudada. A especialidade médica que mais solicitou a videofluoroscopia foi a pediatria, responsável por 59,4% dos encaminhamentos, seguida da gastropediatra (23,4%). Os demais especialistas foram responsáveis por índices inferiores à 10%, sendo eles pneumopediatra (7,8%) e fonoaudiólogo (9,4%). De acordo com a etiologia dos pacientes avaliados, 37,5% não apresentavam fatores de risco para disfagia no momento do exame, 32,8% dos pacientes possuíam diagnóstico de Paralisia Cerebral, 21,9% prematuridade e 7,8% foram crianças expostas a substâncias químicas durante a gestação. Dentre as razões para a solicitação do exame, a suspeita de aspiração foi o motivo para 57,8% dos pacientes, seguida de dificuldade de deglutição (23,4%), dificuldade na mamada (4,7%); dificuldade de ganhar peso e dificuldade de mastigação seguem a mesma percentagem de 3,1%. Os 1,6% restantes estavam relacionados com monitoramento da deglutição e vômitos freqüentes. No presente estudo, encontrou-se 1,6% de neonatos, 76,6% de lactentes e 21,9% de crianças, conforme a classificação da Sociedade Brasileira de Pediatria19 que 44 divide as faixas etárias em neonatos (até 28 dias de vida), lactentes (de 29 dias até 24 meses de vida) e crianças (acima de 24 meses de vida). Com relação aos resultados obtidos por meio do exame de videofluoroscopia, 90,6% dos pacientes foram diagnosticados com disfagia e 9,4% apresentaram padrão de deglutição normal. Dos 77,6% dos pacientes lactentes diagnosticados com disfagia, 42,2% não apresentavam fator de risco para disfagia, 28,8% foram prematuros, 17,7% eram portadores de Paralisia Cerebral e 11,3% foram expostos a substâncias químicas durante a gestação. Dentre as crianças (21,9%) com disfagia, 92,3% eram portadoras de Paralisia Cerebral e 7,6% tinham ausência de fator de risco para disfagia. DISCUSSÃO Foi observada a presença de disfagia orofaríngea em 90,6% da população estudada - valor bastante elevado, considerando-se a morbi-mortalidade associada à disfagia. Desses, 65,5% dos pacientes apresentavam algum fator de risco compatível com diagnóstico de disfagia, o que corrobora com a literatura que evidencia que a prevalência de distúrbios relacionados a deglutição estão presente em 33% a 80% das crianças com distúrbios do desenvolvimento8. Constatou-se, nessa pesquisa, a relação de pacientes com paralisia cerebral e disfagia em 34,5% da amostra, o que está de acordo com a literatura que descreve que distúrbios de deglutição ocorrem frequentemente em pacientes com paralisia cerebral e 45 comprometimento neurológico. A prevalência de problemas de alimentação em crianças com hemiplegia, diplegia e quadriplegia varia de 25% a 75%, sendo que as crianças com quadriplegia espástica apresentam maior prevalência de disfagia quando comparados as demais13, 20-23. Em relação a prematuridade, foram encontrados 22,4% de pacientes com disfagia. Verificou-se em estudos que aproximadamente 37% a 40% das crianças com problema de alimentação e deglutição nasceram prematuramente4-6, 24, 25 . O índice inferior encontrado no presente trabalho pode ser justificado pelo fato de as crianças com prematuridade estudadas não apresentarem nenhum distúrbio neurológico, diferente das demais investigações, nas quais a prematuridade esteve sempre associada a problemas neurológicos. De acordo com a literatura, pacientes prematuros apresentam além das dificuldades relacionadas aos mecanismos de sucção e deglutição, dificuldades na transição alimentar - que deve ocorrer durante o primeiro ano de vida26. Neste estudo averiguo-se 37,5% de pacientes sem presença de fator etiológico que justificasse a disfagia e que apresentavam problemas respiratórios de origens desconhecidas. Nos resultados da presente investigação foi encontrado um número maior de pacientes com disfagia do que até então é relatado na literatura10-13. Essa diferença se deve ao fato de que os médicos do local onde a pesquisa foi realizada consideram a disfagia como diagnóstico diferencial dessa população sendo, então, frequente o encaminhamento dessas crianças ao estudo de deglutição. 46 Outro dado relevante e novo é a presença de disfagia orofaríngea em bebês expostos intra-útero ao crack associado a outras substâncias químicas, que foi encontrada em 100% dos pacientes estudados. Esses dados não concordam com estudo encontrado na literatura sobre esse assunto, o qual descreve que bebês expostos à cocaína e opióide durante a gestação possuem uma alimentação menos eficiente durante os primeiros dias de vida, porém com melhora ao longo do desenvolvimento14. Também não concorda com um estudo recente que avalia somente de forma clinica a sucção (e não todo o processo da deglutição) descrevendo que esta exposição não é associada à problemas de sucção ou alimentação27. O número elevado de diagnósticos de disfagia na população de bebês expostos estudada pode ser explicado por dois fatores. O primeiro refere-se ao tipo de avaliação utilizada, uma vez que, nos estudos já publicados, é realizada apenas avaliação clínica da sucção, o que - de acordo com a literatura - é importante para a análise de diversos parâmetros. No entanto, a capacidade de detectar aspiração por meio desse tipo de investigação é baixa, visto que esses pacientes apresentam grande índice de aspiração silente6,10,12. Já, nesta análise foi realizado o estudo videofluoroscópico, que é classificado como avaliação instrumental da deglutição e, sendo assim, uma medida capaz de investigar o processo da deglutição em todas as suas fases de forma objetiva e, portanto, diagnosticando além dos parâmetros de sucção, todo o processo fisiológico e fisiopatológico da deglutição - incluindo aspiração. O segundo fator diz respeito ao tipo de droga utilizada pois, enquanto nos estudos publicados os bebês foram expostos a cocaína e opióide, no presente trabalho todos foram expostos a cocaína na forma de 47 crack associado a outras substâncias químicas, o que pode gerar um padrão alterado de deglutição. Esses dados apontam para a necessidade de estudos prospectivos avaliando essas populações. No entanto, esses números servem de alerta aos profissionais envolvidos no manejo da criança, que devem estar atentos para o fato de que a disfagia orofaríngea deve ser considerada no diagnóstico diferencial tanto de crianças que apresentam inexplicáveis problemas respiratórios - mesmo que sejam sem aparentes fatores de risco para disfagia – quanto de crianças expostas a substâncias químicas durante o período gestacional. CONCLUSÃO Esse artigo descreve os resultados de uma ferramenta diagnóstica considerada padrão ouro para avaliação da disfagia orofaríngea, no entanto ainda pouco utilizada nos serviços do Sistema Único de Saúde. No local da pesquisa a videofluoroscopia da deglutição foi implantado a cerca de 24 meses, sendo um dos poucos locais a realizar este procedimento no estado e a incluir o profissional fonoaudiólogo na equipe que executa o exame. Importante salientar que a presença do fonoaudiólogo é fundamental na realização do exame, pois este profissional é responsável não só pelo diagnóstico funcional da deglutição, mas também na definição das estratégias terapêuticas usadas durante o exame, visando a segurança e a eficácia da alimentação, bem como a diminuição dos padrões disfágicos. 48 Esse estudo mostra a alta prevalência de disfagia orofaríngea na população investigada através de videofluoroscopia, inclusive sinalizando para a ocorrência dessa disfunção, em grupos pouco estudados (bebês sem fator de risco para disfagia e com problemas respiratórios e bebês expostos ao crack), além dos grupos com algum fator de risco. Esses dados tornam-se relevantes a medida que a precoce identificação e manejo da disfagia faz-se necessária para diminuir o impacto da morbidades associadas a esse distúrbio. A pesquisa mostrou que a maioria dos pacientes encaminhados para o exame foram oriundos do próprio hospital, sendo somente 9,4% provenientes da rede básica. Esse dado mostra a necessidade de capacitação para os profissionais da rede básica de saúde envolvidos no manejo da criança, a fim de que possam fazer os corretos encaminhamentos para avaliação da deglutição, com o intuito de identificar precocemente a disfagia e, assim, contribuir para um tratamento adequado com diminuição das consequencias desse distúrbio e proporcionar uma melhor qualidade de vida para a criança e para a família. Referências bibliográficas: 1. Douglas CR. Tratado de fisiologia aplicado as clínicas da saúde. São Paulo. Roca; 1998. 2. Marchesan IQ. O que se considera normal na deglutição. In: Jacobi J, Levy DS, Silva LMC. Disfagia: avaliação e tratamento. Rio de Janeiro: Revinter; 2003. p. 3-17. 49 3. Arvedson JC. Assessment of pediatric dysphagia and Feeding disorders: clinical and instrumental approaches. Dev Disabil Ver. Developmental Disabilities Research Reviews. 2008; 14: 118 – 127. 4. Burklow KA, Phelps AN, Schultz JR, et al. Classifying complex pediatric feeding disorders. J Pediatr Gastroenterol Nutr 1988; 27: 142–147. 5. Hawdon JM, Beauregard N, Slattery J, et al. Identification of neonates at risk of developing feeding problems in infancy. Dev Med Child Neurol. 2000; 42:235–239. 6. Newman LA, Keckley C, Petersen MC, et al. Swallowing function and medical diagnoses in infants suspected of dysphagia. Pediatrics. 2001; 108:E106. 7. Ancel PY, Livinec F, Larroque B, et al. Cerebral palsy among very preterm children in relation to gestational age and neonatal ultrasound abnormalities: the EPIPAGE cohort study. Pediatrics. 2006 117:828–835. 8. Lefton-Greif MA. Pediatric Dysphagia. Phys Med Rehabil Clin N Am 19. 2008; 837851. 9. Arvedson J, Rogers B. Swallowing and feeding in the pediatric patient. In: Perlman Al, Schulze-Delrieu K. Apud: Deglutition and its Disorders: Anatomy, Physiology, Clinical Diagnosis and Management. San Diego, CA: Singular Publishing Group, 1997. 10. Sheikh S et al. Chronic Aspiration Without Gastroesophageal Reflux as a Cause of Chronic Respiratory Symptoms in Neurologically Normal Infants. Clinical Investigations, CHEST / 120 / 4 / OCTOBER, 2001. 50 11. Rempel GR, Borton BL, Kumar R. Aspiration During Swallowing in Typically Developing Children of the First Nations and Inuit in Canada. Pediatric Pulmonology 2006; 41:912–915. 12. Lefton-Greif MA, Carroll JL, Loughlin GM. Long-Term Follow-Up of Oropharyngeal Dysphagia in Children Without Apparent Risk Factors. Pediatric Pulmonology 2006; 41:1040–1048. 13. Mercado-Deane MG, Burton EM, Harlow SA, et al. Swallowing dysfunction in infants less than 1 year of age. Pediatr Radiol (2001) 31: 423-428. 14. Gewolb IH, Fishman D, Qureshi MA, Vice FL. Coordination of suck-swallowrespiration in infants born to mothers with drug-abuse problems. 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Endereço para correspondência: Danilo Blank, Rua Gen. Jacinto Osório 150/201 - Porto Alegre, RS Tel: 3019-0092; Fax: 3331-7435 E-mail: [email protected] 54 RESUMO Objetivo: Atualização de conhecimentos sobre monitoração do crescimento do lactente nascido a termo. Fontes dos dados: Revisão quase-sistemática de MEDLINE, SciELO e Google Scholar, com os termos growth, infant, growthcharts, catch-up growth, failure to thrive; revisão não-sistemática de listas de referências. Síntese dos dados: Políticas de acompanhamento do crescimento baseiam-se na opinião geral, não fundamentada em evidências científicas, de que é um procedimento clínico benéfico. Deve associar pragmatismo e precisão. Gráficos mantidos pelos pais melhoram a compreensão do processo e facilitam o acesso às informações. O diagnóstico da insuficiência de crescimento baseia-se em parâmetros antropométricos. Crescimento de recuperação inclui toda situação em que há correlação inversa entre uma determinada altura e o crescimento subseqüente; tem um efeito positivo de curto prazo na redução da morbimortalidade, particularmente nos países pobres. Os Padrões de Crescimento Infantil da OMS retratam o crescimento de crianças sob condições ambientais ótimas e podem ser utilizados para avaliar crianças de qualquer lugar, etnia e condição socioambiental. O escore z descreve melhor o estado nutricional tanto no âmbito individual quanto populacional. Ainda hoje não há um consenso sobre os limites da normalidade para a oscilação da velocidade de crescimento dos lactentes. 55 Conclusões: A monitoração do crescimento continuará sendo um componente relevante dos cuidados de saúde, porque promove a educação e porque quase todo problema corporal, interpessoal ou social pode afetar o desenvolvimento físico. A curva de crescimento fornece só uma parte das informações, que precisa ser sempre analisada em comparação com outros dados, como doenças, padrão de crescimento familiar e hábitos alimentares. Palavras-chave (Termos DeCS): crescimento e desenvolvimento; antropometria; alterações do peso corporal; ganho de peso; perda de peso; peso-idade; insuficiência de crescimento. ABSTRACT Objective: Knowledge update on growth of infants that were born at term, and its monitoring. Sources of data: Quasi-systematic review of MEDLINE, SciELO and Google Scholar databases, using combinations of the terms growth, infant, growthcharts, catch-up growth, failure to thrive; and non-systematic review od reference lists of articles, book chapters and classic articles. Summary of the findings: Growth monitoring policies stem from the general nonevidence-based opinion that it is a beneficial clinical procedure. It must join pragmatism and precision. Growthcharts kept by the parents improve comprehension of the process and facilitate access to information. The diagnosis of failure to thrive is based upon anthropometric 56 parameters. Catch-up growth includes any situation in which there is an inverse correlation between a certain height and growth that follows; it has a positive effect in reducing morbidity and mortality in the short term, particularly in poor countries. The WHO Child Growth Standards depict childhood growth under optimal environmental conditions and can be used to assess children everywhere, of any ethnicity, and socioenvironmental condition. The z-score best describes nutritional status at the individual and populacional level. There is not yet a consensus on the normality limits of the shifting of growth velocity in infants. Conclusions: Growth monitoring will go on as a relevant component of health care, because it promotes education and because every corporal, interpersonal or social problem can affect physical development. The growthchart gives only part of the information, which must always be analyzed in comparison with other data, such as diseases, family growth pattern, and feeding habits. Key words (MeSH terms): growth and development; anthropometry; body weight changes; weight gain; weight loss; weight by age; failure to thrive. INTRODUÇÃO A Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou, em abril de 2006, os Padrões de Crescimento Infantil da OMS1, resultado de mais de dez anos de trabalho do WHO Multicentre Growth Reference Study2. Trata-se (alegadamente) das primeiras curvaspadrão de crescimento com um enfoque prescritivo, isto é, em vez de serem uma referência que retrata como crianças presumivelmente saudáveis crescem num momento e local específicos, propõem-se descrever como as crianças devem crescer3. 57 Com isso voltam à cena questões controversas e persistentes sobre o acompanhamento e a promoção do crescimento de crianças: quando e como pesá-las e medi-las; como caracterizar os desvios da normalidade; quais as referências mais adequadas e de que maneira comparar o crescimento de indivíduos ou grupos com elas4-10. Este ensaio visa a atualizar os conhecimentos nesse campo de estudos, sob a ótica da prática clínica, e colocar num contexto presente as velhas controvérsias, em busca de sínteses. O foco principal é o lactente basicamente saudável, com perfil similar aos sujeitos da amostra dos Padrões de Crescimento Infantil da OMS11. PESAR E MEDIR BEBÊS: VALE A PENA? No campo da puericultura, reza a tradição que se pesem religiosamente as crianças no primeiro ano de vida e que se plotem os dados nos gráficos devidos4,12-16. A pesagem costuma ser feita até porque as mães − por mera ansiedade ou falta de orientação − o exigem, ainda que nem sempre os profissionais saúde se lembrem de que medida antropométrica não plotada vale menos do que se não tiver sido aferida e, logo, as medidas com freqüência são simplesmente anotadas na carteira de saúde17. Nestes tempos de medicina apoiada em provas científicas, tende a adquirir força de consenso recomendar para realização no âmbito do atendimento primário somente aqueles procedimentos clínicos preventivos − entre triagem, orientação e medicação − cuja efetividade tenha sido constatada mediante critérios rígidos e padronizados, por uma das organizações de expertos em gerar as chamadas diretrizes baseadas em evidências, dentre as quais a tradicional U.S. Preventive Services Task Force 58 (USPSTF) é considerada o padrão-ouro. Suas recomendações se apóiam não só nas melhores evidências científicas, publicadas ou listadas pelo menos nos bancos de dados MEDLINE e Biblioteca Cochrane, mas também em considerações de custobenefício, priorização de recursos, fatores logísticos, aspectos éticos e legais, assim como nas expectativas das comunidades18. A USPSTF não avaliou especificamente a monitoração do crescimento de lactentes, fazendo apenas uma recomendação genérica de que entre os procedimentos clínicos aplicados à população geral se incluam medidas periódicas da estatura e do peso, como teste de triagem da obesidade, mas conclui que, embora exista correlação positiva comprovada entre o índice de massa corporal em escolares e o risco de doenças cardiovasculares, não há evidências suficientes para recomendar ou contraindicar a triagem rotineira de obesidade em crianças e adolescentes, como meio de prevenir desfechos adversos na saúde19. Outras diretrizes para procedimentos clínicos abstêm-se de recomendações específicas (incluindo a monitoração do crescimento entre os serviços clínicos preventivos sem provas de efetividade para permitir conclusões sobre benefício líquido em termos de prevenção de morbimortalidade20) ou simplesmente preconizam o registro do peso e da estatura em todas as consultas, com base em consenso de especialistas 21,22. Garner e colaboradores publicaram a única revisão sistemática que avaliou os efeitos da monitoração regular do crescimento de crianças, medindo como desfechos as suas medidas antropométricas, encaminhamentos para atendimento especializado, 59 doenças, além de conhecimento, satisfação e ansiedade maternas23. Apenas dois estudos preencheram os critérios de inclusão; neles os autores verificaram que o único impacto da monitorização do crescimento foi um discreto aumento do conhecimento das mães sobre os gráficos de crescimento. Concluíram que as políticas correntes de acompanhamento regular do crescimento, com a devida plotagem das medidas em gráficos, baseiam-se na opinião geral − não fundamentada em evidências científicas − de que tal procedimento clínico teria efeitos benéficos à saúde e não causaria danos. Tais conclusões são corroboradas por estudos mais recentes, como o de Ross e English, que, avaliando bebês com peso de nascimento acima de 2500 g, encontraram pequeno impacto da monitoração universal do crescimento como teste de triagem ou método de educação e sugeriram que uma abordagem mais pragmática e seletiva aumentaria o tempo disponível para intervenções com melhores evidências de benefício10. Os autores que admitem que o acompanhamento seriado das medidas antropométricas deve ser mantido, seja com base na percepção de seus benefícios como indicador de saúde15 ou mesmo como prática ritual5,24, enfatizam que é essencial que se associem pragmatismo e precisão, incluindo os seguintes cuidados 4,7,25 : registrar corretamente o peso de nascimento, relacionado à idade gestacional; concentrar a atenção na monitorização do peso, pelo menos aos 2, 3, 4 e 8 meses; lembrar que bebês que estão crescendo normalmente não devem ser pesados mais do que quinzenalmente até os seis meses e não mais do que mensalmente a partir de 60 então, pois isso pode simplesmente aumentar a ansiedade; pesar os bebês sem roupa e em condições ambientais constantes; registrar os dados sempre no gráfico apropriado (e houver alguma dúvida sobre a velocidade de crescimento, utilizar um dos métodos condicionais de monitoração26,27); lembrar que a monitoração do crescimento não é um teste de triagem que precise ter 100% de cobertura e critérios de passar ou falhar; calibrar balanças regularmente; revisar a técnica dos profissionais de saúde que realizam os procedimentos; educar permanentemente a equipe quanto aos princípios do crescimento no primeiro ano de vida; encaminhar para avaliação clínica completa bebês com indicação de doença. De acordo com o chamado Consenso de Coventry, fórum de expertos de onde foram adaptadas algumas dessas recomendações, não há embasamento científico para a monitoração de rotina do comprimento de lactentes, de modo que fazê-la é uma decisão clínica a critério do pediatra, respeitando a questão da satisfação familiar7. Vale ressaltar, contudo, que recomendações dessa natureza, que enfatizam a precisão das aferições e flexibilidade dos protocolos com base científica28, têm sido criticadas por alguns especialistas, que alegam que políticas de saúde governamentais estariam causando conflitos de interesse29. Por outro lado, é uma idéia de consenso que, sempre que a monitoração do crescimento for feita, um gráfico deve ser mantido pelos pais em casa, porque melhora a compreensão do processo e facilita o acesso às informações nas ocasiões em que a criança seja atendida por qualquer profissional4,30. Nesse caso, a opinião dos especialistas é que o gráfico não contenha muitas linhas de referência, bastando dois limites extremos (a sugestão usual é que sejam utilizados dois escores z acima e abaixo da média), que configurariam o que se convencionou chamar de “caminho da 61 saúde”31. No Brasil, o Cartão da Criança adotado oficialmente pelo Ministério da Saúde, para esse fim32, apresenta um gráfico de peso para a idade com quatro curvas de percentil: o 97º e o 3º (correspondendo aproximadamente a ± 2 escores z), que constituem os limites preconizados pelos especialistas, acompanhados do 10º e do 0,1º. Esses dois últimos são considerados problemáticos, pois o 10º percentil é muito alto para ser um ponto de corte de alerta nutricional, gerando um número excessivo de falso-positivos, enquanto o 0,1º, ao contrário, dá chance a uma quantidade perigosa de falso-negativos33. CONCEITOS CARENTES DE FOCO: FAILURE TO THRIVE, CATCH UP, CATCH DOWN... Textos brasileiros costumam utilizar termos em inglês, importados sem tradução, para designar dois conceitos fundamentais para quem estuda a monitoração do crescimento, sobre cuja definição ainda não existe consenso: failure to thrive e catch up. Há referências ainda no século retrasado a crianças que “fracassavam em prosperar", descrevendo um estado multicausal de desmedrança, com fortes componentes nutricionais, mas o termo failure to thrive (listado no DeCS - Descritores em Ciências da Saúde como insuficiência de crescimento) só surgiu em 1933, no livro The Diseases of Infancy and Childhood, de L. Emmett Holt34. Nos anos sessenta, houve uma ênfase nos aspectos não-orgânicos, pelo que a referida condição clínica passou a ser chamada de “síndrome da privação materna” e, embora seja hoje aceito que se trata de um distúrbio predominantemente nutricional, cujo diagnóstico deva ser 62 baseado em parâmetros antropométricos ─ tanto que foi reclassificado no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da American Psychiatric Association de “distúrbio reativo do apego” para “transtorno de alimentação da primeira infância”35 ─, implicações com a noção de privação física e emocional ainda persistem28. Olsen publicou um estudo de revisão descrevendo as tendências correntes quanto à definição e critérios diagnósticos específicos de insuficiência de crescimento e encontrou definições predominantemente em torno da idéia de crescimento inadequado, sendo consenso que deve ser caracterizada apenas com parâmetros antropométricos36. Dentre 17 critérios diagnósticos utilizados, apresentou prevalência discretamente maior a queda no índice peso para altura, com ponto de corte no 5° percentil. Numa avaliação subseqüente, a mesma autora testou a sensibilidade e o valor preditivo desses critérios diagnósticos e constatou que a maior parte dos critérios únicos identificavam menos da metade dos casos ou geravam muitos falso-positivos; o valor preditivo variou de 1 a 58%37. Duas propostas surgiram nos últimos anos para facilitar o diagnóstico de insuficiência de crescimento, ambas baseadas no acompanhamento do peso em gráficos de referência condicional, que permitem que uma determinada medida seja ajustada (condicionada) para um terceiro fator além do sexo e da idade17. Cole associou o formato inovador de gráfico criado por Sorva e colaboradores38 (que coloca a idade na abscissa, como nos gráficos tradicionais, contra escores z de peso na ordenada, proporcionando uma visão clara das mudanças relativas do peso ao longo do tempo) com o índice de crescimento de Wright14 (que expressa a discrepância entre o escore z de peso atingido por uma determinada criança e o escore z previsto, 63 baseando-se na correlação com um escore z de peso previamente aferido), criando um gráfico que apresenta os escores z de ganho de peso para quaisquer pares de idade entre 4 semanas e 2 anos, com ajuste para a regressão à média26. O fenômeno estatístico da regressão à média, que expressa a tendência de medidas biológicas de indivíduos colocados em extremos de uma determinada distribuição a moverem-se para o centro em direção à média, dando lugar a indivíduos cujas medidas estejam se movendo na direção oposta14,17, explica a grande variabilidade com que lactentes normais cruzam para cima e para baixo as faixas de percentil dos gráficos de crescimento e sua magnitude precisa ser controlada para que se possa aquilatar o quão significativos podem ser tais cruzamentos. A magnitude da regressão à média, que depende do quanto se correlacionam duas medidas de peso em idades distintas, pode ser calculada por meio do índice de crescimento de Wright, de modo que é possível construir um gráfico com ajuste para a regressão à média. O gráfico proposto por Cole coloca os escores z de peso na ordenada e as idades na abscissa e as medidas de peso são plotadas diretamente com o auxílio de isoponds, que são linhas de contorno de peso constante superpostas no gráfico. A segunda proposta, de Wright e colaboradores, é de um gráfico de referência condicional também baseado no seu índice de crescimento, mas que coloca o peso na ordenada, como nos gráficos tradicionais, facilitando muito sua compreensão e uso por qualquer profissional de saúde27. Para tanto, desenharam faixas assimétricas cujos limites correspondem ao intervalo de confiança de 95% para a variação esperada no peso segundo a regressão 64 à média; assim, qualquer criança cuja linha de peso cruzar para baixo duas dessas faixas a partir de uma posição basal, se encontra entre aqueles 5% com menor velocidade de ganho de peso, sugerindo um grau moderado de insuficiência de crescimento. Catch-up é uma expressão em inglês que quer dizer recuperar algo atrasado ou perdido39. Foi aplicada pela primeira vez no estudo do crescimento em 1963, num artigo clássico de Prader, Tanner e von Harnack, que descrevia o processo de recuperação pondero-estatural de crianças depois de um período de doença ou carência alimentar40. Lançavam a teoria de um princípio regulador central, que, em caso de dissociação entre uma certa altura-alvo e a altura real em cada idade, liberaria fatores humorais que estimulariam o crescimento. Esse fenômeno, de mecanismos ainda controversos, denominado crescimento de recuperação ou compensatório ─ ou catch-up growth ─ se caracteriza por velocidade de crescimento acima do limite para a idade por um período mínimo de um ano, podendo ser completo ou incompleto41. Para alguns autores, o ritmo acelerado de ganho pondero-estatural que segue o retardo de crescimento intra-uterino, embora seja usualmente chamado de catch-up, não preenche todos os critérios para tal classificação42. Há uma tendência atual de enquadrar como crescimento de recuperação toda situação em que ocorra uma correlação inversa entre uma determinada altura e o crescimento subseqüente, como se fosse sempre uma questão de seguir o fenômeno da regressão à média43. Assim, um lactente que tenha nascido grande e cuja curva de peso naturalmente cruze para baixo as faixas de percentil ou escore z, ou seja, recupere o seu canal de crescimento, também pode ser visto como expressão de 65 catch-up. Logo, considerando que o advérbio up tem uma função intensificadora da noção de recuperação, sem relação com sentidos de subir ou descer, o uso da expressão catch-down, que tem sido freqüente, não é apropriado e deveria ser preterido pelo termo lag-down, mais ilustrativo44. Uma questão bem atual e polêmica relativa ao fenômeno de catch-up, que merece destaque, é a das origens infantis das doenças cardiovasculares. Barker foi um dos primeiros a descrever a relação entre baixo peso ao nascer e o risco aumentado de doença coronariana, diabete tipo 2, hipertensão e síndrome metabólica na idade adulta45, mas suas recomendações cautelosas sempre foram de promover a saúde fetal46. Publicações subseqüentes, baseadas em estudos com animais, sugeriram que a aceleração do crescimento na infância, mais do que o baixo peso ao nascer ─ ou seja, o catch-up ─, poderia programar a biologia vascular associada à aterosclerose47. Uma revisão recente da literatura encontrou dez estudos mostrando que bebês que crescem mais rápido têm um risco relativo de desenvolver obesidade da ordem de 1,2 até 5,748, o que gerou especulações sobre os riscos e benefícios de estratégias precoces de prevenção da obesidade. Outro estudo recente, original, sobre os efeitos da alimentação do lactente e de características maternas pré-natais (tais como sobrepeso, uso de tabaco e fatores étnicos) nos processos dinâmicos que conduzem ao desenvolvimento da obesidade infantil concluiu pela possibilidade de estratégias preventivas dirigidas precocemente a evitar o estabelecimento de um padrão não saudável de peso49. Em resposta à divulgação desses achados, vários expertos chamaram a atenção para o fato de que as provas de que o tamanho ou a velocidade de ganho de peso de lactentes possa ter valor preditivo confiável de obesidade futura 66 ainda são fracas, que mesmo uma intervenção altamente efetiva na infância teria impacto numa minoria de adultos, com efeitos sensíveis somente depois de trinta anos, e que seria temerário interferir na natureza ou hábitos alimentares arraigados sem evidências seguras de a que limitação da ingestão de alimentos possa ter mais vantagens do que desvantagens50,51. Por outro lado, Victora ressaltou que o crescimento de recuperação tem um efeito positivo de curto prazo na redução da morbimortalidade geral, particularmente nos países em desenvolvimento, e que, até que o impacto real do catch-up na saúde seja mais bem compreendido, parece razoável continuar a promoção do crescimento de lactentes sem restrições52. O próprio David Barker, em artigo recente, lembra que ainda não sabemos se a causa do maior risco de doença coronariana em adultos que tiveram baixo peso ao nascer é a persistência de mais massa gorda até a idade adulta, efeitos deletérios próprios do crescimento de recuperação ou um rearranjo intra-uterino de eixos endócrinos de controle do crescimento53. Mantendo a controvérsia, cita um estudo de coorte que mostrou que a chance de eventos coronarianos e resistência à insulina na vida adulta é maior em pessoas que nasceram pequenas, permaneceram magras até os dois anos de idade e sofreram aumento rápido da massa corporal a partir de então, não havendo evidências de a promoção do crescimento precoce por meio de alta ingestão de nutrientes nos primeiros meses tenha efeitos adversos na saúde cardiovascular54. 67 SUCESSÃO DE REFERÊNCIAS: CDC/WHO, SANTO ANDRÉ, UK 90, CDC/USA 2000 OU WHO 2006? Essa profusão de siglas (e dos bancos de dados e gráficos que elas representam), que têm prejudicado a comparação de informações sobre o crescimento de crianças no âmbito internacional e, sobretudo, têm confundido a cabeça dos profissionais de saúde, referem-se a quatro referências e a um padrão. No campo da antropometria, denominase referência um instrumento que agrupa a analisa dados e fornece uma base comum para comparar populações; nenhuma inferência pode ser feita sobre o significado das diferenças encontradas15,55. Um padrão, por outro lado, contém a noção de norma ou alvo desejável; assim, envolve um julgamento de valor15,55. Para que uma referência de crescimento seja considerada um padrão, é preciso que ela seja baseada numa amostra transversal representativa da população em questão (o tamanho mínimo é de 200 indivíduos em cada grupo de sexo e idade, que fornece o 5º percentil com um desvio padrão de 1,54 percentil); que essa população viva em ambiente saudável e contenha indivíduos livres de doença, que vivam de acordo com as prescrições vigentes (por exemplo, lactentes amamentados segundo a recomendação da OMS; que os procedimentos técnicos sejam definidos e reprodutíveis; que inclua todas as medidas antropométricas utilizadas na avaliação nutricional; e que os dados e gráficos estejam disponíveis15. A primeira referência de uso generalizado no mundo todo, de Stuart e Meredith56, de década de 1940, preenchia poucos dos critérios acima, o que mobilizou os especialistas para a obtenção de amostras de representatividade pelo menos nacional. A primeira a obedecer todos os requisitos técnicos, com a vantagem de 68 oferecer parâmetros para avaliar a velocidade de crescimento, foi a de Tanner e Whitehouse57, introduzida na década de 1960, mas só era representativa do Reino Unido e, além disso, na época o aleitamento materno exclusivo não era considerado uma norma de saúde. Dez anos depois, foi introduzida a referência nacional dos Estados Unidos, que ficaria conhecida como NCHS197758 (National Center for Health Statistics). Modificada no ano seguinte, com o desenvolvimento de curvas aproximadas da distribuição normal (permitindo o cálculo de escores z)59, foi recomendada oficialmente pela OMS para uso internacional e, sob a denominação de referência CDC/WHO(Centers for Disease Control/World Health Organization)60, seria adotada por dois terços dos países do mundo16, virtualmente como um padrão. Contudo, deve-se ressaltar que desde o desenvolvimento da referência NCHS1977 os especialistas responsáveis por ela deixaram claro que não se tratava de um padrão, apontando vários problemas de seleção e de metodologia de aferição das medidas que exigiriam revisões futuras61. No Brasil, o Ministério da Saúde adotou a referência CDC/WHO na elaboração do primeiro Cartão da Criança, em 198432, preterindo a única referência nacional, desenvolvida por Marcondes e colaboradores e conhecida como Curva de Santo André62,63. Essa última é utilizada apenas no estado de São Paulo, que curiosamente se comporta como os países europeus, 57% dos quais utilizam referências locais, diferentemente dos países latino-americanos, que adotam a referência internacional em 82% dos casos16. 69 As limitações sempre reconhecidas da referência CDC/WHO, principalmente quanto aos dados do nascimento aos 3 anos (tomados de bebês com alimentação predominantemente artificial, nos anos 1950, pelo Fels Research Institute), foram sendo mais consideradas à medida que o aleitamento materno exclusivo se impôs como norma alimentar saudável. Em 1995, foi publicado um estudo seminal que comparou o crescimento de um conjunto agregado de lactentes amamentados ao peito por 12 meses com a referência CDC/WHO (a amostra de 453 bebês foi selecionada a partir de quatro estudos europeus e três norte-americanos e tinha como critério de exclusão a ingestão de fórmula láctea ou comidas sólidas antes dos 4 meses) e verificou que a média do peso para a idade subia até cerca de +0,6 escores z nos primeiros 3 meses e caía até atingir um mínimo de quase -0,6 escores z aos 12 meses de idade55. Assim, concluiu pela inadequação da referência internacional e recomendou a elaboração de uma nova, que promovesse a nutrição de lactentes. Seguiram-se inúmeros estudos em diferentes populações, que chegaram a conclusões semelhantes64-73. Além disso, e das limitações de metodologia estatística inerentes à época em que as curvas tinham sido produzidas, levantou-se a questão de que a tendência secular do crescimento comprometeria gradativamente a validade de uma referência que ia para meio século de idade74. Em vista dessas limitações, foram desenvolvidas referências mais modernas, com seleção de amostras e métodos estatísticos de normalização e alisamento de curvas mais acurados. A primeira delas, conhecida como UK 90 (United Kingdom)75 foi implantada no Reino Unido há mais de dez anos, em substituição à tradicional curva de Tanner e Whitehouse, com certa dificuldade, razão pela qual os expertos são reticentes 70 quanto à adoção de um padrão mais atual num prazo médio74. A segunda foi a nova referência estadunidense, que ficou conhecida como CDC/USA 200076 e que aperfeiçoou a representatividade nacional da amostra, eliminou a comentada disjunção entre as curvas de comprimento e estatura, empregou um avançado método estatístico de alisamento, permitindo a geração de escores z mais contínuos, estendeu a faixa etária até os 20 anos e adicionou curvas de índice de massa corporal. Embora essa nova referência não preencha os critérios de um padrão, pois os lactentes da amostra não tinham aleitamento materno predominante, foi adotada uma abordagem prescritiva, tendo excluído crianças de idade escolar de um dos últimos levantamentos nacionais, o NHANES III, que continha um excesso de indivíduos obesos77. Com tantos aperfeiçoamentos e um processo de implantação tão recente, também é pouco provável que os Estados Unidos adotem tão cedo o recomendado padrão internacional, que facilitaria as comparações entre populações do mundo todo78. Finalmente, em abril de 2006, a OMS lançou os seus Padrões de Crescimento Infantil1, assim denominados por serem as primeiras curvas-padrão de crescimento com um enfoque prescritivo, pois, como provêm de uma amostra internacional (agregado de 6697 crianças na avaliação transversal e 1743 crianças na avaliação longitudinal, recrutadas em seis países: Brasil, Gana, Índia, Noruega, Omã e Estados Unidos), com critérios de seleção consistentes com os melhores padrões de promoção da saúde (bebês nascidos a termo, sem doenças significativas, sem constrangimentos ambientais ou econômicos ao crescimento, mãe não fumante; 74,7% dos bebês receberam aleitamento materno exclusivo ou predominante por um mínimo de 4 meses, 68,3% foram amamentados parcialmente pelo menos até 12 meses), tem 71 condições de propor-se descrever como crianças saudáveis devem crescer11. De fato, os resultados do estudo multicêntrico realizado entre 1997 e 2003 mostraram que a similaridade marcante nos padrões de crescimento das crianças dos seis países participantes justifica a agregação dos dados na construção de um padrão internacional único do nascimento até o final do sexto ano de vida79. Quanto ao padrão técnico das novas curvas, há concordância quase perfeita entre as versões alisadas e os percentis empíricos, não demonstrando vieses nas medianas ou nas caudas, o que indica que são uma descrição do crescimento verdadeiro de crianças saudáveis. Como era esperado, há diferenças entre o padrão WHO 2006 e a referência CDC/WHO, particularmente importantes nos primeiros anos. Assim, não é possível construir um algoritmo para estimar prevalências baseado no novo padrão a partir de dados obtidos da referência antiga. Por exemplo, a estimação de casos de baixa estatura será exagerada ao longo de toda a infância se os dados forem analisados com o padrão novo. A análise do crescimento de bebês amamentados ao peito mostrará um aumento substancial de baixo peso durante o primeiro semestre, que diminuirá a partir de então. Para os casos de emaciação, a maior diferença ocorrerá em lactentes até 70 cm de comprimento, havendo índices maiores com o padrão novo. Quanto ao sobrepeso, o uso do novo padrão resultará em prevalência maior, que variará de acordo com a idade, o sexo e o estado nutricional da população índice80. A conclusão é que os Padrões de Crescimento Infantil da OMS retratam o crescimento de crianças sob condições ambientais ótimas e podem ser utilizados para avaliar crianças de qualquer lugar, independentemente de etnia, nível socioeconômico 72 e hábito alimentar; contudo, a sua implantação dependerá de um complexo de fatores sociais e políticos ao longo de um período difícil de prever81. Por outro lado, vale ressaltar que a recomendação atual da OMS quanto à alimentação de lactentes é pelo aleitamento exclusivo ao peito por seis meses, com introdução subseqüente de alimentos complementares associada à manutenção da amamentação82. Essas recomendações se apóiam em estudos confiáveis que mostram que o aleitamento natural exclusivo por todo o primeiro semestre não só não desacelera o crescimento do lactente, como reduz a incidência de infecções intestinais, retarda o retorno da fertilidade e auxilia a mãe a retomar o seu peso original83,84. Embora essas novas diretrizes provavelmente não venham a ter impacto na implantação do padrão WHO 2006, sem dúvida configuram uma concepção mais avançada de alimentação saudável do lactente, um pouco além dos critérios exigidos no estudo multicêntrico, que deverá ser avaliada. PERCENTAGENS DA MEDIANA, PERCENTIS OU ESCORES Z? Embora as questões principais dessa discussão entre vantagens e desvantagens de uma ou outra referência sejam a adequação da amostra e a metodologia de aferição das medidas e confecção dos gráficos, existe um ponto a mais que confunde os profissionais de saúde13,15,85: percentil, escore z ou percentagem da mediana? Todo índice antropométrico (por exemplo: peso para altura, idade para altura e peso para idade) pode ser expresso em termos de escores z, percentis ou 73 percentagens da mediana, sistemas usados para definir comparações entre uma determinada criança ou grupo de crianças com uma referência15. O escore z (ou escore do desvio-padrão) equivale à diferença entre determinada medida de um indivíduo e a média da população de referência, dividida pelo desviopadrão da referida população. Trata-se de intervalos fixos para cada medida e faixa etária, com a grande vantagem de permitir cálculos matemáticos para a avaliações nutricionais. O percentil corresponde à posição de uma certa medida na escala de distribuição da população de referência, expressa em termos da percentagem de indivíduos que a igualam ou excedem. Percentis são muito usados no âmbito clínico pelo seu fácil entendimento, mas não seguem escalas lineares e impedem cálculos estatísticos, além de apresentar péssima sensibilidade nos extremos das escalas de distribuição dos dados de referência85. Tradicionalmente, gráficos de referência norteamericanos e europeus foram construídos com base no sistema de percentis, com a diferença que os primeiros usavam como pontos de corte o 5° e o 95° percentis e os últimos o 3° e o 97º 33. Sempre que a os valores de referência seguem uma distribuição gaussiana ou normal, escores z e percentis guardam uma relação matemática. Assim, os escores z de valores -1, -2 e -3, comumente usados, correspondem respectivamente aos percentis 15,8º, 2,28º e 0,13º. Da mesma forma, os percentis 3º, 5º, 10° e 25º correspondem aos escores z de valores -1,88, -1,65, -1,29 e -0,67. 74 A percentagem da mediana é a razão entre determinada medida e a mediana da população de referência para aquela idade. Além de ser muito fácil de calcular, sua aplicação se justificava na época em que as referências não eram normalizadas. Contudo, embora tenha sido muito popular no passado, por conta da tradicional Classificação de Gómez86, essa forma de avaliar índices caiu em desuso por ser dependente da idade (peso para idade inferior a 60% significa desnutrição grave no lactente, mas apenas moderada no escolar) e inconstante entre as várias medidas (peso-para-idade inferior a 60% sugere desnutrição, enquanto peso-para-altura inferior a 60% é incompatível com a vida)85. A figura abaixo ilustra as relações principais entre as três escalas: A OMS utiliza o escore z como sistema de expressão dos índices antropométricos, desde a década de 1970, porque é o que mantém critérios mais uniformes em todos os índices e é o mais sensível para detectar diferença nos pontos extremos das distribuições85. Para aplicações baseadas em populações, a versão para computadores da referência CDC/WHO contribuiu muito para a aceitação do conceito do escore z pela grande facilidade em manipular dados antropométricos. Porém, para aplicações individuais, até hoje ainda há certa relutância em aceitálo por ser mais difícil de calcular do que percentagens da mediana ou porque os gráficos de percentis são mais familiares. Entre os especialistas, é consenso que o escore z descreve melhor o estado nutricional +3,0 escores z +2,0 escores z +1,0 escore z Média 75 -1,0 escore z -2,0 escores z -3,0 escores z 97,72o percentil (@ 110% A/I @ 120% P/I) 84,2o percentil 50o percentil 15,8o percentil 2,28o percentil 0,15o percentil = mediana 99,85o percentil (@ 90% A/I @ 80% P/I) +1,881 escore z +1,645 escore z +1,282 escore z +0,674 escore z -0,674 escore z 76 -1,282 escore z -1,645 escore z -1,881 escore z 97o percentil 95o percentil 90o percentil 75o percentil 25o percentil 10o percentil 5o percentil 3o percentil -2,67 escores z 0,4o percentil tanto no âmbito individual quanto populacional13,87. Há alguns anos, a referência do Reino Unido teve sua escala de percentis modificada segundo um formato sugerido por Cole, que pretendia unificar a sua familiaridade com a distribuição uniforme da escala de escores z33. Para tanto, considerou que a distância entre os pontos de corte cruciais, ± 2 escores z, poderia ser dividida em seis segmentos iguais de 0,67 escores z, gerando uma escala simétrica de percentis. Assim, mediana ± 0,67 escores z nos dão os percentis 25º e 75º; mediana ± 2×0,67 escores z nos dão os percentis 9º e 91º; mediana ± 3×0,67 escores z nos dão 77 os percentis 2º e 98º; e mediana ± 4×0,67 escores z nos dão os percentis 0,4º e 99,6º. Nasceu assim a curva dos nove percentis do Reino Unido, conforme mostra a figura . Segundo Cole, a vantagem clínica óbvia dessa escala é que as duas curvas inferiores fornecem uma região prática para decisões de encaminhamento. Crianças abaixo de -2 escores z podem ser candidatas a investigação subseqüente, ao passo que aquelas que estiverem abaixo de -2,67 escores z sem dúvida precisam ser encaminhadas. Abaixo da linha inferior do percentil 0,4º está apenas uma criança normal em 250 (contra uma em 44 que estão abaixo da segunda linha, do percentil 2°), de modo que a chance de falso-positivos é bem realista33. Indicadores dizem respeito à aplicação prática dos índices15. No âmbito populacional, por exemplo, a proporção de crianças cujo índice de peso para altura está abaixo de -2 desvios-padrão constitui um indicador do estado nutricional e também socioeconômico de sua comunidade. No nível individual, o índice de massa corporal, ele próprio, é um indicador das reservas energéticas de um indivíduo sedentário. Os indicadores antropométricos podem ser classificados segundo os objetivos de seu emprego, tais como: identificação de indivíduos ou populações sob determinado risco de deterioração de desempenho, saúde ou sobrevida; seleção de indivíduos ou grupos para certas intervenções; monitorização dos efeitos de determinadas intervenções. Decisões clínicas ou de intervenções comunitárias devem basear-se em indicadores antropométricos para os quais se tenha escolhido o ponto de corte mais adequado entre o que se convenciona como normal e anormal. O Cartão da Criança do Ministério da Saúde do Brasil, por exemplo, usou durante muito tempo o percentil 10º como limite inferior do chamado canal da saúde32, o que ocasionava um excessivo 78 número de crianças falsamente associadas a um risco nutricional e, evidentemente, desnecessárias preocupações e intervenções. Rebaixado o ponto de corte para o percentil 3º (aproximadamente -2 desvios-padrão), passou-se à avaliação bem mais realista de 95% da população como nutricionalmente saudável, reduzindo-se os falsopositivos a cerca de 2% dos casos. O mesmo processo foi aplicado ao limite superior, elevando-se o ponto de corte para o percentil 97º (aproximadamente +2 desviospadrão), reduzindo significativamente o número de falsos obesos e os encaminhamentos desnecessários. Até o momento, não foram desenvolvidas tecnologias simples e práticas para a seleção de pontos de corte que levem em conta a disponibilidade local de recursos e o número de indivíduos que necessitam certa intervenção. Por ora, a recomendação universal da OMS é de que os limites da normalidade sejam, a priori, dois desviospadrão acima e abaixo da média, desde que haja recursos para lidar com todos os indivíduos selecionados para certa intervenção e que esta não cause efeitos adversos15. CURVAS INSTÁVEIS: QUAIS SÃO OS LIMITES? O acompanhamento clínico do crescimento de bebês, como já foi visto, é um procedimento corrente, ainda que sua efetividade na promoção da saúde seja discutida88 e que as medidas aferidas nem sempre sejam plotadas devidamente nos gráficos, o que lhes retira qualquer utilidade prática17,25. Quando o gráfico é desenhado e acompanhado, prevalece uma noção ─ de origem incerta ─ entre os profissionais de saúde de que curvas de peso que demonstrem desaceleração tal que as façam cruzar 79 para baixo duas faixas de percentil (usualmente definidas como os intervalos entre as linhas dos percentis 3° ou 5°, 10º, 50°, 75°, 90° e 95° ou 97º) indicam desnutrição14,36,89. Na verdade, poucos estudos concertados avaliaram a propriedade de tais critérios, de modo que até os dias de hoje não se tem um consenso sobre os limites da normalidade para a oscilação da velocidade de crescimento dos lactentes14. A primeira questão a ser considerada é quando começar a plotar as medidas de peso no gráfico. Embora a perda de peso no período pós-parto seja um fenômeno bem conhecido, há poucos dados normativos sobre sua magnitude e duração25. Um recente estudo prospectivo de coorte acompanhou 961 recém-nascidos a termo e verificou que 80% recobraram o peso de nascimento em 12 dias, mas quase 2% ainda permaneciam com menos de 90% do mesmo90. Houve maior perda de peso em bebês maiores e amamentados ao peito, mas esses dois fatos estavam associados. Concluíram que a perda de peso neonatal é transitória, com poucos bebês permanecendo mais de uma semana abaixo dos 10% a menos do que o peso de nascimento, mas que os gráficos de crescimento são enganosos porque não prevêem esse fenômeno, embora todos os bebês tenham retornado à linha do percentil 50º em torno da sexta semana de vida. Quanto ao acompanhamento subseqüente, um ponto importante é que os gráficos de crescimento disponíveis para uso clínico são todos derivados de amostras transversais e não são adequados para avaliar ganhos de peso por períodos determinados, não permitindo julgamentos seguros quanto a cruzamentos sobre faixas de percentil, enquanto os gráficos próprios para essa função, os de velocidade de crescimento, são pouco práticos para uso rotineiro, além de também não fazerem compensação para o fenômeno da regressão à média25,26,91,92. Deste modo, restam 80 duas alternativas para acompanhar o crescimento de lactentes: as tradicionais tabelas com variações de medidas antropométricas por períodos definidos ou os gráficos de referência condicional. Na primeira dessas linhas, Neumann e Alpaugh utilizaram uma coorte de recémnascidos a termo para atualizar as informações sobre o tempo que o lactente leva para dobrar o peso de nascimento e fatores associados93. O estudo mostrou um tempo médio para dobrar o peso de nascimento de 119 dias, significativamente inferior aos 5 meses relatados na literatura tradicional. Bebês em aleitamento artificial e meninos alcançavam o peso de nascimento mais cedo. As autoras levantaram a hipótese de que tais resultados poderiam ser devidos à tendência à obesidade precoce pelo desestímulo à amamentação natural. Não foram encontrados estudos mais recentes com esse enfoque, mas seria oportuno obter dados atuais, tendo em vista o estímulo corrente ao aleitamento natural83. Guo e colaboradores publicaram tabelas com as variações diárias de peso e comprimento de lactentes nascidos a termo até os dois anos de idade92. Os dados foram calculados mediante um modelo matemático, a partir de amostras de bebês norte-americanos, sem distinção do tipo de aleitamento. Os resultados são apresentados como médias e desvios-padrão, assim como medianas e percentis; o peso em intervalos de um mês até os 6 meses, intervalos de dois meses até os 12 meses e intervalos de três meses até os 24 meses; o comprimento em intervalos de dois meses até os 6 meses e três meses até os 24 meses. A tabela N apresenta um resumo dos dados, em média e desvio-padrão, para o primeiro semestre de vida. Embora sejam tabelas práticas e sensíveis, os autores admitem que seu uso é menos 81 conveniente do que os gráficos e que estariam mais indicadas em casos suspeitos de insuficiência de crescimento. Um dos últimos estudos clássicos que descreveram cruzamentos de faixas de percentil em lactentes a termo foi o de Smith e colaboradores, um acompanhamento de coorte longitudinal, da década de 1970, que avaliou a trajetória do comprimento44. Mostrou que 30% dos bebês cruzavam uma faixa de percentil para cima ou para baixo ao longo dos primeiros dois anos, 23% cruzavam duas faixas e 9% cruzavam três. Aqueles que cruzavam para cima o faziam mais cedo, alcançando o seu canal de crescimento na idade média de 11,5 meses; os que cruzavam para baixo atingiam um canal estável somente aos 13 meses. Houve correlação significativa do comprimento de nascimento com a altura da mãe da mãe e do comprimento aos dois anos de idade com a estatura média dos pais, indicando a mudança da influência dos fatores intrauterinos para os genéticos. Trinta anos depois, em 2004, Mei e colaboradores publicaram um meticuloso estudo em que analisaram longitudinalmente o crescimento de uma amostra probabilística de mais de 18.000 crianças saudáveis, do nascimento até os cinco anos, com o objetivo específico de descrever cruzamentos sobre as referidas faixas de percentil94. Verificaram que 39% dos lactentes no primeiro semestre de vida e 15% no segundo cruzam mais de duas faixas de percentil para cima ou para baixo. Salientam, entretanto, que esse padrão é típico para os bebês cujos pesos de nascimento se situam dentro dos quartis centrais; aqueles do quartil superior tendem mais a apresentar crescimento de recuperação para baixo ─ o chamado catch-down ─, ocorrendo o contrário com os do quartil inferior. Os autores interpretam esses achados 82 como sendo o fenômeno da regressão à média, pelo que recomendam aos pediatras prudência e um período de observação cuidadosa, antes de levantarem dúvidas sobre a adequação do crescimento desses bebês. É importante notar que Mei e colaboradores provavelmente superestimam a oscilação do peso de lactentes cujo peso de nascimento está muito próximo do limite superior do primeiro quartil, pois abaixo dele as faixas de percentil utilizadas no estudo são assimétricas, de modo que qualquer oscilação parece maior do que se ocorresse próximo da mediana. Neste sentido, a interpretação de Wright é mais realista e precisa28, pois utiliza o gráfico do Reino Unido de nove percentis, que apresenta faixas absolutamente simétricas com intervalos de 0,67 desvios-padrão33. Segundo ela, bebês cujo peso de nascimento está entre o 9º e o 91º percentil cruzam freqüentemente uma faixa (0,67 desvio-padrão) para cima ou para baixo nas primeiras semanas de vida, mas aqueles cujos pesos de nascimento estão acima do percentil 91º podem cair três faixas (dois desvios-padrão), enquanto os que partem de baixo do percentil 9° só podem cair uma (0,67 desvio-padrão). Segundo a autora, bebês que exigem uma observação mais cuidadosa, considerando as circunstâncias clínicas, nutricionais e familiares, seriam aqueles cuja oscilação de peso excedesse a três faixas de percentil (dois desviospadrão), pois isso só ocorre com cerca de 1% dos lactentes normais. Entretanto, ressalta que é preciso fazer uma correção considerando a regressão à média; assim, bebês com peso de nascimento acima do percentil 91º exigem observação se caírem mais de quatro faixas (2,5 desvios-padrão), enquanto aqueles com peso de nascimento abaixo do percentil 9º já merecem cuidado se caírem duas (1,5 desvio-padrão). 83 A fim de evitar todos esses cálculos incômodos, Cole propôs o que ele chamou de “gráfico três em um”91, que combina faixas convencionais de percentis com “linhas de crescimento”, cuja inclinação define o ponto de corte para insuficiência de crescimento (arbitrariamente escolhido o percentil 5° de variação ponderal). A figura ao lado mostra o gráfico proposto, com as linhas de percentil cortadas pelas “linhas de crescimento”, que são mais inclinadas com quatro semanas de vida, depois da recuperação do peso de nascimento, e com inclinação negativa a partir dos seis meses. Basta plotar duas medidas de peso com um intervalo de quatro semanas e comparar a inclinação da curva com aquela da “linha de crescimento” mais próxima. Se a inclinação da curva do bebê for menor, sua velocidade de ganho de peso está abaixo do 5° percentil. O gráfico de Wright e colaboradores, já descrito na segunda seção, utiliza o mesmo princípio de sobrepor curvas que refletem o crescimento condicional a faixas convencionais de percentis, mas parece-se mais com um gráfico tradicional e, segundo pesquisa feita pelos autores, tem boa aceitação entre profissionais de saúde27. Como se vê na figura, as faixas assimétricas superpostas às de percentis têm limites que correspondem ao intervalo de confiança de 95% para a variação esperada no peso segundo a regressão à média. Qualquer criança cuja linha de peso cruzar para baixo duas dessas faixas a partir de uma posição basal, se encontra entre aqueles 5% com menor velocidade de ganho de peso, sugerindo um grau moderado de insuficiência de crescimento. 84 Num artigo bem recente, Völkl e colaboradores utilizaram gráficos de referência de crescimento condicional para avaliar as curvas de recuperação de crescimento de recém-nascidos adequados e pequenos para a idade gestacional, filhos de pelo menos um dos pais com baixa estatura95. Verificaram que aqueles nascidos adequados para a idade gestacional apresentam crescimento de recuperação com inclinação negativa (que eles chamam de catch-down) ao longo dos dois primeiros anos, enquanto os pequenos para a idade gestacional jamais alcançam seus pares. CONCLUSÕES A monitoração do crescimento é e continuará sendo um componente relevante dos cuidados de saúde de crianças, não só por ser um hábito arraigado, que promove a relação com a família e a sua educação, mas porque quase todo problema corporal, inter-pessoal ou social pode afetar o desenvolvimento físico. O gráfico de crescimento é a ferramenta mais poderosa nessa tarefa, mas a curva nele plotada fornece só uma parte das informações importantes, que precisa ser sempre analisada em comparação com outros dados, tais como doenças, padrão de crescimento dos pais e hábitos alimentares. Mas vale repetir que é melhor não pesar um lactente do que fazê-lo e deixar de plotar os pontos seqüencialmente no gráfico gerado a partir de uma referência apropriada, preferentemente um padrão de aplicabilidade mundial. Os novos Padrões de Crescimento Infantil da OMS retratam o crescimento de crianças sob condições ambientais ótimas e podem ser utilizados para avaliar crianças de qualquer etnia, em diferentes circunstâncias sociais. Contudo sua adoção generalizada, mais do que da lógica científica, depende de muitos fatores socioeconômicos e políticos. 85 Referências bibliográficas: 1. WHO. World Health Organization releases new Child Growth Standards. http://www.who.int/mediacentre/news/releases/2006/pr21/en/index.html. Acesso: 24/07/2006. 2. de Onis M, Victora CG. Growth charts for breastfed babies. J Pediatr (Rio J). 2004 Mar-Apr;80(2):85-7. 3. Grummer-Strawn LM, Garza C, Johnson CL. Childhood growth charts. Pediatrics. 2002;109:141-2. 4. Davies DP, Williams T. Is weighing babies in clinics worth while? BMJ. 1983;286:8603. 5. Morley DC, Cutting WA. Weighing babies in clinics. BMJ. 1983;286:1823. 6. Anônimo. What happened to growth monitoring? Lancet. 1992;340:149-50. 7. Hall DMB. 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E-mail: [email protected] 98 RESUMO A laceração perineal obstétrica é a principal causa de incontinência fecal em mulheres na menacme e associa-se a elevada morbidade. Ocorre principalmente no momento do parto tendo como fatores de risco principais o tipo de episiotomia e o uso de fórceps, porém, é pouco reconhecido pelos obstetras, sendo subdiagnosticada e erroneamente tratada. Este relato de caso objetiva aumentar o conhecimento sobre prevenção do trauma obstétrico, classificação das lesões, diagnóstico e melhor técnica de reparo. PALAVRAS- CHAVE: laceração perineal obstétrica, incontinência fecal, parto vaginal instrumentado. ABSTRACT The obstetric perineal laceration is the main cause of fecal incontinence in premenopausal women and is associated with high morbidity. Happens mainly at delivery time due to the use of episiotomy and forceps deliveries. However,it is not often recognized by obstetricians,being under-diagnosed and hence wrongly treated. This case report provides a better knowledge in : prevention,laceration classification,diagnostic and repair techniques KEYWORDS: obstetric perineal laceration, fecal incontinence, instrumental vaginal delivery. 99 INTRODUÇÃO A principal causa de incontinência fecal em mulheres é a laceração perineal obstétrica1. A injúria do esfíncter anal é associada com significante morbidade, mas é pouco relatada pelas pacientes e pouco reconhecida pelos médicos assistentes. Lesões obstétricas do esfíncter anal ocorrem em aproximadamente 20% das primíparas submetidas à episiotomia mediana2. A incidência de incontinência fecal após a ruptura do esfíncter anal é estimada em mais de 60%, e deve ser muito maior, particularmente se esta não for diagnosticada no momento do parto3. Estima-se que há lacerações graves ocultas em 28 a 35% das primíparas e 44% das multíparas, e alguns estudos comprovam que a maioria dessas lesões eram, na realidade, injúrias que poderiam ter sido reconhecidas imediatamente4. Pacientes com rupturas ocultas podem apresentar complicações como fístulas retovaginais, necessidade de colostomia e são 8,8 vezes mais propensas a apresentar incontinência fecal, implicando em reparo tardio3. O tratamento imediato é superior ao tardio, mas ainda existem divergências na literatura sobre a melhor técnica de reparo. Apesar do tratamento precoce, estudos demonstram uma média de 44% de incontinência fecal pós- operatória, valor que diminui para 26% nos centros em que os cirurgiões seguem protocolos adequados para seu manejo1. 100 Médicos têm reportado que seu treinamento no diagnóstico e tratamento de lacerações de terceiro e quarto graus é inadequado 4. Objetivo deste trabalho é aumentar o conhecimento sobre prevenção do trauma perineal obstétrico, sobre classificação dessas lesões, assim como seu diagnóstico e melhor técnica de reparo, para que se possa diminuir a morbidade causada a essas pacientes. DESCRIÇÃO DO CASO AMS, 29 anos, branca, solteira, primípara, encaminhada ao ambulatório de uroginecologia do HMIPV referindo incontinência fecal e perda de gases na ausência de esforços desde o parto vaginal instrumentado (ocorrido há 10 anos - RN com 3050g). Relatava ter apresentado infecção e deiscência da sutura em local de episiorrafia. Ao exame físico, apresentava-se: • Eutrófica (IMC: 19,5), sem prolapsos urogenitais ou perda urinária às manobras desencadeadoras habituais. • Rotura perineal músculo-aponeurótica completa, com destruição total do corpo perineal (e formação de “pseudo-cloaca”). • Alargamento do intróito vaginal e ruptura do esfíncter anal, com presença de resíduos fecais. Á essa paciente foi realizada esfincteroplastia anal, reconstrução do canal vaginal e corpo perineal. Evoluiu com boa recuperação recebendo alta no 4º dia pós- 101 operatório continente e após ter evacuado, assim permanecendo para fezes e gases durante acompanhamento pós-operatório ambulatorial. DISCUSSÃO A continência anal é mantida por uma série de mecanismos que incluem fezes de consistência normal, enervação motora e sensação intacta, e integridade do complexo do esfíncter anal e funcionamento da musculatura puborretal 5. O termo incontinência anal refere-se à perda de gases e/ou fezes líquidas ou sólidas. O termo incontinência fecal não inclui a perda de gases. Os médicos Abdul Sultan e Ranee Thakar propuseram uma classificação para as lesões por trauma perineal que foi também adotada internacionalmente e pela Royal College os Obstetricians & Gynaecologists (RCOG) na tentativa de uniformizar a classificação 6,7. As lesões foram classificadas da seguinte maneira: - 1º grau: laceração do epitélio vaginal ou pele do períneo; - 2º grau: envolvimento da musculatura perineal, porém, não do esfíncter anal; - 3º grau: ruptura dos músculos do esfíncter anal sendo subdividido em três graus separadamente- 3a quando menos de 50% da espessura do esfíncter anal externo é lesado; 3b quando mais de 50% da espessura do esfíncter anal esterno é lacerado e 3c quando ocorre laceração do esfíncter anal interno; - 4º grau : 3º grau em que ocorre ruptura do epitélio anal concomitante. 102 É importante salientar que, ao existir alguma dúvida quanto a classificação devemos sempre optar por um grau maior 4. Diversas revisões sistemáticas foram feitas a respeito dos principais fatores de risco que envolvem trauma perineal pós- parto vaginal. Dentre os fatores aquele que comprovadamente aumenta o risco de laceração é o uso rotineiro da episiotomia. Quando necessária, a episiotomia mediolateral esta associada com menos trauma perineal se comparada a mediana, na proporção de 2% para 12%, respectivamente8. O parto espontâneo é outro fator que diminui o trauma perineal quando comparado ao uso do fórceps9. Quando necessário instrumentar o parto estudos demonstram resultados claros e consistentes quando ao uso de fórceps X vácuo. Quando comparado ao vácuo, o parto com fórceps associou-se com quase o dobro do risco de desenvolver incontinência fecal10. A Royal College of Obstetricians and Gynaecologists recomenda que o vácuo extrator seja o instrumento de escolha para partos vaginais instrumentados11. Outros fatores como nuliparidade, macrossomia (>4kg), posição occipto sacro, segundo estágio prolongado e parto precipitado também estão associados com trauma perineal3. Em 1993 Sultan et al. divulgaram que 33% das mulheres permanecem com lesão no esfíncter anal que não foi reconhecida no momento do parto. Concluiu-se que a maioria dos defeitos esfincterianos que previamente foram classificados como injúrias ocultas eram na verdade lesões que poderiam ter sido reconhecidas no momento do 103 parto, mas não foram identificadas12. A melhor maneira de prevenir as complicações decorrentes de um trauma perineal não identificado ou inadequadamente conduzido é o treinamento da equipe médica responsável por assistir as pacientes em sala de parto. Injúria obstétrica do esfíncter anal está associada com significativa morbidade e constrangimento causado a paciente muitas vezes pouco relatado4. A dor perineal e dispareumia podem persistir por muito tempo13. Estes fatores afetam tanto a vida social quanto a vida sexual da paciente e podem permanecer por muitos anos após o parto3. Outro problema menos comum, mas igualmente preocupante é a formação de abscesso que pode decorrer quando há uma falha no reconhecimento da real extensão da lesão perineal podendo evoluir com a formação de uma fístula que uma vez instalada é de difícil tratamento14. O manejo das lacerações obstétricas do esfíncter anal apresenta variações consideráveis. Varias técnicas cirúrgicas para seu reparo foram testadas ao longo dos anos. Atualmente, discute-se qual o melhor resultado no tratamento dessas lesões a pequeno e longo prazos. A técnica término-terminal de reparação do esfíncter anal é o método mais amplamente utilizado pelos obstetras16. Já os cirurgiões colorretais no entanto, preferem a técnica de sobreposição, por causa do resultado favorável associado ao reparo secundário do esfíncter. No entanto, o acompanhamento a longo prazo mostra uma taxa de sucesso de cinco anos de apenas 50%17. O reparo preliminar do esfíncter anal no momento do trauma obstétrico é claramente diferente da reparação secundária realizada para incontinência fecal vários meses ou anos após o insulto inicial. Alguns cirurgiões colorretais acreditam que o esfíncter anal recém 104 lacerado no momento do parto constitui-se de um tecido friável incapaz de suportar a técnica de sobreposição e que a sutura poderia rasgar através do músculo reparado. Sultão et al.18 , entretanto, conduziram um estudo piloto para avaliar a viabilidade técnica da sobreposição como procedimento primário no tratamento dessas lacerações. Além disso, descreveu a reparação do esfíncter interno independente do esfíncter externo. Eles descobriram que não só foi possível a técnica da sobreposição como um procedimento primário, mas também que a incontinência anal pode ser reduzida de 41% para 8% quando comparado com controles pareados. Existe apenas um estudo randomizado publicado de Fitzpatrick et al.19 em que 112 mulheres primíparas foram recrutadas. Não houve diferença significativa entre esses dois métodos de reparo (sutura término-terminal versus sobreposição), mas parece haver uma tendência a apresentação de mais sintomas no grupo da sutura término-terminal. São, portanto, necessários mais ensaios clínicos randomizados usando as técnicas descritas. A evidência até agora indica que não há diferença significativa no resultado de curto prazo com as técnicas término-terminal ou de sobreposição técnica e, portanto, qualquer uma delas pode ser usada. É importante lembrar que a técnica de sobreposição deve ser utilizada apenas quando o EAS é completamente lacerado. As lacerações de grau 3 devem ser reparados pela técnica término-terminal15. É apenas possível realizar uma verdadeira reparação por sobreposição quando as duas extremidades do músculo estão completamente divididas. Portanto, nos casos onde a laceração é incompleta e há intenção de sutura por sobreposição, o esfínceter deve estar totalmente rasgado. 105 Antibioticoterapia endovenosa deve ser iniciada no intra-operatório e mantida por via oral até completar sete dias. Além disso, emoilente fecal deve ser prescrito pelo menos por duas semanas de pós-operatório. Idealmente, todas também devem ter endossonografia anal e manometria. Referências bibliográficas: 1. Sultan AH, Thakar R, Andrews V. Outcome of obstetric anal sphincter injuries (OASIS) – role of structured management. Int Urogynecol J. 2009; 20:973-978. 2. Sultan AH, Thakar R, Andrews V. Structured hands-on training in repair of obstetric anal sphincter injuries (OASIS): an audit of clinical practice. Int Urogynecol J. 2009;20:193-199. 3. Ruwan J, Fernando MS. Anal sphincter injury at childbirth. OBG Management; 2005. p.22-39. 4. Sultan AH, Kettle C. Diagnosis of Perineal Trauma. Perineal and anal sphincter trauma; 2007. p. 13-19. 5. 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Long term results of overlapping anterior anal sphincter repair for obstetric trauma. Lancet 2000;355:260–5. 18. Sultan AH, Monga AK, Kumar D, Stanton SL. Primary repair of obstetric anal sphincter rupture using the overlap technique. Br J Obstet Gynaecol 1999;106:318–23. 19. Fitzpatrick M, Behan M, O’Connell R, O’Herlihy C. A randomised clinical trial comparing primary overlap with approximation repair of third-degree obstetric tears. Am J Obstet Gynecol 2000;183:1220–4. 108 Educação: a oportunidade de transformação Education: the opportunity to transform Autora: Deise Maria Ramos Cunha1 1 Socióloga, Especialista em Educação, MBA em Gestão de Pessoas, Formação em Mediação de Conflitos. Assessora de Ensino e Pesquisa no Hospital Materno Infantil Presidente Vargas/ SMS/ Porto Alegre Endereço para correspondência: Av. Protásio Alves, 891 ap. 25, CEP 90410000 – Porto Alegre/ RS E-mail: [email protected] – [email protected] 109 RESUMO A Educação e Pesquisa ao fazerem parte da missão do Hospital Materno Infantil Presidente Vargas exige uma Assessoria de Ensino e Pesquisa (ASSEP) atenta as demandas e com capacidade de promover o desenvolvimento de habilidades necessárias ao desempenho profissional e de valores e atitudes focadas no crescimento integral do servidor como agente co-responsável pelo processo de transformação e qualificação Institucional, tornando-o apto para o exercício de suas funções de forma articulada com a função social do Hospital. ABSTRACT The Education and Research to be part of the mission of Children's Hospital President Vargas requires an Advisory Research and Education (ASSEP) demands attentive and able to promote the development of skills necessary for professional performance and values and attitudes focused on growing full server as an agent responsible for co-processing and Institutional qualification, making it fit for the exercise of their functions in coordination with the social function of the Hospital. O que significa dizer que o Hospital Materno Infantil Presidente Vargas (HMIPV) é um Hospital de Ensino? Para respondermos a essa pergunta necessitamos conhecer a missão do HMIPV: “Oferecer assistência de alta complexidade, com qualidade, humanismo e ética, articulada com a rede de saúde, às mulheres, crianças e adolescentes, bem como desenvolver atividades de ensino e pesquisa, visando transformar-se em centro de excelência e referencia para Porto Alegre e região metropolitana”. 110 Ao analisarmos a missão citada acima se verifica a preocupação com o ensino e a pesquisa e para atender o proposto precisava-se potencializar o trabalho da Assessoria de Ensino e Pesquisa (ASSEP) e, assim, em 2009 é repensado o organograma desse serviço que se constitui da seguinte forma: Ensino, Pesquisa, Educação Continuada e Revista Científica. Buscam-se recursos humanos com o perfil adequado para compor a ASSEP e, isso feito, em 2010 construímos o planejamento estratégico da ASSEP alinhado ao planejamento estratégico do HMIPV. Nossa missão é promover a educação de excelência por meio do ensino e da pesquisa contribuindo para a construção do conceito de Hospital de Ensino do HMIPV de Porto Alegre. Nossa visão consiste em ser reconhecida como pilar para a consolidação do HMIPV como centro de excelência em ensino e pesquisa. Face ao exposto, entendemos que a existência de uma Assessoria de Ensino e Pesquisa justifica-se pela necessidade de atender às especificidades profissionais dos servidores do HMIPV, promovendo o desenvolvimento de habilidades necessárias ao desempenho profissional e de valores e atitudes focadas no crescimento integral do servidor como agente co-responsável pelo processo de transformação e qualificação Institucional, tornando-o apto para o exercício de suas funções de forma articulada com a função social do Hospital. Eis o nosso desafio! Vamos, então, ao Plano de Trabalho. Antes de qualquer coisa devemos comunicar nossos objetivos e fazer o levantamento de necessidades de capacitações tanto com os gestores quanto com os demais servidores do hospital e, desta forma, todos serem protagonistas nessa ação. 111 Nossa proposta é fazer a ASSEP ser reconhecida por todos os servidores do hospital e nossa estratégia promover eventos de qualidade que atendam as expectativas dos participantes internos e externos, ou seja, “colocar o bloco na rua”. Assim, ao término de 2010 tínhamos um resultado além do esperado. Eis o quantitativo da ASSEP: Cursos - 9 Cursos de Extensão de Ginecologia e Obstetrícia totalizando 72h/a - 4 cursos de Capacitação Gerencial totalizando 80h/a - Curso sobre Aleitamento Materno - Curso de Atualização em Enfermagem: Clínica Cirúrgica - Cuidados de Enfermagem com drenos, sondas e cateteres - Atualização em reanimação neonatal para auxiliares - 5º sinal vital – Dor inserção sobre o tema - Curso teórico-prático sobre pesquisa - Triagem Neonatal nos RN hospitalizados - Capacitação Teórica -Prática em Triagem Neonatal – Laboratório de Referência em Triagem Neonatal/ RS - Curso de Capacitação em Triagem Neonatal SRTN/ RS 112 - Prevenção da Dengue Encontros com ASSEP com os seguintes temas - Trabalho em Equipe - A importância da Educação Corporativa - Mediação de Conflitos - Bioética - Desmistificando a Pesquisa - Reflexões sobre o Aborto Legal - Gestão de Pessoas - Motivação - Dados Epidemiológicos da População Negra de Porto Alegre - Perspectivas da Relação Médico-Paciente - Estimulação Precoce em RN prematuros Eventos Científicos - Semana da Enfermagem - Atendimento na UTI Neonatal - Semana Mundial de Aleitamento Materno 113 - A Psicologia no contexto da Saúde Pública - Encontro Municipal sobre Violência Sexual e Gestação - Jornada Científica: O Bebê - da gestação aos primeiros anos de vida - III Simpósio sobre Enurese - Encontro Temático do Serviço Social: Direitos Previdenciários Outros - Inauguração da Biblioteca Virtual em Saúde e curso para utilização da mesma Projetos de pesquisa apresentados ao Comitê de Ética Foram apresentados 40 projetos de pesquisa ao Comitê de Ética do HMIPV. A apresentação desses resultados tem como objetivo mostrar que iniciamos com muita determinação e que encontramos eco na equipe do HMIPV, pois sem nossos colegas não teríamos alcançado com eficiência e eficácia nossos objetivos. Também temos que frisar que o relançamento dessa Revista Científica também faz parte dos nossos objetivos e, não satisfeitos com uma revista, estaremos lançando três volumes o que deixa evidente o potencial dos nossos pesquisadores e o quanto era necessário propor esse espaço para divulgação dos trabalhos desenvolvidos pelos mesmos. Porém, depois desses resultados, temos a obrigação de darmos continuidade nesse trabalho e assim garantir que o HMIPV atinja a excelência em Ensino e Pesquisa e, dessa forma, fazer jus ao título de Hospital de Ensino. Essa é nossa caminhada e 114 aqui propomos um convite para que todos se insiram nesse projeto porque nós acreditamos que para transformar precisamos educar. 115 REVISTA CIENTÍFICA DO HOSPITAL MATERNO INFANTIL PRESIDENTE VARGAS PORTO ALEGRE – RS - BRASIL Instruções para os autores Estrutura dos manuscritos Os artigos devem ser digitados em espaço duplo, fonte Arial, tamanho 12. Todas as páginas, inclusive a do título, devem ser numeradas. O documento deve estar formatado de acordo com versão Word 97-2003. Artigos Originais Os artigos originais devem conter até 4.000 palavras e não ultrapassar a soma de seis tabelas e/ou figuras. Recomenda-se restringir em até 30 o número de referências bibliográficas. I. A primeira página deve conter: (a) título do artigo em Português; (b) nome completo dos autores, sem abreviações, e somente a afiliação principal de cada autor; (c) a denominação e o endereço da instituição onde o trabalho foi elaborado; (d) o endereço do autor para correspondência, incluindo endereço eletrônico (e-mail); (e) fonte de suporte ou financiamento se houver e se há alguma espécie de conflito de interesses. II. Cada trabalho deve incluir um resumo de não mais de 200 palavras em Português, seguido de até cinco palavras-chave, e um abstract em Inglês. O abstract deve ser 116 seguido do título do trabalho em Inglês e das respectivas keywords. Os conteúdos do resumo e do abstract devem ser idênticos. O resumo deverá ter cinco tópicos, que responderão a cinco questões: Contexto: por que você fez o estudo; Objetivos: para que você fez o estudo; Métodos: como (e se for o caso, em que grupo amostral) você fez o estudo; Resultados: o que você encontrou; e Conclusões: o que os seus resultados significam. III. Texto principal: deverá ser estruturado em: Introdução (reunindo os tópicos Contexto e Objetivos), Métodos, Resultados, Discussão, Agradecimentos (se houver) e Referências. IV. Referências. A Revista Científica do HMIPV adota as normas de padrão Vancouver. As referências devem ser citadas no texto por meio de números arábicos consecutivos, que correspondem às respectivas fontes, conforme constam na bibliografia, nesta inseridas por ordem de entrada. Para artigos com até seis autores, todos eles devem ser citados; para artigos com mais de seis autores, os seis primeiros devem ser citados, seguidos de et al. Títulos de periódicos devem ser abreviados de acordo com o Index Medicus. É de total responsabilidade dos autores certificarem-se de que as referências citadas no texto constem da lista de referências, observando-se a exatidão dos nomes de autores, título do artigo, nome do periódico, data e detalhes da publicação. Para a lista de referências bibliográficas deve também ser respeitado o espaço duplo. Os seguintes exemplos devem ser seguidos: Artigo de revista: 117 Gattaz WF, Levy R, Cairns N, Maras A. Distúrbios do metabolismo de fosfolipídeos na doença de Alzheimer. J Bras Psiquiatr. 1996;45:345-9. Capítulo em livro: Gattaz WF, Kohlmeyer K, Gasser T. Computed tomographic scans in schizophrenia. In: Häfner H, Gattaz WF, editors. Search for the Causes of Schizophrenia (Berlin): Springer Verlag; 1990. p. 242-56. Para detalhes adicionais e o formato completo de referências, favor acessar: www.nlm.nih.gov/bsd/uniform_requirements.html V. Tabelas. Devem ser submetidas em folhas separadas com as respectivas legendas. As tabelas devem ser numeradas consecutivamente, na ordem em que foram citadas no texto, e encabeçadas por um título e legenda apropriados. As informações apresentadas em tabelas não deverão ser repetidas no texto e vice-versa. VI. Figuras. O número e o tamanho das ilustrações devem ser os menores possíveis para esclarecimento do texto. Não serão aceitas ilustrações coloridas. VII. As legendas das figuras devem vir em folhas separadas e devem permitir uma compreensão clara da figura sem a necessidade de referência ao texto. Cada figura deve ter um título curto, seguido de uma descrição concisa. Todas as abreviaturas e símbolos que aparecem nas figuras devem estar explicados nas legendas. Comentários como “para explicação (ou detalhes), vide texto” devem ser evitados. VIII. Fotografias de pacientes. A Revista Científica do HMIPV não encoraja a publicação de fotografias de pacientes. Quando isso for imprescindível para o 118 entendimento do texto, a fotografia deverá ter uma tarja que não permita a identificação do paciente e mesmo assim deverá vir acompanhada de uma autorização por escrito do paciente e/ou de seus responsáveis legais. IX. Separatas podem ser encomendadas quando o artigo for aceito para publicação. X. Resolução 1.595 do Conselho Federal de Medicina de 18/5/2000: é obrigatório que os autores de "artigos divulgando ou promovendo produtos farmacêuticos ou equipamentos para uso em Medicina declarem os agentes financeiros que patrocinaram suas pesquisas". Revisões da Literatura As revisões devem ser estruturadas em: Introdução (contextualização do problema), Métodos (estratégia de pesquisa bibliográfica utilizada), Resultados (revisão propriamente dita), Discussão, Conclusão, Agradecimento (se houver), Referências e outras subdivisões a critério dos autores. O manuscrito deve conter até 6.000 palavras, sem ultrapassar a soma de seis tabelas e figuras, e não há limite numérico para as referências bibliográficas, embora seja recomendado incluir apenas o essencial. Assim como os artigos originais, as revisões da literatura devem apresentar um resumo com as principais conclusões sobre o tema, além de abstract, keywords e título em Inglês. Relatos de Casos O objetivo da seção "Casos Clínicos" é abordar novas questões clínicas ou teóricas relevantes para o diagnóstico ou para o manejo clínico dos casos atendidos no HMIPV. Os artigos submetidos à publicação nessa seção deverão obedecer às normas gerais 119 para todos os artigos da Revista Científica do HMIPV, respeitando-se o limite de 2.000 palavras e até 15 referências bibliográficas. Os trabalhos devem conter: Título e Resumo em Português e Inglês, e devem ser estruturados em: Introdução, Descrição do Caso Clínico, Discussão e Referências. A introdução deverá apresentar o problema em questão, com uma breve revisão da literatura sobre os aspectos clínicos e terapêuticos, ou o diagnóstico diferencial em relação ao caso apresentado. O relato deverá ser sucinto, evitando-se dados redundantes ou irrelevantes para o esclarecimento do problema. Por exemplo, exames de laboratório de rotina sem alterações deverão ser resumidos em poucas palavras (“sem alterações laboratoriais e radiológicas relevantes”). A discussão deverá contrapor dados do caso apresentado (semelhanças e diferenças) com casos da literatura. Cartas ao Editor Cartas serão avaliadas com vistas à publicação, desde que não contenham idéias já submetidas a outras publicações. O texto não deve ultrapassar 1.500 (um mil e quinhentas) palavras ou ter mais de 10 referências e uma tabela ou gráfico. Cartas que se refiram a artigos não devem ultrapassar seis meses da publicação destes. Toda correspondência recebida por essa seção estará sujeita ao parecer dos Editores. Resumos de Artigos Deverão ser feitos sob convite do(s) editor(es). 120 Encaminhamento dos artigos Devem ser encaminhados para análise do Conselho Editorial pelo e mail [email protected], observando as características próprias descritas nesta Instrução aos Autores. 121