29 SERÕES GRAMMATICAES antigos, quando haviam mister empregar o artigo indicativo após a preposição em, dizendo em no, em na, em nos, em nas ou supprimindo o m da preposição c unindo o e á euphonica, deste m o d o : eno, ena, cnos, enas. Atlcstam-nos isto os exemplos seguintes: «Furto ('• quando ho homem pode accorrer ao mingado em na sua minga e na sua necessidade e nom lhe accorre» (fned d'Alcob). «Tomou rei Pharaó hum anel e pose-o ena maão a Joscph e pose-o hum colar d'ouro eno colo, e feze-o segundo eno seu reino» (Ibidem). «. Que nora soja nenhum tão ousado ih' fazer volta ou arruido e /inste por mal querençá do tempo passado» {Ord. Ajfons.). Quando dizemos no mundo, na guerra, nos campos, nas ruas, a preposição em deve considerar-sc elliptica e o n, que .precede ao artigo e m taes casos, é, o que sempre foi c m portuguez, u m a lettra meramente euphonica. Assimilação é essa lei de euphonia e m virtude da (piai. por influencia de u m a consoante, se modifica outra que se lhe assimila e a c c o m m o d a o mais possível. Esta pode ser de dois modos: progressiva e regressiva; diz-se progressiva, quando a consoante modificada está depois; regressiva, pelo contrario, quando a modificada é a que v e m antes. Assim os vocábulos latinos hominem, feminam, por u m a assimilação progressiva, produziram angustiam, os francezes lionime. Jemmc, angoisse. Por assimilação regressiva os vocábulos latinos ad e sibiInre, in e ratliare, in e mortalem, ob e facere, sub e ridere, oli eponere, cttm e legere, in e lustrare, in e laminare, cum e respondere, cum e late/alem deram e m portuguez os vocá- bulos assobiar, irradiar, immortal, oficio, surrir, oppor, colligir, i/lustrar, illuminar, corresponder, collateral. A assimilação regressiva é u m facto muito mais frequente o c o m m u m que a progressiva. 30 PHONOLOGIA C o m o exemplos desta daremos facillimo, paupérrimo das formas latinas primitivaspauper, facilie do suffixo superlativo timus, em que se fez a assimilação da consoante t do suffixo, trocando-se nas consoantes r e / do thema. Algumas vezes não é completa a assimilação: ha apenas apropriação de sons. A isso é que se dá o nome de accommodação. Pelo phenomeno da accommodação explicam-se as palavras portuguezas seguintes: almoço de (ad morsttm); gesso de Cgypsum); caixa de (capsam). Dissimilação ó o phenomeno e m virtude do qual a vizinhança de dois sons idênticos e uniformes traz a modificação de u m delles, para evitar u m m á u soido. Assim de lilium, vocábulo latino, se fez no portuguez lirio; de triticum, trigo. Pela dissi milação é que se diz e m portuguez e latim homicida, e não hominicida; estipendio, stipendium, e não eslipipendio, s pendium; venefeo, venefieus, e não venenifico, venenific semestre, semestris, e não semimestre, semimestris; carido embalsamento, e não caridadoso, embalsamamento. Ainda pelo mesmo phenomeno phonico é que se designa em portuguez com a denominação de formicida (e não formicicida) u m producto industrial, destinado á destruição das formigas saúvas. «A dissimilação», diz A. Coelho, «pode ser de três espécies: 1." Por simples alteração de consoante, como em marmelo de melimelum; lirio de lilium; rouxinol de lusciniolam. 2." Por suppres de consoante, como em proa de proram; Jrade de jratrem; crivo de cribrum. 3." Por suppressão de syllaba, como trigo de triticum; bondoso por bondadoso». (') Levados pela mesma lei euphonica, não empregavam os Romanos os suffixos uris e alis em relação a todos os radicaes, bem que essas terminações tenham a mesma origem e o mesmo sentido. Assim que não diziam singulalis, instdalis, solalis, consulalis, e sim sing insularis, solaris, consularis; nem pluraris, particuraris, r (1) Adolpho Coelho —.4 Lingua Portugueza, pg. 77. SERÕES GRAMMATICAES 31 muraria, o sim pluralis, particularis, regalia, muralis, usando da terminação uris, quando no radical ou thema havia u m l, e alia, quando continha este u m r, evitando desta arte a repetição monótona dos m e s m o s sons ou de sons quasi idênticos. Tal monotonia de sons, todavia, que a dissimilação tende a evitar e repellir, é muito para notar e m nossa lingua e nos idiomas novolatinos e m linguagem chula e familiar, e m termos infantis, e m diminutivos, e m onomatopeas e mimologismos, e m muitos vocábulos de origem africana e americana. Taes são os seguintes: sarará, sururu, surti rima, surtir ucttjú, sororòca, surueucti, bobó, Tororó, totó, tutu, bibi, yi/ii, pipia, sipipira, chuchu, chôchó, cheché, chechéu, cacarejar tipiti, tatá,pururuea, urubtí, uruçú, cariri, caruru, Beberibe, jararaca tiririca, pororõea, perereca, miroró, cuscuz, canção, dindinha, papá, rnuiiiun, tatebitati, doe-doc, bum-bum, zão-zão, zum-zum, bule-bule, rttge-ruge, toque-em-bot/tie, timtim, tirintintim, zas-iraz, tique-ti ligue—zigue, glonglon, glu-glu, eri-cri, trom-trom, nhonhõ, nhanhã, nené, jare ré, tili, titia, vovó, vovô, beribéri, arara, caracará, miciri péga-péga, quem-quem, Quinquim, Zezé, Mimi, Zazá, Babá, Lulu, Dada, Zuzú, Janjão, Teté, Totonio, Dudú. N o espanhol o vocábulo gorri-gorri (canto de criança); no italiano Pepé (diminutivo de Giuseppe), popó (criança): no francez pipi (urina), dodo {dormir), bobo (dorsinha), fan-fan (menino), tan1111111' (tia)j nononcle (tio), fifdlc (filhinha), fiji (filhinho), dada (cavallo e m linguagem infantil), nounou (ama de leite nourrice), bonbon (docinho), nanan (docinho) , ouan-ouan (grito do macho da codorniz) pif, paj, pouf, pan-pan (ruido das rolhas que se tiram de u m vaso), fton-flon (som da rabeca), don-don, zon-zon (som do instrumento de corda), froti-frou, ronron e outras onomatopeas, tão conhecidas e trilhadas nas xacaras e cançonetas populares: d Flon-flon, larilà dondaine, Flon-fon, larilà dondon » (Lemonn.) «Et violon, zon-zon» (Béranger.) «Lorsque le champagne Fait cu s'échappant Pan, pan, Ce doux hruii m e gagne ]/áme et le tympan» (Désaugiers) 32 1'IION'OLOGIA N o latim m e s m o , posto que e m numero diminuto, já se encontra esse redobramento phonico nos vocábulos cuculus, jurfur, murmur, purpura, turiuv, qtierrpterus, pipio, titio, tilivilitium, tintinnab na onomatopea taratantara, usada pelo poeta Ennioi «At tuba terribili sonitu taratantara dixit». Alliteraçao é uma repetição da mesma lettra ou som, que s faz não mais na m e s m a palavra, senão no principio de dois ou mais vocábulos em immediata successão ou recurrencia do m e s m o som inicial, nas primeiras syllabas accentuadas das palavras, como: c< Terra, feia, fria e farta». É muito conhecido o seguinte verso francez de Racine, em que a repetição do s é de maravilhoso cffeito para pintar ao ouvido o sylvo das serpentes: aPour qui ces serpents qui sifflent snr nos têtcsf». E a alliteraçao um dos artifícios a que recorre muitas v a poesia, para produzir a harmonia imitativa. Esse redobramento de sons, tão communs aos meninos e aos selvagens, e cujos restos esporádicos ainda se rastream e m algumas formas verbaes do sanscrito e do latim, indica u m grau ainda pouco desenvolvido da evolução linguistica. Por u m natural instincto de imitação, quando faltam aos povos as faculdades de abstrahir e generalizar, são e m seu m o d o de debuxar o pensamento muito frequentes e c o m m u n s essas repetições e redoramentos de sons, essas innumeras onomatopeas, que vieram substituir os seus primeiros gritos, seus hesitantes ensaios na expressão do pensamento. Mais tarde, conforme os destinos dos idiomas e a marcha evolutiva das nações, que os faliam e da sociedade, de que se devem reputar expoentes, processos outros v ê m por sua vez, a pouco e pouco, offerecer ao pensamento vestes mais apropriadas e adaptadas á sua expressão, não deixando, porem, de surgir aqui e alli, ainda nos idiomas das nações mais civilizadas, vestígios inequívocos desses processos primitivos. O redobramento dos sons ora tem por lini dar mais força e realce á imitação dos sons naturaes, ora significar sua continuidade, já SERÕES G R A M M A T K \l.- 33 denotar o alongamento e a continuidade de uma acção, já. finalmente, indicar o plural, os collectivos e superlativos. ( ' | Povos polynesicos, americanos, africanos e outros ha que ou se appellidam ou são designados por seus vizinhos por vocábulos, compostos de syllabas em que se observa esse redobramento pbonico. Taes são os Shoslwnes, os Chichi me quês, os Berberes, os UnkuluI, nlus. Em suas relações com o latim e sobretudo com o latim vulgar, que constitue o fundo do vocabulário de nossa lingua, é que se nota a importância do conhecimento dessas mudanças, pela maior parte euphonicas, a que se dá a denominação de ligaras de dicção ou metaplasmos. Muitos vocábulos de fonte latina, ao passarem ao nosso idioma, soffreram diversas transformações ih,' addição prós thetica, epenthelica, epithetica, de subtracção, contracção e transposição. Assim ha prothese do a e m atormentar, atravessar, abarbar, apreçar, apressar, aproar, aprestar, ajéiar, aninhar, atinar, agrupar, abrunho; cio e e m estrépito, esposo, estar, estação, espirito, estudo, escola, escala, escada, espada, esponja, espuma. estreito, estrella, espúrio, estante, estatua, estillar, espe estridente, estopa, escabello, espiga, escabroso, escama, escalpello, espádua, espécie, estrada, escudo, estômago, estampa, espinha,estruir,escova e noutros muitos vocábulos,que tinham (1) (i A (i'ibu Tepeguana serve-so de diversas espécies de redobramentos paia exprimir o plural: 1." a palavi'a simples dobi'a-se como e m Uu, mãi, phis-al ituddu, mais; t/ni. casa, plural rjuit/ui, casas. -." A primeira syllada so é repelida como e m nana, orelha, plural nunuin, orelhas; taça, pé, plural tatara, pés. 3.* Esta repetição se acompanha de u m a mudança da consoante, como e m bug ou oiti, olho. plural oupui; voca, estômago, plural uoppoca. I." Itedobra-se o vogal inicial como e m ali, menino, plural aali; ogga, pai, plural aogga; u.bi, mulher, plural uubi. 5." lledobra-se a segunda syllaba da palavra c o m o e m alguli, menino, plural aliguguli; maoidi, leão, plural mavipidi. 6." Ilepete-se u m a vogal no in.MO da palavra como m i him abóbora, plural hiim; gogosi, cão, plural googasi; aluti, menino, plural alaati. 1." Muda-se u m r ou u m b no meio de u m a palavra e m /), como e m . .II.M.I. cavallo, plural eapaiov.) (Bushmann, estado por K. Jovy na tradução dos Principios de Philotogia Comparada dr Sagce.) E m malaio, segundo aflirma Sayce, raja-raja quer dizer príncipes; orang-orang, gente, nos nomes empregados collec ti vãmente. «Muitos idiomas se aproveitam (lesse expediente infantil», diz Lelèvre, «para reforçar a ideia contida e m unia raiz e dar-lho uni valor frequentativo. O sanscrito. o grego, o latim abundam e m verbos e tempos verbaes redobrados». 34 PHONOLOGIA no latim os grupos iniciaes se, sp, st, como se vê em strepitum, sponsum, stare, stationem, spiritum, studium, scholam, sca spatham, spongiam, spttmam, strictum, stellam, spurium, stantem, statuam, stillare, sperare, stridentem, stuppam, scabellum, spieam, scabrosum, scamam, scalpellum, spatula speciem, strata, scutum, stomachum, stampam, spinam, struer scopulam; do s em sombra do vocábulo latino timbram; do m em marfim, derivado do latim medieval alphinum. As formas prosthetieas esceptra, espatium, estatua, instru ispiritus, que se não encontram no latim clássico, já apparec nos manuscriptos e inscripções, sendo assim a pronuncia popular uma antecipação das formas que mais tarde occorrem no portuguez, no francez e no espanhol. Muitos vocábulos ha em portuguez, derivados do árabe, em que o artigo ai deste ultimo idioma se agglutina por prothese ao thema da palavra, fazendo com elle u m só corpo. As vezes entre o artigo e a consoante inicial do thema se realiza u m a assimilação regressiva. Dão-nos testemunho disto os exemplos seguintes: Alcaide do árabe ai + caid; alfeloa do árabe ai + heloa; alfavaca do árabe ai + hahaca; algipe de ai -f fubb; alcorão de ai + koran; alferes de ai + faris; álgebra de ai + djebr; alfandega de ai -\- fandag; alforge de ai -f- hordj almadia de ai + madia; alfarroba de ai -\- jarrub; aletria de ai -\- itfiya; alfenade ai + henna; algibeira de ai -{-jei algibebe de ai f- jebbab; almanack de ai -j- manakk; azeite de ai (por assimilação as) + zeit; arroba de ai (por assimilação ar) + rob; assacar do ai (por assimilação as) + sukkar. Phenomeno semelhante se observa no francês nos vocábulos seguintes: Lierre (Uierre) de hedera; lendemain (l'endemain) de inde mane; loriot (1'oriot) de auriolum; Lille (Elle) de insulam; luette (1'uette) de uvetta; lors (1'ores) de hora; e os nomes próprios Lavai (L'aval); Lefèvre {Le fèvre); Launay (Taunaie). Pela agglutinação do artigo ao substantivo é que alguns explicam em portuguez o substantivo ameaça, derivado do artigo a e do latim minada, plural de minatium: a -p minatia ; SERÕES GRAMMATICAES 35 e o substantivo antigo abentesma, derivado de phantasma, a que se ajuntou o artigo a: a + phantasma, trocando-se o ph em b e mudado o penúltimo a em e. A nós parece-nos que, se as palavras abentesma, alampada, abençoo, alanierna (formas portuguezasantiquadas), se podem assim explicar, não se explica do mesmo modo a palavra apoio, derivada de podiam, e outros muitos vocábulos, substantivos ou não, em cuja pronuncia popular é usual na lingua ouvir esse a prosthetico, como: arresponder, cm vez de responder, aceredor, em vez de credor, ulevante, cm vez de levante, assu jeitar-se, em vez de sujeitar-se, onde o a se não pode de modo algum considerar artigo, e sim mera addição prosthetica. tão ao sabor da linguagem popular. De epenthese são exemplos os vocábulos humilde do latim humilem; hombro do húwu htimerum; deixar (antigo leisear) do latim laxare; lanterna do latim laternam; mancha do latim maculam; estrella do latim stellam; amargo do latim criaram. Era a epenthese de uso mais c o m m u m entre os antigos, que d i/iam hondrar, includir, em vez de honrar, incluir. Ainda hoje na pronuncia do povo ouvimos os vocábulos major, lua, pronunciados com u m a certa nasalidade, como se sua graphia fora manjor, lua. Exemplos de paragoge não os ha muitos cm portuguez, assim como não os conhecia a lingua matriz, que, accentuando todos os seus vocábulos na penúltima ou antepenúltima syllaba, enfraquecia consideravelmente as finaes dos vocábulos, sempre submetlidos á influencia do accento. Apenas em composição se considera paragoge o s que se ajunta á preposição latina ab, em abscondere, abstineo, absque, abstrudo, abstergo, abstemius, etc. A apherese e\enipliíica-se cm botica ou bodega de apoiheeum; o (ant, lo), a, os, as de illum. illam, i/los. illas; de episcopttm: tisana de pdsunam: gume de acumen; relógio de horologium; mano (le germanum; pasmo de spasmum; diamante de adamantem; tonto de aitonitum; Lisboa de Olisijionem. 36 PHONOLOGIA De syncopes lia innumeros exemplos na passagem dos vocábulos latinos para o portuguez. Assim é que por syncope se formaram cm portuguez os vocábulos seguintes asno de asinum; dedo de digitam; postura de positttram; resposta d repositam; regra de regulam; pesar de pensare; contar de computare; cobrir de eooperire; genro de generum; livrar de liberare; desejar de desiderare; obrar de operare; pard de pallidum; eu de ego; mais de magis; mestre de magistrum; mister de núnisterium; ilha de insulam; mosteiro de monasterium; bondade de bonttatem; vingar de vindicare; cidade de civitatem; verdade de verilatem; mesa de mensam; mes de mensem; mancha de maculam; taboa de tabulam; palavra de parabolam; ver de viclere; ter de tenere; comer de comedere; crer de credere; vir de ventre; lerdelegere; cruel de crudelem; fiel de fdelem; juizo dejudicium; leal de legalem; delgado de delicatum; besta de balistam; nédio de nitidum; meio de médium; velar de vigilare; poir de polire; pego de pelagus; molde de modulam', alhear de alienare; vaidade de vanitatem. A syncope pode ser das vogaes ou das consoantes: a syncope das vogaes realiza-se ordinariamente, quando a vogal é immediatamente vizinha da syllaba tónica ou accentuada; é isso o que se denomina queda da vogal breve; como no vocábulo verdade do latim veritatem, onde cahiu a vogal atona i; bondade de bonitatem, onde se deu a queda da mesma vogal. Quando se elleitúa a syncope das consoantes latinas originarias, pode sueceder ou que estas se achem sós, no meio de duas vogaes e, neste caso, desapparecem as medias, ou que se reunam constituindo u m grupo, e então ora o grupo se conserva intacto, ora desapparecem os elementos que o constituem, ora se oblitera u m só desses elementos, persistindo o outro, que o enfraqueceu ou annullou; o que se vè nos seguintes vocábulos: mais de magis; cruel de crudelem; fiel de fideiem; rainha de reginani; bainha de vaginam; mestre de magistrum; mister de ministerium; reinar de regnare; SERÕES GRAMMATICAES 37 teso de ipsum; gesso de gypsttm; arado de aratrum; acceitar de acceptare; catar de capture. A apocope, que se liga aos sons finaes, é facto muito vulgar na formação não só de nossa lingua, senão também na de todos os idiomas românicos. A maior parte das consoantes latinas finaes rcpelliu-as o português por necessidade euphonica; passa o mesmo com o francez, o espanhol e as demais linguas novo-latinas. Já desde os primeiros tempos o latim no fallar do povo mostrava u m a tendência a apocopar as consoantes íiuaes, pronunciando-as surda e fracamente ou supprimindo-as de todo. Sendo barytonas todas as palavras latinas, essa tendência ao ensurdecimento e á perda das (inaes, facto característico desse- idioma, devia torna r-se mais e mais notável c evidente no período de sua transformação nos idiomas novo-latinos. Nos vocábulos é de est, dez de decem, só de solam, soa de sum, fizeram de fecerunt, amava de amabal, diga de dicam, vida de vitam, hora de horam, rosa de rosam, amigo de umicum, e de et, observam-se exemplos de apocope. E m fresta de feneslram, cabresto de capistrum, feira d feriam, pobre de pauperem, primeiro de primariam, trevas de lenebras, por de pro, paul de palmlem, gingibre de sinsiberi, copo depoculum, observa-sc o metaplasmo a que se dá a denominação de metathesc. O estudo dos metaplasmos é de importância capital para o conhecimento da formação e filiação de uma lingua. Essas mudanças e modificações, por que vão passando os vocábulos em seus processos genealógicos, são devidas já ás alíinidades c combinações dos elementos phoneticos da palavra e á sua mutua influencia, já a incompatibilidades, que os separam e repellcm, ora a analogias, verdadeiras ou falsas, <pie os approximam, ora, cm summa, a diversas outras condições e circumstancias puramente exteriores, quaes as climatéricas, politicas, sociaes e litterarias. C o m o o espirito não é u m a substancia morta, senão u m a força essencialmente activa, que tem, não obstante, suas 38 PHONOLOGIA phases de enfraquecimento e torpor, a lingua lambem não é u m producto sem vida, u m mecanismo sem unidade nem harmonia, senão u m organismo vivo, que se forma, nasce, se desenvolve, cresce, principia a desmedrar e morre, como tudo o que vive; liga-se de tal modo ao pensamento, com elle se identifica a ponto, que o acompanha em todas as suas vicissitudes, elevando-se ou descahindo com elle, com elle engrandecendo-se e aprimorando-se, copiando, photographando, porque assim o digamos, do modo mais maravilhoso e com a mais notávelfidelidade,o verbo interior, de que é transuinpto. Se, por u m lado, ligada intimamente ao espirito, nellc influo e actua, tornando possíveis todas as suas manifestações, aclarando-o em seus processos íntimos e profundos, acompanhando-o a passos iguaes em seus mais recônditos recessos, excitando-lhe as energias, provocando-lhe os sentimentos, desdobrando-lhe as ideias, desfiando-lhc e analysando-lhe os conceitos e as noções, por outro lado, obedece e cegamente se submette ao espirito c ao pensamento, de cuja vida vive e se nutre. Ha u m a dupla correnteza de acções c reacções, de influencias a que chamaremos centrífugas c centrípetas, as quaes se ligam á vida mesma dos idiomas e a todos arrastam faial e instinctivamente. CAPITULO IV Da quantidade c do accento I Quantidade de uma syllaba é o tempo empregado em pronuncial-a, comparado com o que se gasta em pronunciar outra, na mesma razão de pronunciação. Segundo a quantidade é a syllaba breve ou longa: breve, quando em sua pronunciação só se gasta u m tempo; longa, quando se gastam dois. SERÕES GRAMMATICAES 39 Como ( ' • o e mudo a menor vibração da voz humana, considera-se sua prolação o padrão por onde se afere a quantidade das syllabas. Assim se reputa u m tempo a prolação do e mudo. O tempo, portanto, é como a unidade nos números: não é u m senão relativamente a outro, que é duplo; o mesmo tempo que, n u m caso, é um, poderá ser duplo noutro, nada havendo de absoluto neste ponto. A nossa língua não tem, como tinham o latim clássico e o grego, u m a prosódia bem determinada e fixa. Na quantidade, elemento material da palavra, é que nestes dois últimos idiomas se fundamenta todo o systema de versificação: as syllabas breves, bem combinadas, pintam os movimentos alegres e rápidos, a mobilidade do prazer, a vivacidade dos affectos, os lances vivos e violentos das paixões, a impetuosidade dos desejos, a concisão e rapidez dos conceitos; as longas, pesadas, lentas, arrastando-sc com difíiculdade, pintam a tristeza, o abatimento, a languidez, as paixões deprimentes; a melancolia, a profundeza da dor, as scenas graves e majestosas, as lagrimas e o pranto do infortúnio. Os poetas gregos o os latinos souberam, pela rigorosa observância da quantidade, tirar de seus idiomas os thesouros maravilhosos que immorlalizaram a Odysséa e a Eneida. A quantidade, porem, em lucta'com o accento, elemento abstracto e lógico da palavra, foi-lhe a pouco e pouco cedendo o passo, obliterando-se, á medidaque este se ia tornando predominante nas linguas, até que de todo Iriumphou. supplantando o elemento material. Já no latim vulgar a distineção da quantidade se ligava á differença de qualidade, isto é, de timbre. Nas linguas românicas, pois, não ha absolutamente fadando, uma distineção entre as syllabas breves e longas, a que tão rigorosamente se alinham as linguas antigas, essencialmente musicaes. As syllabas, segundo asna duração, isto é, segundo a sua quantidade, são, como vimos, longas ou breves. 40 PHONOLOGIA Por dois modos pode u m a syllaba ser longa ou breve: por mecanismo ou por uso. U m a syllaba é longa ou breve por mecanismo, quando a voz sensível que a constituo depende de algum movimento orgânico, que o mecanismo natural deve executar com lentidão ou presteza, segundo as leis physicas que o dirigem. E longa ou breve por uso, quando, na voz sensível que a constitue, o mecanismo da pronunciação não exige nem lentidão nem presteza. Por mecanismo são longas todas as vozes grandes, quer abertas, quer fechadas, ainda que não recaia nellas o accento tónico. Assim são longas as primeiras syllabas dos vocábulos pregar (sermões), pregador, corado, vadio, sadio, fréguez, seteira, credor, vedor, frechai,padeiro. (') Por mecanismo são-no ainda todas as vogaes nasaes, todas as crases, todas as synereses, todos os diphthongos: Ambrósio, á casa, á rua, tem, ver, pôr, dai, dei, leigo, mão são, meu, teu, etc. Do mesmo modo são longas todas as vogaes sobre que está o accento tónico: Dedo, medo, livro, casa, seda, roda, rosa, lógico, fétido, manada, ele. São, porem, breves por mecanismo todas as vozes ou vogaes pequenas, todas as proclilicas e encliticas. Assim são breve as primeiras syllabas de coruja, tomate, tomar; as segundas de lógico, computo, âmbito; as procliticas e encliticas lhe, te, me, se, nos, vos, etc. São communs as vozes i, u; estas fal-as o uso longas, collocando nellas o accento, ou breves, retirando-lh'o. São, pois, estas longas ou breves somente pelo uso, porque, sendo ambas constantes ou invariáveis, é sempre o mesmo o mecanismo de sua formação, sejam breves ou longas. São longas por mecanismo as vozes ou vogaes que estão antes de duas consoantes, das quaes pertence uma á syllaba (1) N a pronuncia não observam isso os Brazileiros, que nenhuma differença fazem entre pregar (pregos) c pregar (sermões), e pronunciam a primeira syllaba dos vocábulos cadio, sadio, como as primeiras dos vocábulos rasio e saraiva. 41 SERÕES GRAMMATICAES antecedente c outra á seguinte, ou as que estão antes de x, tendo esta consoante o som de es; c o m o : furto, curto, custo, triste, parle, ermo, termo, sexo, ne.ro, fixo. A s consoantes geminadas, quando tèm u m som simples, não influem na vogal que lhes precede. II Accento é a particular entoação com que pronunciamos uma syllaba de u m vocábulo e m relação ás outras, ou u m vocábulo e m relação aos outros, ou, e m s u m m a , unia proposição c m rtdação ás outras proposições da phrase ou do periodo. E m toda a palavra u m a syllaba sempre ha cuja prolação resalta sobre a de cada u m a das outras do m e s m o vocábulo; 6 esta syllaba o centro ou eixo á roda do qual giram todas as mais, que se lhe subordinam o submetiam. 0 que faz a syllaba accentuada e m relação ás outras, faz o vocábulo relativamente aos vocábulos, e a (imposição relativamente ás outras proposições do período. o accento engraça o realça admiravelmente o discurso: se não fora elle. as syllabas, os vocábulos, as proposições, pronunciadas sempre com o m e s m o tom, sempre com a m e s m a monotonia, sempre com o m e s m o vozear confuso, indislincto e dissonante, perderiam seu principal caracter de signaes, de expressões adaptadas e modeladas á feição de nossos sentimentos, de nossos affectos e conceitos. C o m o accento, a que o grammalico Diomedes c h a m o u anima voeis, o pensamento sai vivo e animado do espirito que o concebe e transluz fielmente na linguagem, onde se lhe deparam notas para todas as paixões, tela para todos os quadros, signaes para lodos os conceitos, teclas para todos os sentimentos, transumpto, e m fim, para todo o ser interior. «O accento», diz Gastem Paris, «ê o que da a palavra sua unidade c individualidade, o que faz de unia reunião de syllabas um todo perfeito e distincto: elle o que as vivifica e caracteriza. A accentuau 42 PHONOLOGIA ção de u m a lingua é u m dos seus caracteres essenciaes e contribuo muito para lhe determinar a natureza e o génio. «Se ao cabo de certo tempo viesse u m idioma a mudar todo o seu systema tónico, tornar-se-ia completamente outro do que dantes era; se, ao revez disso, em u m a lingua que perece e dá nascimento a outras, estas novas linguas conservarem a accentuação da lingua de que derivam, sempre se tornará patente o seu parentesco, já com a lingua primitiva, já em relação umas ás outras, e serão realmente linguas irmãs; e isso foi o que occorreu cm relação ás linguas românicas ». (' ) Tornando relevada e dominante uma syllaba do vocábulo, o accento tónico a protege e abriga da extineção c da morte. Na transformação das linguas é elle ao m e s m o passo principio de vida c factor de destruição: de vida para essa syllaba privilegiada e dominadora; de destruição para as atonicas, que se enfraquecem, ensurdecem c tendem a perderse e desapparecer. Os accentos principaes são o tónico, a que também se dá o nome de phonetico ou prosodico, o emphatico e o oratório, phraseologico ou pathetico. Accento phonetico ou tónico é a particular entoação com que pronunciamos u m a syllaba de u m vocábulo cm relação ás outras do mesmo vocábulo. Nas palavras amizade, encanto, dizer, cândido, o accento phonetico recai nas syllabas za, can, zer, can. Este accento, geralmente fallando, não pode ser senão um. As syllabas não accentuadas chamam-se atonas. Por necessidade métrica muitas vezes m u d a m os poetas a quantidade ou o accento das syllabas, já abreviando a syllaba longa, já alongando a breve ou fazendo atona a syllaba tónica e vice-versa. A esta espécie de licença poética dão os grammaticos a designação de systole e diástole. Assim Próteo por Protêo, (1) Gaston Paris —Étude sur le Tiòle de 1'Acccni Latiu dans la langue française. 43' SERÕES GRAMMATICAES dét-ano por decénio são exemplos de systole; de diástole, porem, são-no os vocábulos idolatra por idólatra, impio por ímpio. Na transformação do latim popular e m portuguez, ha persistência da syllaba accentuada originaria: Bondade boni- tatem, crueldade crudelitatem, fielfidelem, etc. O s vocábulos portuguezes podem ter o accento phonetico já na ultima syllaba, já na penúltima, já na antepenúltima: Adulação, menino, angélico. Quando é o vocábulo accentuado na ultima, chama-se agudo ou oxytono; quando accentuado na penúltima, grave ou paroxytono; quando na ante-penultima, esdrúxulo, dactylico ou proparoxytono. Os vocábulos paroxytonos e proparoxytonos recebem a denominação c o m m u m de barytonos. N o latim são os vocábulos accentuados ou na penúltima syllaba ou na ante-penultima. Nas palavras de três ou mais syllabas, se é breve a penúltima, o accento recai na antepenúltima; se, porem, é longa, nclla é que recai o accento. N e n h u m a palavra ha c m que seja a ultima syllaba a accentuada. No francez são todos os vocábulos accentuados na ultima syllaba sonora: no inglês podem sel-o na ultima syllaba, na penúltima, na ante-penultima, na pre-anle-penultima ou ainda na syllaba que a esta precede, c o m o attesta o vocábulo inglez preambulatory, cujo accento está na syllaba am. Enclitica denomina-se a palavra que, não tendo accento próprio, se acosta á palavra precedente para delia receber o accento. Se, porem, se ajunta á palavra seguinte, a cujo accento se subordina, chama-se proclitica. Nas expressões: Carlos te ama, elle vos ama, elles se prezam, eu vos obedeço, e/la \l\efallou, as variações: to, vos, se, lhe, são procliticas; e encliticas nestoutras : dei-te, amo-vos, louva-se,fallei-\l\o. E m nossalingua não pode, outrosim, vir o accento phonetico na syllaba pre-ante-penultima, salvo e m syllabas de formas vérbaes, a que se ajuntam as variações encliticas dos pronomes, c o m o nas phrases seguintes: «am&va-se-lhes o procedi- 44 PHONOLOGIA mento»; «louvnvam-se-lhe os desejos»; acorrUjiram-se-lh os defeitos», e noutras análogas. E m nossa lingua, como no espanhol e no italiano, ha uma tendência manifesta para collocar o accento phonetico na penúltima syllaba do vocábulo; dahi o possuírem esses idiomas maior numero de palavras graves, que esdrúxulas e agudas. Alem do accento phonetico principal, algumas palavras ha em nossa lingua em que se pode distinguir u m accento secundário: taes são os vocábulos vadio, sadio, pateta, padeiro padeira,pádejar, pregação, etc, na prolação de cujas primeiras syllabas não ha para que se negue essa particular entoação, que constituo o accento secundário de que falíamos. Accento cmphatico é a particular entoação com que pronunciamos uma palavra de u m a proposição, fazendo-a resallar sobre as outras da mesma proposição, para notar e relevar a ideia principal relativamente ao pensamento enunciado: «Os mais [Ilustres honraram sua familia; os mais humildes deram a ella principio». «Camões é u m poeta eminente: Virgílio, eminentíssimo». «Ah! infame, mil vezes infame o que submetter sua consciência a quem mais der». As palavras honraram, deram, eminentíssimo, infame, devem pronunciar-se com uma força c distineção tal, que fiquem bem relevadas as ideias de que são signaes. Accento oratório ou pathetico diz-se o que, por diversas inflexões da voz, por u m tom mais ou menos elevado, exprime os sentimentos de que se acha possuída a pessoa que falia. Na phrase: «.Não admiras as bellezas do Brazil», será diverso o tom, se em vez de enunciar eu u m simples facto, interrogo, estranho ou admiro, dizendo: «AT«o admiras as bellezas do Brazil?», y Não admiras as bellezas do Brasil!» A interrogação, a admiração, o sobresalto, o enthusiasmo, a alegria e a tristeza, a censura, as queixas, os assomos e ímpetos da cólera, todos os sentimentos, em s u m m a , todas as paixões têm seu tom, seu accento particular; e como são innumerose variadíssimos os sentimentos que nos tomam e SEROES GHAMMATK AES 15 salteam o as paixões que nos turbam os ânimos, innumeras e sobre m o d o variadas devem ser as modalidades e gradações do accento oratório. « O accento oratório», diz Duelos, «modifica a substancia m e s m a do discurso, s e m alterar sensível mente o accento phonetico». 0 accento oratório pertence mais especialmente á alçada da arte declamatória. Alem desses Ires accentos principaes dislingue-se o accento nacional, chamado também provincial ou local. Esteéconstituído pelas inflexões de voz. particulares a u m a nação, a u m a província ou parte delia. Cada paiz, cada província, algumas vezes até cada cidade, tem seu accento particular. Perdendo suas relações com o aeeeuio phonetico ou tónico, os accentosfiguradosnão se estudam e m aossa lingua, senão c o m o meros signaes orthographicos. A accentuação é e m algumas linguas u m a de suas feições características, servindo de vinculo analógico que as approxima e reúne ao grupo que lhes é c o m m u m . Nas linguas novo-latinas, a»cuja divisão pertence a nossa, é de s u m m a importância o estudo do accento, especialmente do tónico. A formação de todas as palavras nesses idiomas fundamenta-se na persistência do accento latino. « O accento tónico, ao parecer de Diez, é o «eixo á roda do (piai gira a formação dos vocábulos nas línguas românica-. • «A quantidade representa na palavra o seu elemento niatcrialn: o accento, o elemento (.abstracto e lógico», o qual no latim, e m lucta sempre c o m aquella, acabou por triumphar nos idiomas românicos, e m (pie a quantidade se lhe subordinou de todo. Entre a quantidade e o a< • ento nota-se a differença seguinte: ( . a quantidade é absoluta : [iode ser considerada n u m a syllaba so, desacompanhada de outras; o accento é sempre relativo; não se considera a syllaba accentuada e m abstracto e indepen- 46 PHONOLOGIA dentementc das outras syllabas; mas sim em relação ás que formam a palavra na proposição ou na phrase. » (') «O accento é que denota a acção exercida na palavra pela intelligencia do h o m e m ; á medida que as linguas começam a accentuar-se, tomam consciência de si mesmas.» CAPITULO V DO VOCALISMO Origem das vogaes, suas transformações; grupos vocálicos. relativas ás mudanças c alterações das vogaes. I VOGAES SIMPLES Todas as nossas vogaes têm por origem as vogaes latinas, que eram igualmente cinco: a, e, i, o, u. A Esta vogal provem : 1.° De u m a originário, accentuado ou não: Abbade, de abbatem; prado de pratum; lado de latus; pranto de planctum; canto de cantam; padre de pairem; paço de palatiumj/áoa de fabam; estar de stare; amigo de amicum; idade de aetatem; favo de favum; barba de barbam; arvore de arborem; agua de aquam; marido de maritum. 2.° De u m e originário: Rainha de reginam ; lagarta de lacertam; ébano de ebenum. 3.° De u m i originário : (fovado de cubitum; balança de bilancem; maravilha de mirabilia. 4.° De u m o: Dama de dominam; lagosta de locustam. E A vogal e provem : 1." De u m e originário, seja ou não accentuado, ou de ae: Cruel de crudelem: terra de terram; lebre de leporem; pée, pé de pedem: ferro de ferram; mel de (1) Gastem Paris. Op. cit. ir SERÕES GRAMMATICAES mel', fel de fel; pedra de petram; febre de febrem; névoa de ncbnlam; parede de parictcm; ímpeto de impetum; dez de deccm; regou de regulam; esperar de sperarc; César de Caesarem. 2." De u m a originário: Alegre de alacrem; escutar de auscultare; espargo de asparayum; Tejo de Tayum; cereja de cerasiam. :Í." D e u m i: Beber de bibere; mancebo de mancipium: sede de sitcm: vez de vicem; pêra de pira; negro de íihjruui; pello de pilum; péla de pilam; cepo de cippum; cabresto de capistrum; cabello de capilhun; cerveja cie cervisiam: conselho de consilium; urre de uivem; selha de sitnlam; grenha de rrinem; pega de picam; febre de íebram; crena de earhuun; metter de mittorc: pescar de piscare; cercar de circare; fè de fidem; cesta, de cistam; cegonha de ciconiam; secco de siccum; seio de simun; pez de picem; senho de signum; menos de minus; cedo de cito. I." De u m o: Frente de fr ontem. 5." De u m liciniin; pena ce, ce: feno de de puniam; federação de federationem; fedor de foetorem; feder de fetere; prédio de praxlium; edade de a3tatem; céu de caduni; obsceno de obscamum. Mui frequentemente é o resultado de u m a prosthese, quando o vocábulo originário tem por iniciaes os grupos consonanticos se, sp, st, sm: Escada de scalam; espirito de spiritum; espaço de spatium; estudo de studium; estar de stare; estômago de Stomachum; esmeralda de sinarayihuii; estrella de stcllam; estirpe de stirpem; escova de scopam; Estevão de Stephanum. I O i origina-se: l." De um i originário, accentuado ou alono: Riso de risum; perigo de periclum; espinho, espinha de spinam; espiga de spicam; libra de libram; crista cie cristam; rio derivam; lio de íiliim; vinha de vincam: ninho de nidum; imagem de imaginem; lima de limam; livro de libram; vir de venire; ouvir de audire. 2." De u m e: Isca de escam; rim de ren; migo, tigo, sigo de mecum. Iccum. secum;pergaminho de perga- , mcnuni; sizo de sensum. 3." D e u m c, p ou g dos grupos consonanles et, pt, gn, e m que ha queda da primeira consoante 48 PHONOLOGIA do grupo c conseguinte reforço cia vogal portugueza que lhe antecede: Leite de lactem (acc. arch. de lac); feito de factum; peito de pectus; direito de iirectum; noite de noctem; oito de octo; leito de lectum; biscoito de hiscoctum; estreito de strictum afféição de affectionem; fruito (ant.) de íruetum; conceito de conceptum; recitar de rereptare; rejeitar de rejectare; reinar de regnarc; reino cie regnum. O Provem esta vogal: 1." De um o originário, tónico ou atono: Dom de dominum; fogo de focam; olho de oculum; hoje de hodic: rosa de rosam; povo de populum: dono de dominam; sogro de soccrtfm; força de fortia; arvore de arborem; coiro de corium; moio de modium; sonho de somnium; jogo de jocum; corvo de corbum. 2.° D e u m u: Mosca de muscam: tronco de triuicum; copa de cupam: gotta de yuttam; dobrar de duplare; onda de iindani; sombra de umbram; torre de turrem; governar de gubernare; romper de rumpere: podre cie putre; covado de cubitum; lobo de lupum; forca de furcam: lodo de lutum; gosto cie gastam; corro de curro; corso de cursum; bocca de buecam; poço de puteum; odre de utrem: hombro de Immerum. 3.° D e u m a: Fome de faiuem. 4.° D o grupo vocálico au: Pobre de pauperem: coda ( ant.) de caudam; orelha de auriculaiu :foz de faucem. U Provem esta vogal: 1.° De um u originário, accentuado ou não: Um de unam; seguro de secaram; nú de nudiuii; verruga de verracam; ruga de nujam; cru de crudiuii; miúdo de minutum; pulga de pulicem; fuga de finjam; mugir de mugire; mu de muhuii; luz de lacem. 2.° D e u m o : Cumprir cie complere; custar • de constarc; tudo de totum;perguntar de percuntari ou percontari. 3." D e u m y:gruta de cryptam, por influencia do latim medieval cruptam, graptam. SERÕES GRAMMATK Al.s 49 Y Em nossa lingua tem o y o mesmo som do i. Provem do i latino ou do y com que no latim se representavam as palavras de origem grega. Do y serviam-se os antigos como lettra de intercalação para evitar o hiato, dizendo: rayo, ago, mayor, peyor, em vez de raio, aio, maior, peior. Figura este caracter graphico cm muitos vocábulos, pela maior parte de origem grega, o cm algumas palavras de origem indígena; Martyr, analyse, syntaxe, bgpothese, physica, Ilajahy, Sapocahy, Andarahy. Itaborahy, Ouahy, Catumby, Paraty, Icarahy, Mueury, Pirangy, Pacotg. \\ GRUPOS VOCÁLICOS Os diphthongos em portuguez provêm: 1." De um diphthongo originário: Autor de auetorem; audaz de andarem. 2."Da queda do u m a consoante: Raio deradium: meio de médium. 3.° Do reforço da vogal que precede ao grupo consoante, cujo primeiro elemento se syncopou: Noite de noctem; feito de factum: seixo de saxum; auto de actum; eixo de axem; outro de alteram. 4." Da attracção de uma vogal: Feira de feriam; raiva de rabiem. õ." Do alongamento de u m a vogal: Sou de sum; dou de do; estou desto. G.° Da degeneração ou transformação de uni diphthongo em diphthongo ou grupo vocálico que lhe é allim: Cousa de causam; touro de taurum; loureiro de laurarium: pouco de paucum; rouco de rancuni. Na attracção as duas vogaes portuguezas, que constituem o grupo, estão no latim separadas por uma consoante que soffre unia transposição. Ai Este grupo vocálico provem: 1." Da attracção: Aipo de apiuin; caiba de capiam. 2." Da queda da consoante media: \"uidut/e de vanitatem; mais de mayis; etc. 7 50 PHONOLOGIA Este grupo vocálico corresponde ao antigo diphthongo ai, que foi depois substituído por ae. Au O diphthongo portuguez au corresponde ao latim au, que na passagem para o portuguez ou se conservou, como em pausam de pausam; autor de auctorem; applauso de applausuin; ou, o que é mais frequente, degenerou e m ou, como cousa de causam; mouro de maurum; louvar de laudare; couve de caulis. Já entre os latinos mesmos o povo eos camponezes romanos pronunciavam o diphthongo au, como se fora u m o simples: orum por aurum; olla por aula; copo, copona por caupo, caupona; coda por cauda; oricula por aurícula; plostra por plaustra, confundindo explodo com expiando; osculor com ausculor. Outras vezes era o m e s m o diphthongo au substituído no latim por u simples, encontrando-se as formas antigas fr udar e, frudo, eludo e m vez de fraudare, fraudo, clauclo. Essa pronuncia era notada pelos homens de lettras, que não cessavam de condemnal-a por viciosa e imprópria do bom fallar. Ei Ei origina-se: 1." De uma attracção e transposição de vogaes: Feira de feriam; madeira deinateriam; ou ao mesmo tempo de u m a attracção, transposição e abrandamento da primeira vogal latina: Beijar de basiare; beijo de basium; queijo de caseum; primeiro deprimarium; dinheiro dedenarium. 2." Do reforço da vogal que precede a u m grupo consonantico, em que se realiza a queda do primeiro elemento do grupo: Direito de directnm; feito de factum; peito de pectus. 3.° De u m e longo latino, que se diphthongou principalmente antes do n: Veia de venain; cheio de pleaum; freio de frenum; cadeia de catenam. SERÕES GRAMMATU AES õl * Oi, O u Estes grupos vocálicos andam em igual parallelo com o latino au: Coisa ou cousa de causam: ou de aul: oiro ou ouro deaurum; louro ou loiro de laiirum; ousar de audcrc: rouco de raucum; pouco de, pauoum; thesouro de thcsaurum: couve de caulcm; louva de lauda. São devidos jáá attracção de u m a vogal, já au seu reforço; Coiro ou couro de coriuni: noite de ooctem; coice ou couce do calcem: outro de alteram. Ui Provem este grupo : 1. Do ui originário: Fui de íui i latino). 2." I )a attracção das \ i igaes latinas u. e, <>. i: Ruivo de robenm: "cuidar (antigo coidar) de coqilarc. A s duplas VOgaes latinas te. u- resol\'eram-se e m nossa lingua e nos idiomas novo-lalinos e m vozes simples: Céu de coelum; cego de csecum; era de seram; oêaàe ccenám; ledo de ladum: fedor de betarem; idade ou edade de setatem: presa de práfdam; César de Cansarem; íeao de hesum. N o latim archaico os vocábulos preda por preeda, a pro-*nuucia camponia de or«i*n por aurum, plostrg. por plaustra, Penicas por Pcenicas e as formas parallelas i eíera 0 eaetera, mostram-nos já essa tendência a converter os diphthongos latinos e m vogaes simples. A affinidade entre o soím das vogaes simples e ó dos diphthongos ainda se observa nas fornias latinas arediaica-: Loumen, jous, plous, jouvare, couravit, plourimi, comparadas com as formas clássicas lúmen, jus. plus, juóare, curavit; píurimi. E m alguns vocábulos latinos a primeira vogal é suppressa na passagem [sara o português, quando é essa yoga! atoha: bispo de episcopum; relógio de horologium. Não ha permuta entre as vogaes e consoantes: a natureza differente desses dois elementos phoneticos assim o leva apensar, lia sim na historia das vogaes e consoantes u m phenomeno notável, a que Baiidry c h a m a equilíbrio orgânico. e m virtude do.qual as vogaes radicaes, postas antes de certos 52 PHONOLOGIA suííixos e flexões pesadas, ora tendem por compensação a enfraquecer, ora, pelo contrario, pelo m e s m o phenomeno compensativo, se reforçam, alongando-se, nasalando-se ou diphthongando-se antes de u m a consoante que câi. Se as vozes i e u permutam com as consoantes j e v, é que estas duas ultimas lettras participam da natureza daquellas, e por isso geralmente se lhes dá a designação de semi-vogaes. As modificações das vogaes podem-se, portanto, reduzir: 1.° á apophonia, isto é, ao phenomeno phonico pelo qual as vogaes alternam; 2." ao reforço, isto é, ao seu alongamento, á sua nasalização ou á sua diphthongação; 3." á contracção, isto é, á reunião das vogaes n u m a só no corpo da palavra; 4.° á sua suppressão ou addição. Tratando das modificações das vogaes latinas* e m sua transformação em portuguez, vem a ponto fazer as seguintes ponderações: As vogaes, como elementos mais moveis, são por sua inconsistência mesma mais sujeitas a alterações que as consoantes, elementos mais consistentes. Raro desapparece a vogal tónica; sendo, pelo contrario, muito cuminum o desapparecimento das vogaes atonicas. A parte radical ou thematica do vocábulo conserva-se geralmente intacta, sobretudo e m seus elementos resistentes; a parte desinencial, pelo contrario, que encerra os elementos accessorios, a parte propriamente fugitiva da palavra, é sujeita a varias alterações na marcha evolutiva da lingua. As vogaes livres, comparadas com as vogaes em posição, por isso que estas ultimas se arrimam ás consoantes, que lhes dão mais apoio e consistência, são mais facilmente alteradas. Nas palavras em que se podem notar o accento primário e o secundário, as syllabas sobre que recai o accento são as que mais resistência offerecem a mudanças e alterações, seguindo-se-lhes as que possuem o accento secundário, as quaes, se bom apresentem menos consistência que as primeiras, têm, todavia, muito maior que todas as demais atonicas. As consoantes iniciaes resistem mais á destruição que as SERÕES GRAMMATICAES 53 medias e finaes; as geminadas e agrupadas, mais que as simples. Na formação de nossa lingua como na de todas as que derivam do latim, ou se estudem as vogaes ou as consoantes, dos dois elementos com que entrou o latim para constituir o nosso vocabulário, não é do elemento litterario e sábio que devemos partir, senão do elemento popular; este, elemento inteiramente espontâneo, mostra as forças vivas da lingua e sua natural evolução na transformação em linguas românicas; aquelle, elemento artificial, concorre, é verdade, para constituir o vocabulário dessas linguas, mas os vocábulos oriundos dessa fonte indicam u m esforço, u m a violência á evolução espontânea da lingua e não se lhes podem com seguridade applicar as leis phoneticas, nem fiar do conhecimento delles o estudo profícuo dafiliaçãodessas linguas. CAPITULO VI DO CONSONANTISMO Origem das consoantes; grupos consonaiilicos. Permutas das consoantes c de seus grupos I CONSOANTES SIMPLES Como as vogaes, tem também as consoantes portuguezas sua origem no latim. Estudemol-as em suas differentes famílias. LABIAES B, I», M, F, V B Provem esta consoante: 1.* De um b originário, inicial ou medio: Bom de boinun; 60/ de boveni; banhar de balneare; tábua de tabulam; habitar de habitare; beber de hibere; zambuco 54 PHONOLOGIA ou sambuco de zambueum ou sambiicum. 2." De u m v originário: Bexiga de vesicam; bainha de vaginam. 3." De u m p: Lobo de lupum; cuba de capam; cabra de capram; cabo de caput; sebe de sepein; bispo de episcopum; sabão de saponem; saber de sapere; receber de recipere; sabor de saporcm; abrunho de prunum; soberbo de superbum; abril de aprilem. 4." De um/ou/)/<: Abrego de africam; rabão de raplianumm. P P provem: 1." De um p originário: Pai de pairem; piedade de pietatem; postura cie posittiram: posta de positam. 2." De u m / : Soprar de sufflare. 1V1 Provem o m: 1.° De um m originário, inicial ou medio: Mãe, madre de matrem; camisa de camisiam; mal de maluni. 2." De u m n: Som de soimm; tom de lonum : bom de bonum. 3." De u m c: Sim de sic: nem de nec. Esta labial torna-se nasal no fim dos vocábulos ou depois de u m a vogal, formando syllaba com ella: Fim, bom, tom, som, dom, também, tambor, tromba, tempo, templo. F Provem esta labial: 1." De \\m f o\\ ph originário: Fazer de facere; tufo de tofum; funda de fundam; funil defundibulum; cofre de cophinum; faisão de pliasianum. 2." De u m r mediano: Palafrcm (por influencia franceza) de paraveredum. 3." De u m b originário: Buffalo cie bubalum. V Provem: 1." De um v originário: Voz de vocem; velo de velam ; voar de volare; novo denovum: navegar de navigare • nave de na vem. 2." De u m /'ou ph: Ourives de aurificem; trevo de trifolium, passando pelas formas intermediarias trêfblo SERÕES GRAMMATICAES 55 c trévoo; Estevão de Slephauum; Christooão de ( hristopliorum. :!.' De u m b: Cerar de cibare; duvidar de dubitarc; arvore de arborem; //crer de debere ; avante de ab-ante; amava de amabat; cavallo decaballum; inverno de hyberuum; governo de (jubermun; curvar de curbarc; turvar de turbare; provar de probare: maravilha de mirabilia; trave de trabem; nuvem de nubem ; livro de libram; nível de libellum; fava de fabam; divida de debita; palavra de parablam por parabolam. I. De uni/).- Povo de populum; escova de scopam. DENTAES 8, C, Z, T, I). N S S provem: 1." De um * inicial, medio ou final: Só de solum; são de sanam; rosa de rosam; casei cie casam; menos de minus. 2." D e u m x: Ensaio de exagium. Entre vogaes abranda-se esta consoante c m s: Casa, rosa. musa. prosa, que se pronunciam como se fossem assim orthographadas: taza, roza, muza, proza. 3." D a queda do primeiro elemento do grupo: Isso de ipsum. gesso de gypsum. C O e brando provem: 1." De um c latino: Céu de coelum; cidade de civitatem. 2." D e u m q: Cinco de quinque; cincoenta de quinquaginta. 3." De u m ti ou te a que segue vogal: Nação de íiatioiíem; tição de titionem; viço de vitium; espaço de spalium; praça de plateam; paca de palatiuni: poço de puteom. I." De u m a;: Tecer de texere. 5." D e u m s, simples ou geminado: Codeço de cytisum; ruço de russum. 6.° D a combinação st: Moço de musteum. A o c deram sempre os romanos o s o m de k, excepto quando depoisdesta consoante vinha ura i, seguido de outra vogal: Ce, et pronunciavam ke, ki. Assim, nos vocábulos Cícero, Caesar, 56 PHONOLOGIA facere o c tinha o som duro, pronunciando-se Kikero, Kesar, fakere; mas a palavra nuncius pronunciava-se com o c brando. Z O s portuguez provem : 1." De um z inicial: Zona de zonam selo de zclum. 2.° De u m c: Cruz de crucein; paz de pacem; voz de vocem; noz de nucem; pez de picem; dez de dccem; fazer de facere; dizer de dicere; amizade de amicitatem (baixo latim); juiso de judicium; vez de vicem; visinho de vicinum; feros de ferocem; veloz de velocem; audaz de &\\d&cem; falias fallacem; mendaz de mendacem; produzir de producere. 3." Da combinação qu: Cozer de coquere; cozinha de coquinam. 4." De u m s originário: Mez de mensem. 5." De ti: Prez (ant.) de praetium; razão de rationem; dureza de duritiam. 6." Do grupo/?/;: Gonzo de gomphum. Entre os Gregos, de cujo alphabeto o tomaram os Romanos, era o z u m a lettra dupla, que se pronunciava ds, s ou ss. O z não existia primitivamente entre os Latinos, apparecendo pela primeira vez no tempo de Cícero, que o empregava para escrever palavras gregas que antes se escreviam com s ou ss. T Esta consoante tem por procedência um t originário: Terra de terram; todo de totum; castello de castelliun. Th A combinação th, de origem grega, só se encontra em palavras de procedência erudita: Thema, these, theatro, thesouro, theologia, theocracia. Figura e m muitos nomes próprio de origem grega: Thermodonte, Theophilo, Theseo, Thetis, Theotonio, Theodoro, Theodosio, Thoante, Thebas, Athenas, Theodorico, Thessalia, Thraeia, Thomé, Thyrso, Thirmid Thomaz, etc. SERÕES GRAMMATICAES 57 D Ksla consoante tem por procedência: 1." Um d originário, inicial ou mediano: Dar de dare; deão de decaíram; surdo desurdnm; dedo de digitum; vender de vendere; fidelidade de fidelitatem; divindade de divinitatem. 2.° U m t: Vida de vitam; roda de rotam; lado de latus; medo de metam; escudella de scutellam; cedo de cito; quedo de quietum; ladainha de litaniam: senador de seiiatorem; amado, louvado, vestido, privado de amatum, laudatum, vestitum, privatum. Geralmente e m todos os sullixos e m ado, edo, ido, tido o d portuguez tem por origem o t latino. 3." U m / originário: Deixar, leixar (ant.) de laxarc; escada de scalam. o d, quando medio, é muitas vezes syncopado na passagem do vocábulo latino para o portuguez. Assim crer provem de credere; vêr de videre; nu de nadam; cru de crudum; cruel de crudelem; fiel de íidelem; raiz de radicem: quarenta de quadraginta; crença de credentiam; raio de radiam; meio de médium; descer de descendere. N (» n provem: 1." De um n, inicial ou não: A n/v de novem: nó de nodum; novo de novum; ninho de nidiuir. reinar de reqnare; joven de jiiveiiein. 2. D e u m l: Nível de libelhun. :>.' De u m m: Contar de computare; nespera de mespilum. LINGUAES L, U L /. provem; 1." De um / originário, inicial ou não: Lago de lacum: sol de solem: solo de solum. 2." D e u m n: Alma de animam: Bolonha de Hononiam; Palermo de Panoniiim. 3.° De u m /.' Alvitre de arbitriuiu: palavra de parabolam. 4.° D e 8 58 PHONOLOGIA u m d: Julgar de judicare. 5." De u m m: Lembrar, membrar de memorare. Aqui é o b intercalado por euphonia; é u m a dessas lettras a que alguns chamam adventícias ou inorgânicas, isto é, que não têm origem etymologica, nem valor como reforço, por opposição ás lettras chamadas orgânicas, isto é, que têm u m valor etymologico. O l entre vogaes cái de ordinário, passando do latim para o portuguez: de aquilam fez o portuguez o vocábulo águia; de palum,pau; de dolorem, dôr; de colorem, côr; de palumbum, pombo; de molinum, moinho; de alúmen, aúme; de salire, sair; de nralum, má; de ínalum, mau; decalcnteni, quente; de dolentem, doente; de mollentem, moente; de velum, véu; de salutem, saúde; depelagus,pega; de palatium,paço. R Provem esta consoante: 1.° De um r: Rosa de rosam; roda de rotam; rei de regem. 2." De u m l: Rouxinol de lusciniolam: pardo de pallidum; obrigar de obligare; brando de blandum. 4." De u m d: Cigarra de cicadam (passando pela forma intermediaria cicalam do latim medieval). 5.'' De u m s: Marselha de Massiliam. E m muitas linguas são muito c o m m u n s as permutas entre as liquidas l, r. E m latim, ao lado do adjectivo latialis encon tra-se a forma latiaris; ao lado do verbo saturare, o verbo satullare. De ccelum derivou-se o adjectivo cceruleus; de arbo o substantivo italiano albero, o espanhol albol, o francez arbre e o portuguez arvore; de cerebrum derivou-se o portuguez cérebro, o italiano cervello, o francez cervelle. E m algumas palavras, derivadas do grego, em que figura o vocábulo algos (dor), o / deste se muda em r. Assim se diz: otalgia e lethargia. O italiano colonellofiguraao lado d portuguez coronel, que conserva a mesma forma no espanhol e no velho francez. No inglez a graphia desta palavra é colonel; emtanto na pronuncia sôa o primeiro l como se fosse r. SERÕES GRAMMATICAES 59 () vocábulo latino peregrinus t é m c o m ó correspondentes no portuguez peregrino, no italiano pellegrino ou peregrino, no espanhol peregrino, no inglez pilgrim, no provençal pellegriH e no francez pèlerin. A identidade de sentido entre os dois sulfixos latinos alis e mis, seu emprego alternativo, dirigido somente pelas leis da euphonia, a pronuncia plebéa cie pelegrino por peregrino, os vsiealiulos portuguezes clina e crina, flauta e frauta, floco e froco, almario e armário, almazem e armazém, aluguer e aluguel, frecha c flecha ainda, por outro lado, nos v e m dar testemunho dessa approximação dos dois sons. A allinidade dos sons notados por esses dois caracteres graphicos na lingua fallada ainda se demonstra não só pelo facto de alguns idiomas, que não possuem o r, o substituírem na pronuncia pelo l, senão também pela confusão e troca de u m som por outro na pronuncia do povo. <. () r,» diz Cocheris, «é desconhecido dos habitantes do Império Celeste: assim que dizem Eulopa por Europa, Yame- lica por America. » N o dialecto actual de Paris e noutros dialectos populares, segundo Mever Lúbke, observa-sea mudança, do /das palavras lillerarias e m r: Archimie por alchimie; arco/ por álcool; arfabet por alphabet, artèrè por altéré. Muitos indivíduos ha, finalmente, e m que se nota este vicio de pronuncia, de que muitas vezes é locado mais de u m m e m b r o da m e s m a familia. PALATAES .1, (1 (com o som de gê). X J Esta consoante, que a princípio tinha o mesmo som do i, provem: l." De u m joriginário: Já de jam; fazer de jacere; juiz de judicem. 2." D a combinação hi ou hy: Jerusalém de llicrosolymam; Jacintho de llyacintluun: Jerónimo de Hiero- 60 PHONOLOGIA nimum; jeroglyphico de hieroglyphicum; jerarchia de hierarchiam. 3.° De u m g: Jasmim de gesiminum. 4.° De u m /: Joio de lolium. Nas palavras portuguezas e m que oj provem da combinação hi, a aspiração inicial desappareceu e o i inicial consonantizou-se. 5.° Das combinações di, si, se, vi, seguidas de vogal: Beijo de basium; queijo de caseum; cerveja de cerevisiam fojo de fovium; hoje de hodie; igreja de ecclesiam; inveja de invidiam. G (gê) O g (brando) provem : 1,° Do um g inicial: Geral de gencralem; gelo de gelu; gesto de gestum; vagido de vagitum. 2." De u m i, que se consonantizou: Sargento de servicntem. 3." De u m z: Gengibre de zinziber. 4." Do grupo ti em cujos elementos se entrepõe u m a vogal atonica: Viagem de viaticum; passagem de passatieum; selvagem de selvaticum; coragem de coraticum. O g antes de e e i tem no portuguez o m e s m o som que oj. Este som brando do g não era conhecido dos Romanos, que pronunciavam sempre esta consoante, dando-lhe o som duro. Assim, os vocábulos latinos gibbosus, gimellus, germanus, gingiva soavam como se fossem escriptós guibbosus, guimellus, guermanus, guinguiva. X Tem esta consoante vários sons no portuguez: 1.° Pronuncia-se com o som originário do grupo consonante es, como em nexo, sexo, connexo, complexo. 2.° C o m o som de eh em xadrez, coxo, buxo, xeque, graxa, xará, xairol, xacoco, xarife, xaroeo, enxame, enxárcia, xenxem, xeringosa, xerez baixo, frouxo, praxe, enxada, etc. 3." C o m o som de s ou s a que parece preceder u m i, como nas palavras exemplo, executar, exame, existir, excepção, etc. 4.° C o m o som de brando, como nas palavras sgntaxe, trouxe, axioma. SERÕES GRAMMATICAES 61 Procede o x portuguez: 1.° De u m a: Enxofre de sulfur ou Sttlphur; enxertar de insertare; bexiga de vesicam. 2.° D a combinação se: Mexer de miscerc; feixe defascem; peixe de piscem; faixa de faseiam. 3.° De x ou xs (es): Enxugar de exueare ou exsucare. 4." de u m s geminado: Paixão de passionem; baixo de bassum; graxo decrassum. GUTTURAES C, G (fortes), K, Q C O c provem: I." De um c originário: Camisa de camisiam: cavallo dccaballum; couve dccaulem; indicação de indicationem. 2." De qu: Nunca de munquam; como de quomodo; escamado squamam; cinco de quinque. Q Provem o q: 1." De um (/ originário: Qual de qualem; tranquillo de tranquillum; quando de quando; quaresma de quadragesimam; inquieto de inquietam. 2.° De u m c duro: Queimar cie cremarc; quente de ("alentem. lia equivalência phonctica çntre o q e o c forte. G O g provem: t." De um g: Gosto de (justum: língua de lingaom; gallo de gallum. 2." De u m e forte, simples ou geminado: Amigo deamicum; braga de bracam; gato de catum: lago de lacam; dragão de draconem; Jogo de focam; figo de íinun; jogo de joeiun; sogro de socrum; lagosta de locustam; cegonha de ciconiam; advogar de advocare: vinagre de vinumucre: pregar de plicare. :>." De ura q: Antigo de antiquam; águia de aquilam; gritar de quiritare; agua de aquam. 4.° De u m v: Golpelha (anl.) de vulpcculam: gomitar (ant.) vomitarc; gastar de vastare; Gasconka de Vasconiaui. 5." De u m w, por 62 PHONOLOGIA influencia germânica: Guerra de werra?; guisa cie wise; Guilherme de Wilhelm; guarda de warjan; galardão de widarlon. A mudança do v e do w em gu é attribuida á influencia germânica. Nos vocábulos allemães o w inicial transformou-se em gu, ao passarem estes para as linguas românicas, e a pronuncia desta lettra, que se mudou em gu, trouxe semelhantemente a m e s m a mudança do v. K O k é uma representação ou transcripção imperfeita do grego chi. Só se emprega essa consoante nas palavras portuguczas de origem erudita: Kilometro, kisto, kilogramma, que seriam talvez mais bem representadas por eh e não por k. «Nos termos métricos», diz Brachet, «é o k a reproducção barbara do grego chi: a palavra kilometro, escripta com k, e duplamente barbara por chiliometro». H Como já vimos, éoA um caracter graphico, que hoje em dia não tem valor algum phonetico. A principio fortemente aspirado no latim, foi-se a pouco e pouco tornando menos sensível: as contracções nemo por ne hemo, nú por ne hil(de ne hilum), ãebeo por de hibeo, de habeo, prendere por prehendere, praebeo por prae-hibeo prae-habeo. e as formas latinas asta e hasta, ircus e hircus, Hannibal e Annibal, Hasdrubal e Asdrúbal, haruspex e aruspex, humerus e umerus, Hadriae Adria attestam, como já dissemos atraz, o desappareeimento ou valor nullo dessa nota de aspiração cm u m certo período da lingua latina. Provem o li: l."Deum h originário: Homem de liomincni; hoje de hodic ; hora de horam. 2." De u m / (por influencia castelhana): Hediondo de foctibundum. Sabido é que of latino a que segue u m a vogal é representado por h e m castelhano. Assim fazer, fava dos vocábulos latinos lacere, fabam deram em castelhano hacer, haba. SERÕES GRAMMATICAES 63 E m regra geral as consoantes latinas iniciaes persistem na passagem para o portuguez. São excepcionaes os casos de suppressão, como tisana de ptisanam, irmão de germanum c poucos mais. II GRUPOS CONSONANTICOS Mi, nh, eh Lh Este grupo corresponde ao som a que chamam os franeczes l molhado, figurado em seu idioma por ill no meio dos vocábulos c il no fim, como nas palavras famille, filie, bataille, billet, péril. O l molhado não o conheciam os latinos. Serve ordinariamente o lh [tara impedir os hiatos, que são no latim precedidos de l: Filho de filiam: alho deallium; milha de milha: milho de milium; palha de paleam; folha de folia; folho de foliam; conselho de consilium; mulher de mulierem; ecllia de cilia; batalha de batalia; julho de julium; parelha de parilia; melhor de meliorcm; muralha de mnralia. As vezes tem por origem as combinações cl, dl, gl, bl. ti. pl: Abelha de apiculam; ovelha de oviculam; orelha de auriculam: cravei lia de claviciilam; olho de oculum; joelho (geolho) de (jenuculum; rolha de rotulam: artelho de articulam; mantilha de maaticulam; malha de maculam; ralhar de radulare e não rabulare; trilho de tribulum; telha de tegulam: relha de regalam; tralha de Iraqulam; eellta (taboleíro) de situlam; escolho de scopulum. Outras vezes provem o lh de u m /geminado, latino ou de outra lingua novo-latina: Malho de malleum; bolha de buliam; trolha de trullam: centelha de scintillam; embrulhar de embrollar(esp.); bilhete de billetam; vermelho de vermillam; molhar de niolliare; bilha de billa (esp.); manilha de manilla (esp.); pulha de pulla. 64 PHONOLOGIA Nos primeiros documentos da nossa lingua não era o som deste grupo consonantico transcripto por lh, senão por combinações de vozes produzindo hiatos e mais tarde por u m /simples ou geminado: moyer, meor, mu.ller, mellor, muler melor. Nh Como o lh, assim também o grupo nh serve para impedir os hiatos: aquelle, como vimos, oppõe-se aos hiatos que nas palavras latinas são precedidos de / ou nas palavras que, procedentes d'outras linguas, têm essa consoante entre as duas vogaes que as constituem; este, porem, oppõe-se aos hiatos precedidos no latim de n: Banho de balneum; senhor de seniorem; adivinhar de addivinare: tinha de tineam; aranha de araneam; linho de lineum; linha de lineam; cunho de cuneum; vinha de vincam; pinha de pineam; tenho de teneo; venho de venio. Pode íambem o nh ter por procedência u m n simples ou geminado, u m d, u m n ou u m nh originário, não de fonte latina: Vinho de \im\m; farinha de farinam; cozinha decocinam por coquinam; caminho de caminum; grunhir de grannire; padrinho depatrinum; madrinha de matrinam; ninho de nidum; rainha de reginam; ganhar de gazanhar (prov.); penha de pena (esp.); sobrinho de sobrinum; sobrinha de sobrinam. Outros exemplos ha e m que se nos depara o nh como procedente da combinação gn: Punho de pugnum; anho de agnum; cunhado de cognatum; senha de signa; manho de magnum; tamanho de tammagnum; conhecer de cognoscere; lenho de lignum; lenha de ligna. O nh dos diminutivos portuguezes inho, zinho não provem directamente do latim, senão do suffixo italiano ino, ina, que, por sua vez, se liga ao latim inus. ina, inum ou ao grego inos, me, inon: Casinha de casina; capinha de çappino;pobrezinho de poverino; olhinho de occhiolino. SEROES GRAMMATICAES 65 Ch 0 ch (com o som que tem cm chá, chapéu) provem: 1.1 Do grupo pl; Chuva de pluviam; cheio de plenum; chorar de plorare: chão de planam; ancho de amplum; encher de implere; chantar (ant.) de plantare. 2.° Dos grupos cl, scl: Chamar de clamare; chave de elavem; manchar de maeulare; charamela de calamellus; macho dê maseulum. 3." Do grupo fl: chamma de ílannnain; inchar de intlare. 4.° De u m c: Chefe de eapul; charrua de ca r ruçam; prancha de [dançam; chapa de cappam; chapitel de capitellum. Estes últimos vocábulos, porem, bem que de origem latina, não nos vieram directamente desta lingua e sim por influencia do francez, que mis forneceu os vocábulos chef, charrue, plancke, chape, chapiteau, donde foram aquelles immediatamente tomados. Era desconhecido dos Romanos o som chiante, que damos ao ch. Os vocábulos que se escrevem no latim com ch, ou que são representados pela lettra a (pie os gregos chamavam ebi (k\), devem escrever-se em portuguez com ch duro. Taes são as palavras Christo, cheios, chylo, chimica, chiméra, cache tico, chiromancia, archonte, eherttbim, monarcha, archanj arehivo, tachggraphia, Achilles, etc. As consoantes latinas em sua passagem para o portuguez e para os idiomas românicos nem sempre, como acabamos de ver, se conservam com os mesmos sons originários, vendo algumas até differentemente transcriptas, conforme os novos sons que adquiriram. Todas essas modificações se não fizeram á ventura, senão por processos e princípios geraes. mais ou menos uniformes, (pie a phonologia explica e a que se dá a denominação de lei* geraes das permutas. A natureza nada faz a esmo e sem razão; emquanto nos açodamos em precipitadamente lhe colher e comprehender os segredos, emquanto em nossa vaidade julgamos tel-a presa eeaptiva. conduzindo-a e governando-a, a nosso sabor, ella, 9 66 PHONOLOGIA sempre como mestra previdente e guia esclarecido, vai direito seu caminho, sem saltos nem violências, desenvolvendo os seus processos fecundos, não patenteando seus íntimos recessos, senão ao estudo modesto, paciente e sábio, áquella prudens interrogado do sábio, a que tanto devem as sciencias da observação. CAPITULO N II Leis das permutas das consoantes O phenomeno das permutas assenta em duas leis ou princípios geraes, que se fundamentam na observação dos factos que nos suggere o estudo comparativo das linguas. Taes são os seguintes: 1." O principio de transição. 2.° O principio do menor esforço ou da menor acção. O primeiro principio exprime que as permutas não se fazem violentamente e ao acaso, mas por u m a transição natural; de maneira que se não passa de salto e precipitadamente da consoante de u m grupo ou ordem a outra consoante de grupo ou ordem differente: as permutas realizam-se entre as consoantes homorganicas. Entre o c e o g, entre o t e o d, entre o b, v,f p, são muito communs as permutas. O segundo principio é o da menor acção ou principio da economia e quer dizer que a linguagem, sendo u m organismo vivo, procura exercer-se o mais commodamente possível, empregando o menor esforço, tendendo a realizar o seu fim do modo mais simples. N u m grupo em que ha consoantes fortes e consoantes fracas, a passagem não se realiza, em geral, das fracas para as fortes, senão destas para aquellas. Este segundo principio manifesta-se de vários modos na permuta das lettras: 1." Pelo abrandamento. 2." Pela degeneração, SEHÕES GRAMMATICAES 67 3." 1'ela queda da consoante media. I. Pelo reforço. 5." Dela accoininodação ou assimilação e [iela dissimilação. 6.' Peta metathese ou transposição. Abrandamento — O abrandamento é o processo plroniCO e m virtude do qual as consoantes forte- sé resolvem noutras homorganicas, doces õa sonoras. Assim a labial fotte p se abranda na homorganica b. qtíe lhe corresponde: D o vocábulo latino operam Péz-se o portuguez obra i de super bum fez-se so/no/m; sje super. O VOCablllo sobre. A guliural forte latina c tem c o m o correspondente e m portuguez a guliural branda g; Lacam, lago; jieuni, ligo". locustam, lagosta; óatum, ga,to', fica t um, ligado. A dental forte / corresponde á dental branda d: Roíam, roda; monetam, moeda; motum, m o d o ; laudatum, louvado; amatuni. amasio ; fitam, vida. A dental sibilante forte s ou c tem c o m o correspondente branda a dental sibilante zl MeHsem, m e z ; dccem, dez : rn es, vezes;facere, fazer: dicere, diner; ricinum, vizinho: medi~ einani, mezinha. a passagem de u m a m o m e n Degenerarão —Degeneraçãoé tânea ou explosiva a u m a continua. Assim no latim antigo c e g, articulações explosivas, degeneram em portWgueí m n continuas: Claeere (plakere), prazer; gentem (gueniem i. gente; diieem {duquem |, duque. 0 m e s m o phenomeno de degeneração nota-se e m scopam) populum, (pie correspondem aos vocábulos portuguezes— ; escoVa, povo. Queda da consoante media — 0 grau mais forte do abrandamento ou enfraquecimento manifesta-se pela queda da consoante media: — Por ( antigo poer) corresponde ao latim ponere; ter a tenere: ver a oidere. Reforço - É o phenomeno opposto ao abrandamentoe muito menos com muni que este': consiste e m reforça r-se a consoante, passando de u m a branda a u m a forte, ou de u m a continua 68 PHONOLOGIA a u m a explosiva ou momentânea. Assim o vocábulo latino Africam deu em portuguez o vocábulo antigo abrego; votum deu o vocábulo portuguez bodo; vultur, o vocábulo abutre; vorsare. o vocábulo bolçar. A liquida do verbo latino laxar reforçou-se e m portuguez no verbo deixar, que no antigo leixar mais se approxiina de sua fonte. Assimilação—Assimilação é, como já vimos, a attracção que exerce u m a consoante relativamente a outra, que se lhe assimila e accommoda o mais possível. Do prefixo latino ad e do verbo iendere (tender) fez-se em portuguez, por attracção, o verbo attender; de in e mortalem, a palavra immortal. A assimilação é completa ou incompleta, conforme a consoante que muda se assimila inteiramente á outra, ou se lhe accommoda simplesmente, sem se lhe assimilar de todo. Neste ultimo caso recebe mais propriamente o nome de accommodação. Dissimilação—Designa-se assim o phenomeno phonico em virtude do qual a vizinhança de dois sons idênticos e uniformes faz que se modifique u m delles, para evitar u m máu soido. Encontra-se exemplificada na palavra latina lilium, donde, por dissimilação, se fez em portuguez a palavra lirio, transfo mando-se a segunda articulação / em r, para evitar a repetição monótona e desagradável dos dois sons idênticos li-li. Metathesc — Metathese è o metaplasmo que consiste em deslocar u m a consoante por necessidade euphonica: Do latim feriam formou-se em portuguez o substantivo/(?/r« ; defenestram, o substantivo^rtís/a; de zingiber ou zinziber, o vocábul gengibre; de pigritiam, o vocábulo preguiça. O conhecimento dessas leis phoncticas é da maior importância no estudo da origem das palavras; é a luz que, acompanhando os vocábulos de transformação em transformação, em sua marcha evolutiva, nos leva com seguridade e desassombro aos veios obscuros, donde se desentranham, livrando, do obscuro e tenebroso a difficil sciencia da etymologia, pareci onde mais de u m engenho tem naufragado. SERÕES GRAMMATICAES 69 Dos grupos latinos cl, gl, hl, tr, fl, br, pl, pr, dl, dr, mr, nr, mu, st, sp. Cl O grupo latino inicial cl geralmente persiste intacto no portuguez; outras vezes se transforma em ch ou cr: Clemente de clementem; claro de ciaram; século de sacculum; classe de ciassem; cravo de clavum; crasta (ant.) de claustra: chave de clavcm; chamar de clamare. Quando mediano cl geralmente se transforma em lh e ás vezes cm ch: Abelha de apieulam; cravelha de claviculam: mantilha de mantieulam; malha, mancha de maculam; trabalho de trabaculum; velho de veclus (ant.): espelho de speculum; vermelho de vermiculum. As vezes o c do grupo cl se adoça, transformando-se em g: Igreja deecclesiam; magna de maculam. Gl O grupo gl ou se conserva, como gulu de (pilam; gloria de gloriam; ou se transforma em ///, como telha de (egnlam; et,,,lho de coagulam; relha de regulam. BI IH conscrva-se na maior parte dos vocábulos em sua passagem do latim para o portuguez: Blandícias de blanditias; /abula de fabulam. Quando mediano è muitas vezes transformado em Ih: Trilho de tribulum. As vezes com a queda de u m a das consoantes do grupo, diphtlionga-se ou reforça-se a vogal: Tábua de tabulam. Tr Esle grupo ordinariamente se conserva: ás vezes se abranda cm dr: Trave de trabim; trado de teredinum; traça de 70 PHONOLOGIA taraza (esp.); transmudar de transmulare; transnadar de transnatare; transpirar de transpirare; trabucar de trabucarc; trave de transversum; trebelhar de tripudiare; tristeza de tristitiam adro de atrium; padrinho de patrinum: madrinha de matrinam; vidro de vitrum; frade (fradre), por dissimilação, de fratrem. Fl O grupoy? ou se conserva intacto ou se transforma em/r, eh: Flanco do latim medieval flancum; flagello de flagellum; inflammação de iiiílauimationem; frasco do latim medieval flaseum; chamma de ílammam: cheirar de flagare. Br O grupo br, inicial ou mediano, conserva-sc intacto: Braço de brachium; fábrica de fabricam; febre de febrem; membro de membram. A primeira consoante do grupo algumas vezes degenera em v. Livro de libram; lavrar de laborare; outras vezes essa consoante degenera cm v, com queda ou metathese do segundo elemento do grupo: Crivo de cribrum; trevas de tenebras. Neste ultimo vocábulo, afora a degeneração do b cm v e da metathese do r, ha queda da consoante media e do e metatonico. Pl Neste grupo as duas consoantes originarias ouse conservam no portuguez ou se transformam empr, ch, lh: Triplo de triplum; plano, pleno de plenuni: manipulo de manipulam; praga de plagam; pranto de planeiam; pregar de plicare; praça de platcam; chumbo de plumbum; chuva de pluviam; chorar de plorare; chato de platum; chus (ant.) de plus; cheio de pleiram: escolho de scopulum. Pr O grupo pr ou se conserva intacto ou se transforma em portuguez em br: Prompto de promptum; comprar de eompararc; cobre de cupreum; sobre de super; sobrancelha de supereilia. SERÕES GRAMMATICAES 71 Dl O grupo dl não figura como inicial em vocábulo algum portuguez; como medio, ou se conserva, ou se transforma e m /// com a queda da vogal intermédia: Escândalo de scaiulalum; crédulo de credulum; ralhar de radulare, que deu também o vocábulo ralar. C o m a queda da segunda lettra do grupo reforça-se ás vezes a vogal intermediaria, diphthongando-sc: Amêndoa do latim medieval amandola, corruptela do latim amygdala. Do vocábulo latino querquedula, que, por dissimilação, se transformou em cerquedula e depois cm cercedula, por assimilação, fez-se cm portuguez o vocábulo cercéta,'Onde se vê que se reforçou o d em t com a queda da vogal e da consoante seguinte. Dr Este grupo ordinariamente se conserva: Dragão de draconem; droga do francez drogue; dromedário de (lromeilariuni; tirania do latim moderno drama. Algumas vezes é para notar a queda da primeira consoante do grupo: Crer de crederc. Mr, Nr Estes dois grupos medianos sempre se conservam intactos: ('amura de camera; numero de numeruni; gemer de gemere; género de gciiere; genro de generum. Mn Neste grupo uma das consoantes costuma cahir ou ambas se conservam: Outono de Autuninus: columna de eoluinnani; condemnar de condeiiinare; dona de dominam; nomear de nominare; domar de dominare. Como inicial este grupo sófiguracm vocábulos de origem grega, que não são da linguagem popular: Mnemónico, mnemónica. mncnioleehrriu. Mnemosynes. 72 PHONOLOGIA St, Sm, Sp Os grupos st, sm, sp nos vocábulos de cunho propriamente portuguez sempre se tornam medianos pela prosthese do e: Estar de stare; estudo de studium; esmeralda de smaragdum; esperar de sperare; esposo de sponsum. Só figuram como iniciaes em palavras estrangeiras, empregadas em nossa lingua, e em expressões latinas, não despidas ainda das vestes originarias. Taes são as expressões latinas stalti-quo, spina-ventosa, specimen, stabat-mater; as inglezas spleen, sport e a palavr steppe de origem slava. PARTE SEGUNDA Orthographia CAPITULO I Da orthographia e dos systemas orthographicos I A collecção dos caracteres graphicos com que se notam os sons dos vocábulos de uma lingua chama-se alphabeto, que se compõe no portuguez, como em todas as linguas novolatinas, de vinte e cinco lettras, as quaes se collocam na ordem seguinte: a, b, e, d, e, f g, h, i, j, k, l, m, n, o, p, q, r v, x, g, z. O alphabeto das linguas românicas procede do latim; 08 Romanos derivam o seu cio alphabeto grego, que lhes foi transmittido pelas colónias commerciantes de Cumas e da Sicília; o dos Gregos veiu-lbes directamente do phenicio, tendo este ultimo sua origem, conforme affirma a philologia, na tachygraphia hierática dos Egypcios, que foi modificada e transformada. Como o alphabeto grego, o alphabeto romano não contava a principio o mesmo numero de caracteres graphicos. Assim ó que os Latinos não distinguiam ordinariamente na escriptura a vogal i da consoante ou semi-vogal j, nem a vogal u da consoante mi semi-vogal o. Hl 74 ORTIIOGUAPIIIA A confusão tão usual entre estas duas lettras ou caracteres não se limitava só á escriptura, senão também ao som ou pronunciação, que se notava ainda entre os melhores modelos latinos do bom fallar. A approximação ou confusão dos sons representados pelo u e pelo v é que explica por ventura a simultaneidade das formas faveo e fautor, caveo e cautus, monui e delevi, nauta e navita, avis e auceps, acitium e a tium, volveo e volutum, solveo c solutum, lavo e lautum O z e o y, tomados ao alphabeto grego, eram só usados no tempo de Cicero em vocábulos de procedência grega. A ordem na disposição dos diversos caracteres litteraes em nossa lingua e em todas as românicas outra razão de ser não tem, que sua origem m e s m a latina; de feito, o alphabeto phenicio, de origem egypciaca, transformado pelos pbenicios e por estes levado ás bordas do Mediterrâneo e adoptado por Gregos, Etruscos e Latinos, não conhecia as vogaes de que se serviam os idiomas destes últimos povos e as linguas procedentes do latim, sendo ipso facto diversa a disposição que guardavam na collocação de seus caracteres; tal disposição, porem, seguem as linguas novo-latinas, que. adoptando o alphabeto latino, conservaram a mesma distribuição dos caracteres litteraes. A orthographia ou considera as palavras de per si, ou em relação umas ás outras: no primeiro caso, diz-se orthographia absoluta ou de uso; no segundo, orthographia relativa, de princípios ou de regras. Outro fundamento não tem a primeira que o uso ou a etymologia; para ella não se podem estabelecer regras seguras, principios geraes e invariáveis. Assim é que só o uso explica a razão por que o pronome da primeira pessoa do singular eu assim se representa, emquanto em muitos vocábulos da mesma, analogia phonetica é o mesmo somfiguradopor eo ou eu: taes são os vocábulos meo, teo, seo, deo, creo, que assim se figuram ou desfoutro modo: meu, leu, seu, deu, creu, empregando-se a lettra u como pospositiva ou subjunctiva do som diphthongal. SERÕES GRAMMATICAES 75 A segunda tem por fundamento os princípios m e s m o s da lingua, tem suas regras, seus princípios geraes. Assim os números, os géneros, os graus, as pessoas, todos os accidentes, em sumiria, dos nomes, dos pronomes c adjectivos; os modos, os tempos, as pessoas e outras modificações dos verbos, trazem ás terminações dos nomes, dos pronomes, dos adjectivos e dos verbos mudanças correspondentes a essas differentes ideias e relações. So da primeira espécie de orthographia trataremos aqui, porque a segunda, c o m o já o fizemos notar, se acha comprebendida na Lexicologia e na Sgntaxe. II A Ires podem reduzir-se os differentes systemas orlhographicos: systema etymologico ou de derivação; systema phonetico. racional ou philosophico; e systema usual, mixloou ecléctico. A regra única do systema etymologico é escrever as palavras segundo sua derivação ou etymologia. Neste systema representam-se os vocábulos da lingua era que se escreve com as m e s m a s lettras com que se representam noutra lingua os vocábulos donde se derivaram aquelles. Tal systema empregado exclusivamente não pode admittir-se: seguido ã risca, ó diflicillimo, senão de todo o ponto inexequível. C o m clleito, tendo nossa lingua, afora o fundo latino, u m numero considerável de vocábulos de varias procedências, seria necessário conhecer todas essas linguas donde taes vocábulos provieram. Aos sábios, portanto, pertenceria dar a lei neste ponto; m a s o uso aqui não é por elles lixado, senão pelo povo na accepção geral desta palavra. Demais disso, havendo u m a tendência natural afiguraros sons conforme "os pronunciamos, na transformação de u m idioma e m outro ou outros, variando sempre esses sons. adulterando-se e corrompendo-se no tempo e no espaço, chegam por fim a obscurecer todo o resquício etymologico, perdendo-se o fio que os liga e conduz á sua fonte; de m o d o 76 ORTHOGRAPHIA que em nossa lingua, como em todos os demais idiomas, elymologias ha obscuras, incertas, vagas e de todo desconhecidas. 0 systema de pronunciação ou phonetico manda escrever os vocábulos como os pronunciamos. Este systema não admitte na escripl.ura vogal ou consoante que não corresponda a u m som, nem o m e s m o caracter como signal de vários sons. O systema de pronunciação é igualmente inadmissível, pela razão da permanência e estabilidade dos caracteres, contraposta á variabilidade dos sons, não sendo assim possível a correspondência exacta entre os sons e os caracteres que os representam efiguram,porque estes se conservam sempre os mesmos, são permanentes e aquelles, ao revez disso, variam. Neste systema u m m e s m o vocábulo teria orthographia differente conforme as províncias e as épocas; multiplicarse-iam os homonymos, produzindo-se assim a obscuridade, confusão e empobrecimento da lingua. N e n h u m desses dois systemas, pois, usado só por só e exclusivamente, deve admittir-sc. Efectivamente, ou a orthographia varia para acompanhar a variedade da pronunciação e represental-afielmente,e então se tornam illegiveis os escriptós dos séculos anteriores, introduzindo-se desfarte a desordem e a anarchia, que são a morte mesma e a negação de todo o systema, ou fica o permanece sempre a mesma, e então não representa com exacção e fidelidade os sons da lingua actual, senão os que possuía esta em épocas anteriores. «Não se lê», diz u m douto escriptor, (') «lettra por lettra, mas a figura inteira da palavra faz impressão a u m tempo na vista e no espirito, de feição que, quando essa figura se muda de repente de modo considerável, as palavras perdem a physionomia que as torna reconhecíveis á vista.» ('-) (t) Liossuet, citado por Marty-Laveaux. (2) A Academia Brazileira c outros escriptores, portuguezes e brazileiros, nestes últimos tempos, têm autorizado reformas que perfilham este systema de pronunciação. Ainda não julgamos de b o m aviso aconselhal-o, esperando a saneção indel'ectivel do uso, a que não pertence só o jus et norma loquendi, senão lambem o jus et norma seribendi. SERÕES GRAMMATK Ais I i O systema preferível é o usual ou mixto. Combinação criteriosa dos trcs factores: a pronuncia, a etymologia c o uso, esse systema formula as regras seguintes: 1." Quando a pronuncia se não oppuzer á etymologia, devemos seguir a etymologia. 2." Quando, porem, estiver c m desaccordo a pronuncia com a etymologia, deve preferir-se aquclla. 3." Naquellas palavras cuja orthographia o uso tiver sanceionado. por mais que destoe este da etymologia, devemos seguil-O. Dor mais esforços que empreguem, não poderão os neographos levar de vencida o uso, mestre c arbitro soberano e m muitas questões de linguagem, a cujas decisões inconscientes cedem por vezes a razão c a lógica. E m despeito disso, encontram-se no systema usual defeitos. que reformas lentas, graduaes e razoáveis acabarão por emendar c corrigir. São estas as principaes causas da irregularidade dos systema* orthographico*: 1.° A existência de muitos caracteres para figurar u m m e s m o som. 2.° A existência de muitos sons figurados ou representados por uni só caracter. :b" N ã o haver lettras senão para figurar as vozes e as articulações mais sensíveis, não podendo a escriptura representar todas as modalidades das vozes e dos ruídos consonanticos, todos esses cambiantes phonicos, todas essas subtis e fugitivas meias tinias da g a m m a dos sons. que escapam e se subtraem a Ioda a figuração. A todas essas causas se ajuncta u m a . que nos não parece de importância menor: tal é a seguinte: sendo de origem semítica o alphabeto que dos Latinos adoptamos, por grandes que sejam as transformações e alterações posteriormente introduzidas, são esses caracteres litteraes os menos adaptados a representar os sons de linguas de familia dilíerente. 78 ORTHOGRAPHIA C A PITE E O II Do Emprego da maiúscula A maiúscula, chamada também lettra grande ou capital, escreve-se: 1.° No começo de u m a phrase: «Quem pergunta quer saber» (Prov.) « O viandante que debaixo do sol ardente caminha todo o dia por charneca safara e erma, se, ao cahir do sol, descobre abrigada á sombra de algum rochedo uma bonina solitária, pára e contempla com u m sentimento de jubilo a pobre flor, que em variegado jardim lhe seria importuna por singela e campesina.» (A. Herc.) 2.° Na primeira palavra de cada verso : «Rosa de amor, rosa purpúrea e bella, Quem dentre os goivos te esfolhou na campa?» (Garrett) (f) 3." Depois de um ponto: «Era por u m a destas noites vagarosas do inverno, em que o gemer das selvas é profundo e longo ; em que a soledade das praias e ribas fragosas do oceano é absoluta e tétrica. Era a hora em que o homem está recolhido em suas mesquinhas moradas; em que pelos cemitérios o orvalho se pendura do topo das cruzes». (A. Herc.) 4." Depois de u m ponto interrogativo ou admirativo: «A Samsão arrancaram-Jhe os olhos os philisteus, porque os entregou a Dalila. Não lhe fora melhor a Samsão fechar os olhos, para não ver, que perdel-os porque viu ? «Não lhe fora melhor a A m n o n não ver a Thamar? «Não lhe fora melhor a Holophernes não ver aJudith?» (A. Vieira) «Deploráveis mortaes! Não somos nada!» (Bocage) (1) A imitação dos cspanhoes, os poetas portuguezes vão generalizando o uso de não empregar a maiscula no começo de cada verso, senão quando, como na prosa, ha u m a pontuação que o exija.