ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE O ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS E SUAS TECNOLOGIAS
Patrícia Rosinke
Gipec-UNIJUÍ
Maria Cristina Pansera de Araújo
Gipec-UNIJUÍ
RESUMO:
Debates atuais mostram vários problemas relacionados ao currículo escolar. Maldaner e Zanon (2001)
salientam que as limitações no ensino de Ciências referem-se, principalmente, à exclusividade disciplinar, à
linearidade, à fragmentação e à falta de contextualização dos conteúdos escolares com o cotidiano dos estudantes.
Dessa forma, estudos relacionados com “questões tecnológicas, sociais e ambientais ou mesmo com valores e
hábitos culturais, em situações reais relacionadas a tais conteúdos” (MALDANER E ZANON, 2001, p. 46),
acabam sendo desvalorizados. Nesse contexto, a abordagem de temas relacionando Ciência, Tecnologia e
Sociedade (CTS) para a consolidação da cidadania, como ponto de chegada a uma sociedade democrática, em que
os estudantes participem ativa e criticamente, é fundamental. As aulas de Química, a partir de proposta curricular
inovadora denominada Situação de Estudo, desenvolvidas no ensino médio, em turmas de primeiro ano, e que
pretendem ultrapassar a forma tradicional de ensino, superando, a visão epistemológica empirista, “mecanicista,
positivista e pragmática” (MALDANER, 2003, p.119), foram observadas. Portanto, pretende-se analisar, sob o
ponto de vista epistemológico, se a Situação de Estudo (SE) “Água e Vida” considerou a visão CTS, na sua
abordagem em sala de aula. Para tanto, as aulas foram acompanhadas, vídeo-gravadas e transcritas em episódios e
turnos de fala dos estudantes e professores que foram identificados quanto a sua temática, para a construção dos
dados. Estes foram analisados e discutidos com a literatura pertinente. Acreditamos que esse debate, na formação
inicial e continuada de professores, produza uma nova concepção epistemológica, que repercuta na ciência e no seu
ensino, possibilitando uma nova prática docente e um novo currículo escolar, voltado para a vivência dos estudantes,
nesse mundo globalizante (complexo).
Palavras-chave: ensino-aprendizagem; formação inicial e continuada.
O ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS E SUAS TECNOLOGIAS: QUÍMICA
Maldaner e Zanon (2001) salientam que as limitações no ensino de Ciências referem-se à exclusividade
disciplinar, à linearidade, à fragmentação e à falta de contextualização dos conteúdos escolares com o cotidiano dos
estudantes. Dessa forma, estudos relacionados com “questões tecnológicas, sociais e ambientais ou mesmo com
valores e hábitos culturais, em situações reais relacionadas a tais conteúdos” (MALDANER E ZANON, 2001,
p. 46), acabam sendo pouco valorizados.
Segundo Santos (1992), já na década de setenta ocorreram manifestações mundiais em defesa da inclusão de
CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade) no ensino escolar, já que é interdisciplinar, fruto de uma nova visão do que
seja o ensino de Ciências da Natureza e de seu papel na sociedade atual. Em suas pesquisas, na área do ensino de
Química, Santos coloca:
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Outra evidência da importância do ensino de CTS é manifestada pelos resultados de várias
pesquisas envolvidas com objetivo de captar a concepção de alunos e do público em geral
sobre as interações entre ciência, tecnologia e sociedade, as quais constataram que tanto o
público, em geral, quanto os estudantes não possuem uma compreensão satisfatória dos
aspectos fundamentais da ciência e tecnologia que fazem parte de sua vida diária.
(SANTOS, 1992, p. 16)
Suas pesquisas defendem que o ensino é condição necessária para a consolidação da cidadania, em que os
estudantes participem ativa e criticamente de sua sociedade. Isso será possível à medida que forem capazes de
garantir seus direitos e assumirem seus compromissos e deveres. Esse ensino “vê” o estudante como um ser
participativo, que produz conhecimento/ significados e opinião própria, necessárias ao convívio social e democrático.
Para Teixeira (2003):
A ciência aprendida na escola tem pouca permanência além da etapa escolar. O que passa
por alfabetização científica é semântica, vocabulários sem correspondência conceitual e, na
pior das hipóteses, o sentimento de conhecer alguma coisa sem o comprometimento de
uma compreensão de que se trata. (TEIXEIRA, 2003, p. 97)
As proposições do movimento CTS como alternativa para um ensino diferente estão sintonizadas com as
demais áreas dos saberes, estimulando uma visão crítica sobre a natureza da ciência e seu papel social,
interdisciplinar e contextualizado (TEIXEIRA, 2003). Tais proposições são exigências da sociedade atual, que é
marcada pela rápida evolução e presença de inúmeros artefatos tecnológicos, tais como o computador;
vídeo-cassete; PVC; entre outros. Esses artefatos possibilitam a vida humana nos mais diversos ambientes.
Facilmente, adaptamos-nos a esses produtos, incorporando-os ao nosso cotidiano, mesmo sem entender como
funcionam ou quais conhecimentos científicos estão envolvidos em sua produção. Nesse contexto, a escola parece
silenciar sobre os conhecimentos científicos necessários a compreensão do funcionamento desses equipamentos ou
metodologias.
Isso impõe reflexões sobre as inúmeras transformações materiais, envolvidas nesses processos, e também,
perceber o quanto estamos inseridos, nesse ambiente tecnológico. Essa elaboração traz algumas indagações, tanto no
que se refere a produção de conhecimento e a industrialização dos artefatos em grande escala, quanto a organização
de um currículo escolar explicitado num conjunto de conteúdos estabelecido na interação entre os sujeitos e destes
com o ambiente em que se encontram.
Logo, identifica-se um “caminho” historicamente percorrido, que iluminado por uma reflexão epistemológica
acerca da produção e legitimação dos conhecimentos científicos, pode contribuir na compreensão do ensino de
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Ciências da Natureza e suas Tecnologias, hoje, estruturado na Educação Básica e no Ensino Superior.
REFLEXÃO EPISTEMOLÓGICA SOBRE O ENSINO-APRENDIZAGEM EM CIÊNCIAS NATURAIS
E SUAS TECNOLOGIAS
No sentido de tornar o Ensino de Ciências Naturais e Suas Tecnologias no Ensino Médio mais significativo,
foram elaboradas propostas curriculares denominadas de SE (Maldaner e Zanon, 2001). Desse modo, ao
analisarmos a presença e a importância do estudo das tecnologias nas aulas de Química, em algumas Situações de
Estudo desenvolvidas no ensino médio, percebe-se o quanto essa proposta curricular ultrapassa a forma tradicional
de ensino, superando, a visão epistemológica empirista, “mecanicista, positivista e pragmática” (MALDANER, 2003,
p.119), que está, ainda, bastante presente entre os educadores.
Essas concepções, derivadas da modernidade, influenciaram a produção do currículo vigente que caminhou
para uma tentativa de transmissão dos conhecimentos científicos. Tais conhecimentos sobrepujaram-se aos demais,
devido à confiabilidade adquirida pela experimentação e observação dos dados, gerando o Positivismo, em que a
ciência é experiência/ experimentação pura, a única forma de conhecimento verdadeiro, confiável e verificável. A
concepção de que o mundo natural “funciona como um mecanismo preciso, obedecendo a leis e teorias gerais”
também perdura em nossos tempos, associada a “mania” de comparar as coisas que existem, às maquinas, em que
cada peça tem uma função, assim como cada órgão do sistema vivo; cada empregado se especializa numa tarefa e
cada disciplina explica seus conteúdos, conceitos exclusivos. Isso gerou grandes descobertas, segundo Morin
(2003), numa visão linear em que não se conhece o todo, o conjunto, a “complexidade” e, em que “a
hiperespecialização impede tanto a concepção do global (que ela fragmenta em parcelas), quanto do essencial (que
ela dissolve)” (Morin, 2003, p.41). Nem mesmo as escolas permitirão que os compreendamos em sua
complexidade, caso persista com essa forma tradicional/ transmissiva de conhecimentos isolados/ fragmentados. Já
para Maldaner,
É difícil romper com a idéia positivista, sempre presente no meio educacional,
principalmente no âmbito da educação científica, segundo a qual o conhecimento
científico consiste na descrição positiva dos fenômenos da natureza e que esta descrição
é objetiva e independente das crenças de quem a faz. (MALDANER, 2003, p. 103)
O Positivismo acredita que os conhecimentos científicos são produzidos através da observação dos fatos,
com certa neutralidade do cientista, em que as teorias precedentes (subjetividade do cientista), são consideradas ao
fazer e descrever a pesquisa realizada. Essa visão positivista e empirista, que prevalece, ainda hoje, é fruto da falta de
reflexões epistemológicas em nossa formação acadêmica e também nas escolas de educação básica. Para Maldaner
(2003, p. 109), seria de suma importância, também, o estudo da história da ciência, que tornaria acessível a idéia de
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contextualização e de modificação constante.
Mesmo diante de orientações oficiais, como os PCNs, a mudança é difícil. Os PCNEM, na área de Química,
mostram que há uma preocupação em relacioná-la com as tecnologias nos diferentes estágios de desenvolvimento da
sociedade humana: como a agricultura, a indústria e, também, com a ética e cidadania, para que os estudantes
compreendam as transformações químicas nos processos naturais e tecnológicos. As SES, produzidas no GIPEC,
buscam contemplar os eixos temáticos propostos pelos PCNs, bem como os temas transversais, pois segundo
Araújo et al. (2005) propõem entre outras características inovadoras, a compreensão das relações de conhecimentos
científicos com as tecnologias e o cotidiano dos cidadãos.
O objetivo desse artigo é analisar, sob o ponto de vista epistemológico, se a Situação de Estudo (SE) “Água
e Vida”, desenvolvida no primeiro ano do Ensino Médio (EM) no período de julho a outubro de 2005, na Escola de
Educação Básica Francisco de Assis (EFA), abordou os aspectos relacionados as questões CTS. Para tanto, as
aulas foram acompanhadas, registradas em diários de campo, vídeo-gravadas e transcritas, pelos bolsistas de
iniciação científica, com autorização prévia dos estudantes e professores, após a apresentação dos objetivos e
metodologia da pesquisa. Nas transcrições, as aulas foram datadas, os episódios e turnos de fala dos estudantes e
professores foram identificados, para a construção dos dados, que foram analisados e discutidos com a literatura
pertinente.
O EXEMPLO DAS SITUAÇÕES DE ESTUDO
Na discussão sobre o processo da Fotossíntese (em aula de Química), ao se falar de nutrientes e da forma
como as plantas os “absorvem” bem como a água que necessitam para viver, um estudante citou a forma
Hidropônica de produzir alface. O professor, partindo da idéia do aluno, propôs o conteúdo relacionado à
capacidade da água dissolver diferentes substâncias, como é a solução para o cultivo da “alface hidropônica”.
Utilizando-se do exemplo, pode significar a estrutura molecular da água e os conceitos de polar, apolar,
eletronegatividade e misturas. Situação semelhante aconteceu quando o professor questionava os estudantes sobre
seus conhecimentos cotidianos a respeito da produção caseira de melado e de cachaça. Essa discussão foi possível
porque trabalhavam os conceitos de polaridade nas moléculas de água e etanol, bem como a explicação da interação
delas. Os estudantes mostram-se interessados em discutir a forma como seus avós produziam o melado, a partir da
cana-de-açúcar, em grandes “tachos” no fogo de chão.
Nessa mesma SE, estudos referentes ao tratamento químico da água distribuída pela CORSAN/Ijuí foram
realizados, a partir de uma visita ao local de tratamento, onde um técnico apresentou o local e etapas envolvidas no
processo. Os estudantes ficaram bastante interessados pelos processos, a maioria deles fez anotações no caderno e
questionamentos sobre os produtos químicos utilizados. Como a SE é uma proposta interdisciplinar, as professoras
de biologia e física também fizeram suas observações e trabalharam aspectos de sua área em sala de aula.
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A NECESSIDADE DE RUPTURA DO “CÍRCULO VICIOSO”
Segundo Maldaner, um “círculo vicioso”, que mantém a crença na epistemologia positivista/ mecanicista,
gerada pelos próprios “produtores e reprodutores da ciência, existe” (MALDANER, 2003, p. 119). Esse círculo
está sempre reafirmando a concepção metódica e cartesiana como correta e eficaz para se chegar aos conhecimentos
científicos. O autor nos fala em construir outras lógicas que não apenas as da ciência moderna, quer dizer, não vamos
“apagar” o que conseguimos construir ao longo do caminho, mas vamos perceber nossas falhas e ir adiante,
buscando novas soluções, para os problemas atuais. Isso nos faz admitir que necessitamos valores mais “justos,
igualitários e sensatos” (MALDANER, 2003, p. 121).
Tais valores devem ser construídos em várias instâncias, tais como a formação inicial e continuada de
professores. Além da formação inicial, que deve contemplar intensamente esse debate, a escola de educação básica
também deve produzir significados para esses valores nos seus estudantes. Isso será possível num currículo que abra
espaço para discussões sociais, ambientais e tecnológicas, instigando interesse e gerando reflexões nos estudantes,
não os tratando mais como simples espectadores acríticos e sem opinião própria.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Esses exemplos nos mostram um pouco da possibilidade de inovar em relação ao currículo tradicional e,
principalmente, que existem vantagens nesse esforço no que se refere à qualidade dos estudos. É necessário, para
isso, que os professores compreendam e entendam o ensino não como mera transmissão de conteúdos e repetição
de experiências para observação, mas como momentos de produção de entendimentos sobre conhecimentos
científicos contextualizados as suas vivências.
Quando insistimos na idéia de contextualização, pretendemos que os conceitos científicos sejam significados
dentro de um contexto, no qual o estudante consiga relacionar e produzir significados. Não estamos, em momento
algum, tentando reduzir conhecimento científico ao cotidiano, simplificando-o, simplesmente. Conforme Lopes (1999,
p.143), “o conhecimento cotidiano é a soma de nossos conhecimentos sobre a realidade que utilizamos de um modo
efetivo na vida cotidiana,... é o conhecimento-guia de nossas ações”. Já os conhecimentos científicos fazem parte de
uma outra cultura, com sua linguagem específica, seu objeto de estudo próprio e sua metodologia, com domínio
específico e particular de atuação.
Segundo Videira (2000), a ciência produz teorias, que são interpretações a respeito das coisas que existem
ou acreditamos existir nos fenômenos naturais. A elaboração dessas teorias ocorre a partir de conceitos próprios,
criados pela comunidade científica. Trata-se de uma outra cultura, a qual cabe a escola, ensiná-la.
Uma nova concepção epistemológica poderá ser produzida entre os educadores, pela formação inicial e
continuada, com um debate epistemológico efetivo nos diferentes âmbitos, para que seja possível uma nova produção
de ciência e de ensino. Assim, possibilitar-se-á uma nova prática docente e um novo currículo escolar, voltado para a
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vivência dos estudantes, para esse mundo globalizante (complexo). Acreditamos serem esses fatores essenciais na
formação básica dos estudantes, para um ensino de real importância.
BIBLIOGRAFIA:
ARAÚJO, Maria Cristina P. de. AUTH, Milton A., MALDANER, Otavio A. Situações de Estudo como forma
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CHALMERS, A. F. O que é ciência afinal?, Tradução de Raul Fiker. São Paulo:Brasiliense, 1993.
LÔBO, S. F. E MORADILLO, E. F. Epistemologia e a formação docente em Química. In: Química Nova na
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MALDANER, O. A., A formação inicial e continuada de professores de química professor/pesquisador. 2
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MALDANER, O. A. e ZANON, L. B. Situação de Estudo: uma Organização do Ensino que Extrapola a
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MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, Brasília: UNESCO,
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TEIXEIRA, Paulo M. Marini. Educação científica e movimento CTS no quadro das tendências pedagógicas no
Brasil. In: Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, v. 3, n.1, 2003.
VIDEIRA, Antonio A. Passos. Para que servem as definições?. In: EL-HANI, Charbel & VIDEIRA, Antonio
Augusto P. (org.). O que é vida?: para entender a biologia do século XXI. Rio de Janeiro: Relume Dumará,
2000.
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ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE O ENSINO DE CIÊNCIAS