GT. Nº 4 – DESENVOLVIMENTO, GÊNERO E GERAÇÃO.
RESILIÊNCIA, PROTEÇÃO SOCIAL E ESTRATÉGIAS DE FAMÍLIAS
MONOPARENTAIS FEMININAS PARA SUPERAÇÃO DAS
SITUAÇÕES DE VULNERABILIDADE SOCIAL.
CALDEIRA, Francisca Celestina 1
[email protected]
NASCIMENTO, Geusiani Pereira Silva e 2
[email protected]
RESUMO
O presente trabalho, sustentado por uma densa investigação bibliográfica, se propõe a analisar os
desafios vivenciados pelas famílias monoparentais femininas, percebendo a sua capacidade de
resiliência e as estratégias socialmente construídas para enfrentamento e superação das múltiplas
situações de vulnerabilidades. Trata-se de instituições chefiadas por mulheres ainda subjugadas pela
sociedade, sem a existência de cônjuge ou companheiro, com presença de uma ou várias criança, com
notória atenção por parte das políticas públicas e sociais vigentes. Ainda em tempo, aponta-se que esse
estudo também serve de sustentação para outras análises, feitas em 2014, sobre os modos de vida, as
vulnerabilidades socioeconômicas e as estratégias utilizadas pelas famílias monoparentais femininas
referenciadas pelo equipamento de proteção social básica no bairro Major Prates, de Montes ClarosMG.
Palavras-chave: Instituição Social. Proteção Social. Monoparentalidade. Dignidade Humana.
ABSTRACT
This work was supported by a dense bibliographic research aims to analyze the challenges experienced
by female lone parents perceived their resilience and socially constructed strategies for coping and
overcoming the multiple situations of vulnerability. These are institutions headed by women still
enslaved by society, without the existence of a spouse or partner, with the presence of one or more
children, with notable attention from existing public and social policies. Just in time, it is pointed out
that this study also serves as a support for other analyzes, made in 2014, about the ways of life,
socioeconomic vulnerabilities and the strategies used by female lone parents referenced by the basic
social protection equipment in the neighborhood Major Prates , Montes Claros-MG.
Keywords: Social Institution. Social Protection. Single parenthood. Human Dignity.
1
Acadêmica do 8º período do Curso de Serviço Social da Universidade Estadual de Montes Claros UNIMONTES.
2
Mestre em Desenvolvimento Social e professora do Curso de Serviço Social da Universidade Estadual de Montes
Claros - UNIMONTES.
1
ALGUNS APONTAMENTOS INTRODUTÓRIOS
Falar de família, na contemporaneidade, pode parecer tarefa fácil, por ser um tema
universal e vetusto. No entanto, quando se trata de uma instituição social que ao longo do tempo
vem se diversificando, ou seja, outros protótipos de família vêm surgindo, torna-se um assunto
ainda complexo. A monoparentalidade ainda é pejorativamente referenciada como um tipo de
“família desestruturada”, principalmente porque a composição do arranjo familiar não é a
mesma da convencionalmente chamada “família nuclear”, composta por pai, mãe e filhos. Não
obstante, a chefia familiar por apenas um dos cônjuges ainda indica, para alguns, uma situação
específica, “diferente”, que foge dos padrões sociais e historicamente construídos.
Este artigo analisa as particularidades da família monoparental feminina como um dos
inúmeros tipos, modelos e arranjos familiares existentes, a partir de estudos bibliográficos que
servirão como fundamentos para outras investigações realizadas em 2014, sobre as famílias
monoparentais femininas atendidas pelo Centro de Referência em Assistência Social – CRAS
do Major Prates, em Montes Claros/MG.
Entende-se que uma família monoparental feminina é aquela em que a mulher
encontra-se sem cônjuge, ou companheiro, e vive com uma ou várias crianças. Trata-se de um
modelo familial chefiado por mulher em estado de monoparentalidade, no qual esta é a
principal responsável por todas as demandas e atribuições advindas da família, como: a criação
dos filhos, os afazeres domésticos, o provento da casa, o trabalho, entre outras. Além da
precariedade que é marca da maioria, elas são estigmatizadas pelo fato de cuidarem ou
administrarem a família sem a presença masculina. Observa-se, que se trata de um arranjo
familiar subjugado pela sociedade, por ainda acreditar que a mulher seja incapaz de gerir uma
família sozinha.
A literatura existente sobre o assunto, apresentada parcialmente nesse trabalho, aponta
que este protótipo de família encontra-se em situação vulnerável quando comparada às famílias
pobres em que o homem é o chefe de família. Comumente, identifica-se que o enfrentamento
das inúmeras situações de risco e vulnerabilidades vivenciadas por esse segmento social é
marcado por um panorama de estratégias de sobrevivência, de resiliência, calcados na força de
se conseguir sobressair frente às adversidades, seja pelos mecanismos de proteção social
disponibilizados pelo Poder Público, como os programas de transferência de renda, seja pelos
mecanismos informais oriundos de laços de parentesco e solidariedade, no qual a mulher recebe
apoio de parentes e vizinhos para a superação de certas dificuldades.
2
Sabe-se que o número de famílias monoparentais chefiadas por mulheres no Brasil é
consideravalmente expressivo (VITALE, 2002), seja pela constituição originária dessas
famílias, seja pelas questões advindas das separações e dos divórcios. Desde o ano de 2007,
dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, advindos da Pesquisa Nacional
por Amostragem de Domicílios – PNAD, indicam que esse tipo de familia ocupa maior espaço
na sociedade brasileira, entre os arranjos existentes, sendo 52,9% chefiadas por mulheres e
somente 3,3% por homens. Mais recentemente, embora tenha mostrado uma ligeira redução,
tem-se o indicativo de que o número de famílias monoparentais femininas ainda ocupa maior
espaço na sociedade brasileira (IBGE, 2013). Em 2012, cerca de 88,2% das famílias foram
identificadas como monoparentais chefiadas por mulheres enquanto apenas 11,8% por homens.
Norteados por esses pressupostos, faz-se necessário analisar a situação apresentada
correlacionando-a ao processo sócio-histórico que favoreceu a existência das famílias
monoparentais femininas. Situa-se, então, a construção histórica da família monoparental
brasileira, e seus desafios, para posteriormente conhecer as redes de proteção social existentes e
as estratégias utilizadas pelos membros desse modelo familiar.
INDICATIVOS SÓCIO-HISTÓRICOS SOBRE FAMÍLIAS MONOPARENTAIS
FEMININAS
Inúmeros são os registros da existência sócio-histórica de famílias. Favoravelmente, o
homem, em suas relações mútuas, constitui laços favoráveis à solidificação de certos vínculos
sócios afetivos e/ou relações de dependência, seja ela física, financeira ou de proteção. Cada
sociedade, à sua época, sob influências culturais, políticas e socioeconômicas diversas, sinaliza
e define uma concepção peculiar para essa instituição chamada família. Assim, reafirma-se que
inúmeros foram e são os tipos de arranjos famílias construídos desde as sociedades mais
antigas.
Segundo Mioto (1997, p.217), “a família pode ser definida como um núcleo de pessoas
que convivem em determinado lugar, durante um lapso de tempo mais ou menos longo e que se
acham unidas (ou não) por laços consanguíneos”. Ressalta também que a família é uma
instituição complexa, histórica, construída no cotidiano, por meio das relações entre seus
membros, a sociedade, o trabalho, o mercado e o Estado, por isto não se pode afirmar que ela é
somente uma instituição privada porque ela também pode ser pública (MIOTO, 2010).
3
Nem sempre a família é composta por pessoas que têm vínculos de parentesco e
consanguinidade. Laços, relações de afeito e cuidado também são reconhecidos como
fundantes de um núcleo familiar com notória função social. Trata-se de uma instituição
dinâmica, já que muda sua forma de acordo com os valores, cultura e aspectos socioeconômicos
da sociedade em que está inserida. Assim sendo, torna-se pública por relacionar com as
instituições externas e por ser a primeira referência na socialização de seus membros.
Para Szymasnki (2002, p.9), a família pode ser considerada como “uma associação de
pessoas que escolhem viver por razões afetivas e assumem um compromisso mútuo”. Outros
autores como Ferrari & Kaloustian (2004) também enfatizam que a família é um espaço de
socialização, de procura por meios de sobrevivência, de desenvolvimento e de apoio aos seus
membros, independente da sua composição e/ou arranjo familiar. Nesse viés, cabe lembrar que
o termo “desestruturada”, dado às famílias que não compunham a mesma forma da família
nuclear não é mais usual, por se entender que o importante é a qualidade da convivência
familiar e não a sua organização.
Entende-se que a configuração familial é uma constituição fundamentada num acordo
onde há a presença de afeto e solidariedade entre os seus indivíduos e ainda um ambiente de
sociabilização. Trata-se de um espaço em que há a possibilidade de crescimento de seus
componentes que aprendem a viver em conjunto na busca de estratégias de sobrevivência.
No compreender de Gonçalves (2005), a família compõe a base do Estado e o núcleo da
organização social e, sem dúvida, trata-se de uma instituição essencial para o avanço da
sociedade que precisa ser protegida pelo Estado. Além disso, a família é uma instituição social
que diversifica com a história e mostrando suas finalidades e formas variadas num mesmo lugar
e época, em razão da cultura, usos, costumes e até mesmo por leis vigentes na sociedade que
pertença (PRADO, 2004)
Apesar de tais indicativos, verifica-se que não existe um único conceito pronto e
acabado sobre família, até porque é uma organização dinâmica, polissêmica, socialmente
construída, influenciada pelo contexto histórico e social que se difere em cada parte do mundo.
Hoje, entende-se como família, a constituição de um grupo de pessoas que vivem juntas,
independente dos ditos laços de consanguinidade.
É nesse contexto que se destacam estudos sobre os diferentes tipos de famílias. Atores
como Soihet (2000, p. 362), por exemplo, diz que “a organização familiar dos populares
assumia uma multiplicidade de formas, sendo inúmeras as famílias chefiadas por mulheres
sós”. Ao evidenciar a existência de diversas formas de arranjos familiares, e dentre essas as
4
famílias chefiadas por mulheres sós, tem-se o limiar de intensos processos de investigação
sobre a sua especificidade, desafios e possibilidades.
Sabe-se que a existência de famílias chefiadas por mulheres sós não é algo novo. Desde
o período colonial, concomitante à predominância da família patriarcal e burguesa reputadas na
história brasileira como sendo padrões de família, existiam outros tipos de família como a
monoparental feminina, entre outras que não eram reconhecidas oficialmente. Fonseca (2000)
mostra que era evidente a diversidade de organização familiar como também eram frequentes
as práticas de concubinagem e a união livre entre a população.
Segundo Leite 3 (2003 apud SANTOS & SANTOS, 2008, p.8), “uma família é
monoparental quando a pessoa considerada, homem ou mulher, encontra-se sem cônjuge, ou
companheiro, e vive com uma ou várias crianças”. O termo foi utilizado, pela primeira vez,
“Nadine Lefaucheur, na França, desde a metade dos anos setenta, para designar as unidades
domésticas em que as pessoas vivem sem cônjuge, com um ou vários filhos com menos de 25
anos e solteiros” (VITALE, 2002, p. 47).
À luz desses indicativos, cabe lembrar que a monoparentalidade é um estado em aberto,
ou seja, não é um modelo fixo, pois as relações se constroem e se desfazem (VITALE, 2002).
Deste arranjo familiar podem-se gerar outros laços e vínculos, o que revela certa transitoriedade
nas escolhas e nas oportunidades dos sujeitos que a compõe.
No Brasil, esse arranjo familiar é visualizado desde a época da escravidão, anterior e
durante a vigência do século XIX, onde se deram as primeiras manifestações desse protótipo
familiar. A separação intencional de famílias africanas, mediante compra e venda de seus
membros e/ou do seu deslocamento servil destes para outras localidades, provocou um maior
desrespeito aos vínculos e laços afetivos existentes. Tem-se que os obstáculos para a
permanência do matrimônio, da preservação de vínculos pessoais e sociais, e ainda a aquisição
da figura masculina para o trabalho favoreceram a inviabilidade da criação de um espaço
familiar e reprodutivo que, dentre outros fatores, contribuíram para a composição da família
monoparental feminina. Ressalta Veloso (1990, p.4-5) que, por serem precárias, “as relações
eram efêmeras, ocorrendo muitas vezes à revelia dos próprios parceiros [..]. Nesse contexto, a
mãe acaba assumindo sozinha a responsabilidade da prole”.
3
LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
5
Esse tipo de organização familiar ganhou maior destaque em 1981 com o texto Sofridas
e mal pagas de Barroso e Bruschini4, que divulga o cenário real vivido por algumas chefes de
família (VITALE, 2002, p. 47). Ainda que soubessem da quantidade expressiva que elas
representavam na sociedade, só começaram a ser percebidas verdadeiramente e a alcançar
interesse por parte das pesquisas sociológicas a partir de 1970.
Todavia, só passa a ter certificação legal na Constituição Federal em 1988, por meio do
artigo 226, parágrafo 4º que apresenta o seguinte dispositivo: “entende-se também, como
entidade familiar, a comunidade formada por qualquer um dos pais e seus descendentes”,
apesar de não existir ainda uma legislação ordinária que regulamente de fato a sua existência,
bem como os seus direitos e seus deveres. (SANTOS & SANTOS, 2008)
Desde então, são inúmeros os desafios enfrentados pela família monoparental feminina.
Além da pobreza que é marca da maioria dessas famílias, elas são historicamente
estigmatizadas pelo fato de cuidarem ou administrarem a família sem a presença masculina. A
pobreza nessa família é acentuada porque não há a figura masculina presente. A mulher sozinha
é quem administra e provém o lar e se esta for da raça negra a situação torna-se ainda mais
complexa. Explicita Vitale (2002, p.51) que “a dimensão da pobreza se aprofunda quando
vinculamos monoparentalidade, sexo e etnia”. E isso incita dizer que essas históricas
fragilidades familiares demandam ainda mais a necessidade de políticas de proteção social para
o enfrentamento das inúmeras situações de risco e vulnerabilidades vivenciadas.
ESTRATÉGIAS DE PROTEÇÃO SOCIAL E RESILIÊNCIA DAS FAMÍLIAS
MONOPARENTAIS FEMININAS
A família monoparental é reconhecida juridicamente como aquela que possui “uma
estrutura própria”, que demanda atenção e análises aprofundadas, principalmente porque possui
características e problemas singulares (SANTOS e SANTOS, 2009). Isso não quer dizer que
somente as famílias monoparentais são suscetíveis às vicissitudes da vida e à vivência de
situações de risco e vulnerabilidade social que ferem a dignidade humana e provocam sérios
prejuízos à qualidade de vida das pessoas.
Todos os indivíduos e instituições sociais congêneres estão sujeitas a tal realidade. No
entanto, quando se analisa a responsabilidade pelo provimento das condições necessárias de
sobrevivência e desenvolvimento de filhos com menos de 18 anos de idade, somada ao
4
BRUSCHINI, C.; BARROSO, C. Sofridas e mal pagas. Cad. Pesquisa, São Paulo, Fundação Carlos Chagas, n.
37, 1981.
6
recebimento de baixos rendimentos das chefes de família e do seu compromisso com jornadas
ampliadas de trabalho (dentro e fora do lar), entre outras tantas questões, é indiscutível a maior
fragilidade dessas famílias monoparentais femininas, principalmente advindas das camadas
populares. Nesse sentido é que muitos dos programas inclusos nas políticas públicas de
combate à pobreza têm como beneficiárias diretas as mulheres que tenham filhos pequenos,
dando preferência para aquelas chefes de familia (NOVELLINO, 2004).
Segundo Soares (2011), os debates que tratam da “feminização da pobreza”5 e das
políticas públicas focalizadas na mulher tem crescido nos últimos anos. As políticas atuais
enfocam seu atendimento nas mulheres em geral, por isto ampliam-se as críticas de parte do
movimento feminista que defendem uma política que seja capaz de atender alguns segmentos
de mulheres vulneráveis tais como mulheres negras, mães solteiras entre outras.
De acordo com a autora supracitada, há também pesquisadores como Lavinas (1996) e
Castro (2001) que defendem a universalização das políticas públicas, para a diminuição da
pobreza dos trabalhadores e não de grupos específicos. Além disso, ações públicas devem se
asociar “ao conjunto de programas / serviços oferecidos pela política social com vistas à
proteção social e ao desenvolvimento de condições para auto-sustentação do grupo familiar.
Enquanto meio, supõe um conjunto de ações e um processo que deve ser acompanhado e
supervisionado” (CARVALHO, 2005, p.107). Em vista das exposições de idéias,
compreende-se que o programa de transferência de renda não deve ser somente para enfrentar a
situação de pobreza, mas, além disso, superar essa situação de vulnerabilidade e fragilidade
com escopo de tornar possível a liberdade econômica, social e política do grupo familiar.
A fragilidade socioeconômica é constatada, por exemplo, quando se analisam dados
socialmente publicizados, como os da PNAD de 2006, ao sinalizar que 32,3% do total de
famílias monoparentais femininas identificadas viviam com uma renda de até ½ salário mínimo
e um total de 14,8% com até ¾ de um salário mínimo. Assim sendo, as estratégias de proteção
social são construídas,
(...) nas falhas da sociabilidade primária (...) e nas lacunas da proteção
próxima. Respondiam aos riscos existentes para um indivíduo numa
sociedade em que o desenvolvimento da industrialização e da urbanização
fragilizava as solidariedades de proximidade. Os poderes públicos recriam
proteção e vínculo, mas com um registro completamente distinto daquele do
pertencimento a comunidades concretas. Estabelecendo regulações gerais e
5
Segundo Novelino (2004), “o conceito “feminização da pobreza” surge em 1978, nos E.U.A., em um artigo de
Diane Pearce que relacionava o empobrecimento feminino ao aumento de famílias chefiadas por mulheres, assim,
este fenômeno estava intrinsecamente associado ao fato da ausência do provedor masculino na família”.
7
fundando direitos objetivos, o Estado social também aprofunda ainda a
distância em relação aos grupos de pertencimento que, em último caso, não
têm mais razão de ser para garantir proteções (CASTEL,1998, p. 508).
Dada a fragilidade das políticas de proteção social existentes, muitas famílias
monoparentais chefiadas por mulheres enfrentam inúmeras situações de precariedade social e
os dramas relacionados à esfera privada no próprio âmbito familiar. Pelos mecanismos
informais de proteção social, como redes de parentesco, buscam recursos diversos para lidar
com as questões adversas. Diante disto é que se faz necessária a implementação de políticas
sociais que garantam às chefes de família subsídios para melhor socialização e cuidados para
com o desenvolvimento das provedoras, enquanto pessoa humana e primeiras responsáveis
pelo desenvolvimento dos filos (VITALE, 2002, p.60).
Autores como Santos & Santos (2008) ressaltam que “a partir do reconhecimento
jurídico da família monoparental pela Constituição Federal, o Estado se tornou responsável
pela proteção desses núcleos e, conseqüentemente, pela busca de repostas para tais problemas”.
Ínfimas são as ações públicas para proteção social das famílias. As políticas existentes
comumente se atrelam à políticas governamentais e a Programas específicos como o Bolsa
Família, mesmo que vinculado em uma lógica mais ampla de superação da pobreza extrema.
Destarte, ainda são tímidas as iniciativas públicas para fortalecimento da capacidade de
resistência das famílias perante às situações de risco e vulnerabilidades sociais vivenciadas. Há
poucas percepções nos territórios de estratégias para melhoria da condição de vida
populacional.
Entre outros dilemas vivenciados por essas famílias lista-se o comportamento da mãe
frente à ausência do pai. Comumente, a mulher procura desempenhar as funções sociais de
“pai’ e mãe” protegendo demasiadamente os filhos (RANGEL & SANTOS 6 , 2008, apud
COLCERNIANI, 2010). No que diz respeito à socialização que numa família nuclear é feita
inicialmente pelo pai e a mãe, na família monoparental feminina “a mulher assume a
responsabilidade de determinar os valores que deverão ser apreendidos pelos filhos.”
(ALVAREZ, 2003, p.131). Nesse sentido, há quem inclusive defenda que a presença masculina
não é indispensável no grupo familiar (BRITO, 2008).
6
Rangel, P. & Santos, R. F. (2008). Mãe acautelada, filha bem guardada. RevistaPsicologia. n. 24. v. 1. Disponível
em <http://revista.newtonpaiva.br/SEER/index.ph123 /RevistaPsicologia/article/download/42/25> Acesso em 13
out. 2009.
8
Nessa perspectiva Barroso & Bruschini 7 (1981, apud CARLOTO, 2005) enfatiza a
questão da dupla jornada das mulheres chefes de família que tem que arcar com todos os papeis
na garantia do sustento, proteção e socialização. E por muitas vezes se sentem culpadas por não
serem suficientes no cuidado com os filhos e no apoio econômico. Embora essas insuficiências
aconteçam em outras famílias, na família chefiada por mulher a questão é ainda mais complexa,
pelas questões de gênero bem demarcadas socio-historicamente.
Nota-se, consoante à literatura estudada, que as mulheres chefes de família perpassam
por dificuldades singulares no processo de socialização dos filhos. Por conta disso, o sistema de
trocas e de ajuda mútua viabilizado pela criação e fortalecimento das redes de parentesco se
torna salutar. Estudos tecem considerações significativas a esse respeito, quando demarcam
que,
Há séculos as mulheres, de camadas médias e populares, em proporções
diferenciadas, criam estratégias, “tecidas por trás dos panos”, que variam de
contexto e independem do poder do Estado. Exemplo dessas estratégias são as
“redes sociais” entendidas enquanto a constituição de redes de relações
sociais, em diversos graus de conexidade, estabelecidas entre indivíduos ou
grupos situados dentro ou fora da família para apoios tanto instrumental
(ajuda financeira, divisão de responsabilidades) quanto emocional (afeição,
aprovação, simpatia e preocupação com o outro) (BOTT8, 1976; DESSEN e
BRAZ9, 2000, Apud MESQUITA, 2010, p.7).
Vitale (2002, p.52) ressalta que “tratar das famílias monoparentais é, portanto, abordar
seus vínculos, suas relações com uma rede familiar que não coincide necessariamente com as
fronteiras da casa”. Portanto, o que se verifica é que esse universo é amplo, pois ultrapassa os
limites do lar, nas suas relações interpessoais e na sua forma de viver em família, no qual a
mulher assume jornadas incessantes de trabalho intra e extra-familiar. Diante deste patamar, a
condição de pobreza marca deste arranjo familiar, contribui para uma situação de precariedade
e vulnerabilidade, resultante da falta de proteção por parte do Estado, por isto, essas famílias
tendem a se unir, buscando no outro segurança e apoio no enfrentamento das situações
adversas.
Na contemporaneidade, muitos são os desafios submetidos à família, como as crises
normais e esperadas, também as inesperadas, que são vinculados as mudanças e transformações
7
BRUSCHINI, C.; BARROSO, C. Sofridas e mal pagas. Cad. Pesquisa, São Paulo, n. 37, 1981.
8
BOTT, Elizabeht. Introdução e Capítulo VII: Resumo e discussão geral. In: Família e rede social. Rio de
Janeiro: Francisco Alves, 1976.
9
DESSEN, Maria Auxiliadora; BRAZ, Marcela Pereira. Rede social de apoio durante transições familiares
decorrentes do nascimento do filho. Revista Psicologia: Teoria e Pesquisa, vol. 16, nº 3, Brasília, 2000.
9
vertiginosas que acontecem mundialmente. O aparecimento e a aceitação de novos modelos
familiares, diferente do modelo tradicional, resultaram na abertura da possibilidade para que as
famílias possam ser consideradas possíveis recursos e fonte de resiliência para os seus
componentes. (SOUZA, 2004)
É nesse panorama marcado por desafios que essa configuração familiar busca por
estratégias para encarar as adversidades de modo que consiga desenvolver diante de situações
assinaladas por obstáculos. Nessa perspectiva, uma das maneiras de avaliar se uma família é ou
não resiliente é o fato de ela ser capaz de cumprir com sucesso suas funções, de forma que os
seus membros e outros sistemas sociais se beneficiem.
Nesse horizonte, a resiliência familiar foi definida por Flack10 (1991 apud SOUZA
2004, p. 56) como sendo:
[...] resultado do comportamento adaptativo somado à mudança e o
crescimento, isto é, a capacidade de transformação e flexibilidade da família
frente às crises. Ele caracterizou a família como sendo aquela que manifesta
flexibilidade, permitindo a independência e a identidade própria de seus
membros. Essas famílias possuem um certo grau de equilíbrio para suportar as
tensões da vida cotidiana, o que faz com que seus membros lidem com
estresse diário com coesão e solidariedade.
Compreende-se, a partir dessa descrição que a família resiliente é aquela que sabe lidar
com os momentos difíceis, ou seja, consegue se adaptar a situação e principalmente que saia
fortalecida desses momentos, quer dizer transformada o que leva a autonomia de cada um do
grupo familiar, num processo de cooperação mútua. Tem a ver com a capacidade que essa
instituição social tem de superar e de sobressair-se frente às crises e intemperes vivenciadas.
Certamente, essa capacidade de resistência pode e deve ser fortalecida mediante a
implementação de políticas de proteção social efetivas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A família é um espaço de proteção social, mas também é o lugar de vivências de
situações adversas que ferem a dignidade da pessoal humana e que violam direitos humanos.
10
FLACK, F. Resiliência: a arte de ser flexível. São Paulo: Saraiva, 1991.
10
Trata-se de uma instituição primária secular, com função social salutar, responsável pelos
primeiros cuidados e socialização de seus membros, independente da sua composição.
Historicamente, as famílias ditas nucleares, compostas pelas figuras do pai, mãe e filhos
foi perdendo espaço para a emergência e predominância de novos arranjos não menos
importantes, como as monoparentais femininas. No entanto, se tratando de famílias mais
pobres, estas são identificadas como expostas às inúmeras situações de risco e vulnerabilidade
social. Estrategicamente, ações coletivas são construídas para enfrentamento dessas situações
adversas, mas pouco ainda se tem feito para ampliar as possibilidades de fortalecimento e
promoção de maior efetividade das políticas de proteção social para as famílias.
A resiliência aqui tratada é reconhecida como oportuna para o empoderamento familiar,
mas tem-se o entendimento de que nenhuma família chefiada por mulheres, ou por outro
segmento, irá perdurar e/ou superar sozinha todos os dilemas outrora apontados, visto que não
depende apenas da vontade dos indivíduos.
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11
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