20 Quarta-feira 25 de Novembro de 2015 Jornal do Comércio - Porto Alegre Internacional ARGENTINA La Nación noticia reação contrária a seu editorial LA NACION/AFP/JC Texto do jornal defendeu a anistia de repressores da ditadura Um editorial do jornal La Nación defendendo uma anistia a repressores condenados por crimes cometidos durante o regime militar argentino (1976-83) causou forte reação entre políticos, jornalistas e leitores da publicação, de linha conservadora. O próprio jornal voltou a manifestar-se ontem, um dia após a publicação, noticiando o ato de repúdio promovido pelos funcionários e dizendo que o texto reflete “exclusivamente a posição editorial do jornal, e não a de seus jornalistas”. O editorial, intitulado “No más venganza” (Chega de vingança), afirma que os julgamentos dos crimes de lesa-humanidade promovidos nos anos do kirchnerismo foram atos de “vingança” e chama os opositores do regime militar de “terroristas”. Afirma ainda que os repressores que se encon- tram encarcerados, a maioria em idade avançada, estariam sendo maltratados. O texto ainda celebra a eleição de um novo presidente como oportunidade para “sepultar” as “ânsias de vingança” alimentadas pelas políticas de direitos humanos de Néstor e Cristina Kirchner — que anularam indultos e estimularam investigações. Em sua edição de ontem, a publicação pediu também desculpas à senadora Norma Morandini, que foi citada no editorial por conta de um artigo em que falava na necessidade de reconciliação na área de direitos humanos. Norma, que teve dois irmãos desaparecidos durante a ditadura, diz que o jornal distorceu seu pensamento. “Quando falo em reconciliar, não é com os repressores, mas sim com a sociedade. Me vi envolvida em uma mentira.” O ex-chefe de gabinete do governo Cristina Kirchner, Jorge Capitanich, declarou que o editorial era “abominável”. Já a deputada Victoria Donda (Progressistas) argumentou que os donos do jornal foram “irresponsáveis” ao comparar aqueles que morreram nos centros clandestinos aos terroristas que atacaram Paris no dia 13 de novembro. Já a presidente da associação Avós da Praça de Maio, Estela de Carlotto, considerou o editorial “desatinado, injurioso e ofensivo”, afirmando que os repressores presos são “pessoas muito perigosas, que não estão arrependidas”. Na tarde de segunda-feira, os jornalistas do La Nación, realizaram um ato de repúdio em plena redação. Soltaram um comunicado e tiraram uma foto com cartazes dizendo: “eu repudio o edi- Jornalistas realizaram um ato de repúdio em plena redação torial”. “Nunca vi nada parecido aqui, foi uma reação muito contundente”, disse à reportagem o jornalista da seção de política Jorge Liotti. A polêmica surgiu no dia seguinte à eleição de Mauricio Macri, que deu declarações polêmicas sobre o tema dos direitos humanos, afirmando que o kirchnerismo havia criado um sistema de “currais”, beneficiando grupos de direitos humanos que se alinham ao governo. Apesar de declarar que manterá os julgamentos em curso, Macri não dá detalhes sobre o que pretende fazer com relação aos repressores presos nem se novos julgamentos terão início. O presidente eleito tem o apoio de entidades e advogados que pedem a anistia e a interrupção dos processos em curso. Na ditadura argentina, desapareceram 20 mil pessoas e mais de 500 bebês foram sequestrados. Partido governista da Venezuela condena Macri por propor a retirada do país do Mercosul Melhorar a relação com o Brasil e acelerar acordos para liberar o comércio com a União Europeia (UE) e com a Aliança do Pacífico são alguns dos pontos já definidos pelo presidente eleito da Argentina, Mauricio Macri, em sua política externa. Um dia após ser eleito, ele reafirmou a promessa de propor ao Mercosul acionar a cláusula democrática contra a Venezuela em razão dos políticos presos pelo governo de Nicolás Maduro. O presidente venezuelano condenou a fala de Macri. Nas palavras do argentino, o líder venezuelano age com “abuso e perseguição” contra seus opositores. “Acredito que é evidente que se aplique essa cláusula, porque as denúncias são claras e contundentes. Não são uma invenção. Os testemunhos de Lilian Tintori, mulher de Leopoldo Lopez, são claros sobre o que está acontecendo na Venezuela. Não tem a ver com o compromisso democrático que assumimos.” A mulher do venezuelano, que foi condenado a 14 anos de prisão em um julgamento controverso, esteve na Argentina no domingo e acompanhou o resultado da apuração na sede da coligação Cambiemos. O tema pode ser o primeiro ponto de atrito entre o Brasil e a Argentina sob a gestão de Macri, uma vez que o governo de Dilma Rousseff vem mantendo silêncio sobre a política venezuelana. Em seu discurso, porém, Macri tentou minimizar contradições. “Queremos construir e afiançar boas rela- ções com todos os governantes da América Latina e com o mundo. A Argentina precisa intercambiar culturalmente e economicamente com todos os países, buscando melhores oportunidades”, afirmou. Ainda na noite de segunda-feira, o partido chavista divulgou um comunicado oficial para condenar Macri por criticar o governo da Venezuela e tentar expulsá-lo do Mercosul por abusos de direitos humanos. A nota do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) é a primeira reação do chavismo às duras críticas do recém-eleito. “As declarações do presidente-eleito, Mauricio Macri, são condenáveis e lamentáveis, já que representam um ato de ingerência interna nas eleições parlamentares”, diz a nota do PSUV, assinada pelo economista Rodrigo Cabeza Morales, vice-presidente da sigla para temas internacionais. Entre os temas também abordados por Macri está a intenção de avançar na facilitação comercial com a UE — com quem o Mercosul discute há anos um acordo de livre comércio — e com a Aliança do Pacífico, com o objetivo de aumentar o intercâmbio. Macri afirmou ainda que proporá o cancelamento do acordo com o Irã, costurado pela presidente Cristina Kirchner com o objetivo, segundo o governo, de interrogar suspeitos do ataque a bomba em Buenos Aires, em 1994. O acordo foi alvo de investigação do promotor Alberto Nisman, encontrado morto em janeiro em caso ainda sem solução. VATICANO OSSERVATORE ROMANO/AFP/JC Uso de documentos confidenciais levou jornalistas ao banco dos réus Tribunal rejeita arquivar acusações de vazamento Um tribunal do Vaticano rejeitou ontem um pedido de dois jornalistas para arquivar acusações contra eles por publicarem documentos confidenciais na abertura de um julgamento sobre o caso. As acusações aos jornalistas Emiliano Fittipaldi e Gianluigi Nuzzi ocorrem após a publicação de livros sobre o desperdício, a ganância e problemas de gerenciamento no Vaticano, em parte baseados em documentos confidenciais da Santa Sé. O julgamento foi aberto apesar de apelos de grupos de monito- ramento da imprensa, entre eles o Comitê de Proteção aos Jornalistas e o Repórteres Sem Fronteiras. As entidades pediram o arquivamento das acusações, alegando que a liberdade de imprensa era um direito humano fundamental. A audiência foi realizada no tribunal criminal do Vaticano. Após a leitura das acusações, Fittipaldi disse que não era acusado por publicar nada falso ou difamatório, simplesmente notícias. O promotor assistente Roberto Zannotti afirmou que a liberdade de imprensa não estava em ques- tão, mas sim o “comportamento ilícito” dos jornalistas para obter as informações. Os dois livros foram baseados em documentos produzidos por uma comissão de reforma nomeada pelo Papa Francisco para avaliar as finanças do Vaticano e propor mudanças. As outras três pessoas no julgamento pertenceram à comissão: o monsenhor Angelo Lucio Vallejo Balda, Francesca Chaouqui e Nicola Maio. O trio é acusado de formação de uma organização criminosa e de vazamento de documentos confidenciais.