O SISTEMA DE PROTEÇÃO SOCIAL EM MOÇAMBIQUE: UMA ANÁLISE A
PARTIR DA PERSPECTIVA DA PRODUÇÃO HORTÍCOLAS NO CINTURÃO
VERDE DE MAPUTO
Tomás A. Sitoe
Instituto de Investigação Agrária de Moçambique- Centro de Estudos Socioeconômicos
(CESE)
E-mail:[email protected]
1. Introdução
Moçambique depois de conquistar a sua independência política do domínio colonial
de mais de cinco séculos, em 1975 está hoje a enfrentar vários desafios econômicos e
sociais, incluindo a construção de um sistema de proteção social eficaz, em especial
para os idosos. Para Osório & Silva (2008), com o final da guerra em 1992, a adoção de
um sistema multipartidário e o prosseguimento de políticas de ajustamento estrutural
verifica-se no país “a desocultação da pobreza e do desemprego, as restrições ao acesso
à saúde e educação, e o abandono das políticas de proteção social, levam a uma
contínua e sistemática desestruturação do tecido social” (OSÓRIO & SILVA, 2008, p.
18)1.
Atualmente, o país possui uma população de 20,4 milhões de habitantes, dos quais
cerca de 2,5% são idosos (com idade igual ou superior a 65 anos). No entanto, em
Moçambique, os idosos enfrentam uma série de problemas, como:
(i)
abuso e negligência, que se caracterizam pela falta de respeito,
intimidação, violência física e psicológica, violação sexual das
mulheres idosas e humilhação;
(ii)
acusação de práticas de feitiçaria particularmente pelas mulheres
idosas, o que culmina com agressões físicas, maus-tratos e expulsão do
seio familiar e da comunidade, confisco e destruição dos seus bens
móveis e imóveis e até assassinato;
1
O conflito civil no país terminou em 1992 quando a FRELIMO e a RENAMO assinaram o “Acordo
Geral de Paz” em Roma.
1
(iii)
fraco acesso aos cuidados básicos de saúde, à água potável, à
alimentação adequada, ao vestuário, ao transporte e habitação
condigna, à educação, ao acesso à terra; e,
(iv)
desigualdade de gênero no acesso à herança, no caso de viúvas (GdM,
2006b, p. 5).
De salientar que no país as mulheres idosas (com idade superior a 50 anos)
chefiam cerca de 50% dos agregados familiares, o que pode estar relacionado com o
aumento do número de viúvas e mulheres separadas (INE, 2004, p. 11-12).
Para Rosário et al. (2009, p. 11), as acusações acima expostas são em si próprias a
expressão de estruturas e relações sociais disfuncionais.
A visibilidade do trabalho público de proteção social básica no país começa na
década 1990, com a aprovação do Decreto nº. 16/93, de 25 de Agosto, que aprova o
subsídio de alimentos para as pessoas incapacitadas para o trabalho. Apesar disso, só
mais tarde (em 2007) foram lançadas as bases jurídicas para a estruturação do sistema
de proteção social básica2.
Apesar desses instrumentos e dos diferentes sistemas de proteção social
reconhecidos pela lei, uma larga faixa da população trabalhando no sistema informal
não desconta para as pensões de aposentadoria. Partindo do pressuposto de que dentro
dos diferentes grupos sociais que enfrentam problemas de renda, os idosos constituem o
grupo-alvo das ações de redistribuição do Estado, principalmente sob a forma de pensão
na velhice e pensão alimentar; o estudo se propõe analisar até que ponto esses
mecanismos de redistribuição do Estado são efetivos.
Para Schuch et al. (2008, p. 17), as pesquisas sobre “determinadas populações”
podem ser entendidas a partir de um duplo estatuto: de conhecimento sobre
determinadas especificidades e necessidades da população interpelada pelas políticas de
intervenção social e do reconhecimento da legitimidade de sua diferença, condição para
a promoção de seus direitos.
2
Moçambique aprovou em 2007 a Lei de Proteção Social (Lei nº 4/2007, de 7 de Fevereiro) e em 2009
aprovou o Decreto nº 85/2009, de 29 de Dezembro sobre o Regulamento do Subsistema de Segurança
Social Básica. Por outro lado, O sistema de proteção social formal em Moçambique é constituído por três
componentes principais: (i) a segurança social obrigatória; (ii) a segurança social básica; e (iii) a
segurança social complementar. O órgão público gestor deste sistema é o Instituto da Ação Social, órgão
subordinado ao Ministério da Mulher e Ação Social.
2
Os resultados aqui apresentados são baseados em um estudo quanti-qualitativo
realizado pelo autor no período de Setembro a Dezembro de 2010, no âmbito da
preparação da sua tese de doutoramento-que explorou a possibilidade de diversificação
da produção hortícola nas Zonas verdes como uma alternativa para que produtores
melhorassem a sua renda; esse estudo analisou também a contribuição das atividades
fora da machamba na renda familiar. As conexões entre os dois componentes
(qualitativo e quantitativo) foram realizadas na análise dos resultados, por forma a dar
um “valor agregado” à pesquisa.
Se espera que este estudo contribua para uma base de conhecimentos que possa ser
útil para apoiar o desenho e a implementação de políticas voltadas à melhoria das
condições de vida da população moçambicana; os potencias utilizadores dos resultados
da pesquisa incluem investigadores (principalmente na academia), fazedores de políticas
(policy makers), organizações da sociedade civil, etc.
Após o capitulo introdutório segue-se um breve enquadramento teórico do tema de
proteção social. O capítulo 3 se refere à análise dos resultados enquanto o capítulo 4 se
refere às considerações finais. O capítulo 5 é das referências bibliográficas.
2. Enquadramento teórico
A proteção social pode ser definida como “um conjunto de iniciativas públicas ou
estatalmente reguladas para a provisão de serviços e benefícios sociais visando a
enfrentar situações de risco social ou de privações sociais” (JACCOURD, 2008, p. 2).
O desenvolvimento de sistemas de proteção social remonta da época moderna na
França, onde vários instrumentos institucionais foram construídos para o acolhimento
de pobres e miseráveis. Se no inicio as estratégias utilizadas tinham um caráter de
exclusão- através de internamentos nos “Hospitais Gerais”, com o crescimento da
industrialização, e uma forte crítica aos internamentos, novos conceitos de recuperação
e atenção aos sujeitos foram introduzidos. Um conjunto de saberes e poderes passou a
orientar a educação, o corpo e a moral das pessoas (FOUCAULT, 1979).
A organização de sistemas de proteção social é fruto de disputas e da capacidade
de mobilização dos indivíduos nas formas ampliadas ou reduzidas de relação com o
Estado, gerando sistemas de proteção contra proteção social riscos e vulnerabilidade a
3
que todos estamos sujeitos Silva & Santos (2008:254). No entanto, as abordagens
foucaultianas nos ensinam diversas tramas entre o poder e o saber.
A proteção social quer seja realizada pelo Estado, famílias ou outras instituições
pode-se enquadrar na teoria de Polanyi (2000) sobre integração no mercado, em
especial: (i) a redistribuição: que é realizada por instituições de caridade ou pelo Estado,
geralmente para compensar parcialmente as desigualdades criadas pelo mercado; e (ii) a
reciprocidade: entendida como a dinâmica de dádiva e de redistribuição criadora de
sociabilidade, de vínculo social, identificada por Marcel Mauss para quem as prestações
de dádiva correspondem ao “fato social total”, pois engajam e comprometem o ser
humano na sua totalidade, tanto do ponto de vista social como econômico. A
reciprocidade exige “simetria” e confiança mútua (centralidade).
Na África em particular se tem observado que a solidariedade entre famílias
representa uma forma importante de alocação de recursos; nesse continente, se tem
observado que as famílias proporcionam para si mesmas e para outras famílias uma
variedade de bens e serviços, tais como alimentos, abrigo, artesanato, cuidados para
idosos e crianças, preparação dos alimentos, etc. A atuação dos produtores e suas
famílias em esquemas como as anteriores se pode ser justificada pela imperfeição dos
mercados.
Conforme a teoria econômica, quando os mercados são completos, as pessoas
consomem uma porção permanente da sua renda e poupam (dissave) quaisquer ganhos
transitórios; e/ou investem no seguro para mitigar o risco de oscilação de renda; no
entanto, diante de mercados imperfeitos as pessoas procuram agir fora dos serviços
financeiros para diminuir a variabilidade do consumo, motivada pela variabilidade da
renda. A diversificação é o primeiro meio pelo qual reduzem esse risco (BARRETT et
al., 2001, p. 11).
Para Fafchamps (1999, p. 6), é por isso que os economistas que trabalham na
África e em outras regiões similares têm dedicado muita atenção para compreender as
forças que determinam a distribuição do bem-estar nas famílias e comunidades dessas
regiões. No entanto, de forma alguma se deve concluir que os princípios
socioeconômicos de reciprocidade e redistribuição sejam restritos a produtores
primitivos ou pequenas comunidades (Polanyi, 2000, p. 69).
4
Para Sabourin (2003), a confiança, a responsabilidade, a equidade, o prestígio, a
amizade, a honra são valores simbólicos associados à lógica de reciprocidade. No
entanto, os fatos e exemplos observados nas diversas sociedades rurais confirmam a
diferença e até a contradição dialética entre a lógica econômica da reciprocidade e
aquela do livre-câmbio.
Radomsky & Schneider (2007: 258) consideram que Polanyi percebeu que à
medida que a mercantilização avançava, enfraquecia-se a reciprocidade e a
redistribuição, mas que ambas as formas poderiam coexistir.
Existe diferenças na concepção e implementação de mecanismos de redistribuição
do Estado nos países desenvolvidos e aqueles em desenvolvimento. Procurando apoiar a
definição e implementação de políticas de proteção social no mundo, o Bureau
Internacional de Trabalho (BIT), através do seu programa “Estratégias e Técnicas contra
a Exclusão Social e Pobreza” analisou várias experiências na América Latina, Europa e
África, e concluiu que as experiências da América Latina e da Europa são ricas em
ensinamentos sobre as modalidades de concepção e implementação de mecanismos de
proteção social, mas que a transposição desses sistemas para os países de baixo
rendimento deveria ser considerada com extrema precaução, por causa da fragilidade
das infraestruturas e condições locais das instituições.
Na África lusófona em particular, o BIT recomenda que a proteção social das
pessoas que trabalham na economia informal, em zonas rurais e urbanas, deveria se
basear inicialmente nos esforços das comunidades e dos grupos de base, tanto quanto
nos Estados (BIT, 2009).
Apesar disso, Lautier (2009), considera que para a universalização da proteção
social os países mais pobres, com fracos níveis de “formalidade” e de recursos
orçamentários, têm privilegiado uma abordagem bottom-up, porque se considera que
valoriza a transparência, e participação da sociedade civil e das novas formas de
cidadania; no entanto, essa abordagem tem seus limites e o poder público não pode se
limitar a dar resposta às exigências pontuais e assumir a responsabilidade de organizar a
estrutura e definir o lugar de cada mecanismo de proteção (LAUTIER, 2009, p. 90-91).
3. Resultados e Análise
5
Nas Zonas verdes o sistema de proteção social por parte do Estado em relação aos
produtores idosos é deficiente e tem baixos níveis de implementação; por exemplo, de
um total de 68 entrevistados, 34 (metade), afirmaram ter idosos na família, no entanto,
só quatro (cerca de 6%), afirmaram que os seus idosos recebiam assistência social do
Estado (Tabela 1).
Tabela 1. Assistência social aos idosos por parte do Estado, nas Zonas verdes
Respostas
Na família tem idoso
Idoso recebe pensão/assistência do
Estado
Frequência
Percentagem (%) Frequência
Percentagem (%)
Sim
34
50,00
4
5,88
Não
34
50,00
64
94,12
Total
68
100,00
68
100,00
Fonte: Dados de pesquisa.
Por outro lado, se notou que a maior parte dos produtores idosos não conhece os
procedimentos para poderem se beneficiar das pensões, nem tem estímulo para procurar
a instituição que trata do assunto, principalmente por duas razões:
1.
A convicção de que o pedido não vai ser aprovado, conforme sugere o
depoimento seguinte:
“Dizem que temos filhos ou casas de alvenaria, então temos de matar os nossos
filhos ou destruir as casas que construímos quando ainda tínhamos forças, só assim
é que podemos nos beneficiar de pensões!” (entrevista com os líderes das
associações no distrito 4).
É que, de acordo com as autoridades que administram o processo, só pode se
beneficiar o idoso ou idosa que não tem filhos capazes de lhe providenciar alguma
ajuda.
2.
O valor é tão irrisório (por volta de 4 dólares americanos por mês), que
alguns produtores acham que é perda de tempo ficar na fila para receber esse valor.
6
De acordo com o Instituto Nacional da Ação Social (INAS), órgão do Estado que
gerencia a ação social no país, existem dois tipos de pensões:
(i) Aquelas atribuídas aos idosos que em vida trabalharam e
descontaram
para
a
segurança
social.
Essas
pensões
são
proporcionadas pelo Ministério de Trabalho;
(ii) Aquelas atribuídas pelo INAS, aos idosos que nunca trabalharam ou
não têm capacidade para o trabalho e, ou não têm outra forma de
sobrevivência. Essas pensões são denominadas “subsídio de
alimentos”.
“A atribuição do subsídio de alimentos obedece a alguns critérios, nomeadamente, 55 anos de
idade para mulheres e 60 anos para homens, não ter nenhuma fonte de sobrevivência, nem alguém
(filhos, irmãos, netos), que lhe possam apoiar em condições declaradas de pobreza absoluta, entre
outros. Para a obtenção do subsídio de alimentos, funciona nos bairros uma figura chamada
permanentre com a responsabilidade de fazer a identificação e seleção dos elegíveis a serem
submetidos ao INAS. Por outro lado, devido às dificuldades financeiras acredita-se que haja muitos
idosos na lista de espera e que muitos ainda não saibam como obter o subsídio de alimentos.
Também se tem a consciência de que o valor atribuído para o subsídio de alimentos é pouco, pois
se paga 100 Meticais para um agregado de 1 pessoa + 50% por mais um membro dependente até o
máximo de 5 pessoas, podendo totalizar 300 Meticais. Muitas vezes se olha também para a
condição da habitação como critério secundário; pode ser por causa disso que afirmam que devem
matar os filhos e destruir as casas que construíram para poderem se beneficiar” (entrevistado
no INAS, 5/01/2010).
Ao se analisar as afirmações anteriores se pode inferir que os critérios fixados pelo
governo não concebem a proteção social como um direito de todos os idosos; é provável
que muitos idosos estejam fora do sistema não só porque não sabem tratar os
documentos necessários para se beneficiarem, mas também porque os critérios fixados
pelo governo para se aceder ao “subsídio de alimentos” são excludentes. Mas, mais do
que isso, na prática o sistema de proteção social não se configura ainda como um direito
universal, mas sim parece ser um favor que o Estado concede as populações mais
desfavorecidas. Todos os idosos, independente de terem casa ou filhos com
capacidades, pelo fato de serem unicamente cidadãos moçambicanos deveriam
qualificar a receber proteção social do Estado moçambicano.
7
Por outro lado, as políticas do governo em relação à proteção social dos idosos
atribuem à família um papel importante na manutenção e proteção da pessoa idosa, ao
assumir que “a família tem uma responsabilidade primária de responder às necessidades
afetivas e materiais da pessoa idosa, criando as condições necessárias para a sua
permanência no seio da família e para a valorização do seu papel na comunidade”
(GdM, 2006, p. 1).
Dizer que os trabalhadores informais idosos em situação de pobreza devem
recorrer em primeiro lugar à solidariedade familiar, em seguida ao mercado e depois,
quando tudo resto (sic) falha, à solidariedade nacional financiada por impostos,
excluindo, a priori, o financiamento contributivo, é uma decisão com grandes
consequências ocultadas pela pseudo-evidência da retórica sobre a subsidiariedade
(LAUTIER, 2009, p. 83).
Para Lautier (2009), a proteção dos “mais vulneráveis” só pode ser eficaz e perene
se for concebida como elemento de um sistema de proteção social que visa a cobertura
universal. Isso implica duas coisas: por um lado, que a proteção dos mais vulneráveis
não seja tratada “no fim da linha”, como elemento residual e específico, mas sim como
parte integrante de um processo global. Por outro lado, é necessário que a proteção aos
mais vulneráveis seja assente no estabelecimento de direitos sociais (do trabalhador e/ou
do cidadão), que podem ser específicos, mas que não dependam de favores ou de
caridade.
Mas a prática contrasta com as políticas, pois, a Constituição da República
consagra o direito à assistência na incapacidade e na velhice:
“1. Todos os cidadãos têm direito à assistência em caso de incapacidade e na
velhice; 2. O Estado promove e encoraja a criação de condições para a
realização deste direito” (artigo 95).
1. Os idosos têm direito à proteção especial da família, da sociedade e do
Estado, nomeadamente na criação de condições de habitação, no convívio
familiar e comunitário e no atendimento em instituições públicas e privadas,
que evitem a sua marginalização; 2. O Estado promove uma política de
terceira idade que integra ações de caráter econômico, social e cultural, com
vista à criação de oportunidades de realização pessoal através do seu
envolvimento na vida da comunidade (artigo 124).
8
Por outro lado, o governo tem uma série de instrumentos que visam a criação de
condições que assegurem a proteção social entre eles:
1. A Lei 4/2007, que define as bases que sustentam os sistemas de proteção
social no país;
2. O Decreto nº. 16/93, de 25 de Agosto, que aprova o subsídio de
alimentos para as pessoas incapacitadas para o trabalho;
3. A Política para a Pessoa Idosa e Estratégia de sua Implementação, a qual
estabelece os princípios, objetivos e estratégias que “irão permitir a
intervenção organizada, coordenada e articulada dos diferentes
organismos do Estado, da sociedade e das comunidades no domínio do
atendimento às pessoas idosas” (GdM, 2008, p. 2);
4. O Decreto 85/2009, de 29 de Dezembro, que aprova o Regulamento do
Subsistema de Segurança Social Básica e estabelece os princípios e
normas “apropriados” desse Subsistema. Com base nesse Regulamento,
o Subsistema abrange os cidadãos nacionais incapacitados para o
trabalho, sem meios próprios para a satisfação das suas necessidades
básicas e em situação de vulnerabilidade, nomeadamente:
a) Pessoas em situação de pobreza absoluta;
b) Crianças em situação difícil;
c) Pessoas idosas em situação de pobreza absoluta;
d) Pessoas portadoras de deficiência em situação de pobreza
absoluta;
e) Pessoas com doenças crônicas e degenerativas (artigo 1) (GdM,
2009, p. 1).
Na prática os principais constrangimentos
para o desenvolvimento e
implementação de um sistema eficaz e abrangente de proteção social aos grupos
vulneráveis no país estão ligados à falta de recursos e capacidade do governo e
sociedade civil.
Na ausência de um sistema de proteção social eficaz por parte do Estado, as
famílias procuram intensificar ou desenvolver novas formas de solidariedade que
asseguram a sua reprodução.
9
Esses mecanismos incluem: a dependência em relação aos vizinhos e “amigos”representa uma das formas mais importante a qual os produtores recorrem quando têm
problemas com dinheiro (principalmente para resolver situações de emergência, como
acompanhar um familiar doente ao hospital); entre vizinhos da machamba também se
emprestam sementes (principalmente plântulas/mudas de hortaliças); o produtor que
recebe as plântulas fica com a obrigação moral de retribuir o gesto do vizinho,
emprestando também as suas quando o vizinho não as tiver.
No entanto, alguns entrevistados que não usam esta prática (em média 42% dos
entrevistados), alegaram que têm o receio de pedir ao vizinho ou amigos por causa do
custo de vida, como sugere a colocação seguinte:
“A vida está apertada [...] é difícil recorrer ao amigo ou vizinho (...) receio que pode ficar a
falar” (entrevistado 27 na Associação Samora Machel, Distrito Urbano 4).
O que o entrevistado não completou na afirmação anterior é o que o “amigo” ou
vizinho pode ficar falando: que o seu vizinho não tem vergonha de emprestar dinheiro,
sabendo que a vida está difícil para todos.
Cerca de 54% dos entrevistados disseram recorrer à família quando estão
precisando de dinheiro. É importante ressaltar que a família desempenha um papel
importante na proteção social dos mais pobres; por exemplo, não ter filho ou alguém
para cuidar foi considerado como sinônimo de pobreza.
Por outro lado, se constatou que no local as famílias utilizam o xitike como forma
de financiamento informal, baseado principalmente nas relações de familiaridade. Na
prática, o xitike consiste em combinar um certo valor em dinheiro (determinado pelas
possibilidades dos membros do grupo) e que é mensalmente passado de forma rotativa
pelos membros do grupo. Um fato importante em relação a essa prática é que não se faz
xitike com uma pessoa qualquer; é uma prática que requer confiança entre os indivíduos
que a praticam; os grupos se formam na base de familiaridade, colegas de trabalho;
geralmente as vendedeiras informais, etc. Por exemplo, as mulheres entrevistadas no
Vale do Infulene referiram que além de realizarem xitike nos grupos familiares, também
o praticam entre as colegas na machamba; no entanto, não permitiam que os homens
entrassem no grupo, provavelmente por causa da falta de confiança com esses colegas.
10
O xitike não só se reveste da angariação de dinheiro, mas também constitui uma
forma de socialização; pois no dia em que se leva dinheiro para um membro do grupo
de xitike, se usa essa oportunidade para socialização. No seio das famílias, essa
socialização é considerada importante para permitir que as crianças desenvolvam o
espírito de irmandade e entre ajuda.
De acordo com Francisco e Paulo (2006, p. 86), o crescimento do xitike na cidade
de Maputo reflete o florescimento do setor do comércio informal, onde se destacam as
mulheres como as principais participantes nesta prática.
Além da família, os vizinhos e amigos, as igrejas e as associações também
desempenham um papel importante na proteção social, como sugere a Tabela 2,
seguinte:
Tabela 2. Formas de proteção social nas Zonas Verdes
Número de pessoas que
responderam positivamente
e tipo de ajuda
Percentagem válida
Família
37
53,6
Amigo
38
55,1
Vizinho
43
62,3
Associação e ou igrejas
2
2,9
Fonte: Dados de pesquisa.
11
4. Considerações Gerais
A proteção social desempenha um papel importante na prevenção e minimização
da pobreza; na África subsaariana em particular se tem observado que quando as
estratégias de sobrevivência são permanentemente precárias, as famílias dedicam
considerável proporção de tempo e energia para manter e consolidar as redes sociais
para assegurar futuras posições em situação de crise. A criação de Ministérios no país
para tratar da proteção social é uma indicação do cometimento do governo em atacar a
pobreza através do fortalecimento dos sistemas de proteção social no país.
Por outro lado, é assinalável esforço do governo na criação de um quadro legal e
de políticas para atacar a questão da pobreza via proteção social. No entanto, os
principais constrangimentos estão ligados à falta de recursos e capacidade do governo e
sociedade civil para garantir uma proteção social eficaz aos grupos vulneráveis.
O papel do governo em relação à assistência social se torna cada vez mais
importante se se tomar em conta que exclusão social é um fenômeno que se aprofunda
no país; cada vez aumenta o número de portadores de doenças degenerativas e as
famílias têm poucos recursos para apoiar as pessoas mais necessitadas.
As diferentes formas de proteção social identificadas são importantes para o
desenvolvimento da família; no entanto, os mecanismos de redistribuição do Estado em
relação aos produtores idosos podem ser melhorados. A política do governo reconhece a
necessidade de ampliar a cobertura e melhoria da proteção social dos menos
desfavorecidos; no entanto, atualmente o Estado depende de doações da comunidade
internacional para levar a cabo os seus programas de apoio aos idosos e outros grupos
vulneráveis.
A melhoria do sistema tributário poderia ajudar o governo a encontrar recursos
não só para aplicar o sistema de proteção social, mas também para outras áreas de
desenvolvimento social. O governo pode melhorar a coleta de impostos revendo a sua
política de investimentos estrangeiros; como a revisão das isenções fiscais a
megaprojetos.
12
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14
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