Apreciação ao Estatuto de Bolseiro de Investigação (EBI) – Lei nº 40/2004
15 de Junho de 2005
O actual Estatuto do Bolseiro de Investigação (EBI), a Lei nº. 40/2004, foi publicada no Diário da República de
18 de Agosto. A aprovação de um novo Estatuto de Bolseiro, constitui desde há muito um dos principais objectivos da
ABIC. Esta foi mesmo, a par de outras importantes reivindicações, como a necessidade de criação de emprego
científico no nosso país, uma das razões que estiveram na origem da constituição da nossa associação.
Será este o Estatuto de que os bolseiros precisam? Será este o Estatuto que consagra a tão necessária e
urgente dignificação da condição de bolseiro de investigação?
Apreciação Geral
Não obstante a introdução de algumas alterações positivas ao anterior Estatuto (Dec-Lei 123/99), no seu
conjunto, estas alterações revelam-se muito insuficientes, ficando aquém do que seria necessário para uma efectiva
dignificação da condição de bolseiro de investigação científica.
Merece referência especial o facto de se não ter procedido a qualquer alteração relativamente ao
enquadramento dos bolseiros perante a segurança social, mantendo-os numa situação de quase marginalidade,
fortemente limitados no exercício de um direito básico como este.
O direito ao subsídio de desemprego, o efectivo direito a férias e ao respectivo subsídio e a equiparação das
bolsas às remunerações dos trabalhadores de carreira com habilitações equivalentes, são exemplos de outras
reivindicações dos bolseiros que, não tendo sido atendidas na elaboração do novo estatuto, são indispensáveis à
correcção de uma situação profundamente injusta.
Também o alargamento indiscriminado do tipo de actividades passíveis de justificar a concessão de bolsas e a
eliminação dos períodos máximos de duração das mesmas são motivos nos parecem ser pontos negativos e que
necessitam de correcção futura.
Por outro lado, o alargamento indiscriminado do tipo de actividades passíveis de justificar a concessão de
bolsas e a eliminação dos períodos máximos de duração das mesmas, indiciam a continuação de um desvirtuamento
da figura do bolseiro, crescentemente encarado como mão-deobra qualificada barata, uma outra forma mais de
emprego precário.
Numa outra vertente, cabe o trabalho de zelar pelo cumprimento efectivo do actual Estatuto, denunciando os
atropelos à lei, como já verificado em casos de interrupção de bolsa por motivos de doença ou por licença de
maternidade, fornecendo apoio directo aos Bolseiros afectados.
Estatuto do Bolseiro (L 40/2004) comentado pela Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ABIC)
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Estatuto de Bolseiro Comentado
Capítulo I
Disposições Gerais
Artigo 1.º
Âmbito de aplicação
1 – O presente estatuto define o regime aplicável aos beneficiários de subsídios, atribuídos por entidades de natureza
pública e ou privada, destinados a financiar a realização, pelo próprio, de actividades de natureza científica, tecnológica
e formativa, nos termos do artigo seguinte, sem prejuízo do disposto pelo direito comunitário e pelo direito
internacional.
2 – Os subsídios a que se refere o número anterior designam-se por bolsas, sendoconcedidos no âmbito de um contrato
celebrado entre o bolseiro e uma entidade acolhedora.
3 – Não são abrangidas pelo presente estatuto as bolsas atribuídas ao abrigo da acção social escolar.
4 – As remunerações que o bolseiro eventualmente aufira no âmbito de relação jurídico-laboral ou prestação de
serviços não são consideradas bolsas.
5 – É proibido o recurso a bolseiros de investigação para satisfação de necessidades permanentes dos serviços.
Uma alteração positiva é introduzida neste ponto. Anteriormente o âmbito de aplicação do estatuto estava
restringido aos bolseiros da FCT ou aos bolseiros de instituições com regulamentos de bolsas aprovados
pela FCT, facto que excluía muitos bolseiros. Agora, o âmbito é substancialmente alargado passando o
Estatuto a ser aplicável aos beneficiários de subsídios, atribuídos por entidades de natureza pública ou
privada, retirando-se a disposição restritiva presente no anterior. Esta alteração vai ao encontro de uma
das reivindicações da ABIC: a de tornar “universal”, ou seja, aplicável a todos os bolseiros, o Estatuto do
Bolseiro.
Artigo 2.º
Objecto
1 – São abrangidas pelo presente estatuto as bolsas destinadas a financiar:
a) Trabalhos de investigação tendentes à obtenção de grau ou diploma académico pós-graduado;
b) Actividades de investigação científica, desenvolvimento tecnológico, experimentação ou transferência de tecnologia
e de saber, com carácter de iniciação ou actualização, independentemente do nível de formação do bolseiro;
c) Actividades de iniciação ou actualização de formação em qualquer área, desenvolvidas pelo próprio, no âmbito de
estágio não curricular, nos termos e condições previstas no regulamento de concessão da bolsa, salvo o disposto em lei
especial.
2 - Independentemente do tipo de bolsa, são sempre exigidos a definição do objecto e um plano de actividades sujeito a
acompanhamento e fiscalização, nos termos do capítulo III.
Relativamente ao estatuto anterior, as actividades que podem ser exercidas por bolseiros tornam--se aqui
mais difusas, abrindo-se a porta a um mais vasto leque de actividades. Enquanto que no anterior se
poderia ter uma bolsa para obtenção de um grau académico de pós-graduação ou para a prossecução, numa
fase de formação, de actividades de apoio técnico à investigação ou de gestão de ciência e tecnologia, agora
temos neste artigo três alíneas: a primeira (obtenção de grau académico) e a segunda (iniciação ou
actualização a actividades de investigação científica, desenvolvimento tecnológico, experimentação ou
transferência de tecnologia e de saber) poderão ser consideradas justificáveis e suficientes. A terceira alínea
é claramente excessiva (Actividades de iniciação ou actualização de formação em qualquer área). Parece
querer-se consagrar na lei uma prática claramente abusiva (e à luz do anterior estatuto, ilegal) levada a
cabo em algumas instituições, nas quais são utilizados bolseiros para todo o tipo de tarefas possíveis,
incluindo, por exemplo, trabalho administrativo e de secretariado. Este inquietante indício de generalização
(a qualquer área) de uma forma de emprego precário, não pode deixar de constituir motivo de séria
preocupação.
Apesar disto, o segundo ponto deste artigo pode ser considerado positivo. A obrigação de definição do
objecto e do plano de actividades (supõe-se que no contrato de bolsa), limita alguma arbitrariedade e
poderá permitir algum controlo e fiscalização de abusos.
Estatuto do Bolseiro (L 40/2004) comentado pela Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ABIC)
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Artigo 3.º
Duração
1 – A duração das bolsas é fixada nos respectivos regulamentos.
2 - As bolsas a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º não podem exceder dois anos, no caso de mestrado, e
quatro anos, no caso de doutoramento.
3 – As bolsas podem ser renovadas por períodos adicionais, se o regulamento o permitir, sem prejuízo dos limites
máximos previstos no número anterior.
A alteração efectuada é francamente negativa. Anteriormente todos os tipos de bolsa tinham a sua duração
limitada. Neste EBI a limitação desaparece (excepto para as bolsas de mestrado e de doutoramento, sendo
que estas últimas vêem a sua duração máxima reduzida de cinco para quatro anos), sendo remetida para
os regulamentos de bolsa, o que abre a porta a abusos. Esta medida irá permitir um ainda maior
prolongamento no tempo da condição de bolseiro. A condição de bolseiro passa a poder prolongar-se no
tempo indefinidamente. A abolição dos limites impostos à duração das bolsas juntamente com o
alargamento do seu objecto (previsto no artigo anterior) constituem graves e preocupantes alterações ao
anterior estatuto. É verdade que com o dec-lei 123/99 já sucediam muitos abusos, tanto relativamente ao
objecto das bolsas como relativamente ao prolongamento no tempo da condição de bolseiro, contudo esses
abusos em face da legislação existente eram em muitos casos ilegais e noutros resultavam de alguma
ambiguidade e/ou permissividade da lei. Com a aprovação deste novo estatuto, em vez de se procurar
impedir os abusos que existiam, o que se faz é legitimá-los à luz da lei. Este facto é inaceitável e não pode
deixar de ser veementemente denunciado. Atentemos nesta alteração e na anterior e temos um perfeito
desmentido da afirmação da ministra na conferência do emprego científico de que se procurou com a
elaboração do novo estatuto “manter o espírito do bolseiro (...), manter os bolseiros que são bolseiros
(doutoramentos e um ou outro pós-doc) – os outros não deverão ser bolseiros”. Curiosamente, nenhuma
destas alterações foi então anunciada.
Artigo 4.º
Natureza do vínculo
Os contratos de bolsa não geram relações de natureza jurídico-laboral nem de prestação de serviços, não adquirindo o
bolseiro a qualidade de funcionário ou agente.
Artigo 5.º
Exercício de funções
1 – O bolseiro exerce funções em cumprimento estrito do plano de actividades acordado, sendo sujeito à supervisão de
um orientador ou coordenador, bem como ao acompanhamento e fiscalização regulado no capítulo III do presente
estatuto.
2 – O desempenho de funções a título de bolseiro é efectuado em regime de dedicação exclusiva, não sendo permitido o
exercício de qualquer outra função ou actividade remunerada, pública ou privada, incluindo o exercício de profissão
liberal, salvo o disposto nos números seguintes.
3 – Considera-se, todavia, compatível com o regime de dedicação exclusiva a percepção de remunerações decorrentes
de:
a) Direitos de autor e de propriedade industrial;
b) Realização de conferências e palestras, cursos de formação profissional de curta duração e outras actividades
análogas;
c) Ajudas de custo e despesas de deslocação;
d) Desempenho de funções em órgãos da instituição a que esteja vinculado;
e) Participação em órgãos consultivos de instituição estranha àquela a que pertença, desde que com a anuência prévia
desta última;
f) Participação em júris de concursos, exames ou avaliações estranhos à instituição a que esteja vinculado;
g) Participação em júris e comissões de avaliação e emissão de pareceres solicitados por organismos nacionais ou
estrangeiros.
4 – Considera-se, ainda, compatível com o regime de dedicação exclusiva a realização de actividades externas à
entidade acolhedora, ainda que remuneradas, desde que directamente relacionadas com o plano de actividades
subjacente à bolsa e
desempenhadas sem carácter de permanência, bem como o exercício de funções docentes.
O regime de dedicação exclusiva mantém-se aqui com as mesmas excepções já previstas no anterior
estatuto (nº.3). A alteração surge no nº.4 que ainda assim não é muito significativa relativamente ao
anterior, no que diz respeito ao tipo de actividades que se podem desenvolver (a última alínea do conjunto
de excepções anteriormente previstas já acabava por permitir tudo o que este ponto vem agora permitir,
em moldes senão idênticos pelo menos semelhantes).
Estatuto do Bolseiro (L 40/2004) comentado pela Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ABIC)
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A diferença mais substancial diz respeito à eliminação do limite de horas semanais para funções docentes
dos bolseiros, que neste estatuto desaparece. Esta alteração, tendo sida apresentada como uma resposta a
uma pretensão dos bolseiros, é criticável e profundamente contrária ao interesse dos bolseiros, pois que
representa um “escancarar” de portas à utilização de bolseiros para satisfação de necessidades de serviço
docente das instituições de ensino superior sem que se proceda à desejável e necessária contratação de
pessoal docente. Mais uma vez, os bolseiros são encarados como mão-de-obra qualificada e barata.
É de salientar neste ponto, que embora a lei não contemple qualquer redução do montante de bolsa
quando o bolseiro realize as actividades contempladas nos pontos 3 e 4, os regulamentos de bolsa
aprovados recentemente estipulam:
Artigo 14, ponto 2
Os bolseiros que continuem a auferir a remuneração decorrente do vínculo contratual têm direito a um subsídio de
manutenção mensal no país [250€] ou no estrangeiro [750€] conforme previsto neste regulamento, ou à diferença do
subsídio de manutenção mensal auferida em resultado do vínculo contratual, deduzido o IRS, conforme a situação mais
favorável para o bolseiro.
A ABIC considera estas reduções abusivas, por não estarem previstos no EBI. Em Novembro de 2004, a
anterior Ministra de Ensino Superior e Ciência e Tecnologia e o Presidente da Fundação Ciência e
Tecnologia garantiram que estas reduções não teriam lugar e que se tratava de uma interpretação errada
pelo serviço de recursos humanos da FCT. Contudo, estas reducções não só foram contempladas nos novos
regulamentos, como foram aplicadas retroactivamente, levando a pedidos de reembolso de valores de
milhares de euros por parte de bolseiros exercendo outras actividades.
O Regime de Dedicação Exclusiva deverá ser alterado, permitindo a transição da actividades do bolseiro
para integração no mundo profissional, incentivando actividades paralelas (sem prejuízo dos objectivos e
programa de trabalhos da bolsa), nomeadamente a actividade docente, o empreendedorismo e a criação
de empresas por parte dos bolseiros.
Artigo 6.º
Regulamentos
1 – Do regulamento de concessão da bolsa consta:
a) A descrição do tipo, fins, objecto e duração da bolsa, incluindo os objectivos a atingir pelo candidato;
b) As componentes financeiras, periodicidade e modo de pagamento da bolsa;
c) As categorias de destinatários;
d) O modelo de contrato de bolsa e dos relatórios finais a elaborar pelo bolseiro e pelo orientador ou coordenador, e
respectivos critérios de avaliação;
e) Os termos e condições de renovação da bolsa, se a ela houver lugar;
f) O regime aplicável em matéria de informação e publicidade dos financiamentos concedidos.
2 – Os elementos a que se refere o número anterior são obrigatoriamente incluídos no anúncio de abertura do concurso.
Relativamente ao anterior estatuto são acrescentados alguns elementos que passam a ter que constar
obrigatoriamente dos regulamentos de bolsa e dos anúncios da abertura do concurso de bolsa. Constitui
uma alteração positiva.
Artigo 7.º
Aprovação
1 – A entidade financiadora deve submeter os regulamentos de bolsas a aprovação da Fundação para a Ciência e a
Tecnologia, podendo, todavia, aplicar um regulamento em vigor.
2 – Na apreciação, por parte da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, deve ser ponderada a adequação do programa
de bolsas proposto com o disposto no artigo 2.º do presente estatuto.
3 – A aprovação depende sempre de declaração, por parte da entidade financiadora, da cabimentação orçamental das
bolsas a atribuir.
4 – A aprovação do regulamento acarreta a obrigação, para a entidade financiadora, de emitir, em relação aos
respectivos bolseiros, todos os documentos comprovativos da qualidade de bolseiro.
5 – A entidade acolhedora é subsidiariamente responsável pela emissão de documentos a que se refere o número
anterior.
6 – Compete à Fundação para a Ciência e a Tecnologia avaliar, quando entenda conveniente ou por determinação do
Ministro responsável pela política científica, os regulamentos de bolsas, tendo em conta os resultados atingidos pelo
programa.
Estatuto do Bolseiro (L 40/2004) comentado pela Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ABIC)
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7 – Verificada discrepância manifesta entre o disposto no regulamento e a sua execução, designadamente atendendo
aos resultados atingidos, a Fundação para a Ciência e a Tecnologia pode revogar a sua aprovação.
8 – Da recusa de aprovação do regulamento ou revogação da mesma cabe sempre recurso para o Ministro responsável
pela política científica.
Artigo 8.º
Contratos de bolsa
1 – Do contrato de bolsa consta obrigatoriamente:
a) A identificação do bolseiro e do orientador científico ou coordenador;
b) A identificação da entidade acolhedora e financiadora;
c) A identificação do regulamento aplicável, quando haja;
d) O plano de actividades a desenvolver pelo bolseiro;
e) A indicação da duração e data de início da bolsa.
2 – Os contratos de bolsa são reduzidos a escrito, devendo ser remetidas à Fundação para a Ciência e a Tecnologia
cópia de todos os contratos celebrados, com base nos quais elaborará um registo nacional dos bolseiros.
3 – O estatuto de bolseiro é automaticamente concedido com a celebração do contrato, reportando-se sempre à data de
início da bolsa.
A introdução da figura dos contratos de bolsa no EBI (que no anterior não existia, o que existiam eram
“termos de aceitação da bolsa”, embora já existissem alguns contratos, em algumas instituições, no âmbito
de projectos) é positiva. Um contrato é diferente de um termo de aceitação de uma bolsa. Num contrato
existem, desde logo, duas partes, tendo ambas direitos e deveres.
Capítulo II
Direitos e deveres dos bolseiros
Artigo 9.º
Direitos dos bolseiros
1 - Todos os bolseiros têm direito a:
a) Receber pontualmente o financiamento de que beneficiem em virtude da concessão da bolsa;
b) Obter da entidade acolhedora o apoio técnico e logístico necessário à prossecução do seu plano de trabalhos;
c) Beneficiar de um regime próprio de segurança social, nos termos do artigo 10.º;
d) Beneficiar do adiamento do serviço militar obrigatório, nos termos da legislação em vigor;
e) Beneficiar, por parte da entidade acolhedora ou financiadora, de um seguro contra acidentes pessoais, incluindo as
deslocações ao estrangeiro;
f) Suspender as actividades financiadas pela bolsa por motivo de maternidade, paternidade, adopção, assistência a
menores doentes, assistência a deficientes, assistência a filhos e assistência à família nas condições e pelos períodos
estabelecidos na lei geral aplicável aos trabalhadores da Administração Pública;
g) Suspender as actividades financiadas pela bolsa por motivo de doença do bolseiro, justificada por atestado médico
ou declaração de doença passada por estabelecimento hospitalar;
h) Beneficiar de um período de descanso que não exceda os vinte e dois dias úteis por ano civil;
i) Receber, por parte das entidades financiadora e acolhedora, todos os esclarecimentos que solicite a respeito do seu
estatuto;
j) Todos os outros direitos que decorram da lei, do regulamento e ou do contrato de bolsa.
2 – Os bolseiros que sejam titulares de um vínculo jurídico-laboral têm ainda direito à contagem do tempo durante o
qual beneficiaram do presente estatuto, para todos os efeitos legais, como tempo de serviço efectivo.
3 – A suspensão a que se referem as alíneas f) e g) do nº1 efectua-se sem prejuízo da manutenção do pagamento da
bolsa pelo tempo correspondente, reiniciando-se a contagem no primeiro dia útil de actividade do bolseiro após
interrupção.
4 – As importâncias auferidas pelos bolseiros em razão da bolsa relevam para efeitos de candidatura que pressuponham
a existência de rendimentos, designadamente para a obtenção de crédito à habitação própria e incentivos ao
arrendamento para jovens, devendo, para este fim, a Fundação para a Ciência e a Tecnologia passar comprovativo da
condição de bolseiro.
É neste domínio que são introduzidas as mais relevantes alterações positivas ao estatuto.
Na alínea e) do nº.1, acrescenta-se ao seguro contra acidentes pessoais da responsabilidade da entidade
acolhedora ou financiadora – que já existia – as deslocações ao estrangeiro (que não se encontravam
cobertas).
A alínea h) parece vir consagrar uma das principais reivindicações dos bolseiros: o direito a férias. Não o
faz, contudo. Pelo menos, em toda a sua plenitude. A palavra “férias” é evitada, pelas implicações que
necessariamente teria a nível de outros direitos reclamados pelos bolseiros (e não consagrados nesta Lei),
como seja designadamente, o direito ao subsídio de férias.
Estatuto do Bolseiro (L 40/2004) comentado pela Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ABIC)
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A formulação encontrada é desastrosa (ou sabiamente perversa). A alínea estipula que o bolseiro tem
direito a beneficiar de um “período de descanso” (!?) que não exceda aos 22 dias úteis por ano civil. Tal
redacção, regulamenta o não excedimento dos 22 dias mas não garante que o bolseiro possa beneficiar
deles na sua totalidade.
No nº.3 deste artigo surge aquela que é provavelmente a mais relevante alteração ao anterior Estatuto. O
que antes só acontecia nas situações de maternidade, ou seja, suspender a actividade sem suspensão do
pagamento da bolsa que é depois prolongada pelo tempo correspondente à interrupção de actividade, é
agora alargado às situações de doença, paternidade, adopção, assistência a menores doentes, assistência a
deficientes, assistência a filhos e assistência à família nas condições e pelos períodos estabelecidos na lei
geral aplicável aos trabalhadores da Administração Pública.
Este ponto tem ido alvo de graves incumprimentos:
a. Em caso de doença do bolseiro – a pratica da FCT ao longo dos últimos meses, agora consagrada no seu
Regulamento de Formação Avançada de Recursos Humanos, nega aos bolseiros este direito, interrompendo
o pagamento das bolsas em caso de doença do bolseiro. Os recentes regulamentos de bolsa entram em
conflito com um direito consagrado a todos os bolseiros pelo EBI, ao estipular que a assistência nos casos
de doença serão “suportadas pelo seguro social voluntário, tendo apenas lugar a suspensão da bolsa
durante o período correspondente.” Este apoio não deverá ficar dependente do SSV, que por definição é
voluntário.
b. Maternidade e Paternidade – violação sistemática da lei por parte de diversas instituições públicas, não
assegurando os prolongamentos devidos – como o INIAP (Instituto Nacional de Investigação Agrária e das
Pescas), o INETI (Instituto Nacional de Engenharia, Tecnologia e Inovação) e diversas Universidades
(bolseiros a trabalhar em projectos de investigação), entre outras – tem merecido denúncias insistentes da
ABIC junto da FCT. Contudo, esta entidade, em lugar de promover a resolução do problema, tem vindo a
pactuar com a sua manutenção.
Artigo 10.º
Segurança Social
1 - Os bolseiros que não se encontrem abrangidos por qualquer regime de protecção social podem assegurar o exercício
do direito à segurança social mediante adesão ao regime do seguro social voluntário, nos termos previsto no DecretoLei nº 40/89, de 1 de Fevereiro, com as especialidades resultantes dos números seguintes.
2 - São cobertas pelo seguro social voluntário as eventualidades de invalidez, velhice, morte, maternidade, paternidade,
adopção, doença e doenças profissionais cobertas pelo subsistema previdencial.
3 - A eventualidade de doença é regulada nos termos do regime dos trabalhadores independentes.
4 - Os beneficiários do estatuto previsto na presente lei têm direito à assunção, por parte da instituição financiadora, dos
encargos resultantes das contribuições que incidem sobre o primeiro dos escalões referidos no artigo 36.º do DecretoLei nº
40/89, de 1 de Fevereiro, correndo por conta própria o acréscimo de encargos decorrente da opção por uma base de
incidência superior.
5 - O disposto nos números anteriores é aplicável às bolsas com duração igual ou superior a seis meses, reportando-se o
enquadramento no regime do seguro social voluntário à data de início da bolsa, desde que o requerimento seja
efectuado no
período mínimo de duração da mesma.
6 - Compete à Fundação para a Ciência e a Tecnologia emitir comprovativo do estatuto do bolseiro, para os efeitos
previstos nos números anteriores.
7 - Podem, igualmente, enquadrar-se no regime do seguro social voluntário previsto no presente diploma os bolseiros
estrangeiros ou apátridas que exerçam a sua actividade em Portugal, independentemente do tempo de residência.
Antes de mais, convém referir que é profundamente negativo que se mantenha um regime que desde a
sua criação tem vindo a ser apontado pelos bolseiros como insuficiente, injusto e discriminatório. O direito
à segurança social – um dos mais básicos e daqueles pelos quais os bolseiros mais se têm batido –
continua sem ser convenientemente assegurado.
De referir que passam a estar cobertas pelo seguro social voluntário (ssv) as eventualidades de
paternidade e adopção (que não estavam anteriormente).
De assinalar é também o facto, positivo, de se ter reduzido o período mínimo de duração da bolsa – para
se poder beneficiar do ssv – de 12 para 6 meses, bem como a referência de que o enquadramento no ssv
se reporta à data de início da bolsa.
A ABIC defende a integração dos bolseiros no remige geral de segurança social. Esta reinvidicação é
apoiada pelas recomendações da comissão europeia de 11 de Março de 2005, relativa à Carta Europeia do
Estatuto do Bolseiro (L 40/2004) comentado pela Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ABIC)
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Investigador e ao Código de Conduta para o Recrutamento de Investigadores (2005/251/CE), em particular
na recomendação 7 onde se pode ler:
Os Estados-Membros devem envidar esforços para garantir que os investigadores beneficiem de uma cobertura
adequada em matéria de segurança social de acordo com o seu estatuto jurídico. Neste contexto, deve ser prestada
especial atenção à transferência de direitos de pensão, quer legais quer complementares, para investigadores que
mudem de emprego nos sectores público e privado no mesmo país e também para os investigadores que mudem de
emprego para um outro país da União Europeia. Esses regimes deveriam garantir que os investigadores que, no
decurso da sua vida, mudam de emprego ou interrompem a sua carreira não percam indevidamente direitos em
matéria de segurança social.
Artigo 11.º
Acesso a cuidados de saúde
Os bolseiros têm acesso a cuidados de saúde, no quadro de protocolos celebrados entre a entidade financiadora e as
estruturas de saúde, nos termos a regular.
É talvez a maior incógnita deste EBI. Fala-se em algo de grande importância, a que os bolseiros são
naturalmente muito sensíveis, para não se dizer absolutamente nada de substantivo a esse respeito.
É de salientar a ausência de qualquer regulamentação, até à data (15-Jun-05) do acesso a cuidados de
saúde conforme previsto neste ponto.
Artigo 12.º
Deveres dos bolseiros
1 – Todos os bolseiros devem:
a) Cumprir pontualmente o plano de actividades estabelecido, não podendo este ser alterado unilateralmente;
b) Cumprir as regras de funcionamento interno da entidade acolhedora e as directrizes do orientador ou coordenador;
c) Apresentar atempadamente os relatórios a que esteja obrigado, nos termos do regulamento e do contrato;
d) Comunicar à Fundação para Ciência e a Tecnologia a ocorrência de qualquer facto que justifique a suspensão da
bolsa;
e) Colaborar com as entidades competentes para o acompanhamento do bolseiro, facilitando a sua actividade e
respondendo prontamente a todas as solicitações que lhe forem feitas no âmbito desse acompanhamento;
f) Elaborar um relatório final de apreciação do programa de bolsa, o qual deve conter uma listagem das publicações e
trabalhos elaborados no âmbito do contrato, bem como cópia do respectivo trabalho final, no caso de bolsa concedida
para obtenção de grau ou diploma académico;
g) Cumprir os demais deveres decorrentes da lei, do regulamento e ou do contrato.
A disposição “cumprir as regras de funcionamento interno da entidade acolhedora”, não nos merece
nenhum desacordo de princípio. O que merece esse desacordo e a firme denúncia é a interpretação
demasiado lata desta disposição, que leva, em algumas instituições, a claros abusos, como seja a
obrigatoriedade de os bolseiros “picarem o ponto”.
Neste novo estatuto é acrescentado “ (cumprir) as directrizes do orientador e coordenador”. A respeito
desta alteração importa tecer a seguinte consideração: esta inclusão não vem dar resposta a nenhuma
falha ou necessidade sentida com o anterior estatuto. Qual será então o seu propósito?
A responsabilidade pelo cumprimento do plano de trabalhos do bolseiro é, antes de mais, do próprio
bolseiro. O orientador, como o próprio nome sugere, orienta-o nessa tarefa. Mas não é um “chefe”, ou
seja, orienta o seu trabalho (com “orientações”) mas não o dirige (com “directrizes”). O bolseiro, não sendo
considerado um trabalhador da instituição em que desenvolve a sua actividade, não mantendo uma
“relação jurídico-laboral” com essa instituição – para o mal e para o bem – não se insere na estrutura
orgânica, hierárquica, da mesma, ou seja, não tem dependência funcional ou orgânica de um “chefe”. Pelo
menos, em teoria.
O que se passa é que muitos bolseiros são hoje verdadeiros trabalhadores (portanto falsos bolseiros), em
tudo, menos nos direitos que lhes são reconhecidos. No plano dos deveres e das obrigações, em muitos
casos, pouco separa os bolseiros dos restantes trabalhadores (este facto é particularmente nítido em
muitos BICs, BIs e BTIs). Mas já no plano dos direitos…
Estatuto do Bolseiro (L 40/2004) comentado pela Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ABIC)
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Capítulo III
Acompanhamento e fiscalização
Artigo 13.º
Entidade acolhedora
1 – A entidade acolhedora deve:
a) Acompanhar e fornecer o apoio técnico e logístico necessário ao cumprimento do plano de actividades por parte do
bolseiro, designando-lhe, aquando do início da bolsa, um coordenador que supervisiona a actividade desenvolvida;
b) Proceder à avaliação do desempenho do bolseiro;
c) Comunicar, atempadamente, ao bolseiro, as regras de funcionamento da entidade acolhedora;
d) Prestar, a todo o momento, a informação necessária, por forma a garantir ao bolseiro o conhecimento do seu estatuto.
2 – A actividade inserida no âmbito da bolsa pode, pela sua especial natureza e desde que previsto no regulamento e ou
contrato, ser desenvolvida noutra entidade, pública ou privada, considerando-se, neste caso, extensíveis a esta todos os
deveres que incumbem à entidade acolhedora por força do número anterior.
3 – A entidade acolhedora é subsidiariamente responsável pelo pagamento da bolsa, sem prejuízo do direito de regresso
contra a entidade financiadora, nos termos gerais.
4 – No âmbito das suas funções de supervisão, o coordenador deve elaborar um relatório final de avaliação da
actividade do bolseiro, a remeter à Fundação para a Ciência e a Tecnologia e à entidade financiadora.
Neste artigo são introduzidas quatro alterações, sendo que três delas poderão ser consideradas como
positivas.
No nº.1, alínea d) é acrescentada a obrigação da entidade acolhedora prestar, a todo o momento, a
informação necessária, por forma a garantir ao bolseiro o conhecimento do seu estatuto.
No nº.2, todos os deveres da entidade acolhedora são alargados a outras eventuais entidades nas quais o
bolseiro desenvolva parte da sua actividade (que frequentemente existem).
No nº.3 é estabelecido que a entidade acolhedora é subsidiariamente responsável pelo pagamento da bolsa, o
que, sendo justo (uma vez que também ela – e muitas vezes, sobretudo ela – beneficia do trabalho do
bolseiro), dá também mais garantias ao bolseiro, face a eventuais situações de incumprimento/atrasos nos
pagamentos da bolsa.
Neste artigo é igualmente incluída uma outra alteração: passa a caber também à entidade acolhedora
proceder à avaliação do desempenho do bolseiro. Não sendo negativa em si mesma, dificilmente poderá, no
entanto, ser enunciada nos termos lacónicos em que o é aqui. Como é feita essa avaliação do
desempenho? Em que consistirá? Que efeitos produzirá?
Artigo 14.º
Entidade financiadora
A entidade financiadora deve efectuar, pontualmente, os pagamentos a que se encontra vinculada por força do
regulamento e contrato de bolsa.
Artigo 15.º
Núcleo do bolseiro
1 – Em cada entidade acolhedora, deve existir um núcleo de acompanhamento dos bolseiros, responsável por prestar
toda a informação relativa ao seu estatuto.
2 – O regulamento define a composição e modo de funcionamento do núcleo.
Constitui uma medida positiva, aproximando-se do bolseiro um recurso que ele só tinha na entidade
financiadora (FCT). Pode-se prever, contudo, que venha a ser de difícil implementação. Embora saibamos,
infelizmente, a distância que muitas vezes vai da letra da lei à realidade (neste como noutros pontos), esta
alteração deve ser considerada positiva. Pela nossa parte, tudo faremos para a efectiva implementação dos
“núcleos do bolseiro”.
Artigo 16.º
Painel Consultivo
1 – O Painel Consultivo acompanha o desempenho de funções, por parte do bolseiro, podendo, na sequência da sua
apreciação, dirigir recomendações às entidades financiadora e ou acolhedora.
2 – No exercício da sua actividade, o Painel pode solicitar informações e esclarecimentos às entidades financiadora,
acolhedora e aos próprios bolseiros, bem como à Fundação para a Ciência e a Tecnologia.
3 – Verificadas irregularidades no cumprimento do disposto na presente lei, o Painel deve suscitar junto da Inspecção
Geral da Ciência e do Ensino Superior, as medidas que entenda pertinentes, podendo, ainda, em qualquer momento,
sugerir, mediante parecer escrito, dirigido ao Ministro responsável pela política científica, a adopção, modificação ou
revogação de medidas de natureza legislativa, regulamentar ou administrativa, com incidência sobre as bolsas
abrangidas pelo presente estatuto.
Estatuto do Bolseiro (L 40/2004) comentado pela Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ABIC)
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4 – O Painel elabora um relatório anual de actividades, que poderá incluir parecer relativo à política de formação de
recursos humanos na área da ciência e da tecnologia, devendo este, após apreciação por parte da tutela, ser objecto de
publicação.
5 – O Painel Consultivo é composto por três elementos, nomeados por despacho do Ministro responsável pela política
científica, devendo a designação recair sobre personalidades de reconhecido mérito, sendo um dos elementos oriundo
de organizações representativas dos bolseiros, considerando-se como tal, as que representem pelo menos duzentos
bolseiros.
6 – As funções desempenhadas pelo Painel Consultivo não são exercidas em regime de permanência, nem a tempo
inteiro.
7 – O Painel Consultivo dispõe de apoio técnico e administrativo, funcionando na dependência orgânica e funcional do
Ministério da Ciência e do Ensino Superior.
O painel consultivo vem substituir a figura do auditor do bolseiro (que nunca chegou a sair do papel),
sendo-lhe atribuídas competências – importantes – que anteriormente estavam atribuídas àquele.
Primeira nota: pode ser considerada positiva a substituição de uma única pessoa (o auditor) por um painel
de três elementos, que integra um representante dos bolseiros.
Segunda nota: afigura-se irreal que um único painel possa exercer cabalmente as suas funções,
acompanhando, como lhe compete, o desempenho de funções por parte do bolseiro (dos milhares de
bolseiros que existem). Fica a dúvida: será mesmo um único painel para todos os bolseiros?
O representante dos bolseiros veio a ser sugerido pela ABIC, mas a lei atribui inadmissívelmente que
havendo um representante dos bolseiros no painel (membro das organizações representativas dos
bolseiros) este seja nomeado pelo ministro e não escolhido pelos próprios bolseiros.
Artigo 17.º
Cessação do contrato
São causas de cessação do contrato, com o consequente cancelamento do estatuto:
a) O incumprimento reiterado, por uma das partes;
b) A prestação de falsas declarações;
c) A conclusão do plano de actividades;
d) O decurso do prazo pelo qual a bolsa é atribuída;
e) A revogação por mútuo acordo ou alteração das circunstâncias;
f) A constituição de relação jurídico-laboral com a entidade acolhedora;
g) Outro motivo atendível, desde que previsto no regulamento e ou contrato;
Artigo 18.º
Sanções
1 – O incumprimento reiterado e grave por parte da entidade acolhedora implica a proibição de receber novos bolseiros,
durante um período de um a dois anos.
2 – No caso de incumprimento reiterado e grave por parte do bolseiro, a entidade financiadora tem direito a exigir a
restituição das importâncias atribuídas.
3 – Não se considera incumprimento a desistência, por parte do bolseiro, desde que notificada à entidade acolhedora e
ou financiadora até trinta dias antes da pretendida cessação.
4 – A decisão de aplicação das sanções a que se referem os nºs 1 e 2 do presente artigo compete ao Ministro
responsável pela política científica, ouvido o Painel Consultivo.
São introduzidos dois pontos que poderão ser considerados positivos: o 1 (o incumprimento reiterado e
grave por parte da entidade acolhedora implica a proibição de receber novos bolseiros, durante um período de
um a dois anos), pela responsabilização da entidade acolhedora que introduz, e o 3 (não se considera
incumprimento a desistência) que constitui um importante esclarecimento relativamente a algo que
anteriormente estava omisso.
Estatuto do Bolseiro (L 40/2004) comentado pela Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ABIC)
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Foi publicada no Diário da República de 18 de Agosto