DIFERENÇA CULTURAL: ANÁLISE DA SURDEZ NO FILME BABEL 1
MACHADO, Charline Fillipin2; MONTEIRO Marciele de Almeida3
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Trabalho de Pesquisa - UFSM
Educadora Especial, acadêmica do Curso de Educação Especial-noturno da Universidade Federal
de Santa Maria (UFSM) Santa Maria, RS, Brasil
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Educadora Especial, acadêmica do Curso de Educação Especial-noturno e Especialização em
Gestão Educacional da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS, Brasil
E-mail: [email protected]; [email protected]
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RESUMO
O presente estudo tem por objetivo trazer a reflexão aspectos interligados a visualização do
sujeito surdo no filme Babel, adentrando na questão da diferença/deficiência narrada nesta obra
cinematografica. Através de uma análise qualitativa das cenas e enredos do filme, buscou-se
visualizar a surdez como diferença linguística e cultural, refletindo ainda frente às demais obras que
abordm este tema. Contudo, refletindo sobre a forma em que a surdez é apresentada no filme Babel,
pode-se perceber a valorização e reconhecimento da diferença, além de serem visíveis os astefatos
da curtura surda, e acima de tudo, a obra aborda a surdez como parte secundária, não dando foco a
“deficiencia”.
Palavras-chave: Surdez; Diferença cultural; Filme Babel.
1. INTRODUÇÃO
O cinema constitui-se um recurso comunicativo potencializador da linguagem
audiovisual. Como tal, tem a possibilidade de influenciar a opinião das pessoas ao permitílas as mais diversas interpretações das temáticas abordadas nas obras cinematográficas.
Esta possibilidade de tocar nas percepções das pessoas faz do cinema um área fértil no
sentido de ampliar as discussões sobre necessidades especiais e Educação Especial
quando abordadas nos enredos das obras, considerando-se a potente ferramenta
comunicativa que é.
O presente trabalho apresenta uma análise do filme Babel, partindo das questões
que tangem a surdez e os aspectos interligados a estes sujeitos. Desta forma, objetivou-se
discutir frente a visualização do surdo na relação diferença/deficiência, refletindo sobre as
formas como os surdos não narrados na obra cinematográfica. Para tanto, buscou-se
visualizar o surdo e/ou a surdez como diferença cultural e linguística, propondo discutir
sobre as representações destes sujeitos, tendo como base primordialmente a diferença
lingüística que os caracteriza.
As narrativas culturais presentes em filmes sobre a surdez podem contribuir para a
reflexão sobre os tempos e espaços de aprendizagem para o surdo, bem como aos estudos
nesta área do conhecimento. De acordo com Thoma (2006b) o cinema pode funcionar para
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produzir conhecimento, fixar identidades e instaurar sentido sobre os sujeitos surdos. Neste
contexto, pode-se considerar que os filmes são constituídos de uma intertextualidade de
saberes sobre a alteridade surda que não são neutros, nem unânimes. (THOMA, 2006b).
Nesse sentido, se faz necessário aqui uma breve explanação sobre o filme elencado
para análise, Babel. Este filme, de gênero drama, foi lançado em 2006, com direção de
Alejandro González Iñárritu, roteiro de Guillermo Arriaga e Alejandro González Iñárritu. Seu
enredo retrata a história de três famílias que têm suas vidas cruzadas em razão de um
mesmo fato. Iniciando o filme, encontra-se um ônibus repleto de turistas que atravessa uma
região montanhosa do Marrocos. Entre os viajantes estão Richard e Susan, um casal de
americanos. Ali perto os meninos Ahmed e Youssef manejam um rifle que seu pai lhes deu
para proteger dos chacais a pequena criação de cabras da família. Um tiro que parte do rifle
atinge o ônibus, ferindo Susan. A partir daí o filme mostra como este fato afeta a vida de
pessoas em vários pontos diferentes do mundo: nos Estados Unidos, onde Richard e Susan
deixaram seus filhos aos cuidados da babá mexicana; no Japão, onde um homem tenta
superar a morte trágica de sua mulher e ajudar a filha surda a aceitar a perda de sua mãe;
no México, para onde a babá acaba levando as crianças; e ali mesmo, no Marrocos, onde a
polícia passa a procurar (equivocadamente) suspeitos de um suposto ato terrorista.
Partindo deste enredo, buscou-se analisar as tramas relacionadas com a surdez,
esclarecendo-se que no presente filme a mesma é apresentada com certa distinção dos
demais filmes que abordam a temática, pois, como nos traz Amaral (1998), existe forte
tendência de se perceber o diferente ou como herói, ou como vilão, ou como vítima, ou até
mesmo passando de um estereótipo para outro. Nesta obra a surdez encontra-se como
parte do enredo, não sendo dado destaque apenas a esta temática, fazendo parte da trama
com maior naturalidade.
Neste contexto, a discussão abordada aqui traz para analise a forma diferenciada em
que o filme Babel apresenta o sujeito diferente, sendo que o sujeito surdo faz parte do
enredo do filme, como qualquer outro individuo (diferentemente de diversas obras que
enfatizam a surdez, como problemática do filme). A surdez pode ser vista como elemento
comum de nosso mundo, sendo que a maioria das situações vividas pela personagem surda
se configura em conflitos comuns aos jovens como, drogas, sexo, virgindade, namoro, além
da problemática maior apresentada no enredo da obra, a aceitação da morte de sua mãe.
No entanto, o filme não deixa de apresentar o preconceito e a não aceitação da
diferença que ainda permanece em nossa sociedade. Apesar de a surdez estar mais
difundida e reconhecida como uma diferença cultural e lingüística a dificuldade de aceitação
e entendimento pela sociedade é evidente.
Acreditamos que a analise deste material cinematográfico nos trará significativas
contribuições na reflexão frente a educação especial e as narrativas apresentadas dos
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diferentes, neste caso da surdez. Sendo assim, nesta forma de trabalho realizado (análise
da diferença/deficiência em filmes) concordamos com Eizirik (2001) quando nos diz que
“algumas questões não se dirigem a respostas, mas permitem exercitar o pensamento e
transitar por algumas categorias que poderiam nos ajudar a refletir sobre a educação
especial”.
2. A SURDEZ NO FILME BABEL
Ao pensar na educação do surdo nos espaços e tempos atuais se sobressai a ideia
de sujeito constituído a partir de sua diferença cultural e linguística. Atualmente, observamos
o termo “diferença”, por diversas vezes, ligado a assuntos que se referem às deficiências, ao
que antigamente chamavam estranho, pervertido — o caso da homossexualidade é um
exemplo — ou àquilo que se considera ruim, fora do padrão e, neste caso, o termo vem
como um providencial eufemismo. Além do mais, na busca de uma explicação da “diferença”
a sociedade acaba por fazer distinção, classificação, em fim, busca-se uma definição. Neste
particular Eizirik (2001) nos aponta que
Para definir algo, buscar saber o que uma coisa é, procuramos delimitá-la
em relação a outras coisas, explicitar as diferenças. Essa reflexão também
vale para as pessoas. A definição é, portanto, a base do recorte da
diferença, que organiza, limita lugares, compõe ordens lógicas, dá
significados. (s. p.)
No entanto, em uma retrospectiva do filme Babel, encontra-se na forma naturalizada
em que a diferença-surdez é apresentada, aspectos próprios da cultura surda, os artefatos
culturais como o aparelho de celular através do uso de mensagens, além da tecnologia de
aparelhos que proporcionam visualizar quem está conversando, como o uso de Skype.
Também mostra a campainha luminosa que havia na casa da personagem, esta que é uma
ferramenta fundamental na vida dos surdos. Os artefatos utilizados pelos sujeitos surdos
fazem referência a sua própria cultura. Assim, torna-se importante reportar que os artefatos
culturais são as peculiaridades da cultura surda, tudo o que se vê e se sente quando em
contato com a cultura de uma comunidade (STROBEL, 2008).
A utilização de artefatos culturais pertencentes na cultura surda aproxima os sujeitos
que são usuários desses elementos na sua rotina. Strobel (2008) nos aponta alguns
artefatos culturais bastante significativos aos surdos, como: experiência visual, linguístico,
familiar, literatura surda, vida social e esportiva, artes visuais, política e materiais. Desse
modo, um artefato bastante presente no filme é os materiais, os quais foram citados
anteriormente.
Outro artefato fundamental é o linguístico, o qual é representado pelo uso da Língua
de Sinais – LS, a língua natural do surdo. A LS está para o surdo como forma de construção
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de identidade, da sua cultura, dos processos de aprendizagem e interações sociais, na
compreensão de mundo, exercendo papel fundamental na construção do conhecimento do
surdo. É através da sua língua natural, que o surdo organiza seu pensamento. A língua de
sinais possibilita o desenvolvimento do surdo em todos os seus aspectos, cognitivo, sócioafetivo-emocional e lingüístico (BRASIL, 2008). Além do mais, esta língua fornece todo o
aparato linguístico necessário para a estruturação do pensamento e a aquisição da segunda
língua, o português escrito (QUADROS, 1997).
Em fase disso, pode-se evidenciar no filme a estreita relação da personagem surda
Chieko com o uso da Língua de Sinais, bem como o seu eficiente desenvolvimento,
entendimento de mundo, e até mesmo no uso da língua japonesa escrita, sua segunda
língua, além da leitura labial. Isso tudo, proporcionado pelo uso dominante de sua língua
natural.
Ainda, outro fato essencial na presente análise, para além do uso da língua, é seu
grupo de amigos serem surdos, abordando a questão da identidade surda, a qual é
construída através do uso de sua língua natural, identificando-se com seus iguais. Isso
possibilita a auto-estima, bem como, o seu reconhecimento como individuo culturalmente
diferente, além de se reconhecer e principalmente aceitar-se como grupo cultural e
linguístico distinto.
A compreensão que a língua de sinais oferece está diretamente ligada à forma como
o sujeito percebe a si mesmo, pois o transporta do lugar de surdo (deficiente auditivo) para o
lugar onde este sujeito é reconhecido por sua comunicação em língua de sinais. Podemos
dizer que este reconhecimento cultural só irá acontecer no momento em que o próprio
sujeito surdo se colocar no lugar de um membro da cultura surda, fazendo valer sua
identidade.
Reportando novamente ao filme, uma cena nos faz refletir sobre a relação surdezdiferença lingüística-aceitação. Nesta cena, Chieko e sua amiga saem para encontrar outros
amigos surdos, ao chegar encontram alguns meninos ali por perto, Chieko pergunta quem
são, a outra amiga responde que são primos dela, então ela logo pergunta: “ele é surdo e
mudo como nós?”, a amiga responde: “Não, mas entende algumas coisas” além do uso do
termo “surdo e mudo” que mais adiante discutiremos, este diálogo nos abre diversos
caminhos a serem refletidos.
Primeiramente a questão de identidade, e também de diferença ao perguntar se eles
são surdos “como nós”, fica evidente no filme a busca de relacionamentos com seus iguais.
Sendo que, com a resposta da amiga, “Não, mas entende algumas coisas”, está diretamente
ligada ao uso da língua materna. Ou seja, a própria jovem surda se visualiza como diferente
e busca sua identidade que se explicita através da língua, da diferença linguística.
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A identidade aqui construída pelo sujeito surdo deve ser estabelecida a partir da sua
língua materna, como já dito anteriormente, porém a grande preocupação é o
reconhecimento dessa diferença, pela sociedade (composta na maioria por ouvintes), ou
seja, fazer com que se perceba isso por um viés linguístico.
Além disso, pode-se destacar que as identidades são construídas dentro das culturas
de acordo com visão e identificação a essa cultura, o modo com que se percebe o mundo é
determinado pela cultura na qual se está inserido. Segundo Perlin (apud STROBEL, 2008 p.
24) “as identidades surdas são construídas dentro das representações possíveis da cultura
surda, elas moldam-se de acordo com maior ou menor receptividade cultural assumida pelo
sujeito”.
Para Hall (2000, p.40) “as identidades tem a ver com a questão da utilização dos
recursos da história, da linguagem e da cultura para a produção não daquilo que nós somos,
mas daquilo no qual nos tornamos”. Sendo assim, é através da identidade constituída que
dar-se-á sentido aos novos aprendizados, ou seja, aquilo que nos tornamos.
Seguindo ainda a análise do trecho exposto acima, chama-se atenção ao termo
usado no filme para se referir ao surdo. O termo “surdo e mudo” é usado na tradução do
filme, porém sabe-se que este não é o termo correto. Tendo em vista que o filme é
relativamente atual e já aborda a surdez com mais fidedignidade, pensamos que possa ser
um equívoco na forma de tradução da fala original. Mesmo assim, este tipo de falha
demonstra falta de entendimento da temática abordada, isto que a sociedade ainda tem
esse entendimento e muitas vezes refere-se a estes sujeitos como “mudo” ou “mudinho”.
Como coloca Thoma (2006b) sobre a análise de filmes que abordam a surdez “as
formações discursivas sobre os surdos presentes nos filmes analisados são derivadas de
saberes que, em geral, falam de sujeitos patológicos, anormais, sujeitos a corrigir”. A
temática, muitas vezes é guiada por conhecimentos superficiais ou equivocados da área. A
cena do filme que apresenta a interação dos jovens surdos e ouvintes mostra de certa forma
a aceitação da surdez como diferença, sendo que os meninos ouvintes se relacionam
normalmente com as jovens surdas, deixando-se claro que os mesmos eram primos de uma
surda, o que permite maior conhecimento e aceitação.
Em contraponto a esta cena, encontra-se outra em que há a não aceitação da
diferença e sim o preconceito por parte de outros jovens. Pode-se perceber que mesmo a
jovem vivendo sua condição com acesso a escola, adaptações cotidianas, aceitação familiar
e de seu grupo, o preconceito, ainda assim, está presente em determinadas situações.
Sobre preconceito, encontramos em Amaral (1998) que são conceitos formados
anterior a experiência, e nesse sentido as atitudes que baseiam-se em conteúdos
emocionais (atração, amor, admiração, medo, raiva , culpa) “são como filtros de nossa
percepção, colorindo o olhar, modulando o ouvir, modelando o tocar...” (AMARAL, 1998,
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p.17). Ou seja, de acordo com a autora acima referida, são barreiras atitudinais, anteparos
interpostos nas relações entre duas pessoas, onde uma tem uma predisposição
desfavorável em relação a outra em condições preconizadas como ideais. (AMARAL, 1998,
p.17).
Exemplificando o preconceito demonstrado no filme, recorda-se uma cena em que,
ao estar em uma lanchonete com suas amigas, passam a realizar trocas de olhares e
paquera com alguns rapazes. Um deles chega até as meninas e ao iniciar uma conversa
com Chieko percebe que são surdas. O jovem, imediatamente, volta rindo à mesa em que
estava com seus amigos e com tom de deboche diz: “seus babacas, que vergonhoso”.
Este trecho nos leva ao que Amaral (1998) chama de “generalização indevida”, a
autora nos apresenta este termo como uma representação que consiste basicamente na
generalização da deficiência no sujeito que a apresenta. O sujeito deficiente não é percebido
como a pessoa que realmente é, suas qualidades, posição social, etc. Não, ele é visto como
o sujeito da falta, aquele que não possui determinada característica fundamental aos
parâmetros da normalidade. Destacando, nas palavras da autora:
“Generalização indevida” refere-se à transformação da totalidade da pessoa
com deficiência na própria condição de deficiência, na ineficiência global. O
indivíduo não é alguém com uma dada condição, é aquela condição
específica e nada mais do que ela: é a encarnação da ineficiência total.
(AMARAL, 1998, p. 16 e 17)
Percebe-se que a sociedade vê o diferente a partir da ótica de cultura única e
universal (VEIGA-NETO, 2002), ainda apresenta a não aceitação e reconhecimento de outra
cultura que não seja a ouvinte. Nesse sentido, Veiga-neto (2002) traz os conceitos de única
como sendo aquilo que melhor havia sido produzido, e universal porque se refere à
humanidade, sendo um conceito totalizante, sem exterioridade. Essa universalização da
cultura ouvinte acaba por desconsiderar os elementos da cultura surda, como a língua,
levando o sujeito surdo a ser percebido como deficiente. Neste contexto, encontra-se
respaldo em Rangel & Stumpf ao afirmar que:
A ressignificação da surdez, como representação de uma diferença cultural,
possibilita ao sujeito profundo sentimento de pertencimento, e o leva a
inserir-se no social, fazendo parte de um grupo naturalmente definido de
pessoas, de práticas e instituições sociais. (2004. p.87)
A percepção da surdez como deficiência no lugar de diferença linguística e cultural,
acaba por refletir no sujeito surdo uma visão pejorativa da própria condição. Esta questão é
evidenciada através da fala da personagem após a rejeição do jovem na lanchonete, “eles
nos olham como se fôssemos monstros”. Eizirik (2001), através da idéia transmitida por
Foucault, refere que a exclusão:
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[...] está ligada ao gesto originário de separação sobre o qual se instala uma
cultura e que se desenvolve através do tempo, indefinidamente se
reproduzindo, por formas as mais diversas do que apenas as da repetição. A
exclusão se faz por meio das instituições, dos regulamentos, dos saberes,
das técnicas e dos dispositivos.(s.p.)
Além da ação descrita acima a qual há uma relação de deboche entre os jovens, a
percepção que o próprio sujeito surdo acaba tendo de si nos faz refletir frente a relação
explanada por (AMARAL, 1998) a qual o sujeito diferente é visto apenas como uma
condição especifica que caracteriza tal diferença. Esta visão, por vezes, afeta a relação do
individuo e a sociedade, visto que, como retratado no filme, Chieko busca mecanismos que
lhe permitam ser aceita nesta sociedade, refletindo muitas vezes em outros problemas que
abrangem sua sexualidade e convivências com outros grupos.
3. METODOLOGIA
A presente apreciação crítica do filme Babel segue uma abordagem qualitativa, pois
“trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos
valores e das atitudes” (MINAYO, 2001, p. 21). Dessa forma, através dos preceitos de
Análise de Conteúdo, buscamos perceber e inferir relações existentes entre os discursos em
que os diferentes são narrados em obra cinematográfica, neste caso no filme Babel.
Nesse sentido, Minayo (2011, p.84) nos traz que através da Análise de Conteúdo
"podemos caminhar na descoberta do que está por trás dos conteúdos manifestos, indo
além das aparências do que está sendo comunicado". Assim sendo, procurou-se ir além das
cenas e dos efeitos, buscando-se, através da análise do filme, aproximar e refletir sobre
pequenas ações nas “entrelinhas” da narração do mesmo, com intuito maior de perceber o
surdo dentro de um contexto maior o qual aproxima “exclusão/preconceito” com
reconhecimento de sua diferença linguística e cultural.
Segundo Panafria, a análise de um filme consiste basicamente em:
[...] explicar/esclarecer o funcionamento de um determinado filme e proporlhe uma interpretação. Trata-se, acima de tudo, de uma actividade que
separa, que desune elementos. E após a identificação desses elementos é
necessário perceber a ar ticulação entre os mesmos. Trata-se de fazer uma
reconstrução para perceber de que modo esses elementos foram associados
num determinado filme. (2009, p.1 e 2)
Desta forma, buscou-se destacar partes da obra, relacionando-as paralelamente à
discussão pretendida, ou seja, a surdez como diferença cultural. Além disso, procurou-se
identificar os elementos pertencentes a essa diferença cultural afim de refletir os aspectos
entre diferença e deficiência na obra Babel.
4. RESULTADOS E DISCUSSÕES
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Corroborando com o exposto, Thoma (2006b) ao proceder uma análise dos
discursos representados através de filmes sobre surdez traz a idéia de discurso na
perspectiva de Foucault a qual o discurso “serve para entender como os significados são
produzidos” Thoma (2006b, p.1). Logo, os discursos são produzidos “a partir da atuação
dos indivíduos na produção de significados e de relações sociais” (THOMA, 2006, p.1). E
deste modo Hall (apud THOMA, 2006a), nos traz que os sujeitos são inventados através de
significados, idéias e versões de mundo que possuem, “Os discursos são práticas sociais e
implicam relações de poder” (THOMA, 2006a, p.2).
Sendo assim, os discursos constroem significados, valores, crenças e emergem de
visões particulares, de modos de agir e de pensar sobre o mundo, portanto não deixam à
parte as relações de poder. Seguindo esta idéia, concorda-se com Eizirik (2001, s. p.) ao
afirmar que o “poder normaliza e confina, ao mesmo tempo em que constrói e produz efeitos
e, também, exclui, porque nele (poder), suas técnicas, seus mecanismos e seus
dispositivos, se reproduz o princípio de separação que o institui.”.
Retomando a discussão entorno do filme Babel, a busca por aceitação da diferença
em uma sociedade com princípios, valores e crenças já construídos sobre algo que muitas
vezes não possuem conhecimento, leva a esta exclusão que emerge das relações de poder.
Neste sentido, Eizirik (2001) através da idéia transmitida por Foucault, nos traz que a
exclusão está ligada ao gesto originário de separação sobre o qual se instala uma cultura e
que se desenvolve através do tempo, indefinidamente se reproduzindo, por diversas formas,
não apenas as da repetição. (EIZIRIK, 2001).
Em relação a percepção do sujeito diferente sobre si mesmo e a consecutiva busca
de aceitação e imposição na sociedade, foi possível estabelecer uma relação com o que
Amaral (1998) refere como mecanismos de defesa. Baseada em Bleger (1977) a autora diz
que mecanismos de defesa são técnicas ou estratégias que a personalidade utiliza para
manter o equilíbrio intrapsíquico, eliminando fontes de insegurança, perigo, tensão ou
ansiedade, quando não é possível lidar com a realidade. Ou seja, é a fuga de situação que
causa sofrimento, angústia.
Apesar da autora referir a utilização de mecanismos de defesa por parte da
sociedade frente ao diferente, infere-se aqui que algumas atitudes de Chieko podem
também ser a manifestação de mecanismos de defesa no sentido de amenizar situações de
tensão e angústia que causam desequilíbrio, como situações de exclusão. Como exemplo
pode-se mencionar algumas cenas ligadas a sexualidade da adolescente, que acaba se
vulgarizando para “ser aceita”.
Entrando, vale destacar outro ponto a ser levantado no enredo do filme Babel, as
diferentes culturas que se entrelaçam através de um acontecimento. E assim fica evidente, a
forma em que é apresentada a surdez, como uma cultura diferente, ou seja, entre todas as
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outras culturas mostradas, com suas peculiaridades, valores e crenças, e juntamente com a
cultura do país a cultura surda é apresentada, mostrando, como já mencionado
anteriormente, aspectos próprios da cultura surda, através dos artefatos e modos de
ser/estar. Portanto, tem-se na palavras de Perlin (2004)
A cultura surda é então a diferença que contém a prática social dos surdos e
que comunica um significado. (...) o jeito de usar sinais, o jeito de ensinar e
de transmitir cultura, a nostalgia por algo que é dos surdos, o carinho para
com os achados surdos do passado, o jeito de discutir a política, a
pedagogia, etc. (p.77).
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A maioria dos filmes em que os diferentes são narrados, principalmente o sujeito
surdo, estes indivíduos são apresentados em um desfecho em que há uma problematização
em torno de sua diferença. No filme Babel, a naturalidade com que é abordada a surdez nos
parece um meio eficaz de trazer esta questão à sociedade, pois poucos são os filmes que
trazem personagens surdos sem que estes sejam o enfoque principal, a partir do qual se dá
o enredo. Obviamente, é necessário e muito interessante mostrar a realidade vivida pelos
sujeitos surdos, mas também trazer sua condição apresentada como aquela de uma pessoa
que usa outra língua para se comunicar e partilha de uma cultura possuidora de
peculiaridades, assim como a cultura mexicana, americana, japonesa, etc.
Em vista disso, visualiza-se a distinção do filme analisado aqui em relação a visão
transmitida pela mídia em geral a alguns anos atrás. Este fato pode ser percebido em alguns
momentos do filme, como na comunicação de Chieko que ocorria sem empecilhos, visto que
dominava a Língua de Sinais (LS) e também realizava a leitura labial além de já fazer uso do
japonês escrito como segunda língua. A surdez, por muito tempo foi tratada como algo
problemático, com preconceitos, com o isolamento do surdo e grande proibição da LS. A
maioria dos filmes relacionados à surdez buscavam retratar problemas relacionados aos
surdos, sua língua natural, sua comunicação, enfim, através se um discurso de quem são
estes sujeitos.
Enfim, a surdez na mídia teve muitas modificações nos últimos anos, sendo possível
perceber que a temática é abordada com naturalidade, porém mostrando que ainda há
preconceito e muito para ser discutido sobre as questões relacionadas à surdez. Observa-se
ainda que houve um grande avanço, principalmente no entendimento de que a surdez não
torna o surdo menos capaz que o ouvinte, que passam por conflitos de ordens semelhantes,
como é mostrado no caso de Chieko em suas relações com os demais jovens, questões
familiares, sobre sexualidade, etc.
Apesar de parecer óbvio mencionar tal aspecto, acredita-se ser necessário, tendo em
vista que encontra-se pensamentos como os de que “surdos são tarados”, “são irritados,
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bravos”, “são sempre amigos”, “são muito inteligentes” ou “são burros”. Finalizando,
Visualizou-se aqui a diferença - Surdez, ratificando a pertinência da reflexão acerca dos
aspectos que caracterizam esta diferença e a forma como a sociedade e a mídia vêm
mostrando tal questão atualmente.
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