Imaginário social e novos paradigmas para a produção científica no tema de heróis esportivos Rodolfo Guimarães Silva Grupo de Pesquisa em Estudos Olímpicos-UGF Rio de Janeiro 0 | Abstract The objective of this paper is to present a summarized retrospect of scientific paradigms from Descartes’ time until the present time in terms of Knowledge Management in sports. It is important to point out that a revolution of paradigms promotes and is fed by a revolution in education, which in turn participates in all of the culture of a society exercising retroactive influence upon its social imaginary, feeding it and generating it. The next step is to research the process of production of new heroes in sports, how the media manipulate the information about it and what impact it has upon society. 1 | Introdução Vivemos atualmente num mundo onde as comunicações não conhecem limites, desde a revolução da telefonia celular até 621 | o surgimento da micro-computação e o aparecimento da Internet. Estamos num mundo onde a transferência de informação não conhece barreiras. As coisas mudam de forma acelerada, o que era verdade há pouco tempo atrás se torna falso e se propaga numa grande velocidade, conhecimentos produzidos chegam rapidamente em qualquer lugar do planeta. Assim, a nova disciplina de Gestão do Conhecimento torna-se necessária de modo crescente pois adapta a antiga epistemologia às adequações tecnológicas do mundo atual. Tais transformações que se originam na ciência e filosofia e que interfere na educação, e conseqüentemente na cultura, também influenciam de maneira retroativa no imaginário social, que por sua vez irá atuar de forma importante na construção de novos paradigmas. 2 | O Imaginário Social Não é tarefa fácil definir o que seja Imaginário Social, porém, pode-se dizer que, ao se falar desta perspectiva, de maneira geral os autores referem-se a uma instância por onde circulam os mitos, as crenças, os símbolos, as ideologias e todas as idéias e concepções que se relacionam ao modo de viver de uma coletividade. Concordando com Ferreira (1992), podemos afirmar que o imaginário social conta com “[...] um conjunto coordenado de representações, com uma estrutura de sentidos, de | 622 significados que circulam entre seus membros, mediante diversas formas de linguagem” (Ibid., p. 17). A esse conjunto relacionam-se não só as regras e condutas reguladoras das práticas sociais que procuramos justificar racionalmente, mas também os aspectos afetivos e estéticos que colaboram para a instauração e para o reforço destas ações agindo (também) como fator de coesão social. Um autor que propõe uma conceituação de Imaginário Social é Castoriadis (1986), que teve início oficial quando escreveu Instituição Imaginária da Sociedade, e foi publicada originalmente por ele em 1964, na revista Socialismo ou Barbárie. Mais tarde, em 1975, teve sua primeira publicação como livro na França. A crítica de Castoriadis passa pela apropriação que fizeram do marxismo transformando a teoria revolucionária de Marx em ideologia, numa concepção fechada e acabada de mundo a ser perseguida. Não é possível qualificar um fato técnico dissociado de seu contexto, por exemplo, é possível compreender como tribos que se utilizam dos mesmos instrumentos para pescar e caçar, distadas a poucos quilômetros uma da outra, possuem formas de organização social e universos culturais bem distintos. Para Retondar (2004), da mesma forma que para um índio que teve seu primeiro contato com um relógio, é normal que ele pendureo numa árvore e o ornamente com plumas transformando um simples objeto num importante adereço, coisa que seria absurdo para o homem branco que pendura arco e flecha em sua sala de estar como adereço, absurdo para o índio. 623 | Não se pode perder de vista que o homem não é uma coisa, por mais que o sistema queira coisificá-lo. Ele é mais que uma coisa ou reflexo de alguma coisa, antes de tudo, ele constitui como totalidade que constrói a partir das relações que estabelece com outros indivíduos e, conseqüentemente com o mundo. “Portanto, é construtor de múltiplos sentidos que fixam a sua existência no mundo da vida, em que esta não pode ser explicada em sua totalidade por um único viés, seja ele qual for, sob pena de fragmentá-lo, de abstraí-lo, no sentido mais hegeliano do termo” (Ibid., p. 52). A idéia focal é então que o socialismo é uma etapa inevitável do capitalismo, sendo conquistado através da luta de classes. A sociedade é incapaz de suportar tal luta e seria mortal para todas em que estiverem em luta, isto é, socialismo ou barbárie. Continuando, Retondar (Ibid.) entende que há uma multiplicidade de fenômenos gerados no interior do processo de construção da realidade; múltiplas subjetividades que não são possíveis de serem explicadas por uma forma de pensar racional-determinista. Sempre existirá um algo mais. Há significações que ultrapassam as significações mais imediatas da realidade e que, nem por isso, deixam de ser realmente vividas. | 624 Tudo isso foi abandonado em função do predomínio do paradigma da filosofia racionalista. Surge então Bachelard, nas décadas de 30 e 40, com obras na linhagem da epistemologia e num segundo momento, obras como Psicanálise do Fogo, dos Sonhos, das Fantasias, das Construções do Espírito (1994). Ele mesmo considera o segundo momento como sendo uma ruptura com o primeiro, uma ruptura de paradigmas. Na verdade, Bachelard pegou o bastão dos românticos e repôs na cena intelectual procedimentos que se encontravam esquecidos. Assim, mostrou que as construções mentais podiam ser eficazes em relação ao concreto. Segundo Maffesoli (2001), Bachelard teve dois discípulos diretos: François Dagonnier e Gilbert Durand. Este último deu uma grande contribuição com o livro As Estruturas Antropológicas do Imaginário (1989), trabalhando na confluência da tradição literária romântica e da antropologia. Sua reflexão recuperou o que tinha sido deixado de lado pelo racionalismo e a modernidade e indicou como o real é acionado pela eficácia do imaginário, das construções do espírito. Maffesoli (op. cit.) faz algumas comparações para que o imaginário social seja mais bem compreendido, já que não é tarefa fácil definir o que exatamente vem a ser. A diferença entre cultura e imaginário é que a cultura no sentido antropológico contém uma parte do imaginário não se reduzindo a ele sendo, portanto, mais ampla, que por sua vez, não se reduz à cultura, pensando em termos filosóficos, o imaginário tem certa autonomia. 625 | Nas artes e em diversas outras formas de expressão (inclusive no esporte) na aura da obra há a materialidade da obra (a cultura) e, em algumas obras, algo que as envolve, a aura. Não vemos, mas podemos senti-la. O imaginário é essa aura, é da ordem da aura: uma atmosfera. Essa é a idéia fundamental de Gilbert Durand (1989): nada se pode compreender da cultura se não se admite a existência de um algo a mais que envolve e ultrapassa, uma superação. Esse algo mais é o que se tenta captar por meio da noção de imaginário. Esta vertente antropológica já traz em si referenciais que viabilizam o encaminhamento metodológico, onde, como afirma Mello (1993), o método de convergência das imagens, concebido pelo antropólogo, expõe como as imagens se constelam a partir de um isomorfismo dos símbolos. Assim, imagens pictóricas ou mesmo verbais podem ser analisadas partindo do princípio de que se referem a símbolos que se desenvolvem a partir de um mesmo tema arquetipal. 3 | O ponto de mudança A mudança do paradigma greco-medieval para o paradigma moderno se deu a partir da revolução filosófica e científica do século XVII com o cultivo da dúvida cartesiana, adotado por Descartes (duvidava-se de toda ciência pré-estabelecida a fim de encontrar uma verdade incontestável que serviria de base da reconstrução do saber) e da física Newtoniana. O racionalismo cartesiano gerou a dissociação entre o homem e o seu meio, descontextualizou o homem em favor da ciência | 626 e de sua certeza absoluta. Essa concepção prevaleceu até o surgimento da nova física, a física das partículas subatômicas, que nos trouxe um amadurecimento científico e fez-nos enxergar que não existe verdade absoluta em ciência e que os conceitos e teorias são limitados e aproximados. Citando Zohar (1990), podemos perceber que mesmo com todos os avanços tecnológicos, os avanços na forma de se comunicar e de se obter informações, não nos deram nenhuma noção do que fazer com eles. “[...] a tecnologia nos deu um padrão de vida muito mais elevado, mas nenhuma noção do que é a vida - nenhuma melhora da qualidade de vida. [...] esse tipo de ciência e de tecnologia não nos diz nada sobre nós mesmos, deixando-nos com uma sensação de alienação de nosso ambiente material” (Zohar apud Santos & Pereira, 1999, pg. 142). É perfeitamente compreensível a emergência de um novo paradigma numa sociedade mutante a cada segundo, e os heróis do esporte são peças importantes no processo de construção desse novo paradigma. O próximo passo dessa longa jornada é analisar como os meios de comunicação (jornais e revistas) influenciam na produção de heróis no esporte e qual o possível impacto da manipulação desse processo, se é que ocorre, na sociedade. 627 | 4 | Referências BACHELARD, G. A Psicanálise do Fogo. São Paulo: Marins Fontes, 1994. CASTORIADIS, C. A Instituição Imaginária da Sociedade. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986. DURAND, G. O Imaginário: Ensaio acerca das Ciências e Filosofia da Imagem. Rio de Janeiro: DIFEL, 1998. ______, G. As Estruturas Antropológicas do Imaginário: Introdução à Arquetipologia Geral. Lisboa: Editorial Presença, 1989. ______, G. A Imaginação Simbólica. São Paulo: Cultrix, 1982. FERREIRA, N.T. Imaginário Social e Educação. Rio de Janeiro: Gryphus, 1992. MAFFESOLI, M. O imaginário é uma realidade. Revista FAMECOS, Porto Alegre, n. 15, ago. 2001. MELLO, G. Caetano Veloso: um Estudo de Símbolos e Mitos. 1993. Dissertação (Mestrado em Antropologia), UFPE: Recife, 1993. RETONDAR, J.J.M. A Produção Imaginária de Jogadores Compulsivos: a Poética do Espaço do Jogo. São Paulo: Vetor, 2004. SANTOS, J. M. PEREIRA, A. Cosmovisão, Epistemologia e Educação: uma Compreensão Holística da Realidade. Rio de Janeiro: Editora Gama Filho, 1999. ZOHAR, D. O Ser Quântico: uma Visão Revolucionária da Natureza e da Consciência Baseada na Nova Física. São Paulo: Best Seller, 1990. | 628