CEV-Rio aponta autores do atentado à Bomba na OAB
Após uma investigação que durou dois anos, a Comissão da Verdade do Rio
comprovou uma hipótese sempre levantada: o atentado contra a OAB, praticado em 27
de agosto de 1980, foi obra de um grupo de oficiais ligados ao Centro de Informação do
Exército (CIE). A investigação da CEV-Rio chegou a quatro testemunhas que caracterizaram a autoria do fato. Uma ocular, que reconheceu a pessoa que levou a bomba à
OAB, e três agentes vinculados à estrutura repressiva da ditadura.
O sargento Magno Cantarino Mota, formado na turma de paraquedistas do Exército, foi quem entregou pessoalmente a carta com o artefato que vitimou D. Lida Monteiro, secretária do então presidente da OAB, Seabra Fagundes. Na atividade de agente
da repressão vinculado ao CIE, Magno adotou o codinome “Guarany”.
Para executar a ação, Guarany subiu pelo elevador até o 4º andar do prédio da
OAB, na Av. Marechal Câmara, 210, Centro do Rio - endereço em que hoje funciona a
CEV-Rio. Segundo a testemunha ocular, que dialogou com o militar momentos antes de
ele entregar o envelope pardo, contendo a bomba de fabricação artesanal, o sargento
vestia calça e camisa social “como os muitos rapazes que trabalhavam pelos escritórios
da região”. A testemunha relatou também que ele tinha cabelos encaracolados abaixo
das orelhas e aparentava pouco mais de trinta anos. De estatura média, falava pausado e
agiu com cordialidade com as pessoas que encontrou em seu trajeto.
Segundo as testemunhas ouvidas pela CEV Rio, a ação foi comandada pelo coronel Freddie Perdigão Pereira, do CIE, e a confecção da bomba esteve a cargo do sargento Guilherme Pereira do Rosário, morto no atentado ao Riocentro, no ano seguinte,
em consequência da explosão da bomba que trazia no colo, também de sua fabricação, e
que seria instalada no interior do auditório, onde cerca de 20 mil pessoas comemoravam o 1º de Maio.
Naquele período, a OAB tinha um papel importante na defesa dos direitos humanos e restauração das liberdades democráticas. Para intimidar a entidade, o grupo que
agia sob o comando do Centro de Informações do Exército, iniciou uma série de atentados, que teve como alvos parlamentares de oposição, bancas de jornal, jornais e entidades como a ABI, numa tentativa de responsabilizar organizações de esquerda.
O RELATO DAS TESTEMUNHAS
A principal testemunha identificou o autor do assassinato a partir de fotos, do retrato falado feito na época, e de outro, confeccionado no ano de 2000. Em seu último
depoimento, assinou uma declaração que confirma o reconhecimento do agente Guarany, nos seguintes termos:
“Eu, Testemunha X, declaro para os devidos fins, à Comissão da
Verdade do Rio, que reconheci na foto para mim exibida onde aparece o rapaz
de camisa branca, perto de um ferido no interior de um Puma, a mesma pessoa
que me abordou na entrada da OAB, no dia 27 de agosto de 1980.”
A seu pedido, visando preservar a sua integridade e segurança, a CEV-RIO não
divulgará o seu nome. A proteção à identidade da testemunha é autorizada pelas normas
do Direito Internacional a da Lei que constituiu a Comissão da Verdade.
Examinando uma foto em que “Guarany” aparece em 1981, socorrendo os colegas atingidos dentro do Puma, no Riocentro, vestido com uma camisa clara e uma arma
de uso das Forças Armadas enfiada no coldre, ela confirmou que, vendo-o “mais novo,
e de corpo inteiro”, reconheceu “o porte” do agente que esteve na OAB no dia do assassinato. “O mesmo cabelo e o mesmo tipo”.
No último dia 3 de setembro, a Comissão do Rio ouviu o depoimento do paraquedista da turma de 1964, Valdemar Martins. Ao examinar o retrato falado de “Guarany” e a foto do Riocentro, onde ele aparece jovem, sem qualquer dúvida, Valdemar
afirmou: “ Na época em que eu estive ai dando o depoimento para vocês, vi algumas fotos ... Falei que era o Magno Cantarino Motta... Um agente que era sargento paraquedista, que serviu na mesma unidade que eu, junto com o Guilherme Rosário, ai no Rio
de Janeiro. Era o agente Guarany... Confirmo que era o Magno Cantarino Motta, sargento paraquedista que serviu na minha unidade...
CEV-Rio: Então podemos considerar um depoimento oficial para a CEV-Rio, uma declaração sua de que reconheceu aqui na sede da Comissão o paraquedista Magno Cantarino, o agente Guarany, como autor da entrega?
Valdemar: Sim.”
O ex-delegado do DOPS-ES, Claudio Guerra, afirmou à Comissão em três
oportunidades que Guarany trouxe a bomba para a OAB; que a o sargento Guilherme do
Rosário foi o encarregado de sua fabricação e a que a ordem para a execução do atentado partiu do coronel Freddie Perdigão Pereira na sede do SNI, do Rio.
Em depoimento 26 de fevereiro de 2014: “O Perdigão mandou.”
Em depoimento no dia 3 de setembro passado: “ Quem montou a bomba foi o
Rosário, numa oficina dum primo dele, que parece que tem até hoje.”
Em email no dia 11 de junho de 2014: “A Carta Bomba era endereçada ao
Presidente do Conselho Federal da OAB, Eduardo Seabra Fagundes, por uma fatalidade
quem abriu a carta foi a senhora Lyda. Quem entregou a carta, o artefato, foi o agente
Guarany, Magno Cantarini Mota, que está vivo e reside em Campinho, próximo a
Jacarepaguá.
Posso ainda afirmar, que, na mesma ocasião, o mesmo grupo (Equipe secreta de
militares do Cel. Perdigão composta, pelo Sgt Rosário, Guarani e outros, foi
responsável pelo artefato que foi colocado no gabinete de um vereador, não lembro o
nome, e outra na Tribuna da Imprensa. A motivação, o combate intensivo que a OAB
fazia para que fossem apontados os responsáveis pelos desaparecimentos e torturas”.
A quarta testemunha ouvida Emanuel Matos Pontes (Manolo), ex-militar do
Exército, cedido ao DOPS para missões do CIE. Apresentou-se como amigo, quase
irmão, do agente Guarany. Sua declaração para a pesquisadora Denise Assis, da CEV
Rio, é a seguinte: “Vocês deveriam procurar o Guarani. Estive agora hospedado na casa
dele e ele está bastante fragilizado. Este é o momento de procurá-lo. Quando estivemos
juntos senti que ele quer falar. Ele ficou rodeando o assunto, mas eu não quis
aprofundar. Estava hospedado na casa dele e ele poderia ficar aborrecido. Sinto que
agora, que ele passou por este período da doença, está fragilizado, ele repensou bastante
a vida. Senti que essas coisas desta época estão incomodando e ele quer falar, mas para
mim é difícil. Com jeito, vocês indo lá, ele acaba contando. Foi ele quem levou aquela
bomba da OAB e ele não pode continuar negando isto. O Rosário fez a bomba, mas foi
ele quem levou.”
Diante de tais fatos, a Comissão da Verdade do Rio considerou identificados os
autores do crime do ponto de vista factual, conforme a praxe das Comissões de Verdade. Identificou também a cadeia de comando da época, relacionada ao fato.
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