DIFERENÇA CULTURAL: ANÁLISE DA SURDEZ NO FILME BABEL 1 MACHADO, Charline Fillipin2; MONTEIRO Marciele de Almeida3 1 Trabalho de Pesquisa - UFSM Educadora Especial, acadêmica do Curso de Educação Especial-noturno da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) Santa Maria, RS, Brasil 3 Educadora Especial, acadêmica do Curso de Educação Especial-noturno e Especialização em Gestão Educacional da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS, Brasil E-mail: [email protected]; [email protected] 2 RESUMO O presente estudo tem por objetivo trazer a reflexão aspectos interligados a visualização do sujeito surdo no filme Babel, adentrando na questão da diferença/deficiência narrada nesta obra cinematografica. Através de uma análise qualitativa das cenas e enredos do filme, buscou-se visualizar a surdez como diferença linguística e cultural, refletindo ainda frente às demais obras que abordm este tema. Contudo, refletindo sobre a forma em que a surdez é apresentada no filme Babel, pode-se perceber a valorização e reconhecimento da diferença, além de serem visíveis os astefatos da curtura surda, e acima de tudo, a obra aborda a surdez como parte secundária, não dando foco a “deficiencia”. Palavras-chave: Surdez; Diferença cultural; Filme Babel. 1. INTRODUÇÃO O cinema constitui-se um recurso comunicativo potencializador da linguagem audiovisual. Como tal, tem a possibilidade de influenciar a opinião das pessoas ao permitílas as mais diversas interpretações das temáticas abordadas nas obras cinematográficas. Esta possibilidade de tocar nas percepções das pessoas faz do cinema um área fértil no sentido de ampliar as discussões sobre necessidades especiais e Educação Especial quando abordadas nos enredos das obras, considerando-se a potente ferramenta comunicativa que é. O presente trabalho apresenta uma análise do filme Babel, partindo das questões que tangem a surdez e os aspectos interligados a estes sujeitos. Desta forma, objetivou-se discutir frente a visualização do surdo na relação diferença/deficiência, refletindo sobre as formas como os surdos não narrados na obra cinematográfica. Para tanto, buscou-se visualizar o surdo e/ou a surdez como diferença cultural e linguística, propondo discutir sobre as representações destes sujeitos, tendo como base primordialmente a diferença lingüística que os caracteriza. As narrativas culturais presentes em filmes sobre a surdez podem contribuir para a reflexão sobre os tempos e espaços de aprendizagem para o surdo, bem como aos estudos nesta área do conhecimento. De acordo com Thoma (2006b) o cinema pode funcionar para 1 produzir conhecimento, fixar identidades e instaurar sentido sobre os sujeitos surdos. Neste contexto, pode-se considerar que os filmes são constituídos de uma intertextualidade de saberes sobre a alteridade surda que não são neutros, nem unânimes. (THOMA, 2006b). Nesse sentido, se faz necessário aqui uma breve explanação sobre o filme elencado para análise, Babel. Este filme, de gênero drama, foi lançado em 2006, com direção de Alejandro González Iñárritu, roteiro de Guillermo Arriaga e Alejandro González Iñárritu. Seu enredo retrata a história de três famílias que têm suas vidas cruzadas em razão de um mesmo fato. Iniciando o filme, encontra-se um ônibus repleto de turistas que atravessa uma região montanhosa do Marrocos. Entre os viajantes estão Richard e Susan, um casal de americanos. Ali perto os meninos Ahmed e Youssef manejam um rifle que seu pai lhes deu para proteger dos chacais a pequena criação de cabras da família. Um tiro que parte do rifle atinge o ônibus, ferindo Susan. A partir daí o filme mostra como este fato afeta a vida de pessoas em vários pontos diferentes do mundo: nos Estados Unidos, onde Richard e Susan deixaram seus filhos aos cuidados da babá mexicana; no Japão, onde um homem tenta superar a morte trágica de sua mulher e ajudar a filha surda a aceitar a perda de sua mãe; no México, para onde a babá acaba levando as crianças; e ali mesmo, no Marrocos, onde a polícia passa a procurar (equivocadamente) suspeitos de um suposto ato terrorista. Partindo deste enredo, buscou-se analisar as tramas relacionadas com a surdez, esclarecendo-se que no presente filme a mesma é apresentada com certa distinção dos demais filmes que abordam a temática, pois, como nos traz Amaral (1998), existe forte tendência de se perceber o diferente ou como herói, ou como vilão, ou como vítima, ou até mesmo passando de um estereótipo para outro. Nesta obra a surdez encontra-se como parte do enredo, não sendo dado destaque apenas a esta temática, fazendo parte da trama com maior naturalidade. Neste contexto, a discussão abordada aqui traz para analise a forma diferenciada em que o filme Babel apresenta o sujeito diferente, sendo que o sujeito surdo faz parte do enredo do filme, como qualquer outro individuo (diferentemente de diversas obras que enfatizam a surdez, como problemática do filme). A surdez pode ser vista como elemento comum de nosso mundo, sendo que a maioria das situações vividas pela personagem surda se configura em conflitos comuns aos jovens como, drogas, sexo, virgindade, namoro, além da problemática maior apresentada no enredo da obra, a aceitação da morte de sua mãe. No entanto, o filme não deixa de apresentar o preconceito e a não aceitação da diferença que ainda permanece em nossa sociedade. Apesar de a surdez estar mais difundida e reconhecida como uma diferença cultural e lingüística a dificuldade de aceitação e entendimento pela sociedade é evidente. Acreditamos que a analise deste material cinematográfico nos trará significativas contribuições na reflexão frente a educação especial e as narrativas apresentadas dos 2 diferentes, neste caso da surdez. Sendo assim, nesta forma de trabalho realizado (análise da diferença/deficiência em filmes) concordamos com Eizirik (2001) quando nos diz que “algumas questões não se dirigem a respostas, mas permitem exercitar o pensamento e transitar por algumas categorias que poderiam nos ajudar a refletir sobre a educação especial”. 2. A SURDEZ NO FILME BABEL Ao pensar na educação do surdo nos espaços e tempos atuais se sobressai a ideia de sujeito constituído a partir de sua diferença cultural e linguística. Atualmente, observamos o termo “diferença”, por diversas vezes, ligado a assuntos que se referem às deficiências, ao que antigamente chamavam estranho, pervertido — o caso da homossexualidade é um exemplo — ou àquilo que se considera ruim, fora do padrão e, neste caso, o termo vem como um providencial eufemismo. Além do mais, na busca de uma explicação da “diferença” a sociedade acaba por fazer distinção, classificação, em fim, busca-se uma definição. Neste particular Eizirik (2001) nos aponta que Para definir algo, buscar saber o que uma coisa é, procuramos delimitá-la em relação a outras coisas, explicitar as diferenças. Essa reflexão também vale para as pessoas. A definição é, portanto, a base do recorte da diferença, que organiza, limita lugares, compõe ordens lógicas, dá significados. (s. p.) No entanto, em uma retrospectiva do filme Babel, encontra-se na forma naturalizada em que a diferença-surdez é apresentada, aspectos próprios da cultura surda, os artefatos culturais como o aparelho de celular através do uso de mensagens, além da tecnologia de aparelhos que proporcionam visualizar quem está conversando, como o uso de Skype. Também mostra a campainha luminosa que havia na casa da personagem, esta que é uma ferramenta fundamental na vida dos surdos. Os artefatos utilizados pelos sujeitos surdos fazem referência a sua própria cultura. Assim, torna-se importante reportar que os artefatos culturais são as peculiaridades da cultura surda, tudo o que se vê e se sente quando em contato com a cultura de uma comunidade (STROBEL, 2008). A utilização de artefatos culturais pertencentes na cultura surda aproxima os sujeitos que são usuários desses elementos na sua rotina. Strobel (2008) nos aponta alguns artefatos culturais bastante significativos aos surdos, como: experiência visual, linguístico, familiar, literatura surda, vida social e esportiva, artes visuais, política e materiais. Desse modo, um artefato bastante presente no filme é os materiais, os quais foram citados anteriormente. Outro artefato fundamental é o linguístico, o qual é representado pelo uso da Língua de Sinais – LS, a língua natural do surdo. A LS está para o surdo como forma de construção 3 de identidade, da sua cultura, dos processos de aprendizagem e interações sociais, na compreensão de mundo, exercendo papel fundamental na construção do conhecimento do surdo. É através da sua língua natural, que o surdo organiza seu pensamento. A língua de sinais possibilita o desenvolvimento do surdo em todos os seus aspectos, cognitivo, sócioafetivo-emocional e lingüístico (BRASIL, 2008). Além do mais, esta língua fornece todo o aparato linguístico necessário para a estruturação do pensamento e a aquisição da segunda língua, o português escrito (QUADROS, 1997). Em fase disso, pode-se evidenciar no filme a estreita relação da personagem surda Chieko com o uso da Língua de Sinais, bem como o seu eficiente desenvolvimento, entendimento de mundo, e até mesmo no uso da língua japonesa escrita, sua segunda língua, além da leitura labial. Isso tudo, proporcionado pelo uso dominante de sua língua natural. Ainda, outro fato essencial na presente análise, para além do uso da língua, é seu grupo de amigos serem surdos, abordando a questão da identidade surda, a qual é construída através do uso de sua língua natural, identificando-se com seus iguais. Isso possibilita a auto-estima, bem como, o seu reconhecimento como individuo culturalmente diferente, além de se reconhecer e principalmente aceitar-se como grupo cultural e linguístico distinto. A compreensão que a língua de sinais oferece está diretamente ligada à forma como o sujeito percebe a si mesmo, pois o transporta do lugar de surdo (deficiente auditivo) para o lugar onde este sujeito é reconhecido por sua comunicação em língua de sinais. Podemos dizer que este reconhecimento cultural só irá acontecer no momento em que o próprio sujeito surdo se colocar no lugar de um membro da cultura surda, fazendo valer sua identidade. Reportando novamente ao filme, uma cena nos faz refletir sobre a relação surdezdiferença lingüística-aceitação. Nesta cena, Chieko e sua amiga saem para encontrar outros amigos surdos, ao chegar encontram alguns meninos ali por perto, Chieko pergunta quem são, a outra amiga responde que são primos dela, então ela logo pergunta: “ele é surdo e mudo como nós?”, a amiga responde: “Não, mas entende algumas coisas” além do uso do termo “surdo e mudo” que mais adiante discutiremos, este diálogo nos abre diversos caminhos a serem refletidos. Primeiramente a questão de identidade, e também de diferença ao perguntar se eles são surdos “como nós”, fica evidente no filme a busca de relacionamentos com seus iguais. Sendo que, com a resposta da amiga, “Não, mas entende algumas coisas”, está diretamente ligada ao uso da língua materna. Ou seja, a própria jovem surda se visualiza como diferente e busca sua identidade que se explicita através da língua, da diferença linguística. 4 A identidade aqui construída pelo sujeito surdo deve ser estabelecida a partir da sua língua materna, como já dito anteriormente, porém a grande preocupação é o reconhecimento dessa diferença, pela sociedade (composta na maioria por ouvintes), ou seja, fazer com que se perceba isso por um viés linguístico. Além disso, pode-se destacar que as identidades são construídas dentro das culturas de acordo com visão e identificação a essa cultura, o modo com que se percebe o mundo é determinado pela cultura na qual se está inserido. Segundo Perlin (apud STROBEL, 2008 p. 24) “as identidades surdas são construídas dentro das representações possíveis da cultura surda, elas moldam-se de acordo com maior ou menor receptividade cultural assumida pelo sujeito”. Para Hall (2000, p.40) “as identidades tem a ver com a questão da utilização dos recursos da história, da linguagem e da cultura para a produção não daquilo que nós somos, mas daquilo no qual nos tornamos”. Sendo assim, é através da identidade constituída que dar-se-á sentido aos novos aprendizados, ou seja, aquilo que nos tornamos. Seguindo ainda a análise do trecho exposto acima, chama-se atenção ao termo usado no filme para se referir ao surdo. O termo “surdo e mudo” é usado na tradução do filme, porém sabe-se que este não é o termo correto. Tendo em vista que o filme é relativamente atual e já aborda a surdez com mais fidedignidade, pensamos que possa ser um equívoco na forma de tradução da fala original. Mesmo assim, este tipo de falha demonstra falta de entendimento da temática abordada, isto que a sociedade ainda tem esse entendimento e muitas vezes refere-se a estes sujeitos como “mudo” ou “mudinho”. Como coloca Thoma (2006b) sobre a análise de filmes que abordam a surdez “as formações discursivas sobre os surdos presentes nos filmes analisados são derivadas de saberes que, em geral, falam de sujeitos patológicos, anormais, sujeitos a corrigir”. A temática, muitas vezes é guiada por conhecimentos superficiais ou equivocados da área. A cena do filme que apresenta a interação dos jovens surdos e ouvintes mostra de certa forma a aceitação da surdez como diferença, sendo que os meninos ouvintes se relacionam normalmente com as jovens surdas, deixando-se claro que os mesmos eram primos de uma surda, o que permite maior conhecimento e aceitação. Em contraponto a esta cena, encontra-se outra em que há a não aceitação da diferença e sim o preconceito por parte de outros jovens. Pode-se perceber que mesmo a jovem vivendo sua condição com acesso a escola, adaptações cotidianas, aceitação familiar e de seu grupo, o preconceito, ainda assim, está presente em determinadas situações. Sobre preconceito, encontramos em Amaral (1998) que são conceitos formados anterior a experiência, e nesse sentido as atitudes que baseiam-se em conteúdos emocionais (atração, amor, admiração, medo, raiva , culpa) “são como filtros de nossa percepção, colorindo o olhar, modulando o ouvir, modelando o tocar...” (AMARAL, 1998, 5 p.17). Ou seja, de acordo com a autora acima referida, são barreiras atitudinais, anteparos interpostos nas relações entre duas pessoas, onde uma tem uma predisposição desfavorável em relação a outra em condições preconizadas como ideais. (AMARAL, 1998, p.17). Exemplificando o preconceito demonstrado no filme, recorda-se uma cena em que, ao estar em uma lanchonete com suas amigas, passam a realizar trocas de olhares e paquera com alguns rapazes. Um deles chega até as meninas e ao iniciar uma conversa com Chieko percebe que são surdas. O jovem, imediatamente, volta rindo à mesa em que estava com seus amigos e com tom de deboche diz: “seus babacas, que vergonhoso”. Este trecho nos leva ao que Amaral (1998) chama de “generalização indevida”, a autora nos apresenta este termo como uma representação que consiste basicamente na generalização da deficiência no sujeito que a apresenta. O sujeito deficiente não é percebido como a pessoa que realmente é, suas qualidades, posição social, etc. Não, ele é visto como o sujeito da falta, aquele que não possui determinada característica fundamental aos parâmetros da normalidade. Destacando, nas palavras da autora: “Generalização indevida” refere-se à transformação da totalidade da pessoa com deficiência na própria condição de deficiência, na ineficiência global. O indivíduo não é alguém com uma dada condição, é aquela condição específica e nada mais do que ela: é a encarnação da ineficiência total. (AMARAL, 1998, p. 16 e 17) Percebe-se que a sociedade vê o diferente a partir da ótica de cultura única e universal (VEIGA-NETO, 2002), ainda apresenta a não aceitação e reconhecimento de outra cultura que não seja a ouvinte. Nesse sentido, Veiga-neto (2002) traz os conceitos de única como sendo aquilo que melhor havia sido produzido, e universal porque se refere à humanidade, sendo um conceito totalizante, sem exterioridade. Essa universalização da cultura ouvinte acaba por desconsiderar os elementos da cultura surda, como a língua, levando o sujeito surdo a ser percebido como deficiente. Neste contexto, encontra-se respaldo em Rangel & Stumpf ao afirmar que: A ressignificação da surdez, como representação de uma diferença cultural, possibilita ao sujeito profundo sentimento de pertencimento, e o leva a inserir-se no social, fazendo parte de um grupo naturalmente definido de pessoas, de práticas e instituições sociais. (2004. p.87) A percepção da surdez como deficiência no lugar de diferença linguística e cultural, acaba por refletir no sujeito surdo uma visão pejorativa da própria condição. Esta questão é evidenciada através da fala da personagem após a rejeição do jovem na lanchonete, “eles nos olham como se fôssemos monstros”. Eizirik (2001), através da idéia transmitida por Foucault, refere que a exclusão: 6 [...] está ligada ao gesto originário de separação sobre o qual se instala uma cultura e que se desenvolve através do tempo, indefinidamente se reproduzindo, por formas as mais diversas do que apenas as da repetição. A exclusão se faz por meio das instituições, dos regulamentos, dos saberes, das técnicas e dos dispositivos.(s.p.) Além da ação descrita acima a qual há uma relação de deboche entre os jovens, a percepção que o próprio sujeito surdo acaba tendo de si nos faz refletir frente a relação explanada por (AMARAL, 1998) a qual o sujeito diferente é visto apenas como uma condição especifica que caracteriza tal diferença. Esta visão, por vezes, afeta a relação do individuo e a sociedade, visto que, como retratado no filme, Chieko busca mecanismos que lhe permitam ser aceita nesta sociedade, refletindo muitas vezes em outros problemas que abrangem sua sexualidade e convivências com outros grupos. 3. METODOLOGIA A presente apreciação crítica do filme Babel segue uma abordagem qualitativa, pois “trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes” (MINAYO, 2001, p. 21). Dessa forma, através dos preceitos de Análise de Conteúdo, buscamos perceber e inferir relações existentes entre os discursos em que os diferentes são narrados em obra cinematográfica, neste caso no filme Babel. Nesse sentido, Minayo (2011, p.84) nos traz que através da Análise de Conteúdo "podemos caminhar na descoberta do que está por trás dos conteúdos manifestos, indo além das aparências do que está sendo comunicado". Assim sendo, procurou-se ir além das cenas e dos efeitos, buscando-se, através da análise do filme, aproximar e refletir sobre pequenas ações nas “entrelinhas” da narração do mesmo, com intuito maior de perceber o surdo dentro de um contexto maior o qual aproxima “exclusão/preconceito” com reconhecimento de sua diferença linguística e cultural. Segundo Panafria, a análise de um filme consiste basicamente em: [...] explicar/esclarecer o funcionamento de um determinado filme e proporlhe uma interpretação. Trata-se, acima de tudo, de uma actividade que separa, que desune elementos. E após a identificação desses elementos é necessário perceber a ar ticulação entre os mesmos. Trata-se de fazer uma reconstrução para perceber de que modo esses elementos foram associados num determinado filme. (2009, p.1 e 2) Desta forma, buscou-se destacar partes da obra, relacionando-as paralelamente à discussão pretendida, ou seja, a surdez como diferença cultural. Além disso, procurou-se identificar os elementos pertencentes a essa diferença cultural afim de refletir os aspectos entre diferença e deficiência na obra Babel. 4. RESULTADOS E DISCUSSÕES 7 Corroborando com o exposto, Thoma (2006b) ao proceder uma análise dos discursos representados através de filmes sobre surdez traz a idéia de discurso na perspectiva de Foucault a qual o discurso “serve para entender como os significados são produzidos” Thoma (2006b, p.1). Logo, os discursos são produzidos “a partir da atuação dos indivíduos na produção de significados e de relações sociais” (THOMA, 2006, p.1). E deste modo Hall (apud THOMA, 2006a), nos traz que os sujeitos são inventados através de significados, idéias e versões de mundo que possuem, “Os discursos são práticas sociais e implicam relações de poder” (THOMA, 2006a, p.2). Sendo assim, os discursos constroem significados, valores, crenças e emergem de visões particulares, de modos de agir e de pensar sobre o mundo, portanto não deixam à parte as relações de poder. Seguindo esta idéia, concorda-se com Eizirik (2001, s. p.) ao afirmar que o “poder normaliza e confina, ao mesmo tempo em que constrói e produz efeitos e, também, exclui, porque nele (poder), suas técnicas, seus mecanismos e seus dispositivos, se reproduz o princípio de separação que o institui.”. Retomando a discussão entorno do filme Babel, a busca por aceitação da diferença em uma sociedade com princípios, valores e crenças já construídos sobre algo que muitas vezes não possuem conhecimento, leva a esta exclusão que emerge das relações de poder. Neste sentido, Eizirik (2001) através da idéia transmitida por Foucault, nos traz que a exclusão está ligada ao gesto originário de separação sobre o qual se instala uma cultura e que se desenvolve através do tempo, indefinidamente se reproduzindo, por diversas formas, não apenas as da repetição. (EIZIRIK, 2001). Em relação a percepção do sujeito diferente sobre si mesmo e a consecutiva busca de aceitação e imposição na sociedade, foi possível estabelecer uma relação com o que Amaral (1998) refere como mecanismos de defesa. Baseada em Bleger (1977) a autora diz que mecanismos de defesa são técnicas ou estratégias que a personalidade utiliza para manter o equilíbrio intrapsíquico, eliminando fontes de insegurança, perigo, tensão ou ansiedade, quando não é possível lidar com a realidade. Ou seja, é a fuga de situação que causa sofrimento, angústia. Apesar da autora referir a utilização de mecanismos de defesa por parte da sociedade frente ao diferente, infere-se aqui que algumas atitudes de Chieko podem também ser a manifestação de mecanismos de defesa no sentido de amenizar situações de tensão e angústia que causam desequilíbrio, como situações de exclusão. Como exemplo pode-se mencionar algumas cenas ligadas a sexualidade da adolescente, que acaba se vulgarizando para “ser aceita”. Entrando, vale destacar outro ponto a ser levantado no enredo do filme Babel, as diferentes culturas que se entrelaçam através de um acontecimento. E assim fica evidente, a forma em que é apresentada a surdez, como uma cultura diferente, ou seja, entre todas as 8 outras culturas mostradas, com suas peculiaridades, valores e crenças, e juntamente com a cultura do país a cultura surda é apresentada, mostrando, como já mencionado anteriormente, aspectos próprios da cultura surda, através dos artefatos e modos de ser/estar. Portanto, tem-se na palavras de Perlin (2004) A cultura surda é então a diferença que contém a prática social dos surdos e que comunica um significado. (...) o jeito de usar sinais, o jeito de ensinar e de transmitir cultura, a nostalgia por algo que é dos surdos, o carinho para com os achados surdos do passado, o jeito de discutir a política, a pedagogia, etc. (p.77). 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS A maioria dos filmes em que os diferentes são narrados, principalmente o sujeito surdo, estes indivíduos são apresentados em um desfecho em que há uma problematização em torno de sua diferença. No filme Babel, a naturalidade com que é abordada a surdez nos parece um meio eficaz de trazer esta questão à sociedade, pois poucos são os filmes que trazem personagens surdos sem que estes sejam o enfoque principal, a partir do qual se dá o enredo. Obviamente, é necessário e muito interessante mostrar a realidade vivida pelos sujeitos surdos, mas também trazer sua condição apresentada como aquela de uma pessoa que usa outra língua para se comunicar e partilha de uma cultura possuidora de peculiaridades, assim como a cultura mexicana, americana, japonesa, etc. Em vista disso, visualiza-se a distinção do filme analisado aqui em relação a visão transmitida pela mídia em geral a alguns anos atrás. Este fato pode ser percebido em alguns momentos do filme, como na comunicação de Chieko que ocorria sem empecilhos, visto que dominava a Língua de Sinais (LS) e também realizava a leitura labial além de já fazer uso do japonês escrito como segunda língua. A surdez, por muito tempo foi tratada como algo problemático, com preconceitos, com o isolamento do surdo e grande proibição da LS. A maioria dos filmes relacionados à surdez buscavam retratar problemas relacionados aos surdos, sua língua natural, sua comunicação, enfim, através se um discurso de quem são estes sujeitos. Enfim, a surdez na mídia teve muitas modificações nos últimos anos, sendo possível perceber que a temática é abordada com naturalidade, porém mostrando que ainda há preconceito e muito para ser discutido sobre as questões relacionadas à surdez. Observa-se ainda que houve um grande avanço, principalmente no entendimento de que a surdez não torna o surdo menos capaz que o ouvinte, que passam por conflitos de ordens semelhantes, como é mostrado no caso de Chieko em suas relações com os demais jovens, questões familiares, sobre sexualidade, etc. Apesar de parecer óbvio mencionar tal aspecto, acredita-se ser necessário, tendo em vista que encontra-se pensamentos como os de que “surdos são tarados”, “são irritados, 9 bravos”, “são sempre amigos”, “são muito inteligentes” ou “são burros”. Finalizando, Visualizou-se aqui a diferença - Surdez, ratificando a pertinência da reflexão acerca dos aspectos que caracterizam esta diferença e a forma como a sociedade e a mídia vêm mostrando tal questão atualmente. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMARAL. Sobre crocodilos e avestruzes: falando das diferenças físicas, preconseito e sua superação. In AQUINO J. G. (Org.) Diferenças e preconceitos na escola: alternativas teóricas e prática. 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