GT. Nº 4 – DESENVOLVIMENTO, GÊNERO E GERAÇÃO. RESILIÊNCIA, PROTEÇÃO SOCIAL E ESTRATÉGIAS DE FAMÍLIAS MONOPARENTAIS FEMININAS PARA SUPERAÇÃO DAS SITUAÇÕES DE VULNERABILIDADE SOCIAL. CALDEIRA, Francisca Celestina 1 [email protected] NASCIMENTO, Geusiani Pereira Silva e 2 [email protected] RESUMO O presente trabalho, sustentado por uma densa investigação bibliográfica, se propõe a analisar os desafios vivenciados pelas famílias monoparentais femininas, percebendo a sua capacidade de resiliência e as estratégias socialmente construídas para enfrentamento e superação das múltiplas situações de vulnerabilidades. Trata-se de instituições chefiadas por mulheres ainda subjugadas pela sociedade, sem a existência de cônjuge ou companheiro, com presença de uma ou várias criança, com notória atenção por parte das políticas públicas e sociais vigentes. Ainda em tempo, aponta-se que esse estudo também serve de sustentação para outras análises, feitas em 2014, sobre os modos de vida, as vulnerabilidades socioeconômicas e as estratégias utilizadas pelas famílias monoparentais femininas referenciadas pelo equipamento de proteção social básica no bairro Major Prates, de Montes ClarosMG. Palavras-chave: Instituição Social. Proteção Social. Monoparentalidade. Dignidade Humana. ABSTRACT This work was supported by a dense bibliographic research aims to analyze the challenges experienced by female lone parents perceived their resilience and socially constructed strategies for coping and overcoming the multiple situations of vulnerability. These are institutions headed by women still enslaved by society, without the existence of a spouse or partner, with the presence of one or more children, with notable attention from existing public and social policies. Just in time, it is pointed out that this study also serves as a support for other analyzes, made in 2014, about the ways of life, socioeconomic vulnerabilities and the strategies used by female lone parents referenced by the basic social protection equipment in the neighborhood Major Prates , Montes Claros-MG. Keywords: Social Institution. Social Protection. Single parenthood. Human Dignity. 1 Acadêmica do 8º período do Curso de Serviço Social da Universidade Estadual de Montes Claros UNIMONTES. 2 Mestre em Desenvolvimento Social e professora do Curso de Serviço Social da Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES. 1 ALGUNS APONTAMENTOS INTRODUTÓRIOS Falar de família, na contemporaneidade, pode parecer tarefa fácil, por ser um tema universal e vetusto. No entanto, quando se trata de uma instituição social que ao longo do tempo vem se diversificando, ou seja, outros protótipos de família vêm surgindo, torna-se um assunto ainda complexo. A monoparentalidade ainda é pejorativamente referenciada como um tipo de “família desestruturada”, principalmente porque a composição do arranjo familiar não é a mesma da convencionalmente chamada “família nuclear”, composta por pai, mãe e filhos. Não obstante, a chefia familiar por apenas um dos cônjuges ainda indica, para alguns, uma situação específica, “diferente”, que foge dos padrões sociais e historicamente construídos. Este artigo analisa as particularidades da família monoparental feminina como um dos inúmeros tipos, modelos e arranjos familiares existentes, a partir de estudos bibliográficos que servirão como fundamentos para outras investigações realizadas em 2014, sobre as famílias monoparentais femininas atendidas pelo Centro de Referência em Assistência Social – CRAS do Major Prates, em Montes Claros/MG. Entende-se que uma família monoparental feminina é aquela em que a mulher encontra-se sem cônjuge, ou companheiro, e vive com uma ou várias crianças. Trata-se de um modelo familial chefiado por mulher em estado de monoparentalidade, no qual esta é a principal responsável por todas as demandas e atribuições advindas da família, como: a criação dos filhos, os afazeres domésticos, o provento da casa, o trabalho, entre outras. Além da precariedade que é marca da maioria, elas são estigmatizadas pelo fato de cuidarem ou administrarem a família sem a presença masculina. Observa-se, que se trata de um arranjo familiar subjugado pela sociedade, por ainda acreditar que a mulher seja incapaz de gerir uma família sozinha. A literatura existente sobre o assunto, apresentada parcialmente nesse trabalho, aponta que este protótipo de família encontra-se em situação vulnerável quando comparada às famílias pobres em que o homem é o chefe de família. Comumente, identifica-se que o enfrentamento das inúmeras situações de risco e vulnerabilidades vivenciadas por esse segmento social é marcado por um panorama de estratégias de sobrevivência, de resiliência, calcados na força de se conseguir sobressair frente às adversidades, seja pelos mecanismos de proteção social disponibilizados pelo Poder Público, como os programas de transferência de renda, seja pelos mecanismos informais oriundos de laços de parentesco e solidariedade, no qual a mulher recebe apoio de parentes e vizinhos para a superação de certas dificuldades. 2 Sabe-se que o número de famílias monoparentais chefiadas por mulheres no Brasil é consideravalmente expressivo (VITALE, 2002), seja pela constituição originária dessas famílias, seja pelas questões advindas das separações e dos divórcios. Desde o ano de 2007, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, advindos da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios – PNAD, indicam que esse tipo de familia ocupa maior espaço na sociedade brasileira, entre os arranjos existentes, sendo 52,9% chefiadas por mulheres e somente 3,3% por homens. Mais recentemente, embora tenha mostrado uma ligeira redução, tem-se o indicativo de que o número de famílias monoparentais femininas ainda ocupa maior espaço na sociedade brasileira (IBGE, 2013). Em 2012, cerca de 88,2% das famílias foram identificadas como monoparentais chefiadas por mulheres enquanto apenas 11,8% por homens. Norteados por esses pressupostos, faz-se necessário analisar a situação apresentada correlacionando-a ao processo sócio-histórico que favoreceu a existência das famílias monoparentais femininas. Situa-se, então, a construção histórica da família monoparental brasileira, e seus desafios, para posteriormente conhecer as redes de proteção social existentes e as estratégias utilizadas pelos membros desse modelo familiar. INDICATIVOS SÓCIO-HISTÓRICOS SOBRE FAMÍLIAS MONOPARENTAIS FEMININAS Inúmeros são os registros da existência sócio-histórica de famílias. Favoravelmente, o homem, em suas relações mútuas, constitui laços favoráveis à solidificação de certos vínculos sócios afetivos e/ou relações de dependência, seja ela física, financeira ou de proteção. Cada sociedade, à sua época, sob influências culturais, políticas e socioeconômicas diversas, sinaliza e define uma concepção peculiar para essa instituição chamada família. Assim, reafirma-se que inúmeros foram e são os tipos de arranjos famílias construídos desde as sociedades mais antigas. Segundo Mioto (1997, p.217), “a família pode ser definida como um núcleo de pessoas que convivem em determinado lugar, durante um lapso de tempo mais ou menos longo e que se acham unidas (ou não) por laços consanguíneos”. Ressalta também que a família é uma instituição complexa, histórica, construída no cotidiano, por meio das relações entre seus membros, a sociedade, o trabalho, o mercado e o Estado, por isto não se pode afirmar que ela é somente uma instituição privada porque ela também pode ser pública (MIOTO, 2010). 3 Nem sempre a família é composta por pessoas que têm vínculos de parentesco e consanguinidade. Laços, relações de afeito e cuidado também são reconhecidos como fundantes de um núcleo familiar com notória função social. Trata-se de uma instituição dinâmica, já que muda sua forma de acordo com os valores, cultura e aspectos socioeconômicos da sociedade em que está inserida. Assim sendo, torna-se pública por relacionar com as instituições externas e por ser a primeira referência na socialização de seus membros. Para Szymasnki (2002, p.9), a família pode ser considerada como “uma associação de pessoas que escolhem viver por razões afetivas e assumem um compromisso mútuo”. Outros autores como Ferrari & Kaloustian (2004) também enfatizam que a família é um espaço de socialização, de procura por meios de sobrevivência, de desenvolvimento e de apoio aos seus membros, independente da sua composição e/ou arranjo familiar. Nesse viés, cabe lembrar que o termo “desestruturada”, dado às famílias que não compunham a mesma forma da família nuclear não é mais usual, por se entender que o importante é a qualidade da convivência familiar e não a sua organização. Entende-se que a configuração familial é uma constituição fundamentada num acordo onde há a presença de afeto e solidariedade entre os seus indivíduos e ainda um ambiente de sociabilização. Trata-se de um espaço em que há a possibilidade de crescimento de seus componentes que aprendem a viver em conjunto na busca de estratégias de sobrevivência. No compreender de Gonçalves (2005), a família compõe a base do Estado e o núcleo da organização social e, sem dúvida, trata-se de uma instituição essencial para o avanço da sociedade que precisa ser protegida pelo Estado. Além disso, a família é uma instituição social que diversifica com a história e mostrando suas finalidades e formas variadas num mesmo lugar e época, em razão da cultura, usos, costumes e até mesmo por leis vigentes na sociedade que pertença (PRADO, 2004) Apesar de tais indicativos, verifica-se que não existe um único conceito pronto e acabado sobre família, até porque é uma organização dinâmica, polissêmica, socialmente construída, influenciada pelo contexto histórico e social que se difere em cada parte do mundo. Hoje, entende-se como família, a constituição de um grupo de pessoas que vivem juntas, independente dos ditos laços de consanguinidade. É nesse contexto que se destacam estudos sobre os diferentes tipos de famílias. Atores como Soihet (2000, p. 362), por exemplo, diz que “a organização familiar dos populares assumia uma multiplicidade de formas, sendo inúmeras as famílias chefiadas por mulheres sós”. Ao evidenciar a existência de diversas formas de arranjos familiares, e dentre essas as 4 famílias chefiadas por mulheres sós, tem-se o limiar de intensos processos de investigação sobre a sua especificidade, desafios e possibilidades. Sabe-se que a existência de famílias chefiadas por mulheres sós não é algo novo. Desde o período colonial, concomitante à predominância da família patriarcal e burguesa reputadas na história brasileira como sendo padrões de família, existiam outros tipos de família como a monoparental feminina, entre outras que não eram reconhecidas oficialmente. Fonseca (2000) mostra que era evidente a diversidade de organização familiar como também eram frequentes as práticas de concubinagem e a união livre entre a população. Segundo Leite 3 (2003 apud SANTOS & SANTOS, 2008, p.8), “uma família é monoparental quando a pessoa considerada, homem ou mulher, encontra-se sem cônjuge, ou companheiro, e vive com uma ou várias crianças”. O termo foi utilizado, pela primeira vez, “Nadine Lefaucheur, na França, desde a metade dos anos setenta, para designar as unidades domésticas em que as pessoas vivem sem cônjuge, com um ou vários filhos com menos de 25 anos e solteiros” (VITALE, 2002, p. 47). À luz desses indicativos, cabe lembrar que a monoparentalidade é um estado em aberto, ou seja, não é um modelo fixo, pois as relações se constroem e se desfazem (VITALE, 2002). Deste arranjo familiar podem-se gerar outros laços e vínculos, o que revela certa transitoriedade nas escolhas e nas oportunidades dos sujeitos que a compõe. No Brasil, esse arranjo familiar é visualizado desde a época da escravidão, anterior e durante a vigência do século XIX, onde se deram as primeiras manifestações desse protótipo familiar. A separação intencional de famílias africanas, mediante compra e venda de seus membros e/ou do seu deslocamento servil destes para outras localidades, provocou um maior desrespeito aos vínculos e laços afetivos existentes. Tem-se que os obstáculos para a permanência do matrimônio, da preservação de vínculos pessoais e sociais, e ainda a aquisição da figura masculina para o trabalho favoreceram a inviabilidade da criação de um espaço familiar e reprodutivo que, dentre outros fatores, contribuíram para a composição da família monoparental feminina. Ressalta Veloso (1990, p.4-5) que, por serem precárias, “as relações eram efêmeras, ocorrendo muitas vezes à revelia dos próprios parceiros [..]. Nesse contexto, a mãe acaba assumindo sozinha a responsabilidade da prole”. 3 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. 5 Esse tipo de organização familiar ganhou maior destaque em 1981 com o texto Sofridas e mal pagas de Barroso e Bruschini4, que divulga o cenário real vivido por algumas chefes de família (VITALE, 2002, p. 47). Ainda que soubessem da quantidade expressiva que elas representavam na sociedade, só começaram a ser percebidas verdadeiramente e a alcançar interesse por parte das pesquisas sociológicas a partir de 1970. Todavia, só passa a ter certificação legal na Constituição Federal em 1988, por meio do artigo 226, parágrafo 4º que apresenta o seguinte dispositivo: “entende-se também, como entidade familiar, a comunidade formada por qualquer um dos pais e seus descendentes”, apesar de não existir ainda uma legislação ordinária que regulamente de fato a sua existência, bem como os seus direitos e seus deveres. (SANTOS & SANTOS, 2008) Desde então, são inúmeros os desafios enfrentados pela família monoparental feminina. Além da pobreza que é marca da maioria dessas famílias, elas são historicamente estigmatizadas pelo fato de cuidarem ou administrarem a família sem a presença masculina. A pobreza nessa família é acentuada porque não há a figura masculina presente. A mulher sozinha é quem administra e provém o lar e se esta for da raça negra a situação torna-se ainda mais complexa. Explicita Vitale (2002, p.51) que “a dimensão da pobreza se aprofunda quando vinculamos monoparentalidade, sexo e etnia”. E isso incita dizer que essas históricas fragilidades familiares demandam ainda mais a necessidade de políticas de proteção social para o enfrentamento das inúmeras situações de risco e vulnerabilidades vivenciadas. ESTRATÉGIAS DE PROTEÇÃO SOCIAL E RESILIÊNCIA DAS FAMÍLIAS MONOPARENTAIS FEMININAS A família monoparental é reconhecida juridicamente como aquela que possui “uma estrutura própria”, que demanda atenção e análises aprofundadas, principalmente porque possui características e problemas singulares (SANTOS e SANTOS, 2009). Isso não quer dizer que somente as famílias monoparentais são suscetíveis às vicissitudes da vida e à vivência de situações de risco e vulnerabilidade social que ferem a dignidade humana e provocam sérios prejuízos à qualidade de vida das pessoas. Todos os indivíduos e instituições sociais congêneres estão sujeitas a tal realidade. No entanto, quando se analisa a responsabilidade pelo provimento das condições necessárias de sobrevivência e desenvolvimento de filhos com menos de 18 anos de idade, somada ao 4 BRUSCHINI, C.; BARROSO, C. Sofridas e mal pagas. Cad. Pesquisa, São Paulo, Fundação Carlos Chagas, n. 37, 1981. 6 recebimento de baixos rendimentos das chefes de família e do seu compromisso com jornadas ampliadas de trabalho (dentro e fora do lar), entre outras tantas questões, é indiscutível a maior fragilidade dessas famílias monoparentais femininas, principalmente advindas das camadas populares. Nesse sentido é que muitos dos programas inclusos nas políticas públicas de combate à pobreza têm como beneficiárias diretas as mulheres que tenham filhos pequenos, dando preferência para aquelas chefes de familia (NOVELLINO, 2004). Segundo Soares (2011), os debates que tratam da “feminização da pobreza”5 e das políticas públicas focalizadas na mulher tem crescido nos últimos anos. As políticas atuais enfocam seu atendimento nas mulheres em geral, por isto ampliam-se as críticas de parte do movimento feminista que defendem uma política que seja capaz de atender alguns segmentos de mulheres vulneráveis tais como mulheres negras, mães solteiras entre outras. De acordo com a autora supracitada, há também pesquisadores como Lavinas (1996) e Castro (2001) que defendem a universalização das políticas públicas, para a diminuição da pobreza dos trabalhadores e não de grupos específicos. Além disso, ações públicas devem se asociar “ao conjunto de programas / serviços oferecidos pela política social com vistas à proteção social e ao desenvolvimento de condições para auto-sustentação do grupo familiar. Enquanto meio, supõe um conjunto de ações e um processo que deve ser acompanhado e supervisionado” (CARVALHO, 2005, p.107). Em vista das exposições de idéias, compreende-se que o programa de transferência de renda não deve ser somente para enfrentar a situação de pobreza, mas, além disso, superar essa situação de vulnerabilidade e fragilidade com escopo de tornar possível a liberdade econômica, social e política do grupo familiar. A fragilidade socioeconômica é constatada, por exemplo, quando se analisam dados socialmente publicizados, como os da PNAD de 2006, ao sinalizar que 32,3% do total de famílias monoparentais femininas identificadas viviam com uma renda de até ½ salário mínimo e um total de 14,8% com até ¾ de um salário mínimo. Assim sendo, as estratégias de proteção social são construídas, (...) nas falhas da sociabilidade primária (...) e nas lacunas da proteção próxima. Respondiam aos riscos existentes para um indivíduo numa sociedade em que o desenvolvimento da industrialização e da urbanização fragilizava as solidariedades de proximidade. Os poderes públicos recriam proteção e vínculo, mas com um registro completamente distinto daquele do pertencimento a comunidades concretas. Estabelecendo regulações gerais e 5 Segundo Novelino (2004), “o conceito “feminização da pobreza” surge em 1978, nos E.U.A., em um artigo de Diane Pearce que relacionava o empobrecimento feminino ao aumento de famílias chefiadas por mulheres, assim, este fenômeno estava intrinsecamente associado ao fato da ausência do provedor masculino na família”. 7 fundando direitos objetivos, o Estado social também aprofunda ainda a distância em relação aos grupos de pertencimento que, em último caso, não têm mais razão de ser para garantir proteções (CASTEL,1998, p. 508). Dada a fragilidade das políticas de proteção social existentes, muitas famílias monoparentais chefiadas por mulheres enfrentam inúmeras situações de precariedade social e os dramas relacionados à esfera privada no próprio âmbito familiar. Pelos mecanismos informais de proteção social, como redes de parentesco, buscam recursos diversos para lidar com as questões adversas. Diante disto é que se faz necessária a implementação de políticas sociais que garantam às chefes de família subsídios para melhor socialização e cuidados para com o desenvolvimento das provedoras, enquanto pessoa humana e primeiras responsáveis pelo desenvolvimento dos filos (VITALE, 2002, p.60). Autores como Santos & Santos (2008) ressaltam que “a partir do reconhecimento jurídico da família monoparental pela Constituição Federal, o Estado se tornou responsável pela proteção desses núcleos e, conseqüentemente, pela busca de repostas para tais problemas”. Ínfimas são as ações públicas para proteção social das famílias. As políticas existentes comumente se atrelam à políticas governamentais e a Programas específicos como o Bolsa Família, mesmo que vinculado em uma lógica mais ampla de superação da pobreza extrema. Destarte, ainda são tímidas as iniciativas públicas para fortalecimento da capacidade de resistência das famílias perante às situações de risco e vulnerabilidades sociais vivenciadas. Há poucas percepções nos territórios de estratégias para melhoria da condição de vida populacional. Entre outros dilemas vivenciados por essas famílias lista-se o comportamento da mãe frente à ausência do pai. Comumente, a mulher procura desempenhar as funções sociais de “pai’ e mãe” protegendo demasiadamente os filhos (RANGEL & SANTOS 6 , 2008, apud COLCERNIANI, 2010). No que diz respeito à socialização que numa família nuclear é feita inicialmente pelo pai e a mãe, na família monoparental feminina “a mulher assume a responsabilidade de determinar os valores que deverão ser apreendidos pelos filhos.” (ALVAREZ, 2003, p.131). Nesse sentido, há quem inclusive defenda que a presença masculina não é indispensável no grupo familiar (BRITO, 2008). 6 Rangel, P. & Santos, R. F. (2008). Mãe acautelada, filha bem guardada. RevistaPsicologia. n. 24. v. 1. Disponível em <http://revista.newtonpaiva.br/SEER/index.ph123 /RevistaPsicologia/article/download/42/25> Acesso em 13 out. 2009. 8 Nessa perspectiva Barroso & Bruschini 7 (1981, apud CARLOTO, 2005) enfatiza a questão da dupla jornada das mulheres chefes de família que tem que arcar com todos os papeis na garantia do sustento, proteção e socialização. E por muitas vezes se sentem culpadas por não serem suficientes no cuidado com os filhos e no apoio econômico. Embora essas insuficiências aconteçam em outras famílias, na família chefiada por mulher a questão é ainda mais complexa, pelas questões de gênero bem demarcadas socio-historicamente. Nota-se, consoante à literatura estudada, que as mulheres chefes de família perpassam por dificuldades singulares no processo de socialização dos filhos. Por conta disso, o sistema de trocas e de ajuda mútua viabilizado pela criação e fortalecimento das redes de parentesco se torna salutar. Estudos tecem considerações significativas a esse respeito, quando demarcam que, Há séculos as mulheres, de camadas médias e populares, em proporções diferenciadas, criam estratégias, “tecidas por trás dos panos”, que variam de contexto e independem do poder do Estado. Exemplo dessas estratégias são as “redes sociais” entendidas enquanto a constituição de redes de relações sociais, em diversos graus de conexidade, estabelecidas entre indivíduos ou grupos situados dentro ou fora da família para apoios tanto instrumental (ajuda financeira, divisão de responsabilidades) quanto emocional (afeição, aprovação, simpatia e preocupação com o outro) (BOTT8, 1976; DESSEN e BRAZ9, 2000, Apud MESQUITA, 2010, p.7). Vitale (2002, p.52) ressalta que “tratar das famílias monoparentais é, portanto, abordar seus vínculos, suas relações com uma rede familiar que não coincide necessariamente com as fronteiras da casa”. Portanto, o que se verifica é que esse universo é amplo, pois ultrapassa os limites do lar, nas suas relações interpessoais e na sua forma de viver em família, no qual a mulher assume jornadas incessantes de trabalho intra e extra-familiar. Diante deste patamar, a condição de pobreza marca deste arranjo familiar, contribui para uma situação de precariedade e vulnerabilidade, resultante da falta de proteção por parte do Estado, por isto, essas famílias tendem a se unir, buscando no outro segurança e apoio no enfrentamento das situações adversas. Na contemporaneidade, muitos são os desafios submetidos à família, como as crises normais e esperadas, também as inesperadas, que são vinculados as mudanças e transformações 7 BRUSCHINI, C.; BARROSO, C. Sofridas e mal pagas. Cad. Pesquisa, São Paulo, n. 37, 1981. 8 BOTT, Elizabeht. Introdução e Capítulo VII: Resumo e discussão geral. In: Família e rede social. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976. 9 DESSEN, Maria Auxiliadora; BRAZ, Marcela Pereira. Rede social de apoio durante transições familiares decorrentes do nascimento do filho. Revista Psicologia: Teoria e Pesquisa, vol. 16, nº 3, Brasília, 2000. 9 vertiginosas que acontecem mundialmente. O aparecimento e a aceitação de novos modelos familiares, diferente do modelo tradicional, resultaram na abertura da possibilidade para que as famílias possam ser consideradas possíveis recursos e fonte de resiliência para os seus componentes. (SOUZA, 2004) É nesse panorama marcado por desafios que essa configuração familiar busca por estratégias para encarar as adversidades de modo que consiga desenvolver diante de situações assinaladas por obstáculos. Nessa perspectiva, uma das maneiras de avaliar se uma família é ou não resiliente é o fato de ela ser capaz de cumprir com sucesso suas funções, de forma que os seus membros e outros sistemas sociais se beneficiem. Nesse horizonte, a resiliência familiar foi definida por Flack10 (1991 apud SOUZA 2004, p. 56) como sendo: [...] resultado do comportamento adaptativo somado à mudança e o crescimento, isto é, a capacidade de transformação e flexibilidade da família frente às crises. Ele caracterizou a família como sendo aquela que manifesta flexibilidade, permitindo a independência e a identidade própria de seus membros. Essas famílias possuem um certo grau de equilíbrio para suportar as tensões da vida cotidiana, o que faz com que seus membros lidem com estresse diário com coesão e solidariedade. Compreende-se, a partir dessa descrição que a família resiliente é aquela que sabe lidar com os momentos difíceis, ou seja, consegue se adaptar a situação e principalmente que saia fortalecida desses momentos, quer dizer transformada o que leva a autonomia de cada um do grupo familiar, num processo de cooperação mútua. Tem a ver com a capacidade que essa instituição social tem de superar e de sobressair-se frente às crises e intemperes vivenciadas. Certamente, essa capacidade de resistência pode e deve ser fortalecida mediante a implementação de políticas de proteção social efetivas. CONSIDERAÇÕES FINAIS A família é um espaço de proteção social, mas também é o lugar de vivências de situações adversas que ferem a dignidade da pessoal humana e que violam direitos humanos. 10 FLACK, F. Resiliência: a arte de ser flexível. São Paulo: Saraiva, 1991. 10 Trata-se de uma instituição primária secular, com função social salutar, responsável pelos primeiros cuidados e socialização de seus membros, independente da sua composição. Historicamente, as famílias ditas nucleares, compostas pelas figuras do pai, mãe e filhos foi perdendo espaço para a emergência e predominância de novos arranjos não menos importantes, como as monoparentais femininas. No entanto, se tratando de famílias mais pobres, estas são identificadas como expostas às inúmeras situações de risco e vulnerabilidade social. Estrategicamente, ações coletivas são construídas para enfrentamento dessas situações adversas, mas pouco ainda se tem feito para ampliar as possibilidades de fortalecimento e promoção de maior efetividade das políticas de proteção social para as famílias. A resiliência aqui tratada é reconhecida como oportuna para o empoderamento familiar, mas tem-se o entendimento de que nenhuma família chefiada por mulheres, ou por outro segmento, irá perdurar e/ou superar sozinha todos os dilemas outrora apontados, visto que não depende apenas da vontade dos indivíduos. REFERÊNCIAS ACOSTA, A. R.; VITALE, M. A. F. (Org.). Família: redes, laços e políticas públicas, 2 ed. São Paulo: Cortez, 2005. ÁLVARES, L. de C. Famílias monoparentais femininas: um olhar sobre este arranjo familiar na cidade de Uberaba – MG. 2003. 152 f. Dissertação (Mestrado em serviço Social) Universidade Estadual Paulista-UNESP, Franca, 2003. Disponível em:<http://www.athena.biblioteca.unesp.br/exlibris/bd/bfr/33004072067P2/2003/alvares_lc_ me_fran.pdf>. Acesso em: 08 mar. 2012. p. 1-152 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Brasília: Senado Federal. BRITO, F. dos B. Mulher chefe de família: um estudo de gênero sobre a família monoparental feminina. Revista Urutágua, Paraná, n. 15, abr./jul. 2008. Disponível em: <http://www.urutagua.uem.br/015/15brito.pdf>. Acesso em: 22 nov. 2013. p. 42-52 CARVALHO, M, B. A priorização da família na agenda da política social. In: KALOUSTIAN, S. M. (Org.). Família brasileira, a base de tudo. São Paulo, Cortez; Brasília, DF: UNICEF, 2005. P. 93-108 CARLOTO, Cássia Maria. A chefia familiar feminina nas famílias monoparentais em situação de extrema pobreza. Revista Virtual Textos & Contextos, nº 4, dez. 2005. p. 1-17 Acesso em outubro de 2013. Disponível em: <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fass/article /viewFile/994/774>. 11 CASTEL, Robert. Capítulo I: A Proteção Próxima. In: As Metamorfoses da Questão Social (Tradução de Iraci D. Peleti). Petrópolis, RJ: Vozes, 1998. p.41-93. COLCERNIANI, Cláudia Borges. Família monoparental feminina e guarda de filhos: o que pensam os juízes de direito das varas de família? 2010. 130 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações)-Universidade de Brasília, Brasília, 2010. Disponívelem:<http://bdtd.bce.unb.br/tedesimplificado/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=6 635> Acesso em: 26 mai. 2012. p. 1-19 DRAIBE, Sônia Miriam. Por um esforço da proteção à família: contribuição a reforma dos programas de assistência social no Brasil. In: KALOUSTIAN, S. M. (Org.). Família brasileira, a base de tudo. 7. ed. São Paulo, DF: UNICEF, 2005. p. 109-130 FONSECA, C. Ser mulher, mãe e pobre. In: História das Mulheres no Brasil. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2000. IBGE (2007). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - Síntese de Indicadores. Disponível em <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimendimen to/pnad2007/default.shtm> Acesso em: 26 mai. 2012. IBGE (2008). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - Síntese de Indicadores. Disponível em < http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pna d2008/default.shtm > Acesso em: 26 mai. 2012. IBGE (2013). Uma analise das condições de vida da população brasileira 2013 - Síntese de Indicadores sociais. Disponível em: ftp://ftp.ibge.gov.br/Indicadores_Sociais/Sintese_de_Indi cadores_Sociais_2013/SIS_2013.pdf Acesso em: 26 nov. 2013. MESQUITA, Adriana de Andrade. Proteção social na alta vulnerabilidade: o caso das famílias monoparentais femininas em análise. In.: Anais do I Simpósio sobre Estudos de Gênero e Políticas Públicas. Universidade Estadual de Londrina, 24 e 25 de junho de 2010. NOVELLINO, M. S. F. Os estudos sobre feminização da pobreza e políticas públicas para as mulheres. In: Encontro Nacional de Estudos Populacionais, 14., 2004, Caxambu. Disponível em: <http://www.abep.nepo.unicamp.br/site_eventos_abep/PDF/ABEP2004_51.pdf> Acesso em: 20 jun. 2012. p. 1-12 SANTOS, Jonabio Barbosa dos; SANTOS, Morgana Sales da Costa. Família monoparental brasileira. Rev. Jur., Brasília, v. 10, n. 92, p.01-30, out./2008 a jan./2009. Disponível em: www.presidencia.gov.br/revistajuridica SCOTT, R. Parry. O Homem na Matrifocalidade: Gênero, Percepções e Experiências do Domínio Doméstico. Atas da Reunião Intermediária "A Família nos Anos 80: dimensões sociais do novo regime demográfico". GTs "Família e Sociedade"e "População e Sociedade". Campinas: ANPOCS, 1988. SOIHET, R. Mulheres pobres e violência no Brasil urbano. In: PRIORE, M. D. (Org.). História das Mulheres no Brasil. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2000. p. 12 SOUZA, Marilza T. Soares de. Família e resiliência. In: CERVENY, C. M.O. (Orgs). Família e...... São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004. p. 53-84 SOARES, Suamy Rafaely. A feminização da pobreza e as políticas sociais focalizadas nas mulheres: um debate a ser repensado?. In: Jornada Internacional de Políticas Públicas, 5., 2011, Maranhão. Disponível em: http://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinpp2011/CdVjornad a/JORNADA_EIXO_2011/QUESTOES_DE_GENERO_ETNIA_E_GERACAO/A_FEMINI ZACAO_DA_POBREZA_E_AS_POLITICAS_SOCIAIS.pdf. Acesso em: 20 jun. 2012. p.1-9 VELLOSO, M.P. As tias baianas tomam conta do pedaço: espaço e identidade cultural no Rio de Janeiro. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 3, n. 6, 1990.p. 207-228 VITALE, M. A. F. Famílias monoparentais: indagações. Revista Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n.71, setembro/novembro. 2002.p. 45-79 13