CEDES – CENTRO DE ESTUDOS DIREITO E SOCIEDADE – BOLETIM/FEVEREIRO DE 2007
T RABALHO E LIBERDADE RELIGIOSA
Cássio Casagrande1
Uma empregada de uma pequena biblioteca municipal obteve na Justiça o
direito à reintegração no emprego, porque havia sido despedida por se recusar a
trabalhar aos domingos. O processo fundamentou-se na alegação de discriminação
religiosa. A autora da ação é uma bibliotecária de 54 anos que havia trabalhado para a
municipalidade por longos doze anos, até que a determinação de abertura da biblioteca
aos fins de semana chocou-se com sua inarredável convicção de que os domingos
devem ser guardados. A reclamante ainda receberá uma indenização pelos danos
decorrentes do despedimento, que correspondem à diferença entre o que ela percebia
na biblioteca e o salário auferido no emprego que obteve após o desligamento. Para a
autora da ação, no entanto, a grande recompensa foi conseguir retornar ao emprego,
que ela considera “um presente de Deus”, porque lhe permite servir à comunidade.
O caso acima não foi decidido pela Justiça do Trabalho no Brasil, mas sim por
um júri federal de Missouri, nos Estados Unidos. A autora da ação é Connie Rehm,
uma ex-professora de matemática do ensino médio que freqüenta a igreja luterana.
Para ela, o resultado de seu processo é uma vitória para qualquer empregado cujas
convicções a respeito da necessidade de se guardar o domingo sejam desrespeitadas
por imposições do empregador. Rehm foi defendida neste processo pelo mesmo
escritório de advogados que esteve à frente do caso Terri Schiavo – a paciente com
dano cerebral que no ano passado esteve no centro da discussão sobre o direito de
morrer. Este escritório de advocacia patrocina causas semelhantes para a Christian
Law Association.
A bibliotecária, indiferente à indenização que receberá, se pergunta: “Qual o
preço da minha liberdade religiosa? Quanto isto vale? Não é uma questão de poder
dispor livremente sobre os Dez Mandamentos. Trata-se de ser livre para poder viver os
Dez Mandamentos, e é o que o meu empregador estava me pedindo para não fazer.”
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Procurador do Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro, ex-advogado trabalhista e membro do
CEDES – Centro de Estudos Direito e Sociedade (IUPERJ).
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Nos Estados Unidos, os casos de reclamação por discriminação religiosa no
trabalho
são
pequenos,
porém
significativos:
3,1% - das
mais
de
75.000
representações encaminhadas no ano de 2005 à Comissão de Igualdade de
Oportunidades no Emprego (U.S. Equal Employment Opportunity Comission - EEOC).
Jim Paul, coordenador do Comitê de Direito do Trabalho e Emprego da Ordem dos
Advogados de Missouri aponta uma tendência de aumento deste tipo de conflito:
“Reclamações contra discriminação religiosa são, definitivamente, um novo e promissor
assunto”, sustenta Paul. “Inúmeras empresas e organizações estão operando de forma
ininterrupta e mais dias por semana, de modo que, inevitavelmente, você acaba
invadindo o domínio da vida pessoal dos trabalhadores, inclusive no que diz respeito às
práticas e obrigações religiosas”.
Será que este tipo de processo teria a mesma recepção na Justiça do Trabalho
no Brasil? As ações de reintegração no emprego por práticas discriminatórias de
qualquer natureza eram raríssimas na Justiça do Trabalho. O quadro modificou-se na
década de 1990. A partir de um precedente do TST em um caso de despedida
discriminatória em decorrência de orientação política, no qual o autor foi reintegrado no
emprego, a jurisprudência trabalhista consolidou-se no sentido de que o despedimento
motivado por discriminação caracteriza-se como abuso do direito potestativo do
empregador, levando à nulidade do ato demissional.
O TST, a partir deste
entendimento, já julgou inúmeros casos de discriminação, determinando a reintegração
no emprego e o pagamento de indenizações por dano moral. Há farta jurisprudência,
por exemplo, em relação à despedida discriminatória de portadores do vírus HIV, como
também em decorrência de discriminação racial.
Durante o governo Fernando Henrique Cardoso foi editada a Lei 9029/95, que
vedou de forma expressa a adoção de práticas discriminatórias no emprego,
introduzindo formalmente na legislação o direito a readmissão no emprego e
estabelecendo sanções administrativas ao empregador. No entanto, ainda não se tem
notícia de decisões judiciais a respeito de discriminação religiosa no Brasil. Poder-seia pensar que esta ausência de casos decorre de uma relativa homogeneidade das
práticas religiosas no país, mas como é do conhecimento geral esta situação está
mudando, sobretudo em decorrência do aumento expressivo dos fiéis das religiões
pentecostais. Alguns ruídos decorrentes deste novo quadro de diversidade religiosa no
trabalho já começam a ser sentidos. No Rio de Janeiro, uma empresa cujo dono era
um pastor evangélico foi denunciada ao Ministério Público porque só admitia
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trabalhadores da mesma confissão do proprietário, além de exigir que os empregados
participassem de um culto na hora do intervalo. Em Sobral, no Ceará, um
supermercado foi denunciado também ao Ministério Público por uma empregada
seguidora das “Testemunhas de Jeová”. A comerciária reclamou que havia sido
afastada de suas atividades em razão da recusa em utilizar uma camiseta promocional
criada para o período da festividade natalina. Em audiência realizada no final de
dezembro do ano passado, os representantes legais do supermercado confirmaram
que ela foi afastada das funções desde 21 de novembro de 2006 e que, no período do
afastamento, ela ficou sem receber sua remuneração. O empregador defendeu que
não havia como confeccionar fardamento sem a expressão "Natal Encantado" apenas
para aquela empregada porque isso poderia gerar questionamentos dos demais
trabalhadores. Também argumentaram que o remanejamento dela para outro setor
seria impossível em razão das qualificações necessárias ou das diferenças salariais
entre os cargos. A empregada disse que aceitaria usar o fardamento, desde que sem a
inscrição, e informou ter recebido convocação para retorno ao trabalho sob pena de ser
configurado abandono de emprego. Neste caso, o Ministério Público do Trabalho
conseguiu assinar um termo de compromisso com a empresa, que se obrigou a
respeitar a objeção de empregados por motivos religiosos em situações como esta.
As informações sobre o caso Connie Rehm foram retiradas do site FindLaw, a
partir de reportagem da jornalista Dana Fields, da Associated Press. As informações do
caso da trabalhadora de Sobral são do site da Procuradoria Geral do Ministério Público
do Trabalho.
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Trabalho e liberdade religiosa