Prefácio
A linguagem é própria do homem. Desde a Antigüidade que os filósofos o repetem,
o que vem sendo confirmado pelas ciências sociais através de suas análises e experimentos.
É a linguagem que permite ao homem pensar e agir. Pois não há ação sem
pensamento, nem pensamento sem linguagem. É também a linguagem que permite
ao homem viver em sociedade. Sem a linguagem ele não saberia como entrar em
contato com os outros, como estabelecer vínculos psicológicos e sociais com esse
outro que é, ao mesmo tempo, semelhante e diferente. Da mesma forma, ele não
saberia como constituir comunidades de indivíduos em torno de um “desejo de viver
juntos”. A linguagem é um poder, talvez o primeiro poder do homem.
Mas esse poder da linguagem não cai do céu. São os homens que o constroem,
que o amoldam através de suas trocas, seus contatos ao longo da história dos povos.
Assim, é forçoso considerar que a linguagem é um fenômeno complexo que não se
reduz ao simples manejo das regras de gramática e das palavras do dicionário, como
tendem a fazer crer a escola e o senso comum. A linguagem é uma atividade humana
que se desdobra no teatro da vida social e cuja encenação resulta de vários componentes,
cada um exigindo um “savoir-faire”, o que é chamado de competência. Uma
competência situacional, pois não há ato de linguagem que se produza fora de uma
situação de comunicação. Isso nos obriga a levar em consideração a finalidade de cada
situação e a identidade daqueles (locutores e interlocutores) que se acham implicados
e efetuam trocas entre si. Uma competência semiolingüística que consiste em saber
organizar a encenação do ato de linguagem de acordo com determinadas visadas
(enunciativa, descritiva, narrativa, argumentativa), recorrendo às categorias que cada
língua nos oferece. Enfim, a competência semântica que consiste em saber construir
sentido com a ajuda de formas verbais (gramaticais ou lexicais), recorrendo aos saberes
de conhecimento e de crença que circulam na sociedade, levando em conta os dados
da situação de comunicação e os mecanismos de encenação do discurso.
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Linguagem e discurso
Esse conjunto de competências constitui o que se chama de competência
discursiva, e é fazendo-a funcionar que se produzem atos de linguagem portadores de
sentido e de vínculo social.
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Este livro é o resultado de um magnífico trabalho de adaptação, levado a efeito
por um grupo de professores e pesquisadores brasileiros, a partir de alguns de meus
trabalhos. Apresenta ao mesmo tempo os dados dessa concepção da linguagem e as
maneiras de organizar a encenação discursiva, o que é a condição sine qua non para
poder comunicar. Mas deve ser considerado um meio de analisar o discurso e não
como um fim em si.
Espero que esse livro permita a todos os pesquisadores e professores, mas também
a todos os apaixonados pela linguagem, analisar as especificidades dos discursos que
circulam na sociedade brasileira, pois é fato que todo discurso é um testemunho das
especificidades culturais de cada país.
Patrick Charaudeau
(Tradução: Angela M. S. Corrêa)
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Prefácio - Editora Contexto