Caso Elizabeth Von R. AS CONTRADIÇÕES DO CORPO (recorte) (Carlos Drummond de Andrade: do livro Corpo, Ed Record, 1984) Meu corpo não é meu corpo, é ilusão de outro ser. Sabe a arte de esconder-me e é de tal modo sagaz que a mim de mim ele oculta Meu corpo, não meu agente, meu envelope selado, meu revólver de assustar, tornou-se meu carcereiro, me sabe mais que me sei. Meu corpo apaga a lembrança que eu tinha de minha mente, Inocula-me seus patos, me ataca, fere e condena por crimes não cometidos. O caso começou a ser estudado em outono de 1892 e foi descrito por Freud como sua “primeira análise integral de uma histeria”. Alguns dados da paciente Nome: Elizabeth Von R. Idade:24 anos Estado civil: solteira História de Vida da paciente: A paciente era a mais jovem de uma prole de três – era ternamente apegada aos pais, viveu na Hungria com eles durante a sua infância. Mãe sofria com problemas de afecção dos olhos e por estados nervosos daí a pac. manter contatos mais próximos com o genitor: homem alegre e experiente conhecedor da vida que costumava dizer que a filha ocupava o lugar de um filho e de um amigo com quem ele podia trocar idéias. Elizabeth era vista pelo pai (em tom brincalhão), como insolente e convencida. Dizia a verdade às pessoas sem medir as conseqüências. O pai lhe atribuía à solteirice a tal comportamento. Feminilidade: Se sentia muito descontente por ser mulher – ficava indignada com a idéia de ter de sacrificar suas inclinações e sua liberdade de opinião pelo casamento. Como filha: tinha orgulho pelo pai e pela posição social da família. Contudo, quando era necessário usava do altruísmo para com suas irmãs e sua mãe, reconciliando, desta forma, seus pais com o lado mais áspero do seu caráter. Golpe em família X Início da doença da pac. surgimento no genitor de uma afecção crônica do coração, com edema agudo de pulmão. Elizabeth cuidou do pai 18 meses, desempenhando papel principal junto ao seu leito de doente. dormia no quarto do pai despertava quando chamada à noite cuidava do pai durante o dia obrigava-se a parecer alegre quando este assim o exigia e mostrava uma resignação sem queixas. “parecia inteligente e mentalmente normal”;“suportava seus problemas e prazeres com ar alegre”. Pensa Freud: “a belle indifférence dos histéricos” “o início da doença dela deve ter-se relacionado com esse período de desvelos, pois ela se recordava de que, durante os últimos seis meses, ficara acamada por um dia e meio por causa das dores nas pernas”. Obs.: Somente dois anos após a morte do pai, foi que a pac. ficou impossibilitada de andar por causa das dores nas pernas. Outros episódios em família: Piora do quadro de saúde da mãe após a morte do pai. O isolamento social da pac. suscitou nela o desejo de que sua família pudesse encontrar algo para substituir a felicidade perdida... Casamento da irmã mais velha: O cunhado era, por um lado, bem-dotado e dinâmico, posição de responsabilidade e capacidade intelectual, o que prometia um grande futuro à família; por outro lado possuía uma sensibilidade mórbida e uma insistência egoísta em suas excentricidades. Foi o primeiro da família a desconsiderar a velha senhora. Para Elizabeth foi um grande desapontamento, ver a família novamente com a felicidade interrompida e a constatação de que as outras mulheres da família não levavam a sério o comportamento intempestivo do cunhado. Não perdoava a irmã casada e que, provavelmente se casara pela complacência feminina. Como maior exemplo, a mudança de toda família para uma pequena região, a pedido do cunhado, que, vislumbrando seus negócios, não levou em consideração as conseqüências: o isolamento social de sua mãe. O casamento da segunda irmã: Boas perspectivas para Elizabeth – cunhado menos bem-dotado intelectualmente, o que agradou às irmãs, bastante educado, trouxe de volta para a paciente a reconciliação com a instituição matrimônio e as idéias dos sacrifícios que este implicava. Ao nascer o sobrinho, Elizabeth o elegeu como o seu predileto. Novo episódio infeliz: Agravamento do estado de saúde da mãe em função da vista, o que exigiu desta que permanecesse isolada em quarto escuro por várias semanas. Elizabeth, ficou junto com ela. Culminou em fazer a cirurgia com resultado satisfatório. O primeiro cunhado retorna e junta-se aos demais familiares que vão passar férias numa estação de veraneio. Foi neste período que as dores e fraqueza locomotora de Elizabeth começaram. Piora do quadro de Elizabeth: As dores sobrevieram com violência após ela ter tomado banho quente na pequena estação de águas. Antes, saíra para dar um longo passeio que durou meio dia – ficara cansada demais e em seguida veio um resfriado. A partir dessa época Elizabeth foi a inválida da família. Começou tratamento hidropático nos Alpes. Nova gravidez da segunda irmã: Gravidez difícil; a mãe e Elizabeth foram chamadas com a notícia de que o estado da irmã tinha se agravado e, durante a viagem para visitar a irmã, a paciente foi acometida de expectativas sombrias e fortes dores nas pernas. Ao chegar soube que a irmã havia falecido. A irmã herdara da família paterna a doença cardíaca. A família culpou o marido por tê-la engravidado por duas vezes consecutivas, e, com isso o cunhado saiu da família de Elizabeth, voltando a se juntar com a família dele. Também não era viável o cunhado morar com a sogra em virtude de Elizabeth ser solteira. Também não deixa a criança com a família da ex mulher e acaba por ser acusada de crueldade por parte delas. Há uma desavença entre os dois cunhados, pois, o viúvo pleiteia parte dos bens da esposa, o que Elizabeth caracteriza como chantagem da pior espécie. Após todas estas desilusões e a perspectiva falida de restabelecer as glórias da família, a paciente viveu 18 meses em reclusão, ocupando-se somente com os cuidados com a mãe e suas próprias dores. Freud: O relato não esclarecia nem as causas nem as determinações específicas de sua histeria – substituição dor mental por dor física. “Um paciente é constitucionalmente histérico e sujeito a desenvolver sintomas histéricos sob a pressão de excitações intensas de qualquer natureza” A Paciente passou a padecer de: Abasia: incapacidade para a marcha sem diminuição de força muscular ou diminuição da sensibilidade e Astasia: incapacidade de manter a postura vertical ou ereta,causada por falta de coordenação motora O tratamento com Freud - Lançou luz sobre a teoria da histeria •Utilizou-se inicialmente do método hipnótico – sem resultados, pois a paciente não adormecia. •Aplicou-lhe a pressão na cabeça, pedindo a pac. que lhe informasse tudo que viesse à sua imaginação. Pelo segundo método a paciente revela sobre uma noite em que um jovem a acompanhara até em casa depois de uma festa, da conversa que houvera entre eles e dos sentimentos com que voltara para a casa a fim de ficar à cabeceira do pai enfermo. O referido jovem que mantivera amizade com Elizabeth era órfão, devoto ao pai dela, logo, estendera o afeto para as irmãs. Depois de um tempo, em virtude de ainda não poder sustentar-se tomou outros rumos, afastando-se de Elizabeth, embora esta tivesse o propósito de esperá-lo. Por ocasião do adoecimento do genitor, por insistência da família foi convencida a comparecer a uma festa em que o rapaz estaria presente. Pretendia voltar cedo, mas teve o pedido e a promessa do moço que a levaria para casa. Ao chegar em casa, o estado de saúde do pai havia piorado, levando-a a se recriminar por sua diversão. Após a morte do pai, em respeito ao pesar da pac. o rapaz afastou-se dela - Causa de primeiras dores histéricas. Para Freud, as dores, acompanhadas de sensações de frio, estão associadas aos momentos em que era chamada durante as noites pelo pai para socorrê-lo no leito e ela tinha que levantar-se às pressas. Outra cena em que Elizabeth refere à paralisação das pernas, ocorreu quando o pai foi levado para casa após um ataque cardíaco e, com o susto, lhe veio a sensação de não poder se mexer, como se tivesse raízes no chão. Outros episódios vividos por Elizabeth revelados por ela a Freud: •Relata sobre um passeio que fizera na estação de águas e que teria sido longo demais. Exceto alguns amigos presentes ao passeio, o cunhado foi o único membro da família que se juntou ao grupo, havendo desistência dos demais. Na ocasião, lembra ter sentido fortes dores nas pernas – atribui ao cansaço e associa ao contraste entre sua própria solidão e a felicidade conjugal da irmã enferma. •Quando a irmã e o cunhado foram embora, passou a sentir dores ao sentar. Ao visitar um lugar, dono de uma bela vista, onde já estivera com o cunhado e a irmã, lhe aparece um forte desejo e confessa ao analista: de ser tão feliz quanto a irmã. 1 - A partir do episódio da colina, as dores passaram a ser de caráter definitivo e permanente. 2 – Com o agravamento da doença da irmã as dores passaram a se relacionar com o ficar deitada, sendo mais doloroso que andar ou ficar de pé. (para cada tema vivenciado pela paciente, uma nova região da perna era afetada Passou a viver o sentimento de que não podia dar um único passo à frente. Para Freud o que se deu foi o encontro da paciente com a expressão simbólica para os seus pensamentos dolorosos. Episódio durante uma sessão de análise de Elizabeth: Durante a sessão escuta uma voz vinha da sala ao alado e, de imediato, pede para suspender a sessão, pois reconhece a voz do cunhado e que este viera buscá-la. Ao levantar-se demonstrou através de expressão facial e o seu andar, o surgimento de dores agudas. A paciente faz associação com a visita de verão à estação de águas e todas as preocupações que lhe rodeavam na época, em que coincide a primeira crise – doença da mãe, a idéia de que iria na vida precisar de um homem, sua fraqueza como mulher e o anseio de amor, visto que sua natureza congelada começara a derreter-se. Para a paciente a visita à estação de água e a bela vista à colina lhe traziam lembranças do dia da partida da irmã, do silêncio durante a viagem, da irmã morta sem ter-lhe dito adeus e sem que ele tivesse podido lhe dispensar os últimos cuidados. E, o pensamento que atravessou a mente de Elizabeth, e que agora se impunha de maneira irresistível a ela, como um relâmpago nas trevas: “agora ele está livre novamente e posso ser sua esposa”. Nota: Para Freud são sintomas histéricos através da conversão de excitações psíquicas em algo físico e da formação de um grupo psíquico separado, através do ato de vontade que conduziu ao rechaço. Final do tratamento com a alta deu-se em 1894 Novo estado civil da paciente: Casada Discussão do caso- Primeiro Período • O sintoma histérico- uma dor na região específica da coxa direitadesenvolve-se pela primeira vez enquanto Elisabeth cuidava do pai • Mecanismo do sintoma: • O sintoma acontece quando o círculo de idéias que abrangiam seus deveres para com o pai enfermo entrou em conflito com o conteúdo do desejo erótico da época Sob a pressão de intensas autocensuras; • De acordo com a teoria conversiva da histeria ela recalcou uma idéia erótica fora da consciência e transformou a carga de seu afeto em sensações físicas de dor; Discussão do caso- Segundo Período • Ponto central na história da doença: • Um conflito que desenvolveu-se anos depois: um círculo de representações de natureza erótica que entrou em conflito com suas representações morais, pois suas inclinações centralizavam-se no cunhado; • a representação de ser atraída pelo cunhado lhe era totalmente inaceitável; • • O amor pelo cunhado estava presente em sua consciência como um corpo estranho, sem entrar em relação com o restante de sua vida representativa; • A representação incompatível é excluída e forma um grupo psíquico separado, deve originalmente ter estado em comunicação com a corrente principal de pensamentos; Discussão do caso • Postulado da Psicanálise: • A formação dos sintomas histéricos pode processar-se com base tanto em afetos relembrados quanto em afetos novos; • Freud supõe que o contato da perna dolorida da paciente com a perna intumescida do pai enquanto as ataduras eram trocadas deve ter tido influência decisiva sobre o rumo tomado pela conversão; • Para Freud, a paciente criara ou aumentara seu distúrbio funcional por meios de simbolizações, que encontrara na astasia-abasia uma expressão somática para sua falta de posição independente e sua incapacidade de fazer qualquer alteração em sua circunstâncias de vida; • Ex: “ não ser capaz de dar um único passo a frente” e “ não ter nada em que se apoiar”