Elementos culturais indígenas e Vida Consagrada Salesiana Pe. Justino Sarmento Rezende 1 Abrindo a conversa Nós indígenas salesianos estamos felizes, pois estamos realizando o I Encontro sobre Vida Religiosa Indígena Salesiana. O texto que eu lhes apresento é uma reflexão sobre como os elementos culturais indígenas devem ser aprofundados em relação à vida consagrada salesiana. 1. Fundamento Filosófico Para nós indígenas salesianos é muito importante saber que nós somos membros de um povo indígena, ou seja, cada um de nós pertence a um determinado povo indígena. Cada povo indígena é possuidor de diversos saberes, construídos ao longo das histórias, que começa desde o seu surgimento até aos dias atuais. Eu digo que nossos antepassados e nós somos amigos das sabedorias, amigos dos conhecimentos, amigos do bem, amigos da vida, amigos do bem viver. Essas realidades são tratadas, conduzidos e vividas pelos nossos povos. 2. Fundamento Sociológico Como eu disse acima os povos indígenas não são todos iguais. É muito importante que nós entendamos bem sobre as diversidades culturais, como riquezas e patrimônios dos povos indígenas, de nossa região e do mundo. A nossa pertença a um determinado povo indígena é garantia de nossa identidade e nossa diferença. Identidades nos mostram quem somos nós e como estamos construindo nossas histórias. Diferenças nos ajudam no fortalecimento de nossas identidades. Aquilo que existe dentro de nossas culturas indígenas. Para nós salesianos é importante entender também que a cultura salesiana é outra cultura. Entre as diversas culturas devemos estabelecer diálogos para evitar criar atitudes fundamentalistas, que nos levem a pensar que somente nós indígenas temos verdades sobre nós mesmos, sobre o que queremos e para onde queremos caminhar. Hoje nós somos indígenas salesianos e devemos aprender a olhar nossas culturas, nossos trabalhos, nossas histórias e nossos projetos de vida com os olhares dos outros salesianos, das orientações da nossa congregação. 3. Fundamentos Antropológicos. Nós indígenas como somos povos específicos e diferenciados. Assim, eu, nós e outros estamos construindo nossas histórias e nossas vidas, desde os nossos antepassados seres-divinos-espíritos até chegarmos à nossa humanização, através de específicos processos de construção histórica assumidos por cada povo. 4. Fundamentos Teológicos Nós povos indígenas sabemos pelos ensinamentos de nossos avós, pais e parentes que as raízes de nossas vidas encontram-se nos seres divinos. Por isso, cada povo possui pensamentos, ensinamentos e práticas teológicas próprias. Elas se manifestam através de centenas de espiritualidades que sustentam as nossas vidas, histórias, projetos de vida, trabalhos, festas. Existem rituais, cerimoniais, disciplinas, dietas alimentares, etc. 1 Indígena do povo Tuyuka. É salesiano desde dia 06.01.1984 e padre desde 02.06.1994. O texto foi preparado para a partilha entre os indígenas salesianos da Inspetoria São Domingos Sávio (ISMA) – Manaus/AM, no período de 14-17 de julho de 2014. Dentro de nossas culturas nós temos nossos teólogos e mestres das espiritualidades que meditam, refletem, benzem, curam, dançam, fazem discursos rituais, cerimoniais... Eles cantam sobre as vidas, sobre as histórias! Ritualizam as nossas histórias, realizam cerimônias e rituais de proteção da saúde e cura das doenças. Essas forças vêm dos seres divinos, originadores de nossas vidas. São histórias sagradas de cada povo. As nossas espiritualidades indígenas hoje se encontram com outras espiritualidades de origem cristã e não-cristãs. 5. Fundamentos Pedagógicos Nossos avós, pais, parentes possuem conhecimentos e práticas de vida de como conduzir a educação de seus filhos e filhas, netos e netas. Construíram modelos próprios de transmissão de saberes e colocar em prática tais conhecimentos para o benefício das pessoas, comunidades e histórias. Criaram conteúdos próprios para cada fase de crescimento de uma pessoa. A história atual continua desafiando cada povo indígena para que criem modelos de educação apropriados para nossos tempos. 6. Fundamentos Políticos Cada povo indígena constrói políticas próprias para a organização social, econômica, das alianças entre diferentes povos etc. Cada povo organiza para morar em determinadas regiões geográficas. Também essas formas eram reconstruídas ao longo do tempo. Foram surgindo novas lideranças e novas demandas sociais exigiram outros modos de se organizarmos. Nós povos indígenas estamos organizados por grupos familiares e eles facilitam uma convivência respeitosa entre irmãos maiores e menores, primeiros e últimos. Chefes e servos. A compreensão desses modos de organização social é de muita importância para nós, pois fortalece a aceitação do outro como nosso irmão, maior, menor, servo. A tarefa dos irmãos maiores é zelar, proteger e dinamizar a vida de seus irmãos menores. A construção de nossas histórias indígenas, construção de políticas específicas, construção de nossas ideologias começaram desde as nossas origens indígenas. As políticas indígenas são construídas entre as diferentes forças da natureza, humanidade, pensamentos, filosofias, conceitos, preconceitos. 7. Fundamento Salesiano Nós somos indígenas salesianos e a nossa inspetoria deposita confiança em nós, espera de nós algo mais nos trabalhos com os nossos parentes indígenas, pois possuímos recursos humanos para trabalhar bem melhor: falamos as línguas indígenas, conhecemos nossas culturas, conhecemos os costumes, conhecemos as qualidades dos povos indígenas, conhecemos as realidades negativas que nós indígenas carregamos. Por outra parte conhecemos as exigências de nossa Congregação, principalmente, da inculturação do carisma salesiano, inovação dos trabalhos missionários etc. Para nós indígenas salesianos as raízes que dão sustentabilidade à nossa existência, histórias e nossa vida salesiana estão localizadas no chão de nossas culturas indígenas. Para estes lugares nós precisamos visitar e revisitar. As nossas raízes vocacionais também estão lá, nas comunidades de origem. Foi lá que Deus nos olhou com carinho e nos convidou para que O seguíssemos. As nossas comunidades são lugares onde nós enamoramos com o Invisível que falava em nosso coração, aos nossos ouvidos. Nós ouvíamos a voz de Deus e saboreávamos sem muitas interferências humanas. Nós deixamos para trás nossas famílias, nossas culturas, nosso povo e lugares onde nascemos, crescemos. A nossa indianidade precisa retornar aos nossos lugares de 2 origem para beber as riquezas de nossas culturas, conviver com os parentes que vão e vem das roças todos os dias; comer quinhapira e beiju; tomar mingau e chibé. Lá podemos sentar ao final do dia com os nossos parentes, andar pelas casas e olhá-los com amor de salesiano. Lá podemos ir à roça com nossa família. Podemos tomar banho com nossos sobrinhos e sobrinhas, podemos achar graça à vontade, etc. Lá podemos deixar que os nossos parentes nos olhem, toquem, conversem conosco. Para muitos de nós nossos parentes não nos conhecem. Nós indígenas salesianos devemos tirar forças bebendo nas fontes de nossas espiritualidades indígenas. Elas nascem na vida comunitária, na partilha, nos trabalhos comunitários, nas festas. Elas nascem nas cachoeiras, nos portos, nas curvas dos rios, nas serras, nos igarapés, nos igapós, lagos etc. Dentro desses ambientes e dessas vidas nós fomos consagrados pelos nossos sábios, através dos benzimentos. Eles nos consagraram para que vivêssemos em harmonia com divindades-humanidades-vidas. Essas espiritualidades dão sustentabilidade à nossa vida, nossa história e para nossos projetos de vida. As nossas identidades, nossas espiritualidades e teologias são bem dinâmicas. Para nós indígenas salesianos as nossas espiritualidades indígenas são enriquecidas pelas teologias, espiritualidades e práticas de vida cristã. O inverso é muito real e existencial, isto é, nossas teologias e espiritualidades indígenas acolhem e enriquecem as teologias, espiritualidades e práticas de vida cristã. Para estas realidades a Igreja denominou-se de Inculturação do Evangelho, inculturação da mensagem cristã, das práticas de vida... As nossas identidades e diferenças indígenas são produtos de processos contínuos de construção de nossas histórias. Os diversos espaços culturais que nos envolvem são espaços híbridos e de mestiçagem. Nós estamos continuamente dentro das diversidades culturais [multiculturalidade]. Para nós indígenas salesianos a compreensão da existência multicultural deve nos levar a construir instrumentos de interação com os diferentes povos e suas culturas [interculturalidade]. As nossas espiritualidades indígenas favorecem contatos vitais e íntimos com os seres vivos não- humanos, com as águas, florestas, gentes-peixes, gentes-florestas, gentes-mundos etc. Esses relacionamentos para os nossos avôs eram importantíssimos. Desses bons relacionamentos surgia a vida com saúde, bem-estar das pessoas e comunidades; garantia a produtividade dos animais, caças, peixes... No campo da vida religiosa salesiana onde nós indígenas estamos transitando nas últimas décadas é importante entender que os diversos espaços religiosos e suas práticas cristãs estão em contínua construção histórica, passam pelos processos de ressignificação de valores e práticas culturais. Nós indígenas temos possibilidades de refletir e recriar as identidades religiosas cristãs, identidades salesianas. Para essas possibilidades os nossos superiores gerais denominam de inculturação do carisma salesiana. Como os ideais de Dom Bosco, da nossa Congregação refletem nas culturas indígenas? Quais leituras que nós indígenas salesianos e fazemos? Como nós indígenas poderíamos repensar, reconstruir e ressignificar esses desafios? 3 Fechando a conversa Se nós indígenas salesianos não aprofundarmos nossa identidade salesiana e seus desafios para nossos contextos culturais, contextos juvenis, familiares, nós não teremos respostas mais próximas de respondermos aos desafios. É importante continuar o nosso trabalho de estudar nossas culturas e a cultura salesiano que nós mesmos decidimos abraçá-las. 4