JORNAL DA associação médica Página 14 • Outubro/Novembro 2008 ESPECIAL Procedimentos estéticos motivam processos contra médicos Alexandre Guzanshe e da cilada em que caí”, desabafa o méJá começaram a chegar à Comisdico, ao se lembrar de um colega de cursão Estadual de Defesa do Médico so que terminou preso por causa de (CEDM) casos de processos de erro uma lipoaspiração mal sucedida. médico devido a complicações de proProblema semelhante enfrenta uma cedimentos estéticos. De acordo com médica de 39 anos, do interior de a diretora de Defesa do Exercício Minas Gerais, que pediu que sua idenProfissional da AMMG e coordenatidade fosse mantida em sigilo. “Depois dora da CEDM, Cristiana Fonseca de dez anos atuando na área de estétiBeaumord, é possível perceber que ca, passei por uma experiência muito muitos médicos terminam a faculdadesagradável. Uma paciente que havia de, não passam por uma residência se submetido a um preenchimento famédica, fazem cursos breves de estécial voltou ao meu consultório se queitica e iniciam o atendimento. xando de um caroço no local do pro“Parece-nos que as complicações cedimento. Ele não era visível, mas era associadas aos procedimentos estétiperceptível à palpação. Eu não sabia cos são abordadas de forma superficial que complicações como essa poderiam em tais cursos. Se o médico não tem ocorrer”, conta a médica, que sofre agoconhecimento prévio sólido em derra um processo da paciente. matologia ou cirurgia plástica, aconteA médica lembra que sua entrada cem com maior freqüência”, avalia nesse mercado aconteceu após um curBeaumord. so de medicina estética de dois meses, A diretora alerta para a questão da realizado em São Paulo, em 1998. Ela promessa de resultados: “Nós, médiafirma que durante o curso não foi deicos, temos obrigação de meio e, não, xado claro em que área específica os de fim. Temos que usar todos os reprofissionais poderiam trabalhar, apecursos disponíveis para o bem estar do nas que o médico poderia atuar na área paciente, mas não temos a obrigação A diretora de Defesa do Exercício Profissional da AMMG, Cristiana em que se achasse apto. “Dividido de alcançar um ‘resultado’. Quando Beaumord, alerta que o médico não deve prometer resultado igualmente em aulas práticas e teóriuma publicidade, no entanto, faz proEle se lembra que chegou a utilizar nas aulas cas, o curso contava com pacientes voluntários. messas de beleza ou rejuvenescimento garantido ou afirma que um determinado procedi- práticas, sem saber, material não liberado pela Os produtos usados eram, em sua maioria, remento não possui riscos, o médico assume um Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). presentados no Brasil pelos professores dos procompromisso. Se o resultado prometido não “Depois, descobri que não tinha base prática, cedimentos ensinados”, conta a médica geneocorre, fica com uma defesa frágil num pro- nem científica para o trabalho. Veja até onde a ralista. “Tive muitos prejuízos morais. Meu consedução chegou. Tenho amigos que perderam selho é que aqueles que como eu não tiverem cesso indenizatório, por exemplo”. Beaumord lembra ainda que a medicina es- tudo na mesma empreitada. Ainda bem que per- condições de fazer uma especialização devitética não é reconhecida como especialidade cebi a tempo que tinha perdido tudo: meu tem- damente reconhecida pelo MEC, atuem como médica. Aos colegas que desejam trabalhar com po, meu dinheiro. Sinto vergonha da bobagem generalistas até que possam fazê-la.” cosmiatria ou cirurgia plástica, ela deixa um recado: “O melhor caminho é começar por uma boa residência médica”. Em e-mail enviado à assessoria de imprensa da AMMG em 2006, um médico que preferiu manter anonimato faz um relato arrepenPesquisa do Conselho Regional de listas. Em sete anos, 140 médicos foram condido sobre um curso de medicina estética que Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), denados pelo Cremesp, sendo que nove deles freqüentou em Belo Horizonte. “Logo no pri- divulgada em setembro passado, concluiu que tiveram o registro cassado. meiro dia, os responsáveis fizeram uma de- 97% dos médicos que respondem a processos A legislação brasileira permite que o mémonstração dos ganhos ‘fáceis’ que podería- ético-profissionais relacionados a cirurgias plás- dico, após seis anos de faculdade, atue em mos conseguir sem os esforços dos plantões. ticas e procedimentos estéticos, não possuem qualquer área da medicina, incluindo a cirurNas aulas, os ‘sedutores’ donos do curso pre- título de especialista na área. Foram analisa- gia. O título de especialista, que não é obrigagavam a total segurança do procedimento anes- dos processos que envolvem 289 médicos e tório por lei, pode ser obtido após a conclutésico em consultório, como se fosse uma coi- tramitam no Cremesp de janeiro de 2001 a ju- são de residência médica reconhecida pelo sa banal.” MEC ou por meio de concurso de título de lho de 2008. “A total banalização dos procedimentos esSegundo a entidade, a publicidade irregular uma sociedade de especialidade médica ofitéticos e até mesmo cirúrgicos feita no curso ou enganosa é responsável por 67% dos pro- cialmente reconhecida. O direito legal de atuar deu coragem a muita gente, inclusive eu, de co- cessos, enquanto as denúncias de má prática sem título de especialista não exime de culpa meçar a investir na área e trabalhar com o que profissional respondem por 28% dos processos o profissional que pratica atos médicos para aprendemos lá”, conta desiludido o médico, éticos. A lipoaspiração e os implantes de silico- os quais não está habilitado do ponto de visque afirma ter investido mais de R$ 100 mil pa- ne são os procedimentos mais freqüentes nos ta técnico e científico. Leia mais sobre o estura equipar um consultório. processos que envolvem médicos não-especia- do no site www.cremesp.org.br. Médicos sem título de especialista são campeões de processos em SP