JORNAL DO M.A.U.S.S. IBEROLATINOAMERICANO
Apresentação
É com imenso prazer que lhes apresento um conjunto de artigos
produzidos por alunos do curso de Ciências Sociais da Universidade
Federal da Paraíba como requisito de trabalho final da disciplina
Antropologia Econômica ministrada no primeiro semestre do ano de 2011.
A referida disciplina gravita em torno da contraposição entre uma
economia moral característica das sociedades ditas arcaicas e a economia
mercantil base do sistema econômico capitalista. Iniciamos a discussão
com as formulações de Marcel Mauss apresentadas no Ensaio sobre a
Dádiva publicado em 1925 que seria a fonte de inspiração para Pierre
Clastres demonstrar na Sociedade Contra o Estado (1974), especialmente
no capítulo, “Arco e o Cesto” como os grupos indígenas na América do
Sul, incluídos as tribos indígenas no Brasil, a partir de uma divisão
sexual do trabalho estavam estruturados a partir da mesma lógica da
reciprocidade, sendo esta o principio ontológico da sociedade. Em 1944
sai a primeira edição de A grande transformação de autoria do
antropólogo húngaro Karl Polanyi que revela a natureza social da
economia de mercado em dialógo com etnografias produzidas por
Bronislaw Malinowski e outros autores. A seguir foram debatidos os
desdobramentos contemporâneos da teoria da dádiva a partir de autores
como Marcos Lanna, Pierre Bourdieu, Maurice Godelier e Alain Caillé
que com o M.A.U.S.S. re- atualiza a teoria da dádiva e demonstra a sua
pertinência para estudos de processos contemporâneos como a dinâmica
associativista, a democracia e a economia solidária.
Neste sentido, as reflexões que os artigos nos sugerem refletem as
discussões realizadas em sala de aula. Vejamos, o instigante artigo de
Serge Katembera Rhukuzage e Inocêncio Soares do Rosário que abre
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esta coletânea intitulado: “Cidadania além da dádiva: uma breve análise
das políticas públicas no nordeste”, nos convida a questionar a lógica do
dom que permeia as práticas sociais concretas das políticas sociais
contemporâneas no Nordeste do Brasil. A análise das práticas sociais
concretas nos remete diretamente aos seguintes questionamentos: Seria a
lógica do dom avessa às práticas da cidadania? Políticas sociais como o
Programa Bolsa Família estariam sendo ressignificadas como direito ou
favor – dádiva do governo? A problematização central dos autores é
sinalizada nesta pergunta: “Em outras palavras estamos nos
preocupando em saber se essas políticas sociais têm produzidos pessoas
emancipadas ou dependentes frente ao Estado?”. Ademais, os autores
pontuam a contribuição da análise etnográfica no estudo sobre as
efetividades das políticas sociais, especialmente, na promoção de
mudanças sociais capazes de alterar as condições de vida de populações
empobrecidas em nosso país.
Os artigos seguintes “A Contemporaneidade do Dom: O Programa
Bolsa Família na cidade de Catingueira” e “Programa Bolsa Família na
perspectiva da dádiva: O caso de Catingueira-PB” de Edilma do
Nascimento Souza, Patrícia Oliveira dos Santos, Flávia Ferreira Pires,
Jéssica Karoline Rodrigues da Silva e Ana Ligia Muniz Rodrigues
analisam o Programa Bolsa Família (PBF) na cidade de Catingueiras a
partir da perspectiva etnográfica e das formulações em torno da dádiva.
A inovação que a contribuição das autoras traz para o campo da
avaliação das políticas sociais, justamente, é o olhar micro-sociológico,
detalhado e denso, combinado com a sensibilidade antropológica. Nos
revelam as autoras o cotidiano da cidade de Catingueiras e as
transformações ocorridas com a chegada do PBF, como por exemplo, a
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dinamização da economia do municipio, a ressignificação do papel da
mulher na família, talvez uma remodelação nas relações de gênero (?) e a
inserção da comunidade no universo do consumo. Contudo, uma questão
central permanece não respondida, em que medida a inserção das
famílias catingueirenses no mundo do consumo e o aumento do poder
aquisitivo das mulheres representaria de fato um salto em direção à
quebra do ciclo geracional da pobreza? Qual seria o papel do dom no
processo de mudança ou reprodução da estrutura social?
Os três artigos que seguem sobre os Fundos Rotativos Solidários
(FRS) no Estado da Paraíba, intitulados: “ A dádiva na Economia
Solidária”, “Algumas indagações sobre o sistema de trocas e o
funcionamento de práticas recíprocas dos Fundos Rotativos Solidários”
e “Políticas Sociais, Dádiva & Gênero: Uma Etnografia sobre o grupo de
Viveiro de Mudas no Alto Sertão Paraibano” de autoria respectivamente
de Misael Gomes da Silva, Alícia Ferreira Gonçalves, Michele Nunes
Rufino, Celly Souza e Aline Myrtes Vieira demonstram a pertinência da
teoria da dádiva para analisarmos os processos sociais de construção de
um campo de finanças solidárias no Brasil, especialmente os FRS.
Ademais, nos permite avaliar a efetividade dos FRS como uma política
social de finanças solidárias que tem por finalidade democratizar o
acesso ao crédito aos grupos sociais, comunidades e famílias excluídas
historicamente do sistema de crédito institucional, como o são as
famílias assentadas da reforma agrária no Nordeste.
Para além da
democratização do crédito, a política pontencializa a construção de uma
cultura política distanciada de práticas clientelistas de dominação
tradicional, uma participação significativa das mulheres que sinaliza
para uma remodelação nas relações de genêno na comunidade e na
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família e a construção de uma cultura agro-ecológica que respeita o
meio-ambiente. E, por fim, sinaliza para a construção de uma economia
que esteja a serviço da ressiginificação de nossas identidades
fragmentadas – esta é a nossa utopia.
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O artigo de autoria de Victoria Puntriano Zuñiga “Notas sobre o
dom e reciprocidade a partir dos estudos de ferraro: Uma visão da
comunidade andina de Pesillo – Equador”, apresenta notas sobre o
sistema de trocas em uma comunidade andina. A análise demonstra em
um contexto contemporâneo, a moralidade presente nas seis formas de
reciprocidade identificada pela pesquisa etnográfica de Emilia Ferraro,
além de sublinhar a cosmovisão dos participantes. Esses vínculos
envolvem trocas monetárias e principalmente não monetárias, sendo
alguns reprodutores das desigualdades sociais e outros se configuram
como estratégias baseadas na sobrevivência da comunidade. O estudo
aponta que esses laços continuam a existir apesar do grande impacto
causado pela utilização do dinheiro enquanto equivalente geral.
Na sequência apresentamos dois artigos que nos revelam a
dinâmica do sistema de trocas e a sua relevância social no campo da
saúde: “Os desdobramentos da dádiva: Uma problematização das
relações de troca no campo da saúde” de autoria de Débora Arruda Lima
e Wilka Barbosa dos Santos e “Novas Tecnologias Reprodutivas e a
doação compartilhada de óvulos: Um estudo sobre a dádiva” de autoria
de Maria Patricia Mesquita Pereira e Dayse Batista dos Santos Castro. O
primeiro artigo desvela que “os
espaços que perpassam as ações
voluntárias resultam das relações de trocas de medicamentos,
informações, gentilezas, entre outros. Portanto, a dádiva no campo da
saúde é capaz de gerar laços e vínculos sociais que proporcionam aos
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donatários um respeito por parte dos assistidos, bem como o
reconhecimento simbólico de está cumprido ou exercendo valores
morais, defendido por determinada ideologia social como um ato de
generosidade.” No caso das novas tecnologias reprodutivas as autoras
explicitam o problema central da pesquisa que remetem às complexas
relações entre reciprocidade, individualismo e mercado subjacentes aos
processos sociais de doação compartilhada de óvulos. O estudo indaga as
motivações subjacentes à doação compartilhada, neste sentido,
poderíamos questionar se a circulação (por doação, venda ou troca) de
gametas, úteros ou embriões seriam atos de altruísmo ou uma simples
transação comercial?
Os dois artigos seguintes demonstram o papel das redes sociais e do
associativismo na promoção de uma cultura cívica, de autoria de
Manuela Fialho Galvão “Redes Sociais e constituição Sócio-Política” e
Sônia Maria Neves Bittencourt de Sá e Alícia Ferreira Gonçalves
“Esportes de natureza, solidariedade e o movimento associativista em
João Pessoa, uma possibilidade? Este artigo nos faz refletir sobre a
cidade como direito e espaço de exercício da cidadania. Deste modo, a
autora analisa as possíveis interfaces entre os movimentos associativistas
que nascem a partir de um grupo de pesssoas que praticam esportes de
natureza na cidade de João Pessoa e os laços de solidariedade
engendrados a partir da supracitada prática. Surpreendentemente o
estudo sinaliza que o movimento associativista engendrado na prática
desportista tem o potencial de construir uma cultura cívica que
reivindica uma cidade sustentável como direito.
Os dois artigos que encerram esta coletânia, o primeiro, de autoria
de Emanuel Oliveira Braga intitulado “O Homem de bem: algumas
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representações
sociais
acerca
da
generosidade
na
Renovação
Carismática”, analisa a partir da teoria do dom a formação históricocultural do “ethos” da generosidade cristã que transcende o mundo
religioso e penetra o mundo laico. Segundo o autor, “A filantropia, a
preocupação com o sofrimento alheio, deixou de ser apenas uma antiga
moral da dádiva religiosa para ser preconizada como um princípio de
justiça social da sociedade laica.”
O segundo artigo de Ivan Penteado Dourado intitulado:
“Economia Solidária: três níveis de representação e múltiplos sentidos”,
mapeia as representações e os sentidos construídos em torno da categoria
economia solidária e prática social concreta. O mapeamento é realizado a
partir de autores de referência nacionais, como Paul Singer, Gaiger,
Noelle Lechat e Antonio Cruz e internacionais como Jean Louis Laville.
Ademais, o autor recorre à reflexão antropológica de matriz francesa
para situar os três níveis de representação.
Por fim, agradeço imensamente aos autores pela valiosa
contribuição que agregaram ao campo de debates em torno da dádiva
iniciado no século passado por marcel Mauss. Agradeço também ao
Jornal du Mauss IberoLatinoAmericano pela generosidade e por
divulgar as nossas publicações.
Convido a to@s a uma incursão ao universo da dádiva
boa leitura!
Alicia Ferreira Gonçalves
PRODEMA/PPGA/UFPB
JoãoPessoa Setembro de 2011
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