Licença Maternidade ampliada: cortina de fumaça Lena Lavinas1 A Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara Federal aprovou em maio, por unanimidade, o Projeto de Lei 2513/07, que amplia a licença maternidade de 120 para 180 dias, para trabalhadoras do setor privado, em troca de renúncia fiscal para as empresas que aderirem (opcional) ao Programa Empresa Cidadã (municípios podem também adotar a lei). Não se trata de uma escolha das mulheres amamentarem por mais tempo, mas de um incentivo fiscal dado a empresas que lograrem instituir essa norma para todas as suas funcionárias. A mistificação do seio materno vai para o colo dos que disciplinaram o trabalho. Agora poderão disciplinar o comportamento materno no que tange o aleitamento. Às novas mamães que eventualmente venham a beneficiar-se desse programa, é vedado colocar os filhos em creche ou qualquer outro tipo de daycare, durante a vigência da licença-maternidade estendida, sob pena de incorrer em penalidades. Pouco importa o que vai se passar no day after, quando a retomada do emprego não pode mais ser adiada ou flexibilizada, nem tampouco tolerados atrasos ou faltas para ajustar o cotidiano de bebê na creche, e isso quando a vaga e os meios financeiros existem. É bom lembrar que apenas 15% das crianças brasileiras com menos de quatro anos têm acesso a creches. Inúmeros estudos já demonstraram que o trabalho feminino é o fator que mais contribui para uma redução imediata da pobreza nas famílias carentes. Logo, não se trata de manter as mulheres mais tempo fora do mercado de trabalho, mas de lhes garantir condições de elevar sua taxa de participação e ampliar o bem-estar de suas famílias, notadamente em um país onde a participação do Estado na provisão de condições mínimas de sobrevivência e de equiparação de oportunidades é insuficiente e deficiente, quando não inócua. Ao tentar compatibilizar usos de tempos concorrentes, as mulheres mergulham nas múltiplas jornadas que durarão por algumas décadas, sem possibilidade de creches e pré-escolas entre os seis meses e os quatro anos, turno escolar em tempo integral e outros serviços públicos, gratuitos ou subsidiados, de qualidade, que possam lhes dar 1 55 anos, Professora Associada do Instituto de Economia da UFRJ, Secretária Municipal de Monitoramento e Gestão da Prefeitura de Nova Iguaçu. mais segurança e pavimentar sua autonomia. Que lhes permitam criar oportunidades e realizá-las. Trocam-se vinte anos por dois meses, para uma parte reduzida das mulheres trabalhadoras (mais de metade das ocupadas está na informalidade) e fica-se à mercê da iniciativa deste ou daquele empresário, que deixa de contribuir para o sistema de seguridade social, responsável, este sim, por financiar alternativas de guarda para todas nossas crianças ou benefícios universais que possam viabilizá-las. As soluções à maternidade continuam se dando na esfera privada, apoiadas na solidariedade feminina intergeracional, sem custos para empresas e para o Estado, à exceção de quem tem renda para assumir suas escolhas. Mais uma vez, prevalecem meias medidas que se apóiam em pareceres científicos destituídos de princípios de eqüidade horizontal. Pode-se estabelecer um padrão de proteção aos rebentos das mulheres mais afortunadas, em relações de trabalho formalizadas e, portanto, negar isonomia às demais? Espera-se que no país das desigualdades o efeito-demonstração nos leve a incorporar os excluídos - criados por legislações inadequadas - por força do bom senso? A síndrome das condicionalidades e dos controles é tamanha no âmbito dos nossos programas sociais, que até mesmo em uma regra facultativa impõem-se restrições que penalizam a mãe na busca de soluções para a vida que segue quando finda a licença maternidade. A lei em tramitação representa um enorme recuo na construção da cidadania, e não apenas da cidadania feminina, pois retro-alimenta velhos mecanismos de segregação. Parece avançada, mas não é. Vai na contramão do nosso sistema de seguridade social, conquista maior da Constituição de 88, que uniformiza benefícios e assegura eqüidade de acesso. Nós mulheres, queremos compartilhar oportunidades, desafios, responsabilidades e liberdades. Em igualdade de condições entre todos nós brasileiros. Cinco dias de licença paternidade é o tempo da celebração. Pouco para que se instaure a prática do compartilhar efetivo entre mulheres e homens. Se algo há a fazer, que se amplie a licença paternidade para um bom mês, quiçá dois. Leite materno vai bem em mamadeira, ainda que nem só dele alimentem-se os bebês para serem sadios e felizes, seres humanos plenos.