A PRODUÇÃO OMNILATERAL DO HOMEM NA PERSPECTIVA MARXISTA: A EDUCAÇÃO E O TRABALHO NEVES, Sandra Garcia –FECILCAM [email protected] Área Temática: História da Educação Agência Financiadora: Não contou com financiamento Resumo A produção omnilateral é a que objetiva o homem completo pelo trabalho produtivo e pela vida em sociedade e a produção unilateral é a que visa somente a preparação do homem para o trabalho alienado. Na atualidade a educação escolar abrange grande diversidade de aspectos que fortalecem esta dicotomia porque são, na maioria das vezes, contraditórios entre a formação humana para a vida e para o trabalho. O âmbito escolar, as atividades formativas limitam-se a preparação do homem para ingresso no mercado de trabalho, mediante domínio de uma técnica e de conhecimentos desconectados de sua vida, portanto, apolíticos e alienantes. Apesar de Marx e Engels não haverem elaborado uma teoria da educação, em suas análises filosóficas conjunturais sobre economia e política, encontramos importantes e esclarecedoras orientações sobre educação e ensino. Nosso objetivo neste texto é apresentar indicações sobre como deveria ser a educação na perspectiva marxista. Acreditamos que a análise histórica fundamentada na perspectiva marxista de educação e de trabalho como princípio educativo, permite-nos caracterizar como é a produção do homem unilateral, pelo trabalho dividido especializado e a onilateral pelo trabalho produtivo e pela relação entre educação e sociedade. Fundamentamos nossa discussão, principalmente, nos escritos de Marx e Engels, quando tratam do trabalho e da vida em sociedade como elementos da aquisição da humanidade pelo homem; Kosik quando trata da produção e reprodução da vida em sociedade pelo homem; Vázquez quando caracteriza o homem como ser histórico, social e práxico; e Manacorda que define a onilateralidade. Acreditamos a produção do homem completo somente se dará, e nisso mais uma vez, firmamos a teoria marxista, quando o trabalho produtivo e a relação entre educação e sociedade efetivamente produzam o homem o profissional e cientificamente. Palavras-chave: Educação. Homem. Práxis revolucionária. Trabalho produtivo. Introdução Na História da Educação encontramos propostas, métodos e projetos pedagógicos de intelectuais que dedicaram suas vidas à educação. Alguns se tornaram conhecidos 8876 mundialmente, outros não. Alguns trataram ampla e minuciosamente da educação escolar, outros fizeram apenas inferências, outros ainda, não tiveram intenção de que suas idéias relacionadas à educação se tornassem conhecidas ou referências na área. Nos escritos de Marx e Engels encontramos tanto orientações pedagógicas implícitas quanto explícitas. No primeiro caso as propostas de instrução, e, no segundo, as discussões filosóficas, antropológicas, sociológicas e ideológicas. O modelo educativo elaborado por Marx e Engels compunha-se por duas propostas: o trabalho produtivo e a relação entre educação e sociedade. Para efetivá-lo seriam necessárias novas escolas que preparassem profissional e cientificamente o homem completo. Evidentemente, a proposta marxista não pode ser desconsiderada. Nos escritos de Marx e de Engels encontramos algumas referências sobre a produção do homem omnilateral possibilitada pela vivência social efetiva e pelo trabalho produtivo sobre as quais objetivamos apresentar algumas considerações sumárias. Desenvolvimento: A produção omnilateral do homem na perspectiva marxista Porque buscarmos nos escritos de Marx e Engels as idéias sobre educação se estes filósofos-economistas não se dedicaram profundamente a esta temática? O que encontramos em seus escritos que contribui para a superação da produção unilateral do homem derivada da divisão e especialização do trabalho, promovida pelo modo de produção capitalista? Que orientações Marx e Engels trariam para a produção do homem omnilateral na atualidade? Para darmos algumas indicações, mesmo que sumárias, apresentamos, primeiramente, as características básicas da educação na atualidade, e depois, como seria para Marx e Engels a produção do homem completo. A princípio vejamos qual é, objetivamente, a realidade a que nos referimos. Partimos da identificação do seguinte problema: a escola é a instituição social responsável pela educação, contudo, não tem cumprido seu papel mediante as transformações econômicas, políticas, sociais e culturais do mundo contemporâneo. Estas transformações são derivadas dos avanços tecnológicos, da reestruturação do sistema de produção e desenvolvimento, modificações do papel e função do Estado, das mudanças no sistema financeiro, na organização do trabalho e nos hábitos de consumo. Conforme as características da sociedade capitalista atual, o homem vive entre homogeneidades e heterogeneidades, entre globalização e individuação. Realidade que afeta 8877 os sentidos e significados dos indivíduos e grupos e cria inúmeras culturas, relações e sujeitos portadores de dimensões física, cognitiva, afetiva, social, ética e estética. Sentidos e significados situados em contextos socioculturais, históricos e institucionais. Diante desta multiplicidade de fatores, a educação unilateral forma somente sujeitos para o mercado de trabalho. Frente a esta realidade, o desafio da educação e da escola - uma organização socialmente construída -, na sociedade contemporânea, é a produção do homem completo, omnilateral. Como prática social, a educação é fenômeno essencialmente humano e, portanto, histórico. Em relação às orientações pedagógicas gerais, antropológicas, sociológicas e políticas, “[...] os dois teóricos do materialismo histórico [Marx e Engels] esboçam uma proposta educativa que se desenvolve em torno do papel fundamental atribuído ao trabalho no âmbito escolar” (CAMBI, 1999, p. 484). Nesta perspectiva, Marx e Engels (1979) compreendiam o homem como ser real, de ação em condições objetivas de existência, tanto as que se encontram prontas quanto as que são produzidas. A omni ou onilateralidade é a [...] a chegada histórica do homem a uma totalidade de capacidades produtivas e, ao mesmo tempo, a uma totalidade de capacidades de consumo e prazeres, em que se deve considerar sobretudo o gozo daqueles bens espirituais, além dos materiais, e dos quais o trabalhador tem estado excluído em conseqüência da divisão do trabalho (MANACORDA, 2007, p. 89). Como ser natural, vivente, ativo, repleto de forças, disposição, capacidade e instinto, o homem é um ser sensível e objetivo que padece, sofre condicionamentos e limitações de objetos existentes externa e independentemente. O homem necessita destes objetos, que lhe são essenciais, indispensáveis para a efetivação de suas forças essenciais, ou seja, para tornálo naturalmente humano. Necessidade apontada por Marx, porque acreditava que “o homem [...] é historicamente alienado pela organização capitalista do trabalho e, ao mesmo tempo, pelas ideologias que ela exprime, mas é também um “ente” ativo que, por meio do trabalho e da sua dialética revolucionária, prepara seu próprio resgate” (CAMBI, 1999, p. 483). A efetivação da essência humana se dá pelo trabalho. Neste, o homem “põe em movimento as forças naturais de seu corpo - braços e pernas, cabeça e mãos -, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida humana” (MARX, 2008, p. 211). Pelo trabalho “o homem alcança [...] a objetivação, e o objeto é humanizado. Na humanização da natureza [promovida pelo trabalho] e na objetivação (realização) dos significados, o homem constitui o mundo humano [e constitui-se humanamente]. O homem 8878 vive no mundo (das próprias criações e significados) [...]” (KOSIK, 2002, p. 203. Grifo do autor). Marx (2008, p. 211) definiu o trabalho como o “[...] processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano, com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza”. Dissemos, então que “o trabalho é um processo que permeia todo o ser do homem e constitui a sua especificidade” (KOSIK, 2002, p. 199. Grifo do autor). Na base do trabalho, no trabalho e por meio do trabalho o homem criou a si mesmo não apenas como ser pensante, qualitativamente distinto dos outros animais de espécies superiores, mas também como único ser do universo, por nós conhecido, que é capaz de criar a realidade. O homem é parte da natureza e é natureza ele próprio (KOSIK, 2002, p. 127). Mediante esta afirmação, Vázquez (1977, p. 9) definiu “o homem comum e corrente [como] um ser social e histórico; ou seja, encontra-se imbricado numa rede de relações sociais e enraizado num determinado terreno histórico”. Ao mesmo tempo em que o homem modifica a natureza externa, atuando sobre ela, modifica a sua própria natureza, pelo desenvolvimento de suas potencialidades e pelo domínio das forças naturais. “O homem se origina da natureza, é uma parte da natureza e ao mesmo tempo ultrapassa a natureza; comporta-se livremente com as próprias criações, procura destacar-se delas, levanta o problema do seu significado e procura descobrir qual o seu próprio lugar no universo” (KOSIK, 2002, p. 127). É somente graças à riqueza objetivamente desenvolvida da essência humana que a riqueza da sensibilidade humana subjetiva é em parte cultivada, e é em parte criada, que o ouvido torna-se musical, que o olho percebe a beleza da forma, em resumo, que os sentidos tornam-se capazes de gozo humano, tornam-se sentidos que se confirmam como forças essenciais humanas. Pois não só os cinco sentidos, como também os chamados sentidos espirituais, os sentidos práticos (vontade, amor, etc.), em uma palavra, o sentido humano, a humanidade dos sentidos, constituem-se unicamente mediante o modo de existência de seu objeto, mediante a natureza humanizada. A formação dos cinco sentidos é um trabalho de toda a história universal até nossos dias (MARX, 1978a, p. 12. Grifo do autor). Que dizer, no contato e na transformação da natureza para satisfazer suas necessidades o homem ao desenvolver os sentidos humanos, desenvolve a própria humanidade. Para Marx e Engels (2008) o trabalho é entendido na forma exclusivamente humana, e, “[...] como ação objetiva é um modo particular de unidade de tempo (temporalização) e de 8879 espaço (função extensiva) como dimensões essenciais da existência humana, isto é, formas específicas do movimento do homem no mundo” (KOSIK, 2002, p. 204). Pelo trabalho o homem confirma a própria realidade em uma atividade objetiva. Ou seja, Na produção e reprodução da vida social, isto é, na criação de si mesmo como ser histórico-social, o homem produz: 1) os bens materiais, o mundo materialmente sensível, cujo fundamento é o trabalho; 2) as relações e as instituições sociais, o complexo das condições sociais; 3) e, sobre a base disto, as idéias, as concepções, as emoções, as qualidades humanas e os sentidos humanos correspondentes (KOSIK, 2002, p. 126). A ação do homem sobre a natureza é necessária porque de imediato, os objetos tais como são encontrados, não possuem sentido humano assim como também não é imediata a sensibilidade e objetividade humana. A natureza não está, objetiva e subjetivamente, presente para o ser humano de imediato e adequadamente. “E como tudo o que é natural deve nascer, assim também o homem possui seu ato de nascimento a história, que, no entanto, é para ele uma história consciente, e que, portanto, como ato de nascimento acompanhado de consciência é ato de nascimento que se supera” (MARX, 1978a, p. 41. Grifo do autor). A consciência do homem é a [...] consciência geral é apenas a figura lógica daquilo cuja figura viva é a comunidade real, o ser social, enquanto hoje em dia a consciência geral é uma abstração da vida efetiva e como tal a enfrenta como inimiga. Por isso também a atividade de minha consciência geral – como tal – é minha existência teórica enquanto ser social (MARX, 1978a, p. 10. Grifo do autor). Marx (1979, p. 36), foi além da ação objetiva do homem sobre o objetivo e esclareceu que pelo trabalho produtivo “a consciência [se torna], pois um produto social e continuará a sê-lo enquanto houver homens”. O único ato da consciência é o saber, ou seja, o “saber é seu único comportamento objetivo” (MARX, 1978a, p. 42), de maneira que “o homem só conhece a realidade na medida em que ele cria a realidade humana e se comporta antes de tudo como ser prático” (KOSIK, 2002, p. 28. Grifo do autor) e somente “[...] supera (transcende) originariamente a situação não com a sua consciência, as intenções e os projetos ideais, mas com a praxis” (KOSIK, 2002, p. 240. Grifo do autor). Significa que, somente quando a prática humana é guiada pela teoria que a embasa, torna-se práxis consciente, e possivelmente, revolucionária. 8880 Com o desenvolvimento da sociedade capitalista, a divisão do trabalho, a especialização e a crescente valorização do consumo, o sentido humano, em grande parte, passou a ser o ter ao invés do ser. “Em lugar de todos os sentidos físicos e espirituais apareceu assim a simples alienação de todos esses sentidos, o sentido do ter. O ser humano teve que ser reduzido a esta absoluta pobreza, para que pudesse dar à luz a sua riqueza interior partindo de si” (MARX, 1978a, p. 11. Grifo do autor). Tanto que “o comércio universal gira quase inteiramente em torno das necessidades não do consumo individual, mas da produção” (MARX, 2009, p. 56). Produz-se, mesmo que não seja aquilo de que todos precisam para satisfazer as necessidades de subsistência. O que importa é fazer mover e crescer o mercado global. Por isso, no decorrer da história todas as sociedades se sustentaram “[...] no antagonismo entre classes dominantes e dominadas. Mas, para que uma classe possa ser oprimida, é necessário garantir-lhe as condições que lhe permitam, pelo menos, sobreviver em sua existência servil” (MARX; ENGELS, 2005, p. 98). O homem tornou-se escravo do mercado, não para atender suas próprias necessidades, mas as do capitalista, e porque, mesmo que em condições precárias e por um salário mínimo, precisa trabalhar para sobreviver. Daí Marx e Engels (2004, p. 32) afirmarem que “subdividir um homem é executá-lo [...]”. Dessa condição do trabalho alienado – no qual a atividade humana, rebaixada de fim a meio, de automanifestação a uma atividade completamente estranha a si mesma, nega o próprio homem – decorre uma situação de “imoralidade, monstruosidade, hilotismo dos operários e dos capitalistas”, pois o que em um é atividade alienada, é estado de alienação no outro, e uma potência desumana domina a ambos. Eis aí o homem unilateral [...] (MANACORDA, 2007, p. 42). De outro modo, a finalidade do homem para Marx e Engels (1978, p. 53) é “[...] o enobrecimento da humanidade e dele próprio [...]” pela via que determinar para educar-se a si mesmo e a sociedade. Por não ser abstração individual, “[...] a essência humana [...] em sua efetividade é o conjunto das relações sociais” (MARX, 1978b, p. 52). Marx e Engels (1978) advertiram que nem sempre o homem consegue adotar a carreira que lhe interessa, e que, as relações que estabelece com a sociedade iniciam-se antes de poder determiná-las. Como conjunto de relações, “a sociedade é, pois, a plena unidade essencial do homem com a natureza, a verdadeira ressurreição da natureza, o naturalismo acabado do homem e o humanismo acabado da natureza” (MARX, 1978a, p. 9). 8881 Considerando-se que são as condições reais e materiais do mundo que determinam a vida do homem depreende-se que Enquanto as circunstâncias em que vive este indivíduo lhe não permitem senão o desenvolvimento unilateral de uma faculdade à custa de todas as outras e lhe não fornecem senão a matéria e o tempo necessários ao desenvolvimento desta única faculdade, este indivíduo só atingirá um desenvolvimento unilateral e mutilado (MARX; ENGELS, 1978, p. 62. Grifo do autor). Nestas circunstâncias, “o homem vive e tem vivido constantemente alienado, o que equivale a dizer: em constante negação de si mesmo, de sua essência” (VÁZQUEZ, 1977, p. 137). De outro modo, quando a vida do homem abarca atividades diversas e relações práticas com o mundo, seu pensamento se torna universal. O que se dá quando o pensamento do homem adquire um desenvolvimento universal, transpõe os limites locais que o aprisionam. O que dá aos indivíduos a possibilidade de vencerem a sua estreiteza local, em determinadas circunstâncias favoráveis, não é o facto de que na sua reflexão se imaginem ou se proponham dissolver estas limitações, mas que, na sua realidade material e determinada por necessidades materiais, conseguem produzir um sistema de trocas à escala do mundo (MARX; ENGELS, 1978, p. 64). No período industrial, a formação dos jovens limitou-se a transformar os jovens em máquinas de produzir mais-valia. Trabalhadores que mal sabiam ler e escrever. Marx e Engels (1978, p. 89) defenderam as escolas técnicas e teórico-práticas, combinadas às escolas primárias. Acreditavam ser preciso “[...] banir da escola [...] qualquer influência do governo e da Igreja” e firmar a educação como um dos mais poderosos meios de transformação da sociedade daquela época. Ressaltaram a necessidade da “educação de todas as crianças, a partir do momento em que podem passar sem os primeiros cuidados maternais, nas instituições nacionais e as expensas da nação” (MARX; ENGELS, 1978, p. 107) e que trabalho produtivo e educação possuíam valores e importância iguais. Para atender a essa necessidade, seria preciso extinguir a propriedade privada. Depois disto, toda a sociedade administraria, conforme suas necessidades, todas as forças produtivas e os meios de circulação, de troca e distribuição de produtos. Julgaram que “a coincidência da alteração das contingências com a atividade humana e a mudança de si próprio só pode ser captada e entendida racionalmente como praxis revolucionária” (MARX, 1978b, p. 51. Grifo do autor). 8882 Vázquez (1977, p. 3) define “[...] práxis como atividade material do homem que transforma o mundo natural e social para fazer dele um mundo humano”. Neste sentido, “a relação entre teoria e praxis é para Marx teórica e prática; prática, na medida em que a teoria, como guia da ação, molda a atividade do homem, particularmente a atividade revolucionária; teórica, na medida em que essa relação é consciente” (VÁZQUEZ, 1977, p. 117). Deste modo, “a superação positiva da propriedade privada como apropriação da vida humana é por isso a superação positiva de toda alienação, isto é, o retorno do homem da religião, da família, do Estado, etc., ao seu modo de existência humano, isto é, social” (MARX, 1978a, p. 9. Grifo do autor). A determinação exercida nos homens pelas condições reais em que vivem é devida ao fato de que, as condições objetivas de vida refletem aquilo que são. “O que são coincide portanto, isto é, tanto com aquilo que produzem como com a forma como produzem. Aquilo que os indivíduos são depende portanto das condições materiais da sua produção” (MARX; ENGELS, 1979, p. 19. Grifo do autor). Então, podem ser seres unilaterais ou omnilaterais, parciais ou completos. Ao invés da formação unilateral, A indústria praticada em comum, segundo um plano estabelecido em função do conjunto da sociedade, implica homens completos, cujas faculdades são desenvolvidas em todos os sentidos e que estão à altura de possuir uma clara visão de todo o sistema de produção (MARX; ENGELS, 1978, p. 109). Na sociedade comunista, os jovens passariam por todo sistema produtivo com a garantia de percorrerem todas as etapas da produção segundo suas aptidões e necessidades da sociedade. Nesta sociedade a educação aos que a integram “[...] a ocasião de pôr, em todos os sentidos, em ação as suas aptidões, também elas desenvolvidas em todos os sentidos” (MARX; ENGELS, 1978, p. 110). Diferente, portanto, da formação unilateral promovida pela divisão e alienação do homem no trabalho parcial. Segundo Vázquez (1977, p. 138) [...] o homem se aliena, e apenas ele, porque é o produto do que ele próprio faz, de seu trabalho; justamente porque ele faz seu ser – em poucas palavras, por ser um ente histórico -, o homem se encontra num processo de produção de si mesmo, isto é, de humanização, dentro do qual pode encontrar-se em níveis humanos tão ínfimos como o do homem alienado ou coisificado. 8883 Marx e Engels (1978, p. 111), já na segunda metade do século XIX, fizeram uma avaliação crítica da situação alienante da sociedade da época e, em contrapartida, apresentaram a proposta de [...] associação universal de todos os membros da sociedade em vista da exploração colectiva e ordenada das forças produtivas, a extensão da produção a fim de que possa satisfazer as necessidades de todos, a abolição de um estado de coisas em que as necessidades de uns só são satisfeitas à custa de outros, a eliminação completa das classes e dos seus antagonismos, o desenvolvimento em todos os sentidos das faculdades de todos os membros da sociedade, graças à supressão da actual divisão do trabalho, graças à educação baseada na indústria, à variação do gênero de actividade, à participação de todos nos prazeres criados por todos, à combinação da cidade e do campo – serão estes os principais efeitos da abolição da propriedade privada. Marx e Engels defenderam a “[...] necessidade de eliminar a propriedade privada, a divisão do trabalho, a exploração e a unilateralidade do homem, para atingir um pleno desenvolvimento das forças produtivas e a recuperação da onilateralidade” (MANACORDA, 2007, p. 41). Somente quando a prática produtiva material e a prática social revolucionária alcançam certo nível na própria realidade e que se dão as condições para que se possa captar a prática, em toda a sua significação social e humana, em toda a sua universalidade, riqueza e essencialidade, como atividade transformadora do mundo (VÁZQUEZ, 1996, p. 157). Para Marx e Engels (2004, p. 32. Grifo do autor) “a objetivação da essência humana, tanto no sentido teórico como no prático, é, pois, necessária tanto para tornar humano o sentido do homem como para criar o sentido humano correspondente à riqueza plena da essência humana e natural”. A criação do sentido humano deriva-se do fato de que “[...] com o seu agir o homem inscreve significados no mundo e cria a estrutura significativa do próprio mundo” (KOSIK, 2002, p. 241. Grifo do autor). A orientação geral de Marx e Engels (2003, p. 149) para a produção do homem omnilateral parte da afirmação de que Se o homem forma todos seus conhecimentos, suas sensações etc. do mundo sensível e da experiência dentro desse mundo, o que importa, portanto, é organizar o mundo do espírito de tal modo que o homem faça aí a experiência, e assimile ao o hábito daquilo que é humano de verdade, que se experimente a si mesmo enquanto homem. [...] 8884 Se o homem é formado pelas circunstâncias, será necessário formar as circunstâncias humanamente. A escola e todas as outras instituições sociais, inclusive a cultura, que atuam ideologicamente, porque revelam uma concepção de mundo e os interesses socioeconômicos da classe no poder, “[...] reflete e confirma uma nítida divisão entre as classes sociais (burguesia e proletariado), para as quais existem orientações escolares diferenciadas, bem como veicula uma cultura abstrata e idealista, que se baseia na divisão do trabalho (CAMBI, 1999, p. 484). Daí Marx (1978, p. d) questionar: Mas como posso ser virtuoso, se não sou? Como posso ter boa consciência, se não sei nada? Tudo isto está fundado na essência da alienação: cada uma aplica-me uma medida diferente e oposta, a moral aplica-me uma e a economia política outra, porque cada uma destas é uma determinada alienação do homem e [...] fixa um círculo particular da atividade essencial alienada; cada um delas se relaciona de forma alienada com a outra alienação [...]. O homem, então, será livre quando superar as circunstâncias impostas pela sociedade capitalista. Neste sentido, “a liberdade não é um estado; é uma atividade histórica que cria formas correspondentes de convivência humana, isto é, de espaço social” (KOSIK, 2002, p. 241). Considerações Finais As orientações pedagógicas de Marx e Engels para a produção omni ou onilateral do homem, se constituem, basicamente, pelo trabalho produtivo e pela relação entre educação e sociedade efetivada nas escolas que preparam profissional e cientificamente o homem completo. Acreditamos que as orientações de Marx e Engels são fundamentais à medida que acreditamos ser possível efetivarmos propostas e projetos que visem, não somente a formação do homem como consumidor, alienado e autômato, unilateral, portanto, mas como sujeito histórico que produz, pelo trabalho, suas condições objetivas de vida individual e em sociedade, portanto, omnilateral. REFERÊNCIAS CAMBI, Franco. História da Pedagogia. Tradução de Álvaro Lorencini. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1999. (Encyclopaidéia). 8885 KOSIK, Karel. Dialética do concreto. 7 ed. Tradução de Célia Neves e Alderico Toribio. São Paulo: Paz e Terra, 2002. MANACORDA, Mario Alighiero. Marx e a pedagogia moderna. Tradução Newton Ramosde-Oliveria. Campinas, São Paulo: Alínea, 2007. MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. Terceiro manuscrito. Tradução de José Carlos Bruni. In: Manuscritos econômico-filosóficos e outros textos escolhidos. Traduções de José Carlos Bruni. 2 ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978a. MARX, Karl. Miséria da filosofia: resposta à Filosofia da miséria, do Sr. Proudhon. Tradução de José Paulo Netto. São Paulo: Expressão Popular, 2009. MARX, Karl. O Capital: crítica da Economia Política. Livro Primeiro o processo de produção do Capital. 26 ed. Livro 1. v. I. Tradução de Reginaldo Sant’Anna. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. MARX, Karl. Teses sobre Feuerbach. Tradução de José Carlos Bruni. 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