OLIVEIRA VIANNA E AZEVEDO AMARAL: VISÕES SOBRE
AUTORITARISMO NA ERA VARGAS
Priscila de Menezes Paladini1
RESUMO: Nesse trabalho faremos uma abordagem inicial do conceito de
autoritarismo no pensamento de Oliveira Vianna e Azevedo Amaral, especialmente,
em duas obras – O idealismo da Constituição (1939) e O Estado Autoritário e a
Realidade Nacional (1938), produzidas após a implantação do Estado Novo.
Observando a trajetória pessoal e intelectual dos autores, buscamos entender como
se deu o processo de construção de um pensamento político que acreditava no
autoritarismo como modelo político condizente com a realidade nacional e capaz de
construir uma nação.
PALAVRAS-CHAVE: Autoritarismo; Pensamento social no Brasil; Oliveira Vianna;
Azevedo Amaral.
Introdução
A República é proclamada no Brasil em 1889, mas a questão da formação
da nação já nos acompanha antes disso. Desde a segunda metade do século XIX,
diversos intelectuais estão se perguntando sobre a influência da herança colonial, da
questão racial, geográfica, nacional do Brasil, a procura dos motivos para o atraso
brasileiro em comparação aos países europeus2. Se durante o Império uma das
maiores preocupações era a manutenção da unidade territorial, na passagem para a
República será a da formação de uma identidade nacional. Com a passagem para o
modelo de governo republicano não houve, todavia, uma formação de um sentimento
de nacionalidade, pelo contrário, o povo não possuíra participação na consolidação da
República, por isso, a famosa alcunha de ‘bestializados’.
1
Universidade Federal de São Carlos, [email protected], Graduada em Ciências
Sociais pela UFSCar e mestranda em Ciência Política. Bolsista da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
2
Segundo Cepêda (2004), esta mudança pode ser entendida como um diálogo em que o foco
da questão nacional variou das questões do clima-geografia, da herança político-administrativa
portuguesa para temas relacionados ao problema da configuração social como a raça, a
cultura, a mentalidade, as instituições e por fim o dilema econômico com o surgimento da
explicação histórico-econômica do subdesenvolvimento.
1
Durante a Primeira República houve dois principais períodos, sendo eles:
República das Espadas, período da presidência de Deodoro da Fonseca e Floriano
Peixoto, e República do Café com Leite, período assim conhecido pelo revezamento
de presidentes mineiros e paulistas. Nesse período surge uma prática de dominação
que ocorre por todo o país, conhecida como coronelismo3, que prejudica fortemente o
desenvolvimento de um sentimento de nacionalidade, pois estabelece uma
solidariedade local, baseada em personalismos, fazendo com que um sentimento de
pertencimento a uma nação se esvaia, mantendo a sobreposição de relações privadas
em relação às públicas.4
Há um enorme gradiente de intelectuais pensando todas essas questões
acima apontadas.
Entre eles: Joaquim Nabuco, Tavares Bastos, Visconde de
Uruguai, Silvio Romero, Alberto Torres, Paulo Prado, Gilberto Freyre, Oliveira Vianna,
Azevedo Amaral, entre outros. Neste trabalho analisaremos dois destes autores,
Oliveira Vianna e Azevedo Amaral. Ambos filiados à mesma corrente de pensamento,
que acreditava no Estado enquanto responsável pela mudança social e pela
construção da Nação.
5
Estes autores escrevem durante a transição da Primeira
República para a Era Vargas e ambos acreditam no projeto político da Revolução de
1930 e do golpe de 1937 6.
Antes de nos determos na análise de seus livros, iremos traçar uma
pequena trajetória da vida e obra de Oliveira Vianna e Azevedo Amaral, mostrando
como se dá a aproximação com a corrente conservadora, quais são as influências
teóricas para, a partir disso, entender o pensamento de apoio ao regime Varguista
contido em O idealismo da Constituição, na edição de 1939, e Estado Autoritário e
Realidade Nacional, de 1938.
3
“O coronelismo, como entendido por Victor Nunes Leal, (...), formou um ciclo: começou com a
introdução do federalismo, subiu ao auge na Primeira República (1889-1930) e pode-se dizer
que acabou durante a centralização política do Estado Novo (1937-1945).” (CARVALHO, 2011:
337).
4
“A clanificação da vida social e política significa, sobretudo, a vitória do localismo sobre a
integração nacional, do espírito particularístico sobre o ‘sentimento de Estado nacional’. (...) O
predomínio da ordem privada sobre a ordem pública, sob a forma do caudilhismo (ou da
"clanificação") é uma barreira à integração do país: eis o seu mal maior.” (FERREIRA, 1996:
232).
5
“A imagem do Brasil que emerge do pensamento conservador é a de que esse é um país
fragmentado, atomizado, amorfo e inorgânico, uma sociedade desprovida de liames de
solidariedade internos e que depende umbilicalmente do Estado para manter-se unida.”
(BRANDÃO, 2005: 246)
6
“Era preciso operar um movimento pronto, enérgico, imediato de reação e defesa. Está claro
que só por um golpe de Estado era possível isso.” (VIANNA,1939: 124)
2
Oliveira Vianna: Trajetória pessoal e sua obra
Oliveira Vianna, nasce em Saquarema, Rio de Janeiro, no ano de 1883,
vindo de uma família de fazendeiros, segue carreira no direito, formando-se em 1906
pela Faculdade Livre de Direito do Rio de Janeiro, atual UFRJ. Seus primeiros artigos
são dos anos 1910, publicados em jornais. Suas grandes influências são os
pensadores franceses, como: Arthur de Gobineau, Gabriel Tarde, Georges Lapouge,
Hippolyte Taine, Edmond Demolins, Henri de Tourville, Le Play7, e também de
intelectuais brasileiros, como: Silvio Romero e Alberto Torres, estes, respectivamente,
responsáveis pela incorporação de uma lógica nacionalista, e na crença da
necessidade de um Estado forte. A partir de 1932, Oliveira Vianna será integrante do
Governo Vargas, trabalhando como consultor no Ministério do Trabalho, Indústria e
Comércio (1932-1940), e se tornando Ministro do Superior Tribunal de Contas (19401951), e ganhará também o título de imortal da Academia Brasileira de Letras em
1937.
Seu primeiro livro publicado é Populações Meridionais do Brasil (1920),
sendo uma das principais influências para a produção sociológica brasileira seguinte8.
Neste livro, Oliveira Vianna consagrará suas principais teses sobre a sociedade
brasileira, o amorfismo social, a ‘clanificação’ dos grupos sociais, a desintegração
territorial, a falta de identidade e sentimento de nacionalidade, a sobreposição do
privado sobre o público. Oliveira Vianna descreve 3 tipos de homens no Brasil e,
consequentemente, de formas de sociabilidade, o matuto, localizado na região centrosul, o sertanejo, localizado no norte9, e o gaucho, localizado ao sul do Brasil, no
entanto, para o autor, “não há tipos sociais fixos, e sim ambientes sociais fixos.”
(VIANNA, 1987: 18), ou seja, as regiões é que formam os tipos sociais e estes não são
imutáveis, posto que se um tipo social mudar de região, suas características também
mudarão. Ao se debruçar sob a composição da sociedade brasileira o que Oliveira
Vianna procura fazer é demonstrar que devido a nossa formação social peculiar,
7
Oliveira Vianna elenca estes autores em Populações Meridionais do Brasil (1987:14).
8
José Murilo de Carvalho (1991) diz: “Populações meridionais, tinha tido enorme êxito e critica
quase unânime. Os livros seguintes, embora sem a mesma repercussão, tinham consolidado a
fama do arredio fluminense”. Dizendo ainda que “é inegável a influência de Oliveira Viana
sobre quase todas as principais obras de sociologia política produzidas no Brasil após a
publicação de Populações meridionais”.
9
A época, a região Norte, englobava as atuais regiões Norte e Nordeste.
3
tínhamos que investigar nossa sociedade para, a partir disso, criar leis e instituições. O
mal de nossas elites era justamente o olhar para as instituições estrangeiras e o
desinteresse ao olhar nossa sociedade. Os movimentos democráticos na Europa
geraram um fascínio nas nossas elites e, “sob esse fascínio inelutável, perdem a
noção objetiva do Brasil real e criam para uso deles um Brasil artificial, e peregrino, um
Brasil de manifesto aduaneiro, made in Europe.” (VIANNA, 1987: 19). Vemos um
pequeno esboço daquilo que seria um conceito chave na obra de Oliveira Vianna, a
noção de idealismo utópico enquanto mal que afetava nossas elites. Esse conceito
começará a ser desenvolvido em O idealismo na evolução política do Império e da
República, publicado em O Estado de São Paulo em 1922 e ganhará forma em O
idealismo da Constituição, de 1927. Assim, o intuito de Vianna ao publicar Populações
Meridionais do Brasil é trazer os olhos de nossas elites para a sociedade brasileira,
sua mentalidade e formas de sociabilidade para, a partir disso, poderem governar o
Brasil, criando leis e instituições que, de fato, fizessem sentido para o povo que aqui
vivia.
Outros livros de Oliveira Vianna que entram nessa temática são: Pequenos
Estudos de Psicologia social (1921); O Idealismo na Evolução Política do Império e da
República (1922); Evolução do Povo Brasileiro (1923). Já em O Ocaso do Império
(1925), escrito em função do centenário de nascimento do Imperador Dom Pedro II e a
pedido do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Oliveira Vianna faz uma analogia
entre o período de transição do Império para a República com o período vivido nos
anos 1920; para o autor, ambos os períodos eram uma “época sem fisionomia”, onde
tudo era “vago, impreciso, incorpóreo.” (VIANNA, 1959: 98). Na sequência aparecem
O Idealismo da Constituição (1927); Problemas de Política Objetiva (1930); Raça e
Assimilação (1932); Formation ethnique du Brésil coloniel (1932) nessas obras Oliveira
Vianna trata dos assuntos “tradicionais” de sua obra e levanta a questão racial como
um dos impedimentos do desenvolvimento de uma sociedade com opinião pública
organizada. Podemos arrolar ainda as seguintes obras: Problemas do Direito
Corporativo (1938); As Novas Diretrizes da Política Social (1939); a segunda edição de
O idealismo da Constituição (1939), uma edição aumentada, que buscará justificar o
porquê da constituição de 1937 e do Estado Novo; Os Grandes Problemas Sociais
(1942); Instituições Políticas Brasileiras (1949). As próximas obras de Vianna são
publicadas postumamente, sendo elas Problemas de Organização e Problemas de
Direção (1952) e Introdução a História Social da Economia Pré-Capitalista no Brasil
(1958).
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Como podemos perceber, a obra de Oliveira Vianna é deveras extensa,
mas os temas pelo autor trabalhados permanecem recorrentes em toda a sua obra.
Aqui, daremos importância à segunda edição de O idealismo da Constituição, obra
publicada em 1939, após a implantação do Estado Novo em 1937. Antes de
aprofundarmos a análise da segunda edição de edição, focaremos na primeira edição
de O idealismo da Constituição, publicada em 1927, para entendermos o
desenvolvimento do pensamento do autor.
O idealismo da Constituição, publicado em 1927, é um livro que contêm
oito capítulos, alguns desses capítulos já haviam sido publicados em outros lugares,
como jornais e livros, um deles, com título homônimo, em 1924, no livro de Vicente
Cardoso, organizado por causa do centenário da Independência, Os outros capítulos
são: A primeira edição é composta pelos seguintes capítulos: O idealismo da
Constituição; O segredo da opinião inglesa; Opinião e governo; O poder da opinião e
as fontes da opinião; O papel político das classes econômicas; Organização
democrática das classes econômicas; O ostracismo do Império; e O idealismo de
Ingenieros. A edição de 1927 é publicada no contexto da revisão institucional e teórica
da herança da Constituição de 1891, acompanhada de uma onda de agitações
políticas que percorrem a sociedade brasileira: tenentismo, greves, criação do Partido
Comunista em 1922, mudanças estéticas e culturais profundas (Semana de 22),
agravamento da questão social, etc. e que gerarão as energias da Revolução de 1930.
Logo no prefácio do livro, Oliveira Vianna enuncia algumas questões
importantes, demonstrando que até aquele momento todas as nossas Constituições
haviam falhado devido ao fato de que “nenhuma dessas construções se assentou
sobre bases argamassadas com argila da nossa realidade viva, da nossa realidade
social, da nossa realidade nacional.” (VIANNA, 1939, XIV). Mais que isso, para o
autor, além de se seguir modelos de outras realidades, a confecção destes contratos
políticos ignorava a experiência histórica, singular para cada nação, e por decorrência
colocava as questões de maneira errada. Quando discutiam democracia queriam
organizar eleições, falando sobre representação política quando na verdade deveriam
preocupar-se em organizar a opinião pública. Para Oliveira Vianna, “não há maior
ilusão do que supor que no Brasil existe uma opinião organizada.”, portanto era
necessário “fazer evoluir a nossa democracia desta sua condição atual para uma
democracia de opinião organizada.” (VIANNA, 1939, XV). Para comprovar sua ideia, o
autor dá um simples exemplo: fala sobre a população rural que em sua maioria
dependente dos grandes senhores de terra, não podendo, portanto, exercer seus
direitos de forma autônoma. Em seguida, o autor levanta a questão, de quê adiantaria
5
a essas pessoas o voto, se elas não têm liberdade de opinião? Assim, não basta
alterar a natureza dos textos constitucionais, mas, sim realizar mudanças na ordem
econômica, social e jurídica, afim de “dominar o arbítrio dos mandões locais.”
(VIANNA, 1927: 66). O que Oliveira Vianna buscava era demonstrar os estragos
causados pelo idealismo presente nas nossas elites. No entanto, para o autor, nem
todos os idealismos são ruins. Para o autor, o que nós precisávamos era de leis
baseadas em nossa realidade social e nacional, ou seja, de homens carregados de
idealismo orgânico, que buscassem inspiração para as ideias e leis, observando
nossas formas de sociabilidade e não olhando para a Europa. Ou seja, há dois tipos
de idealismo, o idealismo utópico e o idealismo orgânico. Segundo Brandão (2007) a
oposição proposta por Vianna entre idealismo orgânico versus idealismo constitucional
(utópico) funcionariam como categorias explicativas da realidade, num primeiro nível, e
como programa político numa segunda dimensão. Assim, a partir da proposição
destas duas tipologias já na primeira edição Vianna identifica que os males do Brasil
referem-se a essa composição social – amorfa e orientada incorretamente por
instituições que não podem funcionar corretamente neste meio, afinal, não são frutos
de nossa realidade.
Assim, o objetivo de Vianna na primeira edição de O idealismo da
Constituição é fazer a genealogia do idealismo utópico como base da crítica a essa
mentalidade idealista de nossas elites. O que o autor faz é resgatar ideias já
encontradas em livros anteriores (sentimento de clã; desinteresse de nossas elites
pelo país; insolidarismo) com a noção de idealismo utópico, e faz a análise da
sociedade, justamente, para mostrar o porquê do insucesso da Constituição de 1891.
Há, em 1927, um diagnóstico bem construído sobre os problemas do Brasil, porém,
apesar de acreditar nas elites esclarecidas (movidas pelo idealismo orgânico) para
superar essa condição do Brasil, não há nenhuma indicação de um projeto político, até
por que, Oliveira Vianna, até aquele momento, desacredita de qualquer movimento
social que não fosse genuinamente brasileiro.
Após essa breve apresentação da edição de 1927, entraremos na edição
de 1939 de O idealismo da Constituição. A edição de 1939 é construída num contexto
já muito diverso dos anos 1920. A Revolução de 1930 tenta romper com a política
liberal da Primeira República. Getúlio Vargas suspende a Constituição de 1891 e
passa a governar por decretos. Todavia, os paulistas fazem um protesto pela criação
de uma nova Constituição, o que resulta na Revolução Constitucionalista de 1932.
Apesar de derrotados na guerra, saem vitoriosos no campo político, é chamada uma
Assembleia Constituinte em 1933 e promulgada uma constituição em 1934. Oliveira
6
Vianna, se afasta do projeto da Constituição ao perceber seu caráter liberal, pois isso
significaria a manutenção de uma prática política que não fazia parte da realidade da
sociedade brasileira. A vitória dos paulistas, no entanto, dura pouco. Em 10 de
Novembro de 1937, após a Intentona Comunista (1935) e um suposto plano
comunista, Cohen, para evitar as eleições que aconteceriam em 1938, Getúlio Vargas
dá um golpe10 de Estado e é outorgada a nova Constituição. Segundo Oliveira Vianna,
a situação social brasileira, no período de 1934 a 1937, ficara insustentável, com
diversas explosões revoltosas, onde ninguém fazia absolutamente nada em defesa
dos interesses nacionais. Uma Constituição como a de 1934, segundo o autor só
poderia gerar grupos partidários preocupados apenas com interesses privados ou de
oligarcas locais. A Câmara dos Deputados
“que devia ser o órgão mais representativo da
opinião nacional, se transformara num ponto de encontro de
todos os politicalhos mais graduados dos estados, (...); mas,
onde, por isto mesmo, não havia nenhuma representação dos
grandes interesses do país.” (VIANNA, 1939: 145).
Os partidos políticos eram nada mais que clãs, portanto, preocupados
apenas com interesses privados de cada membro. Ou seja, a Constituição de 1934 só
fazia repetir todo o caos que ocorria na Primeira República, onde grupos oligárquicos
organizados em partidos impunham seus interesses através do Estado em
sobreposição aos interesses nacionais e públicos. Por isso a defesa incondicional do
Estado Novo, da Constituição de 1937, do golpe. Através disso é que venceríamos os
problemas nacionais. O Estado Novo era apenas uma reposta à experiência histórica.
A edição de 1939, de O idealismo da Constituição, é, claramente, uma
defesa e justificativa do novo modelo de governo. Com dezenove capítulos, sendo
onze novos. Primeiramente Oliveira Vianna demonstra os motivos que levaram a
outorga da Constituição de 1937 e os prementes motivos de sua necessidade.
Caracteriza os princípios da Carta, comparando com as anteriores e demonstrando as
diferenças entre ambas. Os pontos que Oliveira Vianna mais focam, dizem respeito à
centralização federativa, o fim do parlamento, organização corporativa, elementos que
não estavam postos nas outras Constituições.
10
“Era preciso operar um movimento pronto, enérgico, imediato de reação e defesa. Está claro
que só por um golpe de Estado era possível isso.” (VIANNA,1939: 124)
7
Oliveira Vianna afirma que a centralização política na figura do chefe do
executivo era devida transformação do parlamento num “óbice à eficiência da
administração pública.” (VIANNA, 1939: 122), e “estes grupos partidários, dominantes
da Câmara - absolutamente insignificativos, como se vê, do ponto de vista do
interesse público-(...). Foram além: transformaram a Câmara dos deputados e, centro
de agitações estéreis.” (VIANNA, 1939: 123).
Portanto, seguindo a lógica do autor, quando se assegura ao chefe da
nação maior poder, estaríamos, na verdade, fazendo com que os interesses da nação
fossem respeitados. Assim apenas com um golpe de Estado seria possível “salvar a
soberania da Nação, o prestígio do governo central, os interesses fundamentais da
ordem pública e da integridade nacional, ameaçadas pela sublevação dos Estados em
iminência de secessão.” (VIANNA, 1939:124) – dai as condições imperiosas do golpe
em 1937. O Estado Novo seria um regime de governo baseado numa Constituição
“que resulta de uma observação longa e direta do nosso meio político e das suas
peculiaridades, das falhas da nossa cultura cívica e dos seus reflexos sobre o
mecanismo dos poderes públicos.”. (VIANNA, 1939: 173).
Em seguida, o autor demonstra que a dissolução do Parlamento não
significa o fim da representação política, pelo contrário, significa que finalmente o
Estado irá olhar para os interesses nacionais em detrimento dos interesses locais, irá
prestar atenção nas fontes de opinião populares e expressivas, e aumentará o poder
do Executivo federal frente aos outros poderes – legislativo e judiciário- federais e
estaduais.
Um novo papel do Estado será garantir a integridade nacional,
assegurando “o desenvolvimento da unidade espiritual da Nação.” (VIANNA,
1939:128). Procurando diminuir as diferenças regionais, proíbe bandeiras, hinos e
escudos estaduais, havendo somente os nacionais, como forma de integração da
sociedade brasileira. Vale lembrar que uma das maiores discussões do período é
acerca da identidade nacional.
Durante toda a sua vida, Oliveira Vianna defendeu a necessidade de se
olhar para o Brasil e criar um regime político a partir de nossas necessidades. Quando
é instaurado o Estado Novo e a Constituição de 1937, conhecida como Polaca,
Oliveira Vianna procura distanciar fortemente o novo regime político brasileiro dos
governos nazi-fascistas europeus. A orientação do Estado Novo é o autoritarismo,
isso, no entanto, não o aproxima dos governos europeus, pois esses eram tidos como
totalitários na ótica de Vianna. Esse esforço de afastar o Estado Novo dos modelos
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europeus era justamente para demonstrar a originalidade desta nova forma de
governo e, por estar atento para a sociedade brasileira, o quão era necessário.
O autor não é um crítico da ideologia liberal em si, mas da inaplicabilidade
dela em terras brasileiras. A democracia é uma questão recorrente em sua obra,
porém, nos moldes liberais, até aquele momento, não funcionara no Brasil, por isso,
sugere a Democracia Autoritária, nesta, o Estado buscaria e fortaleceria as formas de
opinião, para que assim que esta estivesse constituída e fortalecida, houvesse a
possibilidade de uma democracia com voto direto, representação, nos moldes liberais.
Já nos anos 1940 a obra de Vianna se volta para os temas do direito
sindical, das organizações, isso, influenciado pelo trabalho nos Ministérios,
especialmente o do Trabalho. No entanto, apesar desta guinada em sua obra, em
1949, Oliveira Vianna volta à temática das instituições, da sociedade, da interpretação
do Brasil. Com o fim da II Guerra Mundial e do Estado Novo em 1945, inicia-se um
período conhecido como Democracia Populista, que vai de 1946 a 1964, com o Golpe
Militar em 31/03. O Estado Novo havia terminado, porém, os objetivos não haviam sido
todos conquistados. Tanto que quando escreve Instituições Políticas Brasileiras,
Oliveira Vianna está empenhado em descobrir quais são as distâncias entre as leis e o
povo, qual o motivo delas não se encaixarem, não funcionarem.
A crítica ao idealismo utópico de nossas elites não desaparece, pelo
contrário, a crítica às elites se torna ainda mais feroz, sendo que, para o autor, “a
nossa história política pode bem ser definida como a história das evoluções de um
povo em torno de uma ficção” (VIANNA, 1987, 14). No prefácio do livro Vianna
enuncia que pretende empreender uma ‘culturologia do Estado’, analisando o direitocostumeiro, praticado pelo povo massa, e o direito-lei, construído pelas elites, e que
muitas vezes, nada tinha a ver com as regras e leis praticadas no cotidiano. Existe
uma recusa dos dois grupos sociais, um recusa obedecer ao direito-lei, outro, no
entanto, não se importa em conhecer o direito-costumeiro11. Como diz Vianna, há
todo um sistema vivo e atuante de normas obrigatórias, regendo
longos setores da sociedade, (...) mas, inteiramente desconhecido
pelo direito oficial, elaborado pelas elites políticas e universitárias,
que compõe os corpos legislativos do Estado.(VIANNA, 1987: 16).
11
“O direito que surge desta atividade espontânea da sociedade é o direito-costume, o direito
do povo-massa, que as elites, em regra, desconhecem ou mesmo desdenham conhecer,
embora, às vezes, sejam obrigadas a reconhecê-lo e legalizá-lo.” (VIANNA, 1987: 15-16)
9
Assim, não só nossas elites políticas eram possuídas pelo idealismo
utópico, mas também nossos juristas, pois como diz o autor: “dominados pela
preocupação do direito escrito e não vendo nada mais além da lei, os nossos juristas
esquecem este vasto submundo do direito costumeiro do nosso povo”. (VIANNA,
1987: 17).
O que Vianna faz, portanto, é demonstrar as diferenças entre o país real e
o país legal, e consequentemente, o insucesso das constituições, das leis, das
instituições, pois essas, ao serem transferidas para cá, estavam fadadas ao fracasso.
O autor debruça-se sob a sociedade, para entender a sociabilidade do povo-massa,
mas também sob as instituições, para entender sua composição, e as razões para a
distância entre instituições políticas e a práticas sociais.
Mesmo após a experiência do Estado Novo (1937-1945), este, segundo
Vianna, um regime genuinamente brasileiro e capaz de superar nossas necessidades,
os mesmos problemas que o autor avistava nos anos 1920 apareciam no seu
horizonte político pós-Era Vargas, tanto que afirma estar “reconfirmando ideias
anteriores, desenvolvidas desde 1920- desde Populações. E daí este livro”. (VIANNA,
1987: 23).
Assim, podemos considerar Instituições Políticas Brasileiras uma obra
madura, em que Oliveira Vianna é capaz de compreender os limites do projeto político
do Estado Novo e quais os dilemas que ainda permaneceram no Brasil. Pois não
dependia apenas do empenho do Estado, mas também das modificações que
ocorriam na sociedade.
Azevedo Amaral: da medicina à entrada política
Antonio José de Azevedo Amaral nasceu no Rio de Janeiro, em 1881,
pertencendo a uma tradicional família carioca, e formou-se em medicina, em 1902, no
Rio de Janeiro, porém, jamais executou a profissão, dedicando-se a carreira de
jornalista e escritor, sendo um colaborador do Correio da Manhã durante toda a sua
vida e de diversos outros jornais. Além de obras de análise política, também traduziu
10
inúmeros títulos, tanto de ciências sociais como de romance estrangeiro para o
português. Viveu em Londres durante 12 anos, retornando ao Brasil em 1914.
Aproxima-se da questão política brasileira através da questão racial, sendo
um dos idealizadores do I Congresso Brasileiro de Eugenismo12, em 1929, onde
apresentou um artigo intitulado: O problema eugênico da imigração, defendendo o
estabelecimento de critérios para o aceite de imigrantes no Brasil, estes deveriam ser
capazes de transmitir uma boa herança genética (o que se refletiria no
comportamento, fenótipos, características gerais), ou seja, europeus. O discurso
biológico é presente durante os anos 1920 em seus artigos, porém, a partir dos anos
1930 essa questão será abandonada na sua obra. Amaral publicará Ensaios
Brasileiros em 1930, neste livro, Amaral tece duras críticas ao liberalismo político, o
considera falível e inviável para o Brasil; em 1934, será O Brasil na crise atual, pela
editora Companhia Nacional, a crise apontada por Amaral diz respeito à Constituição
promulgada em 1934, que retomava práticas da Primeira República, ou seja, um
passo atrás pós- revolução de 1930. Em seguida, serão lançados: A aventura política
no Brasil (1935), e Renovação Nacional (1936), ambos pela Livraria José Olímpio
Editora, e Estado Autoritário e a Realidade Nacional (1938) considerada a obra de
maior fôlego do autor, onde ele se debruça a uma fina análise da instauração do
Estado Novo e de sua necessidade política para a superação do atraso brasileiro. Sua
ultima obra é Getúlio Vargas- um estadista (1941). Amaral falece no Rio de Janeiro,
em 1942, não assistindo, portanto, o fim do Estado Novo. Ao contrário de Oliveira
Vianna, Amaral jamais trabalhou para o Estado.
Neste trabalho buscaremos fazer uma análise , ainda inicial, de O Estado
autoritário e a realidade nacional (1938), pois acreditamos ser este livro importante
para a análise do pensamento autoritário e para a compreensão do contexto de
implantação do Estado Novo.
O Estado autoritário e a realidade nacional é um livro publicado em 1938,
pela Livraria José Olímpio Editora, contêm sete capítulos e estes são: Antecedentes
do Estado Novo; fase de transição; a primeira Constituição brasileira; O estilo do
regime; a nação e o Estado; Organização econômica; Autoritarismo e liberdade; e
também prefácio e considerações preliminares.
12
Realizado na sede da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em julho de 1929, o
Congresso de Eugenia contou com a participação de mais de uma centena de intelectuais,
inclusive representantes de outros países da América do Sul. Os participantes eram médicos,
educadores, juristas, antropólogos, sociólogos e historiadores. Entre os inscritos, encontravamse importantes lideranças intelectuais das primeiras décadas do século XX, como Miguel
Couto, Roquette-Pinto, Belisário Penna, Affonso de Taunay, Alfredo Ellis, Azevedo Amaral,
Renato Kehl e Leonídio Ribeiro, para citar apenas alguns.(Souza et al. 2009: 767).
11
Poderíamos dizer que nesses capítulos todos o que faz Azevedo Amaral é
defender o regime político implantado com o golpe de 10 de Novembro de 1937. O
autor, no entanto, não quer ‘simplificar’ sua obra, diz que este livro “representa mais
um ensaio crítico, tendo por finalidade prosseguir no encadeiamento de estudos
sociológicos e políticos em torno dos problemas brasileiros” (AMARAL, 1938: 6), no
entanto, também no prefácio ressalta que o Estado Novo foi capaz de fazer com que
Estado e Nação estivessem identificados.
Azevedo Amaral faz uma análise histórica da situação política brasileira
junto à crítica aos marcos da democracia-liberal. Vê a Revolução de 1930 como um
fator que estava pra inaugurar um novo modo de fazer política no Brasil, tanto que
assim a explica:
A revolução de Outubro tivera causas profundas associadas ao curso
normal da evolução brasileira e a mutação política por ela precipitada
refletia os efeitos do trabalho instintivo de renovação nacional, que
vinha sendo preparada de há anos por um conjunto de fatores cujas
manifestações
ostensivas
se
patenteavam
no
crescente
descontentamento generalizado como os métodos e homens da
primeira República. (AMARAL, 1938: 105, grifos nossos).
No entanto, após a Revolução Constitucionalista de 1932, é instaurada
uma constituinte em 1933 e a Constituição é promulgada em 1934, esta constituição,
no entanto, era:
um monstro em que, aliás como se poderia prever, se amalgamaram
em
verdadeiro
pandemônio
ideológico
as
doutrinas
mais
contraditórias, as tendências mais antagônicas e os pontos de vista
mas irreconciliáveis. (AMARAL, 1938: 117.)
Portanto, “o regime instituído em 1934 evidentemente não poderia
subsistir.” (AMARAL, 1938: 188). Além de a Constituição trazer de volta as práticas da
Primeira República, há um período de intensa agitação política, tendo em vista o
desenvolvimento de diversas vertentes intelectuais que se propagavam e ganhavam
forças no Brasil. Tanto que em 1935, após a Intentona Comunista, há a instauração do
Estado de Sítio, fazendo com que o Governo perdesse seus traços democráticos,
ainda que com a elaboração de uma Constituição como a de 1934. Assim, Amaral
chega a conclusão de que “a democracia liberal (...) aparecia diante da consciência
12
nacional com os traços inconfundíveis de uma forma de organização estatal
inadaptável ao meio brasileiro.13” (AMARAL, 1938: 124.) Assim, devido ao fracasso da
Constituição de 1934 e ao momento de instabilidade política vivido no Brasil, ocorre o
golpe de 10 de novembro de 1937. Segundo o autor, essa era a forma de construir
uma “nova ordem baseada nas realidades do meio brasileiro e capaz de proporcionar
à Nação os meios de salvar-se e de iniciar pela primeira vez uma obra de organização
política e econômica racionalmente orientadas” (AMARAL,1938:126).
Nesse sentido, podemos perceber que Amaral tem uma análise do
Governo Vargas muito parecida com a de Oliveira Vianna.
Nos
capítulos
subsequentes,
Azevedo
Amaral
irá
demonstrar
a
originalidade da Constituição de 1937 e da sua necessidade para o Brasil, chegando a
denominá-la de “primeira constituição brasileira”, pois possuía “caráter realístico da lei
básica do Estado Novo” trazendo “inequivocamente impresso o sinete da brasilidade
dos seus autores” (AMARAL, 1938: 132).
Ou seja, além de haver uma Constituição pautada na realidade brasileira,
havia um chefe de nação forte. É inegável o apreço de Azevedo Amaral por Getúlio
Vargas, sendo esse citado durante todo o livro como o grande promotor das mudanças
que estavam acontecendo no Brasil. Vale lembrar que, em 1941, escreve um livro
falando apenas sobre Vargas.
O que podemos perceber em Estado Autoritário e a Realidade Nacional é
um exercício do autor para demonstrar a evolução política brasileira e a necessidade
da Revolução de 1930 e da formação do Estado Novo. Ou seja, podemos entender
Azevedo Amaral como:
um intelectual preocupado com o desenvolvimento nacional e com a
passagem do nosso país de uma etapa agro-exportadora para uma
etapa industrial. Esta passagem só poderia se dar, num país atrasado
social, econômica e culturalmente como o nosso, sob um Estado
autoritário, aqui representado pelo regime implantado em 10 de
novembro de 1937. (SAES, 2008: 77)
13
Mas, o aspecto mais negativo do período pós-30 teria sido a elaboração
constitucional de 1933-34, quando, inconscientes da inadaptabilidade do modelo
liberal-democrático em países atrasados como o Brasil, os constituintes, ao contrário
crentes de que o fracasso político da República Velha se devera exatamente ao
desrespeito, na prática, dos princípios liberal-democráticos contidos na Carta de 1891,
decidiram então criar uma carta onde, além de transparecer a heterogeneidade do
grupo que subiu ao poder em 1930 com leis que se contradizem umas às outras,
consolidava-se a pureza liberal-democrática com a garantia não somente da
representação, mas também da transparência das eleições (adoção do voto secreto,
implantação da Justiça Eleitoral, etc.). (SAES, 2008: 69).
13
Autoritarismo enquanto método
Dois conceitos aparecem diversas vezes em O idealismo da Constituição,
e são: democracia e autoritarismo. Aparentemente antagônicos no debate atual, nos
anos 1930 pareciam não possuir grandes diferenças.
O Estado Novo é um Estado autoritário, isso, porém, não significa para
Oliveira Vianna uma orientação anti-democrática. Vianna inclusive diz: “é indiscutível,
pois, o espírito democrático da nova estrutura constitucional.” (VIANNA, 1939: 164).
Tal afirmação é corroborada por Azevedo Amaral em Estado autoritário e realidade
nacional, em que afirma que:
O Estado Novo é essencialmente uma organização de tipo
incontestavelmente democrático. A adoção do principio autoritário
como postulado básico da organização estatal não contradita a
fisionomia democrática do regime. (AMARAL, 1938: 175)
Oliveira Vianna demonstra as diferenças do Estado Novo para governos
totalitários, pois no governo autoritário os direitos individuais eram respeitados,
diferentemente dos governos totalitários, que aniquilam os indivíduos e suas
personalidades. O Estado é autoritário, pois se baseia na autoridade. Sendo assim, “o
sentido da Constituição de 1937 é, pois, o da democracia social ou, melhor, da
democracia corporativa.” (VIANNA, 1939: 216). Essa democracia é diferente do
modelo já tradicional de democracia, o liberal. Para que haja democracia é necessário
que haja opinião, e é através do Estado Novo que a opinião será organizada, como
fica claro nas palavras de Vianna:
Só há uma orientação possível ao Estado autoritário: procurar as
fontes da democracia nas classes organizadas através de seus
órgãos mais legítimos de expressão: associações profissionais,
instituições sociais e corporações de cultura. (VIANNA, 1939: 211).
Assim, para Vianna, no Estado Novo “o princípio democrático adquire uma
significação mais expressiva.” (VIANNA, 1939:169). Isso porque, finalmente, iria
chegar aos ouvidos do Estado à opinião organizada, voltada para o interesse nacional,
e não a opinião de grupos segmentados, de oligarquias que faziam com que o Estado
14
governasse para seus próprios interesses. A organização da opinião através das
corporações era necessária, pois assim o Estado estaria orientado conforme os
interesses públicos e nacionais, e a construção da Nação seria uma possibilidade. É
curioso notar que, concomitantemente ao surgimento de um projeto de Estado na obra
de Oliveira Vianna e de Azevedo Amaral, no caso o modelo autoritário, representado
pelo Estado Novo, a questão da raça vai desaparecendo de suas análises como um
entrave a construção da nação. Sendo assim, questões como raça, região, clima vão
perdendo importância frente a necessidade de se construir organizações de
representação profissionais, afinal, é fundamental a organização da política em torno
das profissões, para Oliveira Vianna, sendo um dos primeiros a declarar a importância
do corporativismo.
Em O Estado Autoritário e a Realidade Nacional, democracia e
autoritarismo aparecem a todo o momento também e a avaliação que Amaral faz do
Estado Novo é muito similar a de Oliveira Vianna, tanto que:
“há acordos quase integrais nas prescrições políticas e institucionais
dos anos trinta, consubstanciados em elogios de Amaral às reformas
realizadas por Vargas, que têm em Vianna um dos principais
formuladores” (PIVA, 2000, 192).
Tanto em Vianna quanto em Amaral há a crítica constante ao
distanciamento entre as leis constitucionais e a realidade brasileira, corroborando o
pensamento de que:
O ‘erro’, a ‘anomalia’, a ‘doença’ estão na organização política (esta
sim portuguesa, exótica) que na nossa história sempre se mostrou
divorciada, desvinculada e até contraditória, por seu artificialismo e
indiferença, face à realidade a que deveria representar e impulsionar.
(PIVA, 2000: 191).
O fracasso do modelo político liberal, devido o seu distanciamento da
nossa realidade, explica o fascínio de Oliveira Vianna e Azevedo Amaral frente à Carta
Constitucional de 10 de novembro de 1937 e o Estado Novo. Por isso há um grande
esforço em desvincular o autoritarismo do nazismo alemão e fascismo italianosegundo os autores, regimes totalitários- do autoritarismo, pois este seria um estilo de
15
regime orgânico ao Brasil, seria, finalmente, um constructo nacional14. Para Amaral, a
diferença que existe entre autoritarismo e democracia só ocorre quando essa possui
um caráter liberal. No entanto, não há só um tipo de democracia, há a democracia do
tipo autoritária, sendo que, muitas vezes, somente o autoritarismo pode ser
responsável para a manutenção de um regime democrático, como podemos ver
“somente uma forma de governo autoritário é capaz de permitir o desenvolvimento
normal da democracia e das suas instituições.” (AMARAL, 1938: 175).
Portanto, podemos concluir que, para Azevedo Amaral,
o Estado Novo realizou a missão histórica maior, a de promover o
encontro entre a realidade e a institucionalidade política, entre o
determinismo que leva a formas autênticas e racionais de
organização política e a razão criadora fiel à realidade e indutora das
novas fases de desenvolvimento. Por isso, o estado novo é a
realidade nacional. (PIVA, 2000, 192).
Assim, o Estado Novo seria o construtor da Nação brasileira, era através
dele que seríamos capazes de romper com os entraves do desenvolvimento
brasileiro15, isso fica claro quando Amaral atribui a Constituição de 1937 a seguinte
responsabilidade: “imprimiu as novas instituições brasileiras um cunho tão nitidamente
nacionalista, precisamente porque nelas se reafirma a histórica fisionomia democrática
do nosso povo e das nossas tradições.” (AMARAL, 1938: 177).
O que salta a vista nesse momento é que abraçar o autoritarismo enquanto
modelo político não impedia de ter a democracia como meta. Não nos moldes da
14
O autoritarismo político seria representado pelo reforçamento da autoridade
governamental e a concentração de poderes nas mãos do Chefe de Estado. Isto não seria
peculiar ao fascismo ou ao comunismo, mas representaria uma tendência universal decorrente
da falência da democracia liberal. (Lucia Lippi Oliveira, in: Gomes, 1982:53.)
15
‘Como se o Estado Novo culminasse e confirmasse também o sentido de sua leitura
histórica e teórica- e assim inteirasse, no Brasil e no seu interprete, a alma que lhes estava
incompleta. (PIVA, 2000: 215).
16
democracia-liberal europeia, mas uma democracia à brasileira16, baseada nas nossas
formas de sociabilidade e organização.
Assim, buscamos, com uma abordagem inicial, demonstrar a maneira
como esses dois intelectuais definiam o conceito de autoritarismo, aplicado ao caso
brasileiro, e de sua necessidade para a construção de um Estado Democrático,
democracia aqui, entendida numa outra chave interpretativa, que estava de acordo
com as bases da nossa realidade, diferentemente do liberalismo, que fracassara
durante a Primeira República, sendo possível, a partir da implementação do Estado
Novo, a construção da nacionalidade brasileira.
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16
“e esta é defendida na retórica de Azevedo Amaral, que, assim como Oliveira Vianna, vê no
liberalismo a ‘falsa democracia’ e o desvirtuamento da ‘verdadeira’”. (PIVA, 2000: 195).
17
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