O ESTATUTO DO IDOSO NO SISTEMA DE PROTEÇÃO
SOCIAL
Eliane Romeiro Costa 1
O Estatuto do Idoso , Lei 10.741/03 , reforça os direitos do
seguro velhice iniciados com a proteção social bismarkiana ( 1883) .
Descrevendo os direitos fundamentais dos idosos mencionados na
Constituição Federal , com a defesa do conjunto dos aspectos da vida
que incidem no processo de envelhecimento , intenta articular um
conceito de bem-estar na velhice enfocando um certo espírito da
seguridade . Sua inovação consiste em provocar , possibilitar políticas
contínuas de atendimento relacionados aos distintos
processos de
envelhecimento evitando a “insegurança social programada2”.
Vários aspectos
podem ser articulados em conjunto ou
unitariamente no Estatuto do Idoso . O envelhecimento encontra-se
incluído nos debates contemporâneos . É no cenário nacional e global
que podemos reunir elementos suficientes para compreender o
fenômeno do processo de envelhecimento em sociedades que estão
atingindo níveis suficientes de qualidade de vida .
1
Doutora em Direito das Relações Sociais – PUC-SP , professora e pesquisadora em Seguridade Social no
Dep. de Ciências Jurídicas da Universidade Católica de Goiás .Tema apresentado no 17º Congresso Brasileiro
de Previdência Social da Ltr- São Paulo , em 23.06.04 .
Publicado na Revista de Previdência Social da LTR –São Paulo – n.284 - julho –2004
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Referência ao texto sobre o Sistema de Saúde na França intituladado “Insécurité sociale programmée ”
1
O Estatuto do Idoso é um documento social que possibilita a
conscientização , a reflexão sobre o processo biológico do
envelhecimento e seus reflexos no sistema econômico , na cadeia
produtiva .
A Lei 10.741/03 , ampara-se no art. 230 da Carta Suprema que
atribui à família, à sociedade e ao Estado o dever de amparar as
pessoas idosas defendendo sua dignidade e bem-estar . Fundamenta-se
na Lei n. 8.842/94 ( Política Nacional do Idoso ) que assegura que “o
processo de envelhecimento diz respeito à sociedade em geral ” ( art.
3º,II).
A Lei dos Idosos tem como essência o disposto no título II , Dos
Direitos Fundamentais , Capítulo I , Do Direito à Vida ,
art.8º,sintetizando a vontade do legislador ao revelar um direito básico
do cidadão : “O envelhecimento é um direito personalíssimo e a sua
proteção um direito social ” . Direito ao processo de envelhecimento
diz respeito ao direito de todos ao privilégio de atingir a velhice . A
velhice é risco biológico , mas é social , pois é onerosa para o indivíduo
e para a sociedade. O envelhecimento como processo pode se
caracterizar como debilidade física e também privação dos meios de
subsistência . No conceito de velhice deparamos
com a idade
cronológica, biológica, social e existencial . Como possível explicação
do desgaste humano , a filósofa
Hannah Arendt ( A Condição
Humana), ao tratar da distinção entre labor das mãos e labor do corpo,
polemiza que enquanto o labor das mãos é finito , o labor do corpo ou
o peso da vida, só se finaliza com a própria vida.
2
Todos os Estados têm se ocupado deste problema que é fruto de
sociedades que envelhecem . É uma questão de fortes repercussões
políticas, sociológicas, econômicas e jurídicas porque projeta para o
futuro um tipo de sociedade em que é imperativo a dignidade social e ,
talvez , possível , com políticas de inclusão social , o envelhecimento
ativo .
No rol dos riscos sociais , o único risco certo é a morte , assim a
velhice como conceito social , biológico e jurídico é risco previsível ,
mas incerto . Importante mencionar que estudiosos da Seguridade têm
tratado desse tema de relevância social como Wladimir Novaes
Martinez em “O Direito dos Idosos ”, do mesmo autor “Comentários ao
Estatuto do Idoso ” , Celso Barroso Leite com
“O
Século
da
Aposentadoria ” , recentemente a Revista de Direito Social n. 13/2004,
Miguel Horvath em “Análise Preliminar do Estatuto do
Idoso ” , a
Revista Internacional de Seguridade Social em número especial sobre
“El Desafio del Envejecimiento para La Seguridad Social ” , também a
Associação Internacional de Seguridade Social – AISS publicou
relevante estudo titulado “Los sistemas de la seguridade social frente a
poblaciones longevas : Diez cuestiones críticas " .
A Lei dos Idosos defende um padrão legal de necessidades
mínimas , mas não as necessidades mais específicas ou mesmo critérios
mais abrangentes geradores de efetivo atendimento ao idoso .Refere-se
ao trabalho , à velhice , à previdência e à assistência social como
temas fundamentais e de fortes conexões. Esses fatores conjuntamente
são medidores do equilíbrio social .
3
A idade e a aposentadoria como fenômenos sociais , encontramse em mutações , assim como o “pacto social previdenciário” e o
trabalho que é valor constitucional ,paradigma da seguridade e alicerce
para a previdência social .
O Estatuto dos Idosos assegura direito à aposentadoria após a
perda do status de segurado desde que se comprove a carência exigida .
Reduz para 65 anos o atendimento ao benefício assistencial , critério da
hipossuficiência, contudo , sem possibilitar níveis distintos de
atendimento . O parâmetro medidor da desigualdade é a ausência de
renda , apenas . Esse é o único critério de atendimento assistencial , o
conceito padrão de miséria e a população-alvo é o “idoso pobre” .
A Lei 6.179/74 delimitava o amparo assistencial a pessoa com
mais de 70 anos sem condição de prover a própria assistência . Da
mesma forma , a Lei 8.742/93 atendendo o disposto no texto
constitucional vigente ( art. 203 ) tratou da proteção assistencial ao
maior de 67 anos a partir de janeiro de 1998 e , a contar de janeiro de
2000 , para 65 anos coincidindo , portanto , com a aposentadoria por
idade . Os critérios são cronológico e econômico . A Política Nacional
do Idoso, como política de seguridade social fundado nos artigos 203 e
230 da Lei Maior , responsabiliza a família , a sociedade e o Estado
como entes provedores e responsáveis pelos direitos dos idosos.
O direito do idoso à habitação , refere-se à moradia digna . A Lei
dos Idosos propõe política social para aquisição da casa própria por
meio de programas públicos ou subsidiados com verba pública . Estudo
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comparado entre Austrália e Finlândia 3 publicado pela Revista
Internacional de Seguridade Social , buscou identificar a
relação
existente entre o custo da moradia e o ciclo da vida na melhora do bemestar econômico do grupo longevo ou se , ao contrário , esta relação
provocava certo nível de pobreza em populações de idade avançada .
Neste sentido , o custo da moradia é um ponto chave para se estudar a
pobreza . Argumenta-se que a propriedade da casa é uma forma
de
seguro contra ou para a velhice . Os níveis de vida social , portanto,
qualificam a cultura do bem-estar .
Em torno da proteção à velhice deparamos com a imprecisão do
seu conceito . O que é ser velho para o indivíduo e para a sociedade ?
Qual o processo de velhice ideal para a sociedade brasileira ? Quais são
as perdas ou ganhos no processo biossocial do envelhecimento ?
O conceito de velhice no Estatuto dos Idosos inicia-se aos 60
anos ( art. 1º) . A proteção aos sexagenários reforça o conceito de
velhice desamparada previsto na Lei Orgânica de Assistência Social LOAS ( Lei 8.742/93) . O benefício assistencial ao idoso sem renda
foi reduzido de 67 para 65 anos, assim o idoso entre 60 a 65 anos , ou
seja , durante 5 anos o idoso pobre ficará sem o direito à assistência
social .
O trabalho é pilar para a integração social . O direito ao trabalho
e à profissionalização dispostos na lei dos idosos sustentam a não
3
Veli- Matti Ritakallio . La importancia de los costos de vivienda en las comparaciones transnacionales de
los resultados del ( Estado de ) bienestar.
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discriminação e
critério de
desempate em concurso
pela idade
segundo os artigos 26 e 27 . Portanto, visando a inclusão social e a
luta contra a pobreza , a Lei dos Sexagenários assegura que o processo
de envelhecimento diz respeito a todas as idades e, apesar do direito
social ao trabalho , a seguridade , a segurança social no Brasil , parece
admitir “coloquem os velhos novamente para trabalhar” .
Nos termos das políticas públicas estatais de cunho social e
econômico promotoras de inclusão social , a velhice inicia aos 60 anos.
Contudo, o movimento de banir o indivíduo como sujeito social
produtivo se
inicia mais cedo aos 50 anos e, talvez menos , nas
sociedades pós-industriais e de economias globais. Algumas nações têm
buscado resolver este impasse com os programas previdenciais
atrelados às políticas de emprego como as denominadas aposentadorias
antecipadas, com o welfare misto público-privado , com o controle da
inflação sem corroer os salários. Cabe destacar , por conseguinte, que
ameaça o Sistema de
provisionamento para a velhice, o emprego
precário , as trajetórias laborais interrompidas, a inflação , a ausência de
casa própria , além de outros processos de exclusão pelo transporte, pelo
crédito , pela renda insuficiente , pelo distanciamento geográfico dos
serviços básicos dispostos à sociedade .
O Estatuto do Idoso apresenta três sociedades sem apontar a
redução das desigualdades entre elas . A primeira , a sociedade dos
velhos com previdência , da geração dos seguros sociais ; a segunda ,
dos velhos com assistência social , encontrando-se
amparados no
conceito de política pública voltada para o atendimento à pobreza ; e a
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terceira , a sociedade dos “sem nada ”, sem a previdência e sem a
assistência . Em outras palavras, a primeira sociedade é a dos incluídos
pela renda proveniente do trabalho e do “pacto de gerações ” , a
segunda , pelo conceito de velho pobre sem renda e , a terceira ,
encontra-se destituída de política social específica . Por seu turno , a
lei dos idosos nada menciona acerca da previdência complementar , e
não remete à necessidade de seguridade independente.
O envelhecimento na sociedade da seguridade social , apresenta
problemas que o sistema de proteção social parece não estar preparado
para enfrentar . Essas difíceis questões centram-se no emprego , na
necessidade de ampliação dos riscos sociais
e da cobertura,
na
reavaliação do enfoque atuarial sem transferir para futuras gerações o
déficit atuarial e na sustentabilidade financeira da previdência
convivendo com sociedades longevas .
O trabalho, a velhice e a previdência , portanto , são processos
condutores para a coesão social. A promoção do emprego é a chave
para a seguridade social (opinião do Congresso da OISS em Salvador
em março de 2004 ) . Em termos constitucionais , o trabalho é valor
para o bem-estar , reduz a desigualdade ,
promove a isonomia entre
categorias econômicas, estabelece renda e melhores condições sociais
(arts. 6 º , 7º e 193 º C.F.) .
Pierre Rossanvallon argumenta que há um preço a pagar pela
solidariedade na sociedade . A solidariedade entre pessoas com defeitos
físicos , pessoas saudáveis , jovens e velhos, indivíduos com emprego
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protegido ou não é mais fácil do que a solidariedade entre categorias de
renda 4 . O trabalho , a renda , a velhice, o instituto de seguro social são
modelos socioculturais , por isso tratar a velhice é planejar social e
economicamente o envelhecimento como processo civilizatório , requer
minimizar os efeitos da economia informal por meio de políticas sociais
efetivas de inserção previdenciária , requer ampliar a rede de proteção
social básica - o modelo atual calca-se na inclusão pela pobreza - e,
especificamente , requer reduzir as desigualdades provocadas pelas
recentes
reformas
previdenciárias
produtoras
de
sub-regimes
previdenciais .
A velhice é problema para a sociedade no presente e no futuro . A
relação entre idade , velhice e aposentadoria encontra-se em
transformação . A idade e a velhice estão ligadas , mas a idade de saída
para a aposentadoria é um elemento social .
Para o Sistema de
Segurança Social é questão de alta complexidade , sendo necessário
delimitar um status de cidadania no futuro, controlar a “desigualdade ”
em padrões suportáveis evitando , por conseguinte , a “inseguridade
social programada 5 ” .
A proteção social é requisito para um envelhecimento ativo e ,
portanto , exige das políticas públicas , por um lado , novas modalidades
de ingresso não limitados ao baixo índice de desenvolvimento humano
(I.D.H.) e, do direito , por outro lado , mecanismos produtores de
segurança jurídica .
4
5
A Nova Questão Social .
Sobre o sistema de saúde francês ver: Insécurité sociale programmée . www.monde-diplomatique .fr/2003
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A Seguridade é mecanismo de redistribuição de renda . A crise da
seguridade não foi provocada pela crise do modelo de financiamento adotado.
A crise do sistema social protetivo provém da crise de redistribuição .Por fim ,
o maior desafio para a sociedade é a reforma da seguridade .Timidamente o
Estatuto do Idoso apontou uma direção no art. 117 : “ O Poder Executivo
encaminhará ao Congresso Nacional projeto de lei revendo os critérios de
concessão do Benefício de Prestação Continuada previsto na Lei Orgânica
de Assistência Social, de forma a garantir que o acesso ao direito seja
condizente com o estágio de desenvolvimento sócio-econômico alcançado
pelo País ”.
BIBLIOGRAFIA :
- ARENDT, Hannah . A condição humana . 6º ed. Rio de Janeiro : Forense,
1993
- El Desafio del Envejecimiento
para la Seguridad Social . Revista
Internacional de Seguridad Social . vol 55, 1/2002 .
- Estatuto do Idoso . Lei 10.741/03 .
- Insécurité sociale programmée .www.monde-diplomatique .fr/2003
- HORVATH, Jr. Miguel . Análise Preliminar do Estatuto do Idoso . Revista
de Direito Social 13/2004 .
- LEITE, Celso Barroso. O Século da Aposentadoria . São Paulo : Ltr ,1993 .
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- Los sistemas de la seguridad social frente a poblaciones longevas: Diez
cuestiones críticas. AISS . Genebra, 2003 .
- MARTINEZ, Wladimir Novaes. Direito dos Idosos. São Paulo : LTr,1997.
- ______________ . Comentários ao Estatuto do Idoso . São Paulo : LTr ,2004
- RITAKALLIO, Veli – Matti . La importancia de los costos de vivienda en
las comparaciones transnacionales de los resultados del
( Estado de )
bienestar . Revista Internacional de Seguridad Social . vol 56 , 2/2003 .
- ROSANVALLON, Pierre. A Nova Questão Social . Repensando o Estado
Providência . Brasília : Instituto Teotônio Vilela, 1998.
- SERAU , Marco Aurélio. O Estatuto do Idoso e os Direitos Fundamentais .
Revista de Direito Social 13-2004 .
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