GERIR A INOVAÇÃO
OU A INOVATIVIDADE?
Conceito de inovatividade vai
além de inovação tecnológica
Por muitos anos a humanidade vem gerindo os diversos processos de criação
tanto no campo das artes como no das ciências. Contudo, gerir e controlar a
criação de uma obra-prima, seja uma pintura, escultura ou invenção, nem sempre
deu bons resultados. Por exemplo, a pressão de Salieri sobre o processo de
criação de Mozart ajudou a matar um dos maiores gênios criadores que a
humanidade já teve.
Ambiente Econômico
Hélio Gilberto Amaral
O livro de Alex Osborn, criador do brainstorming, escrito em 1931, tinha como
título A imaginação construtiva. A palavra criatividade não existia na época, a
qual foi introduzida muitos anos mais tarde e popularizou-se rapidamente.
Na segunda metade do século XX, o foco mudou do
processo de criação para o estímulo e desenvolvimento
da criatividade. Essa mudança de foco apresentava
grandes vantagens, especialmente pelo fato de que a
criatividade passava a ser considerada uma característica
inerente ao indivíduo que, quando estimulada, poderia ser
utilizada para vários tipos de processos de criação.
Passando do âmbito individual para o das empresas, ou
seja, da criação para a inovação, tudo indica que estamos
seguindo os mesmos passos.
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Aspectos históricos
O que chamamos hoje de inovação tem recebido
crescente atenção, tanto do meio acadêmico quanto do meio
empresarial, desde, pelo menos, 1912, quando Schumpeter
propôs os cinco tipos de “novas combinações” – novos
produtos, novos processos, novos mercados, novas fontes de
matérias-primas e novas formas de organização de uma
indústria – e destacou sua importância para o desenvolvimento
das empresas e dos países.
Depois da Segunda Guerra, as inovações de produto e
processo, também chamadas de inovações tecnológicas,
ganharam um espaço importante nas discussões sobre a
competitividade no mundo dos negócios, gerando pesquisas,
livros e mesmo leis e incentivos por parte dos governos de
todo o mundo.
No final do século XX, com a última revisão no Manual
de Oslo,1 em 1996, a OCDE2 reconheceu a importância das
inovações não-tecnológicas, incluindo-as no referido
documento e iniciando a correção de uma distorção mantida
por mais de 50 anos e que acabou fazendo com que, em
diversas empresas, o termo inovação se restringisse a
sinônimo de inovação tecnológica, desprezando-se as
inovações de mercado ou organizacionais, entre outras, que
se constituem, muitas vezes, nas principais fontes de
competitividade dessas mesmas empresas.
Inovações organizacionais ou
de mercado não nascem em
laboratórios nem apresentam a
mesma correlação com P&D que
têm as inovações tecnológicas
Ao mesmo tempo em que se reconhece a importância
das inovações não-tecnológicas, fica claro que o processo
que gera esse tipo de inovação é bastante diferente. Inovações
organizacionais ou de mercado não nascem em laboratórios
nem apresentam a mesma correlação com Pesquisa e
Desenvolvimento (P&D) que têm as inovações tecnológicas.
Um estudo realizado na Europa com quase 4 mil empresas
de 15 setores e dos mais variados portes demonstrou que o
perfil de competências para inovar, que propomos chamar
de inovatividade, é o mesmo, independentemente do tipo de
inovação que elas buscam, seja tecnológica ou não.
Da mesma maneira que uma pessoa criativa pode
direcionar seu potencial criativo para diversos processos
de criação, a empresa inovativa pode encaminhar a sua
inovatividade para qualquer tipo de inovação que lhe
interesse. E mais, a gestão da inovatividade não substitui
nem é conflitante com a gestão da inovação. Pelo contrário,
elas são complementares.
Enfatizamos que o conceito com que trabalhamos é de
inovação como uma novidade para a empresa (OCDE)
seguida de sucesso comercial. Assim, é fácil diferenciarmos
uma inovação de uma invenção, que normalmente é uma
novidade para o país ou para o mundo e não necessariamente
conquista sucesso de mercado. Na verdade, a maioria das
patentes nunca chega ao mercado.
Esse conceito de “novo para a empresa” é fundamental
para as inovações não-tecnológicas. Novos mercados não
são inventados, são descobertos ou explorados. Novas
formas de organização podem ser copiadas ou adaptadas,
sem perder o seu caráter inovador, como mostrou o
sucesso dos tigres asiáticos nas décadas de 1970 e 1980.
Características comuns
A maioria dos estudos sobre sucesso e fracasso dos
processos de inovação foi realizada a partir dos anos 1970.
O projeto SAPPHO,3 desenvolvido na Inglaterra, foi um
dos pioneiros e comparou pares de empresas semelhantes
dos setores químico e de instrumentação que haviam
tentado inovar em um determinado período. O objetivo
era identificar as características comuns às empresas que
haviam tido sucesso.
Inúmeros trabalhos se sucederam desde então, nos Estados
Unidos e na Europa, com o mesmo objetivo, gerando um
conjunto de características comuns às empresas que
conseguem inovar de forma sistemática. Os oito pontos da
gestão da inovatividade listados abaixo foram formados a
partir desse conjunto de características presentes nas
empresas mais inovadoras:
1. o papel do indivíduo para a inovatividade;
2. criação de equipes inovadoras;
3. organização que aprende;
4. conexões com o meio exterior;
5. orientação para o mercado com foco nos clientes;
6. lideranças que realizem o alinhamento de contexto/
estratégias/estruturas;
7. gestão dos investimentos em inovação e seu retorno;
8. propriedade industrial e intelectual e o comércio
de conhecimento.
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A gestão equilibrada desses oito pontos e de suas
interações aumenta a competência da empresa para inovar,
independentemente de ela ter realizado, ou não, um processo
de inovação dentro de um determinado período. Em outras
palavras, a empresa inovadora é aquela que desenvolveu a
sua inovatividade da mesma forma que o indivíduo criativo
é aquele que desenvolveu a sua criatividade.
Uma distorção fez com que o termo inovação
se restringisse a sinônimo de inovação
tecnológica, desprezando-se as inovações
de mercado ou organizacionais
Ambiente Econômico
Esses oito pontos também podem ser divididos em três
grandes grupos. Os quatro primeiros se referem aos quatro
níveis de criação do conhecimento novo, o quinto e o sexto,
aos aspectos mais tradicionais da administração e os dois
últimos, aos aspectos capitalistas inerentes à inovação.
Além disso, eles foram criados para serem compatíveis
com outros modelos e processos de gestão adotados por
diversas empresas do mundo todo, tais como gestão por
projetos, planejamento estratégico, ISO 9000, Balanced
Scorecard, CRM, etc., facilitando a sua aplicação em um
grande número de empresas dos mais variados portes e
de diversos setores de atividade.
Assim, em uma sociedade marcada por uma evolução
acelerada e calcada em tecnologias de informação e
comunicação, gestão do conhecimento e relacionamento
em redes, tudo indica que teremos, em breve, empresas
gerindo seus processos de inovação e simultaneamente
sua inovatividade, de forma estruturada e sistematizada,
aumentando, assim, suas chances de sobrevivência e
crescimento em um mercado cada dia mais competitivo.n
Hélio Gilberto Amaral é engenheiro mecânico pela UFRJ, doutor em
Ciências de Gestão pela Universidade de Tecnologia de Compiègne França e diretor executivo da Universidade Livre do Meio Ambiente
em Curitiba.
E-mail: [email protected]
NOTAS
1
O Manual de Oslo , publicação da OCDE, define inovação como “a introdução, com êxito, no mercado, de produtos, serviços, processos, métodos e
sistemas que não existiam anteriormente, ou contendo alguma característica nova e diferente da até então em vigor”. Não devemos, portanto,
confundir fazer inovação com fazer tecnologia , ainda que esta vise àquela.
2
Organisation de Coopération et de Développement Economique (OCDE) é um organismo internacional criado em 1960, com o objetivo de promover
o desenvolvimento econômico e social, fortalecendo a economia de mercado e a democracia. Possui 30 países membros (a maioria europeus) e tem
parcerias com mais de 70 outros países, ONGs e entidades representativas da sociedade civil (www.ocde.org).
3
Scientific Activity Predictor from Patterns with Heuristic Origins (SAPPHO).
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