Taisa Nasser. Vestígios do enigma. Jacob Klintowitz O que era vôo tornou-se mergulho. O céu uniu-se à Terra em uma extraordinária conjunção que fez emergir a matéria como personagem e transformação. O que habitava na esfera mais elevada, tornou-se carne e terra e desejo de ascensão. Na verdade, a fase anterior da pintura de Taisa Nasser já anunciava este percurso, pois habitavam nela texturas e sutis vibrações monocromáticas. Agora este universo de sugestões visuais e tácteis tornou-se o personagem da pintura. Antes, tínhamos delicadas formas, uma organização cromática feita de harmonias, uma sugestão de elevação psiquica e, em tudo, o espírito das águas que emergia em sutis manifestações matéricas. De alguma maneira, sentíamos que estávamos em contato com um universo delicado, elaborado e destilado na emoção, dono de sentimentos elevados que se entremostravam para nós, os seus contempladores. Ali estávamos, contemplando este mundo que se revelava nas fimbrias. O que era intuído, sugerido, agora é protagonista. O pigmento saiu do plano para a terceira dimensão. A textura, tão constante na sua pintura, é uma condensação matérica, erupção de um universo subjacente que, de repente, adquire independência e se torna personagem no mundo da superfície. Estas pinturas de Taisa Nasser poderiam se chamar de “Saturação Vermelha”, “Contra-fluxo amarelo”, “Matéria gris” “Restos do Solimões” e “Memórias de um Rei Asteca”. E estariam em sintonia com o falso mistério e seriam de comunicação mais imediata. Entretanto, a artista prefere “Gravetos Celestes’, “Alquimia de ouro”, “Vestígios do vazio”, “Música do presságio” e “Vegetação do Enigma”. Ela diz claramente onde está o seu coração. Pois se trata disto. Há uma constante na pintura de Taisa Nasser que ajuda a explicar o interesse que a sua obra desperta. Tanto na fase anterior, lírica, sensível e de harmonias cromáticas, quanto na atual, fortemente matérica e de contrastes cromáticos, há um acentuado vir a ser, uma discussão sobre caminhos, uma proposta de novo entendimento da arte, a expressão como mensagem psíquica, a forma como desejo de transcendência. Certamente esta arte que acredita tem um forte atrativo num mundo marcado pela massificação da informação e a ênfase no medo. De alguma maneira, uma expressão tão franca como a pintura de Taisa Nasser, afirmativa e propositiva, sem o desejo de convencer ou de modificar o público, e que simplesmente se coloca como uma alternativa de diálogo,é estimulante. O caráter espiritual deste trabalho também está compatível com uma tendência mundial que procura o significado profundo da existência em oposição à crença na gratuidade da vida. A ação vertiginosa da pintora Taisa Nasser, a rapidez e a certeza de execução, a coerência formal do seu trabalho, impuseram imediatamente a sua pintura à consideração do circuito artístico como uma possível contribuição ao expressionismo brasileiro. Reforça esta posição, as condições pessoais da artista, arquiteta, a sólida formação cultural e a sua participação permanente no cotejo de idéias. Deve-se notar que no Brasil, terra de origem e de formação de Taisa Nasser, é freqüente o artista e a sua expressão terem um caráter espiritualista ou místico e isto curiosamente não depende da posição pessoal do artista em relação ao espectro ideológico. O maior pintor brasileiro de arte sacra, Cândido Portinari, foi ateu e comunista. Lívio Abramo que descobriu visualmente as luzes dos ritos afro-brasileiros, como o candomblé e a macumba, também era de esquerda. A ligação com o universo espiritual na arte brasileira está profundamente enraizada e, às vezes, se mostra de forma explícita, outras vezes através do simbolismo da forma, como se pode observar em artistas como Alfredo Volpi, Peixoto Gomide, Lívio Abramo, Candido Portinari, Emiliano Di Cavalcanti, Athos Bulcão, César Romero, Bené Fonteles, Roberto Magalhães, Marcello Grassmann, Antonio Bandeira, Francisco Brennand, Miguel dos Santos, Tereza D’Amico, Aldemir Martins, Israel Pedrosa. A pintura de Taisa Nasser tem origem no movimento abstrato informal e expressionista. No Brasil, este movimento teve uma forte conotação filosófica e, em boa parte, esteve próximo da meditação e da investigação de estados sutis da mente. Para isto contribui a presença marcante de artistas nipobrasileiros que trouxeram não só a experiência gráfica oriental, mas conteúdos do zen-budismo. A artista com o seu trabalho não só parte desta tradição, como acrescenta a ela um vivência estética fundada no contato direto com o Self e em harmonia com estados de elevação espiritual. É este dado explicito espiritual que a artista acrescenta à tradição. No Brasil a tradição do expressionismo é muito forte. Primeiro, como manifestação figurativa, na qual estiveram boa parte dos principais modernistas, como Candido Portinari, Emiliano Di Cavalcanti, Milton Dacosta, Anita Malfatti, Ismael Nery, Oswaldo Goeldi, Lívio Abramo, Antonio Bandeira, Marcello Grassmann, Sanson Flexor, Lasar Segall, Flavio de Carvalho. Em segundo lugar, a partir da década de 50, com o advento da Bienal Internacional de São Paulo e a corrente migratória japonesa, firmou-se o abstracionismo informal, com figuras exponenciais como Cícero Dias, Manabu Mabe, Iberê Camargo, Tikashi Fukushima, Tomie Ohtake, Yolanda Mohalyi, Maria Bonomi, Fayga Ostrower, Danilo Di Prete, Wega Nery, Kazuo Wakabaiashi, Edith Behring, Tomoshige Kusuno, Takashi Fukushima. E é à este elenco que agora de acrescenta o nome da pintora Taisa Nasser.