A imaginação segundo Gaston Bachelard Processos Psicológicos Básicos I Prof. Felipe Stiebler Leite Villela Imaginação e consciência • A imaginação é um modo da consciência se dar. Não significa uma ausência de autoconsciência. “Noutras palavras, o devaneio é uma atividade onírica na qual subsiste uma clareza de consciência. O sonhador de devaneio está sempre presente ao devaneio. Mesmo quando o devaneio dá a impressão de uma fuga para fora do real, para fora do tempo e do lugar, o sonhador do devaneio sabe que é ele que se ausenta – é ele, em carne e osso, que se torna um ‘espírito’, um fantasma do passado ou da viagem.” (Poética do devaneio, p 144) Imaginação e espaço • A imaginação é uma experiência que evidencia que o homem não está limitado à geometria do espaço. • “O espaço percebido pela imaginação não pode ser o espaço indiferente entregue à mensuração e à reflexão do geômetra. É um espaço vivido. E vivido não em sua positividade, mas com todas as parcialidades da imaginação.” (Poética do espaço, p 19) • Assim, imaginar não é sair do mundo, mas vive-lo! Imaginação e intimidade • A imaginação é uma relação de intimidade entre homem e mundo. Na intimidade o homem vive uma relação de familiaridade com o mundo. “A grandeza progride no mundo à medida que a intimidade se aprofunda” (Poética do espaço, p 200) Imaginação e intimidade “Acho que o quintal onde a gente brincou é maior do que a cidade. A gente só descobre isso depois de grande. A gente descobre que o tamanho das coisas há que ser medido pela intimidade que temos com as coisas. Há de ser como acontece com o amor. Assim, as pedrinhas do nosso quintal são sempre maiores do que as outras pedras do mundo. Justo pelo motivo da intimidade.” (Manoel de Barros) Imaginação e segurança • No devaneio o homem vive uma relação de pertencimento com o mundo, de tal forma que vive nele uma segurança de ser. “De um modo mais geral, compreende-se também todo interesse que há, acreditamos nós, em determinar uma fenomenologia do imaginário onde a imaginação é colocada no seu lugar, no primeiro lugar, como princípio de excitação direta do devir psíquico. A imaginação tenta um futuro. A princípio ela é um fato de imprudência que nos afasta das pesadas estabilidades. Veremos que certos devaneios poéticos são hipóteses de vidas que alargam a nossa vida dando-nos confiança no universo. (...) Um mundo se forma no nosso devaneio, um mundo que é o nosso mundo. E esse mundo sonhado ensina-nos possibilidades de engrandecimento de nosso ser nesse universo que é o nosso.” (Poética do devaneio, p 08) Imaginação e Infância • A imaginação é um fenômeno essencial da infância, em que a criança tem a oportunidade de viver a própria liberdade. Na nossa infância, o devaneio nos dava a liberdade. E é notável que o domínio mais favorável para receber a consciência da liberdade seja precisamente o devaneio. Apreender essa liberdade quando ela intervém num devaneio de criança só é um paradoxo quando nos esquecemos de que ainda pensamos na liberdade como sonhávamos quando éramos crianças. Que outra liberdade psicológica possuímos, afora a liberdade de sonhar? Psicologicamente falando, é no devaneio que somos seres livres.” (Poética do devaneio, p 95) Imaginação da Infância • A infância é mais que uma fase da vida. No devaneio voltado para a infância, ela é a vivência de um novo começo. “Há seguramente em nós uma imagem, um centro de imagens que atraem as imagens felizes e repelem as experiências de infortúnio. No seu princípio, todavia, essa imagem não é inteiramente nossa; tem raízes mais profundas do que as nossas simples lembranças. Nossa infância testemunha a infância do homem, do ser tocado pela glória de viver. “Em vista disso, as lembranças pessoais, claras e freqüentemente expressas, nunca hão de explicar completamente por que os devaneios que nos reportam à infância têm tal atrativo, tal valor de alma. A razão desse valor que resiste às experiências da vida é que a infância permanece em nós como um princípio de vida profunda, de vida sempre relacionada à possibilidade de recomeçar. Tudo o que começa em nós na nitidez de um começo é uma loucura da vida.” (Poética do devaneio, p 118) Imaginação e transformação • O devaneio é uma forma de entrar em contato com uma nova possibilidade de ser. “Quando um sonhador de devaneios afastou todas as ‘preocupações’ que atravancam a vida cotidiana, quando se apartou da inquietação que lhe advém da inquietação alheia, quando é realmente o autor da sua solidão, quando, enfim, pode contemplar, sem contar as horas, um belo aspecto do universo, sente, esse sonhador, um ser que se abre nele.” (Poética do devaneio, p 08)