Travestis e Prisões e a desonrarem seus deuses e a si próprios, pelo mito de Ganimedes.29 (ENGELS, 2012, p. 86) Outro ponto que deve ser analisado na obra de Engels é o fato de o autor não ter considerado, em nenhum momento de A origem da família, da propriedade privada e do Estado, as práticas afetivo-sexuais fora dos padrões heterossexuais. Entende-se que o objeto de estudo de Engels não eram os modelos familiares nem as formas de relacionamentos, senão propriamente as relações sociais como propriedades privadas. Todavia, ele reconhece que existiam nos tempos primitivos “relações sexuais não reguladas”, quando homens e mulheres mantinham entre si relacionamentos heterossexuais em comunidade, de forma poligâmica. Se considera essa particularidade, e se se detém longamente a descrevê-las, como ele pode não abordar as relações homossexuais desde as primeiras comunidades ligadas por consanguinidade, sendo essas consideradas tão naturais naquele tempo histórico quanto as heterossexuais? A única pesquisa antropológica feita por um homossexual assumido é o estudo de Tobias Schncbaum, que viveu com um grupo tribal Amarakaeri do Amazonas peruano. Em seu livro Keep the River on Your Right, ele descreveu os costumes sexuais dessa tribo totalmente isolada do contato com o homem branco – as mulheres e filhos amarakaeri dormiam separados dos homens. As relações na tribo eram unicamente homossexuais, tanto do homem como da mulher. Só nas ocasiões cerimoniais, duas ou três vezes por ano, existia a relação heterossexual, visando unicamente à reprodução. (OKITA, 2007, p. 27) Os Nhambiquara resolvem também o problema de outra maneira: pelas relações homossexuais a que chamam poeticamente: tamindige kihandige, isto é, o “amor-mentira”. Tais relações são frequentes entre as jovens e ocorrem com uma publicidade bem maior que a das relações normais. Os parceiros não se retiram para o mato, como os adultos de sexos opostos. Instalam-se junto da fogueira, sob o olhar divertido dos circunstantes. O incidente dá lugar a gracejos geralmente discretos; essas relações são consideradas infantis, e quase não se lhes presta atenção. (LÉVI-STRAUSS, 1957, p. 334). peito à troca de conhecimentos sexuais e à educação sexual (ULLMANN, 2007). Não se tratava, portanto, da pederastia tal como a compreensão contemporânea, já que dizia respeito a uma expressão cultural da época na qual o jovem servia ao mais velho pelo prazer ou para aprender as práticas sexuais. 29 Ganimedes, na mitologia grega, era um príncipe de Troia, raptado por Zeus devido à paixão que esse sentiu ao avistá-lo. 59