Das Alegorias – Franz Kafka
Muitos se queixam de que as palavras dos sábios sejam sempre alegorias, porém
inaplicáveis na vida diária, e isto é o único que possuímos. Quando o sábio diz: "Anda para
ali", não quer dizer que alguém deva passar para o outro lado, o que sempre seria possível
se a meta do caminho assim o justificasse, porém que se refere a um local legendário, algo
que nos é desconhecido, que tampouco pode ser precisado por ele com maior exatidão e
que, portanto, de nada pode servir-nos aqui.
Em realidade, todas essas alegorias apenas querem significar que o inexeqüível é
inexeqüível, o que já sabíamos. Mas aquilo em que cotidianamente gastamos as nossas
energias, são outras coisas.
A este propósito disse alguém: "Por que vos defendeis? Se obedecêsseis às
alegorias, vós mesmos vos teríeis convertido em tais, com o que vos teríeis libertado da
fadiga diária."
Outro disse: "Aposto que isso é também uma alegoria."
Disse o primeiro: "Ganhaste".
Disse o segundo: "Mas por infelicidade, apenas naquilo sobre alegoria".
O primeiro disse: "Em verdade, não; no que disseste da alegoria perdeste."
“O símbolo impõe-se, arrebata” – Alfredo Bosi
A escolha de Hércules – Adaptação de James Baldwin
Quando Hércules ainda era um jovem imberbe com toda a vida pela frente, saiu um
dia para levar um recado de seu padrasto. Caminhava com o coração pesado de
pensamentos amargos; resmungava porque outros não melhores que ele levavam uma vida
fácil cheia de prazer, enquanto, para ele, a vida era só trabalho e dor.
Ruminando essas questões, chegou a uma bifurcação de estradas: parou, incerto
sobre qual seguir. A estrada à direita era montanhosa e acidentada. Não havia beleza nela
nem nos arredores, mas viu que conduzia diretamente às montanhas azuis que se perdiam
na distância. A estrada à esquerda era larga e lisa, com árvores frondosas sombreando
ambos os lados, nas quais cantavam inúmeros pássaros em coro; seguia meneando por
verdes campinas enfeitadas por incontáveis flores. Mas terminava em bruma e neblina que
não permitiam enxergar o que existia depois.
Enquanto o rapaz estava lá parado, em dúvida quanto às estradas, vieram duas belas
mulheres em sua direção, cada uma por uma das estradas. A que veio pelo caminho florido
alcançou-o antes e Hércules viu que era linda como um dia de verão. Tinha as faces
coradas, os olhos faiscavam; dizia palavras amorosas e persuasivas.
__ Oh, nobre jovem --- ela disse ---, não se curve mais ao trabalho e a tarefas árduas;
siga-me. Eu o conduzirei por caminhos agradáveis, onde não há tempestades para
perturbar nem problemas para aborrecer. Você irá viver uma vida fácil, numa sucessão sem
fim de música e alegria; terá tudo que torna a vida alegre, vinho espumante, coxins macios,
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ricas vestes ou os olhos amorosos de belas virgens. Venha comigo e a vida será para você
um sonho vívido de contentamento.
A essa altura, a outra bela mulher já tinha se aproximado e agora falava ao rapaz.
__ Eu não tenho nada a lhe prometer --- disse ela --- exceto o que você irá conquistar
por sua própria força. A estrada pela qual o conduzirei é acidentada e difícil, sobe por
muitos morros, desce por muitos vales e pântanos. As vistas que por vezes você
descortinará do topo dos morros são grandiosas, gloriosas, mas os vales profundos são
escuros e a subida é penosa. No entanto, a estrada leva às montanhas azuis da fama
eterna, que você divisa no horizonte. Não se consegue alcançá-las sem trabalho; de fato,
não há nada que valha a pena possuir se não tiver sido ganho com esforço. Se você quiser
frutos e flores, deve plantá-los e cultivá-los; se quiser o amor dos seus companheiros, deve
amá-los e sofrer por eles; se quiser gozar dos favores dos céus, deve se tornar digno
desses favores; se quiser ter fama eterna, não deve desprezar a árdua estrada que conduz
a ela.
Então Hércules viu que essa mulher, embora fosse tão bela quanto a outra, tinha o
semblante puro e suave, como o céu numa manhã balsâmica de primavera.
__ Qual é o seu nome? --- ele perguntou.
__ Alguns me chamam de Trabalho --- ela respondeu ---, mas outros me conhecem
como Virtude.
Ele virou-se para a primeira mulher.
__ E qual é o seu nome? -ele perguntou.
__ Alguns me chamam de Prazer --- ela disse, com um sorriso feiticeiro ---, mas eu
prefiro ser conhecida como a Alegre e Feliz.
__ Virtude --- disse Hércules ---, tomarei a ti por minha guia! A estrada do trabalho e
do esforço honesto deverá ser a minha e meu coração não mais abrigará a amargura nem
o descontentamento.
E ele tomou a mão da Virtude e seguiu com ela pela estrada reta e agreste que
conduzia às claras montanhas azuis no horizonte pálido e distante.
Na vida sempre enfrentamos situações de escolha como esta de Hércules. Temos
que optar entre um caminho mais fácil e bonito e outro cheio de pedras e subidas e, muitos
preferem o fácil. Só que, quando chegam ao seu final, percebem que não foi a melhor
escolha, pois não alcançaram as montanhas azuis e nem o sucesso que esperavam.
“Entrem pela porta estreita, porque largo é o caminho que leva à perdição. E muitos
são os que entram por ele. Estreita porém é a porta, e apertado o caminho que leva à vida.”
(Mt. 7:13-14 - Bíblia)
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Héracles entre dois caminhos
Héracles deixou pastores e rebanhos, mudou-se para uma região distante e pensava na carreira
que seguiria. Subitamente deparou duas mulheres de grande estatura. Uma delas mostrava, em todo o
seu ser, nobreza e dignidade. Seu corpo era adornado com a pureza, seu olhar expressava modéstia,
sua postura era decente e seus trajes imaculadamente brancos. A outra era rechonchuda e opulenta, o
rubro e o branco de sua pele era ressaltados por maquiagem e sua potura fazia com que parecesse
mais ereta do que o era naturalmente. Seus olhos eram arregalados e seus trajes deixavam
transparecer asformas atraentes de seu corpo olhava a si mesma com prazer, e então fitava à sua
volta para ver se também agradava aos outros. Para chegar antes da outra, correu em direção ao
jovem, e assim lhe falou:
– Héracles, vejo que está indeciso sobre que caminho tomar na vida. Se me escolher como
amiga, hei de conduzi-lo pela estrada mais aprazív el e confortável. Nenhuma vontade sua deixará de
ser satisfeita, e você será poupado de todos os desconfortos. Não preicsa preocupar-se com guerras
nem com negócios; as mais delicioss iguarias e bebidas estarão à sua disposição, você sempre
dormirá sobre uma cama macia, desfrutando de todos esses prazeres físicos ou mentais, pois só
desfrutará dos frutos do trabalho alheio e não precisará conquistar nada que lhe traga lucros, pois dou
aos meus amigos o direito de tudo usar.
Ante essas promessas tentadoras, Héracles perguntou, admirado:
– Quem é você, bela estrangeira?
– Meus amigos me chamam de Bem-Aventurança, mas meus inimigos, depreciando-me, me
chamam de Preguiça.
Enquanto isso a outra mulher também se aproximara.
– Também vim ter com você, querido Héracles – disse ela –, porque conheço os seus pai, sua
disposição e sua educação. Isso tudo me dá esperança de que, se me seguir, você se tornará um
mestre em tudo o que´e bom e virtuoso. Mas não lhe quero apresentar deleites, desejo apenas mostrar
as coisas tais como os deuses as quiseram. De tudo o que é bom e desejável, eles não concedem
nada aos mortais sem trabalho ou esforço. Se quiser que os deuses lhe sejam bons, terá de honrá-los.
Se quiser ser amado pelos seus amigos, terá que lhes fazer o bem; se quiser ser honrado pelo Estado,
terá que prestar-lhe serviços; se quiser ser honrado por toda a Grécia por causa de suas virtudes, terá
que aprender as artes da guerra; se quiser ter domínio sobre o próprio corpo, terá que endurecê-lo por
meio de árduo trabalho.
Nesse momento, ela foi interrompida pela Preguiça.
– Está vendo, caro Héracles – disse ela –, por que caminho long oe espinhoso essa mulher
quer levá-lo à felicidade? Eu, porém, vou conduzi-lo à felicidade pelo caminho mais curto e mais
cômodo.
– Mentirosa – retrucou a Virtude –, como é que você pode possuir algo de bom, e que prazer
pode conhecer se satisfaz a todos os seus desejos antes que eles apareçam! Você come antes de ter
fome e bebe antes de ter sede. Não há cama suficientemente macia para você, você faz com que os
seus amigos passem a noite em claro e durmam a maior parte do dia, eles vagueiam sem direção e,
na velhice, arrastam-se com esforço. E você mesma, embora seja irmortal, é igualmente desprezada
pelos deuses e pelas pessoas bondosas. Jamais recebeu elogios nem fez qualquer obra de valor. Eu,
ao contrário, sou amiga dos deuses e de todas as pessoas de bem. Para os artistas sou uma ajudante
bem-vinda, para os pais de família uma vigilante fiel, amparando também amorosamente os criados.
Ajudo nos negócios da paz e sou confiável na guerra, sou a mais fiel de todas as amigas. Comida, son
e bebida têm para os meus amigos um gosto melhor do que para os preguiçosos. Os jovens alegramse com o reconhecimento dos mais velhos, os mais velhos são honrados pelos jovens. Com prazer
eles se lembram de seus feitos anteriores e sentem-se felizes com sua atividade atual. Graças a mim
as pessoas são amadas pelos deuses e estimadas pelos amigos e pela pátria. E quando o fim, eles
não são enterrados e esquecidos, mas lembrados pela posteridade. Se optar por esse tipo de vida,
você será feliz. (...)
As duas mulheres desapareceram e Héracles viu-se outra vez só. Estava decidido a tomar o
caminho da virtude, e logo teve a oportunidade de fazer algo de bom. Nesse tempo a Grécia ainda
era coberta de florestas e pântanos infestados de leões furiosos, javalis ferozes e outros monstros.
O maior mérito dos antigos heróis foi ter libertado a terra dessas ferras monstruosas. Héracles
também foi incubido de semelhante tarefa.
(Fonte: Schwab, Gustav. As mais belas histórias da Antiguidade Clássica: os mitos da Grécia e de Roma. Rio de
Janeiro: Editora Paz e Terra, 1996)
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