As cinco vias de Santo Tomás de Aquino: A Primeira Via ou a via do movimento: Escreve Santo Tomás na Summa Theologiae: “A primeira [via], que é a mais evidente, é a que parte do movimento. Com efeito, é certo e sabido que algumas coisas se movem neste mundo. Ora tudo aquilo que se move é movido por outro, já que uma coisa não se desloca se não for em potência em relação ao termo do movimento;ao passo que quem move, move enquanto está em ato. Com efeito, mover quer dizer levar de potência ao ato. Ora, uma coisa não pode ser levada de potência a ato senão em virtude de um ente que já está em ato. Por exemplo, aquilo que é quente em ato, como o fogo, torna quente a madeira, que estava quente em potência, e assim a muda e a altera. Mas não é possível que a mesma coisa esteja ao mesmo tempo em ato e potência sob o mesmo aspecto. Só pode sê-lo sob aspectos diversos: aquilo que é quente em ato não pode sê-lo também em potência, mas é, ao mesmo tempo, frio em potência. Assim, é impossível que, sob o mesmo aspecto e ao mesmo tempo, uma coisa seja movente e movida (movens et motum), ou seja, que mova a si mesma.Portanto, tudo aquilo que se move deve ser movido por outro.” Essa é a via do movimento, considerada a primeira e mais manifesta, para chegar ao primeiro motor. Se nas outras formulações, seguindo de perto Aristóteles, Santo Tomás se detém nos diversos modos pelos quais um ente pode se mover, nesta formulação mais madura o aspecto cosmológico é secundário, emergindo com força o aspecto metafísico. O movimento é analisado como passagem da potência ao ato, passagem que não pode ser efetuada por aquilo que se move, porque caso se mova, isso significa que é movido e é movido por outro, ou seja, por quem está em ato, sendo, portanto, capaz de operar a passagem da potência ao ato. O Princípio omne quod movetur ab alio movetur é universal, devendo, portanto, ser aplicado a tudo aquilo que, de algum modo, se move. Em virtude de tal princípio, dever-se-ia compreender como algo é frágil a objeção segundo a qual o mundo pode se explicar sem recorrer a Deus, porque os fatos naturais se explicariam com a natureza, e as ações humanas com a razão e a vontade. Tal explicação é insuficiente porque recorre a realidades mutáveis, mas “tudo o que é mutável e defectível deve ser reconduzido a um princípio imutável e necessário”. Mas eis uma objeção: Não se poderia recorrer a uma série infinita de motores e coisas movidas? Não, porque o processo ao infinito ou circular desloca o problema e não o explica, ou seja, não encontra a razão última da mutação. Portanto, é necessário afirmar a existência de um primum movens quod in nullo moveatur, isto é, a existência de um imutável. E esse imutável é o que todos chamam Deus. A Segunda via, ou via da causalidade eficiente: “A segunda via parte da noção de causa eficiente. No mundo das coisas sensíveis nos defrontamos com a 1 existência de uma ordem de causas eficientes. Não há caso conhecido e, na verdade, é impossível que uma coisa seja a causa eficiente de si mesma, porque para tanto deveria ser anterior a si mesma, coisa inconcebível. Ora, não é possível ir ao infinito na série das causas eficientes, porque em todas as causas eficientes ordenadas a primeira é a causa da intermédia e a intermédia é a causa da última, podendo as causas intermediárias várias ou uma só. Ora, anular a causa significa anular o efeito. Por isso, se não houver uma causa primeira entre as causas eficientes, não haverá nem causa intermediária nem causa última. Mas, proceder ao infinito nas causas eficientes significa eliminar a causa eficiente primeira; assim, não teríamos nem efeito último, nem causas eficientes intermediárias, o que, evidentemente, é falso. Por isso, é necessário admitir uma primeira causa eficiente, à qual todos dão o nome de Deus.” À primeira vista, o argumento parece subentender o universo de esferas concêntricas que é típico do pensamento antigo. Com efeito, nessa visão, a causalidade eficiente exercida no plano de uma das esferas se justifica pela causalidade eficiente da esfera imediatamente superior; além disso, o número de esferas intermediárias não pode ser infinito, porque, se assim fosse, não haveria a primeira causa eficiente e, conseqüentemente, não haveria causas intermediárias nem efeitos últimos, o que é falso. Entretanto, quando afirma que não importa “que causas intermediárias sejam várias ou uma só”, Santo Tomás dá a entender que não quer ligar a validade dessa prova à cosmologia antiga. Sua prova tem valor metafísico e não físico. Com efeito, ele pretende dar razão da existência da causalidade eficiente no mundo. E isso é impossível enquanto não se chega a uma causa eficiente primeira, isto é, uma causa que produz e não é produzida. O argumento, portanto, se baseia em dois elementos: por um lado, todas as causas eficientes; por outro lado, a causa eficiente não-causada, que é a causa de toda as causas. No fundo, trata-se de responder a esta interrogação: como é possível que alguns entes sejam causas de outros entes? Indagar sobre essa possibilidade significa chegar a uma causa primeira não-causada, que, se existe, identificase com Aquele Ser que chamamos Deus. A Terceira via, ou via da contingência: “A Terceira via deriva do possível [ou contingente] e do necessário, e é esta. Encontramos coisas que têm possibilidade de ser e não ser, pois constatamos que se geram e se corrompem e, conseqüentemente, lhes é possível tanto ser como não ser. Mas é impossível que todas as coisas dessa natureza tenham existido sempre, pois o que pode não ser, em algum tempo não existia. Por isso, se todas as coisas [existentes na natureza são tais que] podem não existir, em algum tempo não haveria nada de existente. Ora, se isso é verdade, também agora não haveria nada de existente, pois o que não existe só começa a existir por meio de alguma coisa que já existe. Por isso, se em algum tempo não havia nenhum ser, 2 teria sido impossível alguma coisa começar a existir e, assim, também agora nada existiria, o que, evidentemente, é falso. Por isso, nem todos os entes são contingentes, mas é preciso que na realidade haja alguma coisa necessária. Ora, toda coisa necessária tem a sua necessidade causada por outra, ou não. Ora, é impossível ir ao infinito nas coisas necessárias, que têm a causa de sua necessidade em alguma outra coisa, como já foi demonstrado a respeito das causas eficientes. Por isso, não podemos deixar de admitir a existência de um ser que seja em si mesmo necessário, e não receba de outros a própria necessidade, mas seja causa de necessidade para outros. E a este todos chamamos Deus”. Este argumento parte da constatação de que as criaturas, já que nascem, crescem e morrem, são contingentes e, portanto, possíveis, isto é, não possuem o ser em virtude de sua essência. Como exemplificar, então, a passagem da possibilidade à existência atual, e, portanto, ao grau de ser ou necessidade que de fato possuem? Se tudo fosse possível, teria havido um tempo em que nada teria existido e agora nada existiria. Se quisermos explicar a existência atual dos entes, isto é, a passagem do estado possível ao estado atual, é preciso admitir uma causa que não foi e não é de modo algum contingente ou possível, porque está sempre em ato. E essa causa se chama Deus. A Quarta via, ou dos graus de perfeição: “A quarta via diz respeito à gradação que se pode encontrar nas coisas. È o fato que nas coisas se encontra o bem, o verdadeiro, o nobre e outras perfeições em grau maior ou menor. Mas o grau maior ou menor se atribui às diversas coisas conforme elas se aproximam mais ou menos a algo de sumo e absoluto; assim, mais quente é aquilo que mais se aproxima do sumamente quente. Dessa forma, existe algo que é verdadeiro, nobre e bom em grau máximo, e conseqüentemente, algo que, em grau máximo, é ser, já que o que é máximo, na verdade, é máximo também no ser, conforme diz Aristóteles. Ora, o que é máximo em cada gênero é a causa de todos os que pertencem àquele gênero: por exemplo, o fogo, que é máximo no calor, é causa de todas as coisas quentes, conforme diz também Aristóteles. Por isso, deve haver algo que para todos os entes é a causa do ser, de sua bondade e de toda outra perfeição. E a isso chamamos Deus. Também esse caminho parte da constatação empírica, metafisicamente interpretada, relativa, à gradação dos entes, segundo a qual o ser é participado e expresso diversamente. Há um mais ou um menos no plano do ser e, conseqüentemente – recorde-se o que já disse a propósito dos transcendentais - , no nível da bondade, de unidade e de verdade. Quanto mais ser um ente tiver, tanto mais é uno, verdadeiro e bom. Ora, constantemente essa gradação, passa-se à explicação, afirmando que as coisas mais ou menos verdadeiras, boas, ECT., o são em relação a um ser absolutamente uno, verdadeiro e bom, 3 que possui o ser de modo absoluto. Esta é a razão da passagem: se os entes têm um grau diverso de ser, isso significa que tal fato não lhes deriva em virtude de suas respectivas essências, caso em que seriam sumamente perfeitos. E, se não deriva de suas respectivas essências, isso significa que o receberam de um ser que dá sem receber, que permite a participação sem ser partícipe, porque é fonte de tudo o que de algum modo existe. A Quinta via, ou via do finalismo: “A quinta via se depreende do governo das coisas. Nós podemos ver que algumas coisas, que carecem de conhecimento, como os corpos naturais, agem em função de um fim. E isso é evidente pelo fato de que sempre ou quase sempre agem do mesmo modo, para obter a perfeição. Portanto, está claro que não alcançam seu fim por acaso, mas por uma predisposição. Ora, tudo o que não tem inteligência não tende a um fim, a menos que seja dirigido por algum ente dotado de conhecimento e inteligência, como a flecha lançada pelo arqueiro. Por isso, existe algum ser inteligente que dirige todas as coisas naturais para seu fim. E esse ser nós chamamos Deus. Também esse último caminho parte da constatação de que as coisas ou algumas delas agem e operam como se tendessem para um fim. Dizendo que alguns corpos naturais agem sempre ou quase sempre do mesmo modo, Tomás quer destacar duas coisas. A primeira é que ele não parte da finalidade de todo o universo (quando muito, apenas aborda) e não pressupõe uma concepção mecanicista da natureza, na qual Deus interviria, juntando pedaços indiferentes para constituir o relógio. A finalidade constatada diz respeito, algumas coisas, coisas que têm em si um princípio de unidade e finalidade. E a segunda é que as exceções devidas ao acaso não reduzem a validade desse ponto de partida. Ora, se o agir em função de um fim constitui certo modo de ser, pergunta-se qual seja a causa dessa regularidade, ordem e finalidade, constatáveis em alguns entes. Tal causa não se pode identificar com os próprios entes, visto que eles são privados de conhecimento (cognitione carent) e, neste caso, é necessário o conhecimento do fim. Desse modo, é preciso remontar a um Ordenador, dotado de conhecimento e em grau de dar ser aos entes daquele modo específico no qual eles de fato operam. REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. Patrística e Escolástica. Volume II. Páginas: 223 - 226.Coleção de História da Filosofia. Ed. Paulus. 2006. 4