Autos de Apelação nº 224/93 Despejo Extinção do arrendamento Vindos da Secção Cível do Trib. Jud. Prov. Nampula Recorrente : Henriqueta Sacar Sirage Recorrida : Sara Alimamade Abdula Sumário 1. A acção de despejo é um meio de que dispõe o locador que queira pôr fim ao arrendamento de acordo com o art.º 971 do C.P.Civil e não o arrendatário esbulhado que queira reintegrar-se da posse de um imóvel. 2. Para que haja despejo fundado na extinção do contrato de arrendamento por quaisquer das causas previstas no artº. 19, da Lei nº 8/79, de 3 de Junho, é necessário que haja prévia declaração judicial transitada em julgado, conforme resulta do disposto no artº. 20, daquele mesmo diploma legal. Acórdão Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal Supremo: A..., devidamente identificada nos autos, residente em Nampula, localizável através da Direcção Províncial de Saúde de Nampula, propôs contra, B..., também convenientemente identificada nos autos, residente na mesma cidade de Nampula, Bairro dos Poetas, Rua Armando Tivane, casa nº 7, rés-do-chão, e APIE – Administração do Parque Imobiliário do Estado, Serviços Provinciais de Nampula, acção em que pede a restituição da posse do imóvel situado na Rua Armando Tivane, nº 7, rés-do-chão, alegando que a primeira ré, que consigo vivia fazendo parte do seu agregado familiar através de artifício fraudulento induziu o 2º réu a celebrar um contrato de arrendamento em seu nome, relativamente ao referido imóvel de que ela, A..., era legítima arrendatária, por contrato celebrado em 18 de Janeiro de 1976, com o segundo réu, inteiramente válido, porquanto sempre cumpriu as suas obrigações nunca tendo estado incursa na violação de alguma das obrigações impostas pelo art.º 19º, n.º 4, alínea c) da Lei nº 8/79, de 3 de Julho. Citados, a ré B... deduziu contestação, na qual impugnando os factos alegados por A., diz que efectivamente viveu com A..., então titular do contrato de arrendamento da casa em apreço, que viria a pedir transferência de serviço para Angoche onde passou a viver e permaneceu por mais de 7 anos, sem que tivesse comunicado ao locador (APIE) a sua ausência do imóvel. Por tal razão ela, ré, que lá continuou a viver, encarregando-se do cumprimento da obrigação de pagamento de rendas e outras, foi considerada ocupante ilegal, por não ser titular do contrato, nem constar do agregado familiar da A., tendo estado em vias de ser despejada (administrativamente), o que só não aconteceu por benevolência e humanidade da APIE, para cujo director apelou, expondo a sua situação, pois, arriscava-se a ficar sem tecto. Destes factos deu conhecimento a A..., cuja comparência junto da APIE fora por diversas vezes solicitada, sem que se apresentasse. Em face da situação foi ela, ré, autorizada pelo director da APIE, a assinar um novo contrato válido apenas por seis meses, em que figurava, assim como A..., como co-titular do contrato. Caducado este, ela, ré, viu-se forçada a celebrar um novo contrato com a APIE, em que só ela figurava como inquilina. A Ré APIE contestou, dizendo serem verídicos os factos apresentados por A... que no entanto, A... ao ausentar-se não o comunicou a ela Ré, pelo que a ré B... celebrou o contrato com ela, APIE. Juntou os documentos de fls. 20 a 25. Não houve mais articulados. Por se afigurar ao Mº Juiz “a quo “desde logo poder conhecer do mérito da causa, proferiu despacho saneador em que decidiu, julgando a acção procedente e, consequentemente, condenando a 1ª Ré (Ré B...) a entregar à A..., sua legítima proprietária, a casa objecto do pedido. É da sentença que assim decidiu, que foi, em tempo, interposto recurso que admitido seguiu regulares termos. Nas suas alegações diz a recorrente que, não é verdade que por meio de artifícios fraudulentos tenha celebrado com a APIE contrato de arrendamento, relativo ao imóvel pertencente a A..., na ausência desta, altura em que ela, Ré, ficara com a responsabilidade relativamente a mesma. Que se viu forçada a passar o contrato de arrendamento em seu nome, por ter sido instada, por diversas vezes pela APIE a abandonar o imóvel por ser considerada ocupante ilegal, não obstante ser membro do agregado familiar da A..., com a alegação de que ela A... abandonara o imóvel por período superior a noventa dias. Que não houve má fé da sua parte. Que houve erro na forma do processo utilizado. Que não foi realizada audiência de discussão e julgamento, o que constitui violação da lei. Que o recurso por ela interposto só foi admitido passados dez meses e com efeito meramente devolutivo, tendo sido despejada antes de tal despacho de admissão ser proferido, que é manifestamente ilegal. Por outro lado, o efeito do recurso deveria ser suspensivo, tendo em conta o prescrito no art.º 693º do C.P.C e ainda as alíneas a), b), c) e d), n.º 2 do art.º 692º do mesmo diploma legal.Houve, pois, nulidade de todo o processo de acordo com o preceituado nas alíneas b) e d), n.ºs 1 e 2 do art.º 669 do C.P.C.Contra-alegando, diz a recorrida que é legítima inquilina do apartamento em apreço. A... pedido dos pais da Ré, então estudante, hospedou-a em sua casa, no ano de 1983, a fim de poder continuar com os estudos secundários incluindo-a, então, no seu agregado familiar.Tendo-se ausentado, por conveniência de serviço, para Beira e Inhambane, no ano de 1986, foi posteriormente colocada em Angoche, porém, com residência fixa em Nampula, para onde vinha semanalmente, para prestar relatórios e levantar material de trabalho (vacinas). Em 1988, tendo concluído a 9ª classe, a ré começou a trabalhar, e porque ganhasse em dólares, o que lhe dava maiores possibilidades económicas, por meio de artifícios fraudulentos e protecção do então director da APIE, sem o consentimento dela, A..., passou o contrato em seu nome, nele passando a figurar como inquilina.Procurando obter esclarecimento junto da APIE, apenas lhe foi dito, passados cerca de dois anos, que o contrato efectivamente, se encontrava em nome da Ré e, deveria recorrer às instâncias judiciais, querendo obter qualquer alteração.Tudo visto:Na presente acção, concluídos os articulados, o Mº Juiz “a quo”, em face da prova documental junta, conclui, o que merece a nossa inteira concordância, que a questão de mérito era unicamente de direito. Na verdade assim o é, como passaremos a esplanar, resolvida a questão prévia relativa a erro na forma do processo.Não houve qualquer erro na forma de processo, pois, a acção própria, atendendo ao pedido da A. é a de restituição de posse e nunca poderia ser a de despejo como pretende a Ré, porquanto este é um meio de que dispõe o locador que queira pôr fim ao arrendamento (...) – Art.º 971º do C.P.Civil – e, não é o caso.Como consequência do facto do Mº Juiz “a quo” ter entendido que a questão de mérito era apenas de direito, que não tenha havido audiência de discussão e julgamento (al. c) do nº 1 do art.º 510 do C.P.Civil).Eis os factos provados documentalmente e admitidos pelas partes, que interessam à decisão do pleito.A. celebrou com a ré APIE em 18 de Janeiro de 1983 contrato de arrendamento relativo ao imóvel sito na Rua Armando Tivane, nº 7, résdo-chão (doc. fls. 5, assinada pela própria inquilina), o qual viria a ser substituído por outro contrato de fls. 4, em que figuram como co-titulares ela, A..., e a co-ré B..., datado de Outubro do mesmo ano de 1983, mas que não foi assinado pela A...., que como é evidente, deveria expressamente consentir no facto assinando o respectivo contrato, o que já se disse não fez.Houve, pois, irregularidade que invalida o contrato de Outubro de 1983.Referem os co-réus que A. se ausentara por mais de noventa dias sem que o tivesse comunicado ao co-réu APIE, o que teria colocado a co-ré B... na situação de ocupante ilegal e teria conduzido a que tivesse solicitado que o contrato fosse firmado em seu nome e passasse a ser a legítima inquilina. Dispõe a lei do arrendamento – Lei n.º 8/79, de 3 de Junho, que o contrato possa extinguir-se por vontade do Locador, entre outras causas pelo facto do abandono do imóvel (al. c), nº 4 do art.º 91º), porém, como resulta do art.º 20º da Lei, o despejo com a consequente extinção do contrato de arrendamento por qualquer das causas de extinção previstos no já referido art.º 19º, têm que ser judicialmente declarados. Querendo fazer valer como fundamento para o despejo a ausência da A... por mais de noventa dias a APIE teria de propôr em tribunal, acção contra a A... com aquele fundamento, que provando-se, levaria o tribunal a decretar o despejo, e em consequência a declarar extinto o contrato de arrendamento, podendo, então, arrendá-lo a terceiros. Não doutro qualquer modo. O contrato de arrendamento da A... mantém-se, pois, inteiramente válido pelas razões acima expostas pois, sobre um imóvel relativamente ao qual subsiste um contrato de arrendamento não extinto pela via legal, não se pode celebrar qualquer outro, que a sê-lo, será legalmente inexistente. Pelos motivos expostos, que improcedam os fundamentos do recurso. Nestes termos, que se decidam em manter a decisão da 1º instância, pelos motivos acima expostos. Custas pelo recorrente. Maputo, 12 de Agosto de 1997 Ass: Afonso Armindo Henriques Fortes e Luis Filipe Sacramento