O CONTROLE DOS SEMÁFOROS EM TEMPO REAL NO BRASIL Até há alguns anos, o Brasil somente podia contar com um sistema de semáforos bastante limitado. As programações destes equipamentos só mudavam em função do período do dia, mas não eram capazes de se adaptar automaticamente às variações aleatórias do trânsito. Tal inflexibilidade acaba sendo particularmente negativa nas cidades de maior porte, onde a cada momento surgem novos pólos geradores de deslocamentos de veículos, como, por exemplo, escolas, shopping-centers, hospitais, etc.. Os imprevistos que, frequentemente, ocorrem no trânsito constituem outra fonte de problemas. São as colisões, as obras de emergência no leito viário, as árvores que caem na pista, os ónibus que quebram justamente no lugar mais crítico e tantos outros incidentes que estão acontecendo a cada momento. O semáforo convencional não consegue enxergar o impacto causado por estas anomalias. A sua programação de tempos é calculada para o famoso “dia típico”, onde se trabalha com uma situação média dos parâmetros que representam o trânsito. Confesso que, nos 28 anos que trabalho na área, nunca encontrei esse tal de “dia típico”. Além disso, o semáforo é particularmente sensível às flutuações do trânsito. Um pequeno erro de alguns segundos num tempo de verde, dependendo da situação de saturação do local, pode acarretar a formação de enormes filas de veículos. A impossibilidade de trabalhar com padrões preestabelecidos e a exigência de um ajuste fino na programação semafórica levam à conclusão de que a única forma de lidar eficientemente com o problema é a de se valer de técnicas de controle que procurem, continuamente, se adaptar às variações da realidade. Para conseguir isso, é necessário, em primeiro lugar, “ler” a situação vigente do trânsito na rua, para em seguida calcular as mudanças que vão adequar as temporizações dos semáforos às variações percebidas no perfil do trânsito e, finalmente, implementar tais mudanças nos semáforos de uma forma organizada. O processo tem de contar, também, com um recurso de auto-fiscalização. Explicando melhor: deve-se acompanhar continuamente o estado do trânsito em alguns locais chave e, caso se detecte que o estado do trânsito é diferente do que os cálculos indicavam, deve-se substituir os parâmetros que estavam sendo usados por outros mais fiéis à realidade constatada. No início da década de 90, começaram a se firmar, no mercado mundial, alguns sistemas de semáforos que eram capazes de operar segundo esta estratégia. São conhecidos como sistemas de controle em tempo real ou semáforos inteligentes. Existem, actualmente, cerca de duzentas cidades no mundo inteiro que utilizam esta tecnologia. A cidade de São Paulo começou a utilizar esta solução em 1997, implantando o controle em tempo real em cerca de 1000 de seus 4600 cruzamentos providos de semáforos. Os sistemas escolhidos foram o SCOOT, de origem inglesa e o ITACA, de origem espanhola. A figura nos dá uma ideia do esquema básico de funcionamento do Sistema SCOOT. Os veículos são identificados por laços detectores que nada mais são do que fios de cobre enrolados em fendas feitas no asfalto, na forma de rectângulos. A passagem da corrente eléctrica nesses fios cria um campo electromagnético, que serve para reconhecer a passagem da massa metálica dos veículos. As informações colectadas pelos detectores são enviadas para o controlador, que é o equipamento que fica na própria rua e que é o responsável pelo controle directo do semáforo. O controlador pode “conversar” com o computador no Centro de Controle através de ligações da concessionária telefónica local, de uma forma muito parecida àquela utilizada para viabilizar a comunicação entre um micro-computador e seu provedor de Internet. Também podem ser utilizados cabos telefónicos lançados pelo próprio órgão de trânsito, que foi a alternativa utilizada em São Paulo. Dá-se o nome de “Rede de transmissão de dados bidireccional” a este bloco responsável pela comunicação entre os equipamentos que estão na rua e os computadores que estão no Centro de Controle. No Centro de Controle, o computador recebe, a cada segundo, as informações do que está ocorrendo em campo. Estes dados são processados e, no mesmo segundo, são calculadas as correcções que devem ser feitas nas programações. No intervalo correspondente ao próximo segundo, as novas ordens são transmitidas aos controladores que se encarregarão de implementá-las nos semáforos. Tal rapidez entre o reconhecimento de um problema e a implementação da solução correspondente é o que caracteriza, efectivamente, o controle em tempo real. Os resultados obtidos em São Paulo com a aplicação desta nova tecnologia foram excelentes. Mediu-se uma economia de 20% no tempo perdido pelos veículos nas filas dos semáforos. E existem, ainda, outros benefícios indirectos que não se consegue mensurar, como, por exemplo, a redução da poluição por gases e da poluição sonora. Sem falar na diminuição do estresse dos motoristas que são obrigados a enfrentar diariamente as contrariedades do trânsito. Actualmente, várias outras cidades brasileiras estão avaliando a conveniência de implantar o controle de seus semáforos em tempo real. Além de São Paulo, a cidade de Fortaleza também já conta com este recurso. Entretanto, é preciso evitar encarar este sistema como a melhor solução para qualquer cidade. O controle em tempo real é um sistema sofisticado e, como tal, representa um investimento financeiro bastante elevado. Somente se justifica a sua adopção em metrópoles com problemas de trânsito bastante relevantes. É imprescindível que se realize um estudo económico anterior que comprove uma boa relação entre o benefício previsto e o custo da implantação e da manutenção do sistema. Outro ponto a considerar é que optar por um investimento de porte significa se comprometer, no futuro, com a necessidade de sua manutenção. Por exemplo, o sistema se apoia num conjunto de laços detectores que, forçosamente, vão ter de ser substituídos periodicamente. Não deve ser perdida de vista, também, a constatação de que sistemas complexos exigem treinamento acurado. As cidades que optarem por tal sistema devem, paralelamente, criar um corpo técnico capaz de “pilotá-lo”. Se isto não for possível, é preferível, sem a menor sombra de dúvida, permanecer com o controle dos seus semáforos fundamentado na tradicional estratégia de troca de planos por tabela horária.. Em termos de desenvolvimento tecnológico, o próximo desafio é o de criar um sistema de controle de semáforos em tempo real voltado para atender às características do nosso país, que possa ser comercializado a preços mais acessíveis e que implique num processo de manutenção mais simples. Já existem algumas empresas e universidades brasileiras trabalhando no tema. No futuro, então, quando você passar por um semáforo, pode começar a suspeitar de que seu carro foi detectado e que alguns segundos de verde a mais foram dados pelo computador para que você não precisasse parar. Luís Molist Vilanova - Engenheiro civil, especializado em sinalização semafórica. Trabalha na CET - Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo. Foi o coordenador técnico da implantação, em 1982, do primeiro sistema de semáforos de São Paulo controlados por computador - SEMCO. Entre 1996 e 2000, coordenou o projecto de modernização dos semáforos do centro de São Paulo, com a aplicação da estratégia de "Controle em Tempo Real". Foi professor de cursos de extensão universitária, na matéria "Sinalização semafórica", do Instituto de Tecnologia Mauá e da Escola Politécnica da USP.