ANAIS DA 67ª REUNIÃO ANUAL DA SBPC - SÃO CARLOS - SP - JULHO/2015
Palestra: OperaMovie - Um Experimento Híbrido Performático.
por Mario Lima Brasil
Essa palestra abordou os métodos de produção artística para espetáculos
híbridos em arte performática com uso de novas tecnologias. O foco central do tema
tangeu um experimento já concretizado na 66ª Reunião Anual da SBPC realizada em
Rio Branco - Acre em um dos espetáculos da programação artística.
Este experimento é fruto de dez anos de pesquisa (2004 - 2014) desde a
produção da Ópera Aquiry até a estreia mundial da OperaMovie Chico Mendes em
Julho de 2014. Nesse interim testes de roteiro foram aplicados juntamente com a
compreensão e domínio das novas tecnologias surgidas no período.
Na era digital em que vivemos veio o conceito de termos tudo ao alcance do
toque. Nesse processo de digitalização a realidade se modifica pois ela passa a ser
representada no computador em seus códigos de programação. “Nossa época é
realmente a época da tela” (BOURRIAUD, 2009, p.92). A representação da realidade
traz o fenômeno da realidade virtual que é aplicada especialmente nos jogos que se
tornam cada vez mais presentes na olhar artístico da nossa sociedade.
Mesmo de maneira involuntária a expectativa do espectador é encontrar
elementos do jogo virtual nas outras mídias a qual assiste. Até mesmo os programas
tradicionais da televisão estão aplicando os conceitos de interatividade em seu roteiro
para evitar a evasão de público. Todavia, o que parece ser estranho e apócrifo ao olhar
dos puristas, pode ser uma ferramenta vantajosa para a arte sem prejuízo ao seu
sentido e liberdade poética.
“Alguém tão privilegiado pela natureza que cria como a natureza
(não em adequação consciente a regras) algo como se feito segundo
regras, e mais ainda: como se criado como algo nunca visto,
segundo regras jamais concebidas; isto é arte: criar algo modelar,
sem fabricar o meramente regulamentado. Nisto o destino da arte
como criação do gênio não deve jamais separar-se realmente da
congenialidade do fruidor. Ambos são um jogo livre” (GADAMER,
1985, p.36).
Essa conjuntura traz ao artista o desafio de compreender o imaginário do seu
espectador que está acima do mundo natural. Antes a representação ou alteração da
realidade natural era suficiente para atrair o olhar do público, hoje o artista tem a
necessidade de criar novas realidades que jamais foram imaginadas em mistura de
sentidos e sensações. A dificuldade é compreender quais são as realidades que
comunicam com a sociedade do século XXI. Assim temos na estética da realidade
virtual a incerteza do olhar, não basta olhar diferente ou desenhar de maneira distinta,
é imperativo o mergulho no desconhecido e a representação livre do construto virtual.
“As mídias desconectam e reconectam o espectador com seu próprio corpo e com sua
situação no mundo. Longe de ser destruída pelas mídias, a encenação é reformada,
recriada, revivida por elas” (PAVIS, 2013, p.201).
Com essa teoria base apresentada descreveu-se na palestra as novas
tecnologias aplicadas a esse experimento e o seu impacto no resultado final em
comparação com a Ópera tradicional.
Falamos primeiramente do video-mapping, uma tecnologia começou a ser
desenvolvida em 1969 e foi estabilizada em 2006 e consiste em projeção virtual de
desenhos e filmes em maceramento de superfícies sólidas e planas. Essa tecnologia
permite o uso de decupagem cinematográfica em espetáculos performáticos em tempo
real. Destacamos a todos como essa tecnologia pode substituir a estrutura física de um
cenário trazendo além disso uma maior interação entre o roteiro e o ator. Além disso a
interatividade pode ser ampliada para a relação com o público trazendo a liberdade de
modificações espontâneas em resposta a indicativos do público. Os participantes da
palestra se mostraram impressionados ao assistir o video do experimento e perceber as
possibilidades que essa tecnologia pode trazer se aplicada em um planejamento de
roteiro diegético como o do video-game. Foi descrito ao público que com a aplicação
dessa tecnologia economizamos em espaço de armazenamento de cenário físico,
equipe de controle de cenário e tempo de produção. Em termos práticos foi uma
redução de 80% no custo necessário para construir um cenário físico de qualidade
aproximada a este virtual. Além da economia conseguimos ter pleno controle nos
resultados possibilitando uma criação mais coesa com os demais elementos da obra.
Isso se deve ao fato de que a concretização do cenário foi manipulada em estúdio
permitindo alterações rápidas e cortes precisos. Acrescenta-mos a isso a inclusão de
objetos de cena que custariam um alto valor caso fossem feitos com material físico.
Em um segundo momento debatemos o uso de instrumentos virtuais em dueto
com a performance dos músicos. A princípio a escolha dessa mistura entre músicos e
instrumentos virtuais parecia arriscada embora seja amplamente utilizada no contexto
da música popular. O risco consistia na constante presença dos instrumentos virtuais.
No contexto da musica popular os instrumentos virtuais fazem pequenos ornamentos
sonoros na base instrumental. Porém, nosso plano era ter nos instrumentos virtuais a
somatória plena de toda a composição. Para que essa estratégia funcionasse
pensamentos em duas orquestras tocando simultaneamente conforme mapas já
apresentados desde o Barroco por J.S.Bach em seus oratórios. Na manobra de
espacialidade jogamos o click de andamento para o canal direito do audio stéreo e os
instrumentos virtuais (VSTi) para o canal esquerdo que era repetido aos músicos e ao
público. Para efetiva concretização do plano o maestro e os músicos vestiram um fone
de ouvido que repassava os sons reais e virtuais além do metrônomo para
sincronização entre a performance real e virtual. Tivemos a possibilidade de impactar
o público com a qualidade virtual a qual estão acostumados com a performance real
dos músicos.
Com a conceituação e demonstração dessas duas tecnologias por meio do
video final começamos os debates sobre a técnica desenvolvida para a manipulação e
concatenação desses mecanismos. Em suma tudo é construído dentro de um roteiro de
dinâmica gamificada onde a linearidade dá espaço a diegese dinâmica aplicada ao
video-game. Nesse tipo de roteiro o resultado do enredo pode sofrer variações
conforme a nuância dos cortes cênicos, cenário virtual e improvisos da musica virtoreal. Explicamos também o nome OperaMovie criado para classificar nosso
experimento.
Batizamos nosso experimento como uma OperaMovie (tradução italo-inglesa:
trabalho em movimento) por percebemos que o resultado trazia o hibridismo da Opera
com o Cinema e elementos dos jogos interativos. Como resultado sentimos o interesse
pleno do público pela mensagem que estava sendo transmitida. Nossa récita se deu em
um contexto não ideal para espetáculos como a Ópera pois foi apresentada às 23 horas
em um clima frio e chuvoso, mesmo assim o público estimado em 1.000 pessoas
permaneceu imóvel. Quando o espetáculo se encerrou vimos na reação do público
emoções sincronizadas ao texto da obra, conseguimos com a manipulação das
tecnologias digitais supracitadas nesse artigo a interação plena com os nossos
espectadores.
Consideramos portanto que é possível reduzir os custos de produção de
espetáculos com a utilização de tecnologias digitais sem perder a liberdade de
expressão artística. Ao contrário das críticas de que essa proposta pode fixar o produto
em entretenimento puro o nosso desafio foi criar uma nova realidade virtual. Para isso
tivemos que mergulhar em novas áreas do conhecimento para compreender como se
dá a construção da arte no mundo ilimitado da representação digital da realidade.
Seguimos para outros experimentos aperfeiçoando a nossa estética com a
compreensão de mecanismos estéticos que se enquadrem nas linguagens artísticas do
nosso século.
Referências:
BOURRIAUD, Nicolas. Estética relacional. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
GADAMER, Hans-George. A atualidade do Belo: A arte como jogo símbolo e
festa. Rio de Janeiro: Coleção Diagrama N. 14, 1985.
PAVIS, Patrice. A encenação contemporânea: origens, tendências, perspectivas.
São Paulo: Perspectiva, 2013
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Mario Lima Brasil