ENTREVISTA Por que este site? Este site é uma tentativa de reunir os meus últimos trabalhos em gravura. Descobri a gravura e fiquei encantado. O negro, os contrastes dramáticos e as texturas inusitadas que podem ser obtidas com esta técnica são notáveis. Na verdade, desenho e pinto para encontrar satisfação própria e por uma necessidade natural de permitir que outras pessoas possam tomar conhecimento deste trabalho. E você, engenheiro de formação, é também artista plástico? Esta é uma longa história. Em primeiro lugar, para mim, a Engenharia é também uma arte, que, tendo como condicionante maior a funcionalidade, busca também a beleza. Fazer arte é algo que tenho como grande anelo. Pela arte, podemos experimentar uma grande liberdade. Não aquela liberdade incomensurável, mas a liberdade possível. A arte é algo que pode dar um grande sentido à vida, é o espaço onde jamais poderemos ser substituídos e que permite a expressão completa do ser. Este é o desafio de toda uma vida e que continua a evoluir num eterno crescendo. O que você acha de pintura e da arte em geral, dos elementos, da feitura? Para mim, o mais importante é o desenho, é a composição, o design. Um belo trabalho pode até ter algumas falhas na feitura, mas, se tem uma bela composição e um belo desenho, atingirá o objetivo. Quando olhamos um quadro, temos uma impressão imediata de simpatia ou não. Esta primeira impressão é algo fundamental que deve ser considerada pelo artista. Um pintor do século XXI goza de um conhecimento vasto das técnicas, das teorias produzidas pelos antigos criadores, além da ajuda da câmara fotográfica. Com todo esse cabedal de informações, ele se sente, por um lado, gratificado por tamanho acervo de conhecimento, por outro lado, desafiado a ter que fazer algo com qualidade. Acredito na arte que vem de dentro, na mais profunda e verdadeira tradução que alguém possa ter das suas impressões. Evidentemente, acredito que é necessário ter um vasto conhecimento de técnicas, conceitos, design, ter prática, mas o forte desejo de se expressar é o primeiro passo. Como você vê a forma na arte? Qualquer tipo de artes plásticas como pintura, desenho, escultura tem cinco elementos fundamentais: linha, superfície, luz, cor, e volume. A habilidade de criar espaços, resultantes de experiências vivenciais, de obter resultados, onde existam ordem, sentimento, originalidade, é o grande desafio do artista. Uma bela obra de arte não pode ser explicada, mas podemos ter parâmetros para avaliar a sua qualidade. Ela pode ser simples, como um desenho a carvão, ou pode ser suntuosa como uma pintura de Rubens. No entanto, na singeleza de um simples desenho, pode estar contida uma obraprima. Em suma, não são os materiais empregados que determinam a qualidade. Na arte, o fundamental é a forma, e não o conteúdo. Os temas pintados pelos antigos egípcios não têm hoje nenhuma importância para a humanidade, mas a forma genialmente criada será amada eternamente por todos os sensíveis. É necessário um certo grau de conhecimento para apreciar a arte. Para que possamos ter uma verdadeira compreensão da arte, temos que nos despir de preconceitos e clichês. Algo muito importante numa obra de arte é o elemento novo que o artista traz, o tratamento único e pessoal que usa para resolver os problemas formais. De quais artistas você mais gosta? Esta é uma longa lista difícil de ser feita. Dos pintores mais distantes, eu gosto do Rembrandt, Ticiano, Leonardo, Miguel Ângelo; dos mais próximos, Cezzane, Van Gogh e Gauguin. Eu tenho uma grande simpatia por alguns nomes não muito conhecidos do grande público como Soutine, Morandi, Roualt, Rottluf, Kircnher, Vlaminck, Sorolla. Entre os brasileiros, gosto do Iberê Gamargo, Goeldi, Inimá de Paula, Hansen Bahia, Lasar Segall, Sérgio Telles, Emeric Marcier. Os pintores expressionistas alemães me falam profundamente, este pequeno grupo de artistas, “the brücke”, jovens arquitetos, recémformados, fizeram uma revolução nas artes e nos deixaram um legado de beleza e simplicidade. Quais as suas relações afetivas com outras artes como poesia, literatura, música? Sempre fui um leitor incansável. Acredito que os livros são a maior fonte de conhecimento. Também creio que o ato de ler propicia um alto grau de abstração; podemos construir as nossas próprias imagens e, literalmente, sonhar acordados. Acredito no poder persuasivo da palavra, sendo esta para mim a mais efetiva e convincente forma de comunicação humana. A literatura é o grande repositório das indagações humanas. As grandes questões da nossa existência estão narradas nos clássicos. Acho que não devemos conhecer muitos autores, mas uma meia dúzia dos melhores, de forma profunda. As maiores lições humanas estão na literatura, lá podemos encontrar os nossos modelos heroicos, os grandes covardes, os santos e os malditos. Os meus autores prediletos são: Tolstoy, Maupassant, Goethe, Somerset Maughan, Pio Baroja, Shakespeare, Dostoievsky. Para mim, entre todas as artes, a música ocupa papel de destaque, pois é a única que pode se expressar com uma linguagem própria, os sons, e ter completa independência da mera reprodução naturalista. Certa vez, Emil Cioran, filósofo romeno, disse que “a música era uma ilusão que valia por todas as outras”. Todo o devaneio, o indecifrável, os múltiplos estados de espírito cabem na música. Estudei música, tenho um piano em minha casa, onde faço minhas composições. Qual o seu ideário político-filosófico? Para mim, a maior prerrogativa do homem é a liberdade. Qualquer sistema político que põe em risco a liberdade individual do homem é pernicioso e deve ser suplantado. Por mais que muitos acreditem que somos determinados por fatores econômicos e psicológicos (as pulsões), não somos predeterminados. É neste espaço de liberdade que nos resta que gravita todo nosso poder pessoal, todo o diferencial. A obra do Dr. Viktor Frankl elucida de forma cabal este problema, superando o pensamento do Dr. Freud. A liberdade do homem está indissociavelmente ligada à propriedade privada. Alguém só pode expressar-se livremente se não lhe forem confiscados os meios de reprodução das suas ideias: as máquinas tipográficas, emissoras de rádio, etc., provas inequívocas da relação necessária entre propriedade e liberdade. Liberdade implica, necessariamente, responsabilidade. Sem responsabilidade, a liberdade caminha inexoravelmente para a leviandade. Vivemos hoje, infelizmente, um período em que valores como honra, dever, magnamidade, estão em declínio, em detrimento de um relativismo moral discutível e não desejável. O grande legado ético mosaico-cristão está sendo desprezado, em nome de valores que me parecem menores. O homem se fez, por meio de um longo processo histórico-biológico, um ser atípico, completamente distinto dos animais. Temos como habitat o “reino da liberdade”, proclamado por Aristóteles. Nesta posição singular em que ocupamos, o homem se coloca completamente acima do mais avançado computador ou do mais inteligente macaco. Todo biologismo que procura enquadrar o homem como um simples macaco desenvolvido me parece bobagem. Na posição que ocupa dentro do “reino da liberdade”, o homem é indagado constantemente a responder às mais complexas perguntas, sendo desafiado a responder ao meio que lhe cerca e ao seu mundo interior. O “reino da liberdade” é, ao mesmo tempo, a salvação e o seu castigo. Evidentemente que, ao nascermos, herdamos todo o “instrumental” necessário à vida, somos colocados num cenário espetacular, onde se desenvolve, há cem mil anos, o drama humano. O homem não criou a si mesmo como ser vivo, nem criou a natureza, portanto deve respeito às grandes forças invisíveis da natureza. Para mim, estas forças têm um nome: Deus. Pascal desconfiava de qualquer prova definitiva da existência de Deus. Para mim, a existência de níveis distintos de seres, tal qual a natureza se apresenta, mineral, vegetal, animal, humano, dá-nos uma veemente mensagem de que existem ordenações, hierarquias, intenções. Caso contrário, teríamos apenas átomos dispersos ao acaso num grande vácuo. Fale da sua experiência de educador. Ensinar é algo difícil. O professor deve conhecer com profundidade aquilo que se propõe a ensinar. O mais importante são os fundamentos; com sólidos fundamentos, constrói-se um grande edifício. A formação educacional do homem deve ser vasta. Devem ser mostradas as grandes ideias dos filósofos e pensadores e a suas respectivas antíteses. A partir daí, pode-se escolher livremente. Em artes, o conhecimento fundamental inicial dever ser o desenho. Nas outras áreas, inicialmente, devem ser ensinados a língua-mãe e os fundamentos da aritmética e da geometria. Superada esta etapa, tudo se encaixa. Como você vê o futuro do homem? Não posso falar do futuro, é incerto. Mas posso falar do tempo presente. Acho que a humanidade nunca atingiu tão alto patamar como agora. São inúmeros os argumentos fortes que provam que avançamos muito. A taxa média de vida do homem dobrou de 35 para 70 anos, as conquistas tecnológicas alargaram o nosso olhar sobre o universo, as ciências aplicadas permitiram ao homem conhecer melhor a natureza e a si mesmo. Como as teorias gerais que governam o universo não me parecem ser infinitas, acho que poderemos, num futuro próximo, compreender muito do cosmos. Apesar de muitos acharem que a humanidade caminha para um colapso, discordo deles, porque sei dos enormes passos que a humanidade tem dado nos últimos mil anos. Apesar das grandes crises, do holocausto e das duas últimas grandes guerras, vejo luz no fim do túnel. Parece-me que o grande mal vem das ideologias que procuram enquadrar o homem e tratá-lo como um meio apenas. Imanuel Kant nos deixa um precioso legado ao dizer que a dignidade do homem consiste em não ser tratado como um meio, sendo na verdade o homem um fim em si mesmo. Não acredito em leis gerais da história, o processo de desenvolvimento histórico me parece fruto de inúmeros fatores impossíveis de ser equacionados. Não acredito na morte da razão. Imputo aos fins escusos de alguns líderes mundiais os grandes conflitos que tivemos. É para mim o uso deformado da razão que cria os monstros. A única saída está na razão, porque a virtude vem da verdade. O relativismo me parece uma grande tolice. Faça seus últimos comentários. Eu compreendo a vida como um grande “mistério” possível de ser entendido e vivenciado individualmente, de forma diferente. Não creio no caos. Quanto mais compreendemos mais amamos e vice-versa. Cabe a cada um sentir intensamente a vida e contribuir criativamente. O preço final que pagamos por qualquer coisa é o que gastamos com a nossa vida, com a nossa entrega pessoal. Devemos ser cuidadosos no que diz respeito a termos um sentido pessoal e único nesta vida. Dados Biográficos do Autor. Davi Lima de Araújo, nascido na primavera de 1957, em Caculé, nos sertões da Bahia. É engenheiro, professor universitário, Mestre em Desenvolvimento Sustentável. Tem vasta experiência no ensino superior, nas áreas de ciência da computação e sensoriamento remoto. É pintor autodidata desde a infância, é gravador e trabalha com as técnicas de gravura em madeira, gravura em metal e serigrafia.