OLIVEIRA VIANNA E AZEVEDO AMARAL: VISÕES SOBRE AUTORITARISMO NA ERA VARGAS Priscila de Menezes Paladini1 RESUMO: Nesse trabalho faremos uma abordagem inicial do conceito de autoritarismo no pensamento de Oliveira Vianna e Azevedo Amaral, especialmente, em duas obras – O idealismo da Constituição (1939) e O Estado Autoritário e a Realidade Nacional (1938), produzidas após a implantação do Estado Novo. Observando a trajetória pessoal e intelectual dos autores, buscamos entender como se deu o processo de construção de um pensamento político que acreditava no autoritarismo como modelo político condizente com a realidade nacional e capaz de construir uma nação. PALAVRAS-CHAVE: Autoritarismo; Pensamento social no Brasil; Oliveira Vianna; Azevedo Amaral. Introdução A República é proclamada no Brasil em 1889, mas a questão da formação da nação já nos acompanha antes disso. Desde a segunda metade do século XIX, diversos intelectuais estão se perguntando sobre a influência da herança colonial, da questão racial, geográfica, nacional do Brasil, a procura dos motivos para o atraso brasileiro em comparação aos países europeus2. Se durante o Império uma das maiores preocupações era a manutenção da unidade territorial, na passagem para a República será a da formação de uma identidade nacional. Com a passagem para o modelo de governo republicano não houve, todavia, uma formação de um sentimento de nacionalidade, pelo contrário, o povo não possuíra participação na consolidação da República, por isso, a famosa alcunha de ‘bestializados’. 1 Universidade Federal de São Carlos, [email protected], Graduada em Ciências Sociais pela UFSCar e mestranda em Ciência Política. Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). 2 Segundo Cepêda (2004), esta mudança pode ser entendida como um diálogo em que o foco da questão nacional variou das questões do clima-geografia, da herança político-administrativa portuguesa para temas relacionados ao problema da configuração social como a raça, a cultura, a mentalidade, as instituições e por fim o dilema econômico com o surgimento da explicação histórico-econômica do subdesenvolvimento. 1 Durante a Primeira República houve dois principais períodos, sendo eles: República das Espadas, período da presidência de Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, e República do Café com Leite, período assim conhecido pelo revezamento de presidentes mineiros e paulistas. Nesse período surge uma prática de dominação que ocorre por todo o país, conhecida como coronelismo3, que prejudica fortemente o desenvolvimento de um sentimento de nacionalidade, pois estabelece uma solidariedade local, baseada em personalismos, fazendo com que um sentimento de pertencimento a uma nação se esvaia, mantendo a sobreposição de relações privadas em relação às públicas.4 Há um enorme gradiente de intelectuais pensando todas essas questões acima apontadas. Entre eles: Joaquim Nabuco, Tavares Bastos, Visconde de Uruguai, Silvio Romero, Alberto Torres, Paulo Prado, Gilberto Freyre, Oliveira Vianna, Azevedo Amaral, entre outros. Neste trabalho analisaremos dois destes autores, Oliveira Vianna e Azevedo Amaral. Ambos filiados à mesma corrente de pensamento, que acreditava no Estado enquanto responsável pela mudança social e pela construção da Nação. 5 Estes autores escrevem durante a transição da Primeira República para a Era Vargas e ambos acreditam no projeto político da Revolução de 1930 e do golpe de 1937 6. Antes de nos determos na análise de seus livros, iremos traçar uma pequena trajetória da vida e obra de Oliveira Vianna e Azevedo Amaral, mostrando como se dá a aproximação com a corrente conservadora, quais são as influências teóricas para, a partir disso, entender o pensamento de apoio ao regime Varguista contido em O idealismo da Constituição, na edição de 1939, e Estado Autoritário e Realidade Nacional, de 1938. 3 “O coronelismo, como entendido por Victor Nunes Leal, (...), formou um ciclo: começou com a introdução do federalismo, subiu ao auge na Primeira República (1889-1930) e pode-se dizer que acabou durante a centralização política do Estado Novo (1937-1945).” (CARVALHO, 2011: 337). 4 “A clanificação da vida social e política significa, sobretudo, a vitória do localismo sobre a integração nacional, do espírito particularístico sobre o ‘sentimento de Estado nacional’. (...) O predomínio da ordem privada sobre a ordem pública, sob a forma do caudilhismo (ou da "clanificação") é uma barreira à integração do país: eis o seu mal maior.” (FERREIRA, 1996: 232). 5 “A imagem do Brasil que emerge do pensamento conservador é a de que esse é um país fragmentado, atomizado, amorfo e inorgânico, uma sociedade desprovida de liames de solidariedade internos e que depende umbilicalmente do Estado para manter-se unida.” (BRANDÃO, 2005: 246) 6 “Era preciso operar um movimento pronto, enérgico, imediato de reação e defesa. Está claro que só por um golpe de Estado era possível isso.” (VIANNA,1939: 124) 2 Oliveira Vianna: Trajetória pessoal e sua obra Oliveira Vianna, nasce em Saquarema, Rio de Janeiro, no ano de 1883, vindo de uma família de fazendeiros, segue carreira no direito, formando-se em 1906 pela Faculdade Livre de Direito do Rio de Janeiro, atual UFRJ. Seus primeiros artigos são dos anos 1910, publicados em jornais. Suas grandes influências são os pensadores franceses, como: Arthur de Gobineau, Gabriel Tarde, Georges Lapouge, Hippolyte Taine, Edmond Demolins, Henri de Tourville, Le Play7, e também de intelectuais brasileiros, como: Silvio Romero e Alberto Torres, estes, respectivamente, responsáveis pela incorporação de uma lógica nacionalista, e na crença da necessidade de um Estado forte. A partir de 1932, Oliveira Vianna será integrante do Governo Vargas, trabalhando como consultor no Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (1932-1940), e se tornando Ministro do Superior Tribunal de Contas (19401951), e ganhará também o título de imortal da Academia Brasileira de Letras em 1937. Seu primeiro livro publicado é Populações Meridionais do Brasil (1920), sendo uma das principais influências para a produção sociológica brasileira seguinte8. Neste livro, Oliveira Vianna consagrará suas principais teses sobre a sociedade brasileira, o amorfismo social, a ‘clanificação’ dos grupos sociais, a desintegração territorial, a falta de identidade e sentimento de nacionalidade, a sobreposição do privado sobre o público. Oliveira Vianna descreve 3 tipos de homens no Brasil e, consequentemente, de formas de sociabilidade, o matuto, localizado na região centrosul, o sertanejo, localizado no norte9, e o gaucho, localizado ao sul do Brasil, no entanto, para o autor, “não há tipos sociais fixos, e sim ambientes sociais fixos.” (VIANNA, 1987: 18), ou seja, as regiões é que formam os tipos sociais e estes não são imutáveis, posto que se um tipo social mudar de região, suas características também mudarão. Ao se debruçar sob a composição da sociedade brasileira o que Oliveira Vianna procura fazer é demonstrar que devido a nossa formação social peculiar, 7 Oliveira Vianna elenca estes autores em Populações Meridionais do Brasil (1987:14). 8 José Murilo de Carvalho (1991) diz: “Populações meridionais, tinha tido enorme êxito e critica quase unânime. Os livros seguintes, embora sem a mesma repercussão, tinham consolidado a fama do arredio fluminense”. Dizendo ainda que “é inegável a influência de Oliveira Viana sobre quase todas as principais obras de sociologia política produzidas no Brasil após a publicação de Populações meridionais”. 9 A época, a região Norte, englobava as atuais regiões Norte e Nordeste. 3 tínhamos que investigar nossa sociedade para, a partir disso, criar leis e instituições. O mal de nossas elites era justamente o olhar para as instituições estrangeiras e o desinteresse ao olhar nossa sociedade. Os movimentos democráticos na Europa geraram um fascínio nas nossas elites e, “sob esse fascínio inelutável, perdem a noção objetiva do Brasil real e criam para uso deles um Brasil artificial, e peregrino, um Brasil de manifesto aduaneiro, made in Europe.” (VIANNA, 1987: 19). Vemos um pequeno esboço daquilo que seria um conceito chave na obra de Oliveira Vianna, a noção de idealismo utópico enquanto mal que afetava nossas elites. Esse conceito começará a ser desenvolvido em O idealismo na evolução política do Império e da República, publicado em O Estado de São Paulo em 1922 e ganhará forma em O idealismo da Constituição, de 1927. Assim, o intuito de Vianna ao publicar Populações Meridionais do Brasil é trazer os olhos de nossas elites para a sociedade brasileira, sua mentalidade e formas de sociabilidade para, a partir disso, poderem governar o Brasil, criando leis e instituições que, de fato, fizessem sentido para o povo que aqui vivia. Outros livros de Oliveira Vianna que entram nessa temática são: Pequenos Estudos de Psicologia social (1921); O Idealismo na Evolução Política do Império e da República (1922); Evolução do Povo Brasileiro (1923). Já em O Ocaso do Império (1925), escrito em função do centenário de nascimento do Imperador Dom Pedro II e a pedido do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Oliveira Vianna faz uma analogia entre o período de transição do Império para a República com o período vivido nos anos 1920; para o autor, ambos os períodos eram uma “época sem fisionomia”, onde tudo era “vago, impreciso, incorpóreo.” (VIANNA, 1959: 98). Na sequência aparecem O Idealismo da Constituição (1927); Problemas de Política Objetiva (1930); Raça e Assimilação (1932); Formation ethnique du Brésil coloniel (1932) nessas obras Oliveira Vianna trata dos assuntos “tradicionais” de sua obra e levanta a questão racial como um dos impedimentos do desenvolvimento de uma sociedade com opinião pública organizada. Podemos arrolar ainda as seguintes obras: Problemas do Direito Corporativo (1938); As Novas Diretrizes da Política Social (1939); a segunda edição de O idealismo da Constituição (1939), uma edição aumentada, que buscará justificar o porquê da constituição de 1937 e do Estado Novo; Os Grandes Problemas Sociais (1942); Instituições Políticas Brasileiras (1949). As próximas obras de Vianna são publicadas postumamente, sendo elas Problemas de Organização e Problemas de Direção (1952) e Introdução a História Social da Economia Pré-Capitalista no Brasil (1958). 4 Como podemos perceber, a obra de Oliveira Vianna é deveras extensa, mas os temas pelo autor trabalhados permanecem recorrentes em toda a sua obra. Aqui, daremos importância à segunda edição de O idealismo da Constituição, obra publicada em 1939, após a implantação do Estado Novo em 1937. Antes de aprofundarmos a análise da segunda edição de edição, focaremos na primeira edição de O idealismo da Constituição, publicada em 1927, para entendermos o desenvolvimento do pensamento do autor. O idealismo da Constituição, publicado em 1927, é um livro que contêm oito capítulos, alguns desses capítulos já haviam sido publicados em outros lugares, como jornais e livros, um deles, com título homônimo, em 1924, no livro de Vicente Cardoso, organizado por causa do centenário da Independência, Os outros capítulos são: A primeira edição é composta pelos seguintes capítulos: O idealismo da Constituição; O segredo da opinião inglesa; Opinião e governo; O poder da opinião e as fontes da opinião; O papel político das classes econômicas; Organização democrática das classes econômicas; O ostracismo do Império; e O idealismo de Ingenieros. A edição de 1927 é publicada no contexto da revisão institucional e teórica da herança da Constituição de 1891, acompanhada de uma onda de agitações políticas que percorrem a sociedade brasileira: tenentismo, greves, criação do Partido Comunista em 1922, mudanças estéticas e culturais profundas (Semana de 22), agravamento da questão social, etc. e que gerarão as energias da Revolução de 1930. Logo no prefácio do livro, Oliveira Vianna enuncia algumas questões importantes, demonstrando que até aquele momento todas as nossas Constituições haviam falhado devido ao fato de que “nenhuma dessas construções se assentou sobre bases argamassadas com argila da nossa realidade viva, da nossa realidade social, da nossa realidade nacional.” (VIANNA, 1939, XIV). Mais que isso, para o autor, além de se seguir modelos de outras realidades, a confecção destes contratos políticos ignorava a experiência histórica, singular para cada nação, e por decorrência colocava as questões de maneira errada. Quando discutiam democracia queriam organizar eleições, falando sobre representação política quando na verdade deveriam preocupar-se em organizar a opinião pública. Para Oliveira Vianna, “não há maior ilusão do que supor que no Brasil existe uma opinião organizada.”, portanto era necessário “fazer evoluir a nossa democracia desta sua condição atual para uma democracia de opinião organizada.” (VIANNA, 1939, XV). Para comprovar sua ideia, o autor dá um simples exemplo: fala sobre a população rural que em sua maioria dependente dos grandes senhores de terra, não podendo, portanto, exercer seus direitos de forma autônoma. Em seguida, o autor levanta a questão, de quê adiantaria 5 a essas pessoas o voto, se elas não têm liberdade de opinião? Assim, não basta alterar a natureza dos textos constitucionais, mas, sim realizar mudanças na ordem econômica, social e jurídica, afim de “dominar o arbítrio dos mandões locais.” (VIANNA, 1927: 66). O que Oliveira Vianna buscava era demonstrar os estragos causados pelo idealismo presente nas nossas elites. No entanto, para o autor, nem todos os idealismos são ruins. Para o autor, o que nós precisávamos era de leis baseadas em nossa realidade social e nacional, ou seja, de homens carregados de idealismo orgânico, que buscassem inspiração para as ideias e leis, observando nossas formas de sociabilidade e não olhando para a Europa. Ou seja, há dois tipos de idealismo, o idealismo utópico e o idealismo orgânico. Segundo Brandão (2007) a oposição proposta por Vianna entre idealismo orgânico versus idealismo constitucional (utópico) funcionariam como categorias explicativas da realidade, num primeiro nível, e como programa político numa segunda dimensão. Assim, a partir da proposição destas duas tipologias já na primeira edição Vianna identifica que os males do Brasil referem-se a essa composição social – amorfa e orientada incorretamente por instituições que não podem funcionar corretamente neste meio, afinal, não são frutos de nossa realidade. Assim, o objetivo de Vianna na primeira edição de O idealismo da Constituição é fazer a genealogia do idealismo utópico como base da crítica a essa mentalidade idealista de nossas elites. O que o autor faz é resgatar ideias já encontradas em livros anteriores (sentimento de clã; desinteresse de nossas elites pelo país; insolidarismo) com a noção de idealismo utópico, e faz a análise da sociedade, justamente, para mostrar o porquê do insucesso da Constituição de 1891. Há, em 1927, um diagnóstico bem construído sobre os problemas do Brasil, porém, apesar de acreditar nas elites esclarecidas (movidas pelo idealismo orgânico) para superar essa condição do Brasil, não há nenhuma indicação de um projeto político, até por que, Oliveira Vianna, até aquele momento, desacredita de qualquer movimento social que não fosse genuinamente brasileiro. Após essa breve apresentação da edição de 1927, entraremos na edição de 1939 de O idealismo da Constituição. A edição de 1939 é construída num contexto já muito diverso dos anos 1920. A Revolução de 1930 tenta romper com a política liberal da Primeira República. Getúlio Vargas suspende a Constituição de 1891 e passa a governar por decretos. Todavia, os paulistas fazem um protesto pela criação de uma nova Constituição, o que resulta na Revolução Constitucionalista de 1932. Apesar de derrotados na guerra, saem vitoriosos no campo político, é chamada uma Assembleia Constituinte em 1933 e promulgada uma constituição em 1934. Oliveira 6 Vianna, se afasta do projeto da Constituição ao perceber seu caráter liberal, pois isso significaria a manutenção de uma prática política que não fazia parte da realidade da sociedade brasileira. A vitória dos paulistas, no entanto, dura pouco. Em 10 de Novembro de 1937, após a Intentona Comunista (1935) e um suposto plano comunista, Cohen, para evitar as eleições que aconteceriam em 1938, Getúlio Vargas dá um golpe10 de Estado e é outorgada a nova Constituição. Segundo Oliveira Vianna, a situação social brasileira, no período de 1934 a 1937, ficara insustentável, com diversas explosões revoltosas, onde ninguém fazia absolutamente nada em defesa dos interesses nacionais. Uma Constituição como a de 1934, segundo o autor só poderia gerar grupos partidários preocupados apenas com interesses privados ou de oligarcas locais. A Câmara dos Deputados “que devia ser o órgão mais representativo da opinião nacional, se transformara num ponto de encontro de todos os politicalhos mais graduados dos estados, (...); mas, onde, por isto mesmo, não havia nenhuma representação dos grandes interesses do país.” (VIANNA, 1939: 145). Os partidos políticos eram nada mais que clãs, portanto, preocupados apenas com interesses privados de cada membro. Ou seja, a Constituição de 1934 só fazia repetir todo o caos que ocorria na Primeira República, onde grupos oligárquicos organizados em partidos impunham seus interesses através do Estado em sobreposição aos interesses nacionais e públicos. Por isso a defesa incondicional do Estado Novo, da Constituição de 1937, do golpe. Através disso é que venceríamos os problemas nacionais. O Estado Novo era apenas uma reposta à experiência histórica. A edição de 1939, de O idealismo da Constituição, é, claramente, uma defesa e justificativa do novo modelo de governo. Com dezenove capítulos, sendo onze novos. Primeiramente Oliveira Vianna demonstra os motivos que levaram a outorga da Constituição de 1937 e os prementes motivos de sua necessidade. Caracteriza os princípios da Carta, comparando com as anteriores e demonstrando as diferenças entre ambas. Os pontos que Oliveira Vianna mais focam, dizem respeito à centralização federativa, o fim do parlamento, organização corporativa, elementos que não estavam postos nas outras Constituições. 10 “Era preciso operar um movimento pronto, enérgico, imediato de reação e defesa. Está claro que só por um golpe de Estado era possível isso.” (VIANNA,1939: 124) 7 Oliveira Vianna afirma que a centralização política na figura do chefe do executivo era devida transformação do parlamento num “óbice à eficiência da administração pública.” (VIANNA, 1939: 122), e “estes grupos partidários, dominantes da Câmara - absolutamente insignificativos, como se vê, do ponto de vista do interesse público-(...). Foram além: transformaram a Câmara dos deputados e, centro de agitações estéreis.” (VIANNA, 1939: 123). Portanto, seguindo a lógica do autor, quando se assegura ao chefe da nação maior poder, estaríamos, na verdade, fazendo com que os interesses da nação fossem respeitados. Assim apenas com um golpe de Estado seria possível “salvar a soberania da Nação, o prestígio do governo central, os interesses fundamentais da ordem pública e da integridade nacional, ameaçadas pela sublevação dos Estados em iminência de secessão.” (VIANNA, 1939:124) – dai as condições imperiosas do golpe em 1937. O Estado Novo seria um regime de governo baseado numa Constituição “que resulta de uma observação longa e direta do nosso meio político e das suas peculiaridades, das falhas da nossa cultura cívica e dos seus reflexos sobre o mecanismo dos poderes públicos.”. (VIANNA, 1939: 173). Em seguida, o autor demonstra que a dissolução do Parlamento não significa o fim da representação política, pelo contrário, significa que finalmente o Estado irá olhar para os interesses nacionais em detrimento dos interesses locais, irá prestar atenção nas fontes de opinião populares e expressivas, e aumentará o poder do Executivo federal frente aos outros poderes – legislativo e judiciário- federais e estaduais. Um novo papel do Estado será garantir a integridade nacional, assegurando “o desenvolvimento da unidade espiritual da Nação.” (VIANNA, 1939:128). Procurando diminuir as diferenças regionais, proíbe bandeiras, hinos e escudos estaduais, havendo somente os nacionais, como forma de integração da sociedade brasileira. Vale lembrar que uma das maiores discussões do período é acerca da identidade nacional. Durante toda a sua vida, Oliveira Vianna defendeu a necessidade de se olhar para o Brasil e criar um regime político a partir de nossas necessidades. Quando é instaurado o Estado Novo e a Constituição de 1937, conhecida como Polaca, Oliveira Vianna procura distanciar fortemente o novo regime político brasileiro dos governos nazi-fascistas europeus. A orientação do Estado Novo é o autoritarismo, isso, no entanto, não o aproxima dos governos europeus, pois esses eram tidos como totalitários na ótica de Vianna. Esse esforço de afastar o Estado Novo dos modelos 8 europeus era justamente para demonstrar a originalidade desta nova forma de governo e, por estar atento para a sociedade brasileira, o quão era necessário. O autor não é um crítico da ideologia liberal em si, mas da inaplicabilidade dela em terras brasileiras. A democracia é uma questão recorrente em sua obra, porém, nos moldes liberais, até aquele momento, não funcionara no Brasil, por isso, sugere a Democracia Autoritária, nesta, o Estado buscaria e fortaleceria as formas de opinião, para que assim que esta estivesse constituída e fortalecida, houvesse a possibilidade de uma democracia com voto direto, representação, nos moldes liberais. Já nos anos 1940 a obra de Vianna se volta para os temas do direito sindical, das organizações, isso, influenciado pelo trabalho nos Ministérios, especialmente o do Trabalho. No entanto, apesar desta guinada em sua obra, em 1949, Oliveira Vianna volta à temática das instituições, da sociedade, da interpretação do Brasil. Com o fim da II Guerra Mundial e do Estado Novo em 1945, inicia-se um período conhecido como Democracia Populista, que vai de 1946 a 1964, com o Golpe Militar em 31/03. O Estado Novo havia terminado, porém, os objetivos não haviam sido todos conquistados. Tanto que quando escreve Instituições Políticas Brasileiras, Oliveira Vianna está empenhado em descobrir quais são as distâncias entre as leis e o povo, qual o motivo delas não se encaixarem, não funcionarem. A crítica ao idealismo utópico de nossas elites não desaparece, pelo contrário, a crítica às elites se torna ainda mais feroz, sendo que, para o autor, “a nossa história política pode bem ser definida como a história das evoluções de um povo em torno de uma ficção” (VIANNA, 1987, 14). No prefácio do livro Vianna enuncia que pretende empreender uma ‘culturologia do Estado’, analisando o direitocostumeiro, praticado pelo povo massa, e o direito-lei, construído pelas elites, e que muitas vezes, nada tinha a ver com as regras e leis praticadas no cotidiano. Existe uma recusa dos dois grupos sociais, um recusa obedecer ao direito-lei, outro, no entanto, não se importa em conhecer o direito-costumeiro11. Como diz Vianna, há todo um sistema vivo e atuante de normas obrigatórias, regendo longos setores da sociedade, (...) mas, inteiramente desconhecido pelo direito oficial, elaborado pelas elites políticas e universitárias, que compõe os corpos legislativos do Estado.(VIANNA, 1987: 16). 11 “O direito que surge desta atividade espontânea da sociedade é o direito-costume, o direito do povo-massa, que as elites, em regra, desconhecem ou mesmo desdenham conhecer, embora, às vezes, sejam obrigadas a reconhecê-lo e legalizá-lo.” (VIANNA, 1987: 15-16) 9 Assim, não só nossas elites políticas eram possuídas pelo idealismo utópico, mas também nossos juristas, pois como diz o autor: “dominados pela preocupação do direito escrito e não vendo nada mais além da lei, os nossos juristas esquecem este vasto submundo do direito costumeiro do nosso povo”. (VIANNA, 1987: 17). O que Vianna faz, portanto, é demonstrar as diferenças entre o país real e o país legal, e consequentemente, o insucesso das constituições, das leis, das instituições, pois essas, ao serem transferidas para cá, estavam fadadas ao fracasso. O autor debruça-se sob a sociedade, para entender a sociabilidade do povo-massa, mas também sob as instituições, para entender sua composição, e as razões para a distância entre instituições políticas e a práticas sociais. Mesmo após a experiência do Estado Novo (1937-1945), este, segundo Vianna, um regime genuinamente brasileiro e capaz de superar nossas necessidades, os mesmos problemas que o autor avistava nos anos 1920 apareciam no seu horizonte político pós-Era Vargas, tanto que afirma estar “reconfirmando ideias anteriores, desenvolvidas desde 1920- desde Populações. E daí este livro”. (VIANNA, 1987: 23). Assim, podemos considerar Instituições Políticas Brasileiras uma obra madura, em que Oliveira Vianna é capaz de compreender os limites do projeto político do Estado Novo e quais os dilemas que ainda permaneceram no Brasil. Pois não dependia apenas do empenho do Estado, mas também das modificações que ocorriam na sociedade. Azevedo Amaral: da medicina à entrada política Antonio José de Azevedo Amaral nasceu no Rio de Janeiro, em 1881, pertencendo a uma tradicional família carioca, e formou-se em medicina, em 1902, no Rio de Janeiro, porém, jamais executou a profissão, dedicando-se a carreira de jornalista e escritor, sendo um colaborador do Correio da Manhã durante toda a sua vida e de diversos outros jornais. Além de obras de análise política, também traduziu 10 inúmeros títulos, tanto de ciências sociais como de romance estrangeiro para o português. Viveu em Londres durante 12 anos, retornando ao Brasil em 1914. Aproxima-se da questão política brasileira através da questão racial, sendo um dos idealizadores do I Congresso Brasileiro de Eugenismo12, em 1929, onde apresentou um artigo intitulado: O problema eugênico da imigração, defendendo o estabelecimento de critérios para o aceite de imigrantes no Brasil, estes deveriam ser capazes de transmitir uma boa herança genética (o que se refletiria no comportamento, fenótipos, características gerais), ou seja, europeus. O discurso biológico é presente durante os anos 1920 em seus artigos, porém, a partir dos anos 1930 essa questão será abandonada na sua obra. Amaral publicará Ensaios Brasileiros em 1930, neste livro, Amaral tece duras críticas ao liberalismo político, o considera falível e inviável para o Brasil; em 1934, será O Brasil na crise atual, pela editora Companhia Nacional, a crise apontada por Amaral diz respeito à Constituição promulgada em 1934, que retomava práticas da Primeira República, ou seja, um passo atrás pós- revolução de 1930. Em seguida, serão lançados: A aventura política no Brasil (1935), e Renovação Nacional (1936), ambos pela Livraria José Olímpio Editora, e Estado Autoritário e a Realidade Nacional (1938) considerada a obra de maior fôlego do autor, onde ele se debruça a uma fina análise da instauração do Estado Novo e de sua necessidade política para a superação do atraso brasileiro. Sua ultima obra é Getúlio Vargas- um estadista (1941). Amaral falece no Rio de Janeiro, em 1942, não assistindo, portanto, o fim do Estado Novo. Ao contrário de Oliveira Vianna, Amaral jamais trabalhou para o Estado. Neste trabalho buscaremos fazer uma análise , ainda inicial, de O Estado autoritário e a realidade nacional (1938), pois acreditamos ser este livro importante para a análise do pensamento autoritário e para a compreensão do contexto de implantação do Estado Novo. O Estado autoritário e a realidade nacional é um livro publicado em 1938, pela Livraria José Olímpio Editora, contêm sete capítulos e estes são: Antecedentes do Estado Novo; fase de transição; a primeira Constituição brasileira; O estilo do regime; a nação e o Estado; Organização econômica; Autoritarismo e liberdade; e também prefácio e considerações preliminares. 12 Realizado na sede da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em julho de 1929, o Congresso de Eugenia contou com a participação de mais de uma centena de intelectuais, inclusive representantes de outros países da América do Sul. Os participantes eram médicos, educadores, juristas, antropólogos, sociólogos e historiadores. Entre os inscritos, encontravamse importantes lideranças intelectuais das primeiras décadas do século XX, como Miguel Couto, Roquette-Pinto, Belisário Penna, Affonso de Taunay, Alfredo Ellis, Azevedo Amaral, Renato Kehl e Leonídio Ribeiro, para citar apenas alguns.(Souza et al. 2009: 767). 11 Poderíamos dizer que nesses capítulos todos o que faz Azevedo Amaral é defender o regime político implantado com o golpe de 10 de Novembro de 1937. O autor, no entanto, não quer ‘simplificar’ sua obra, diz que este livro “representa mais um ensaio crítico, tendo por finalidade prosseguir no encadeiamento de estudos sociológicos e políticos em torno dos problemas brasileiros” (AMARAL, 1938: 6), no entanto, também no prefácio ressalta que o Estado Novo foi capaz de fazer com que Estado e Nação estivessem identificados. Azevedo Amaral faz uma análise histórica da situação política brasileira junto à crítica aos marcos da democracia-liberal. Vê a Revolução de 1930 como um fator que estava pra inaugurar um novo modo de fazer política no Brasil, tanto que assim a explica: A revolução de Outubro tivera causas profundas associadas ao curso normal da evolução brasileira e a mutação política por ela precipitada refletia os efeitos do trabalho instintivo de renovação nacional, que vinha sendo preparada de há anos por um conjunto de fatores cujas manifestações ostensivas se patenteavam no crescente descontentamento generalizado como os métodos e homens da primeira República. (AMARAL, 1938: 105, grifos nossos). No entanto, após a Revolução Constitucionalista de 1932, é instaurada uma constituinte em 1933 e a Constituição é promulgada em 1934, esta constituição, no entanto, era: um monstro em que, aliás como se poderia prever, se amalgamaram em verdadeiro pandemônio ideológico as doutrinas mais contraditórias, as tendências mais antagônicas e os pontos de vista mas irreconciliáveis. (AMARAL, 1938: 117.) Portanto, “o regime instituído em 1934 evidentemente não poderia subsistir.” (AMARAL, 1938: 188). Além de a Constituição trazer de volta as práticas da Primeira República, há um período de intensa agitação política, tendo em vista o desenvolvimento de diversas vertentes intelectuais que se propagavam e ganhavam forças no Brasil. Tanto que em 1935, após a Intentona Comunista, há a instauração do Estado de Sítio, fazendo com que o Governo perdesse seus traços democráticos, ainda que com a elaboração de uma Constituição como a de 1934. Assim, Amaral chega a conclusão de que “a democracia liberal (...) aparecia diante da consciência 12 nacional com os traços inconfundíveis de uma forma de organização estatal inadaptável ao meio brasileiro.13” (AMARAL, 1938: 124.) Assim, devido ao fracasso da Constituição de 1934 e ao momento de instabilidade política vivido no Brasil, ocorre o golpe de 10 de novembro de 1937. Segundo o autor, essa era a forma de construir uma “nova ordem baseada nas realidades do meio brasileiro e capaz de proporcionar à Nação os meios de salvar-se e de iniciar pela primeira vez uma obra de organização política e econômica racionalmente orientadas” (AMARAL,1938:126). Nesse sentido, podemos perceber que Amaral tem uma análise do Governo Vargas muito parecida com a de Oliveira Vianna. Nos capítulos subsequentes, Azevedo Amaral irá demonstrar a originalidade da Constituição de 1937 e da sua necessidade para o Brasil, chegando a denominá-la de “primeira constituição brasileira”, pois possuía “caráter realístico da lei básica do Estado Novo” trazendo “inequivocamente impresso o sinete da brasilidade dos seus autores” (AMARAL, 1938: 132). Ou seja, além de haver uma Constituição pautada na realidade brasileira, havia um chefe de nação forte. É inegável o apreço de Azevedo Amaral por Getúlio Vargas, sendo esse citado durante todo o livro como o grande promotor das mudanças que estavam acontecendo no Brasil. Vale lembrar que, em 1941, escreve um livro falando apenas sobre Vargas. O que podemos perceber em Estado Autoritário e a Realidade Nacional é um exercício do autor para demonstrar a evolução política brasileira e a necessidade da Revolução de 1930 e da formação do Estado Novo. Ou seja, podemos entender Azevedo Amaral como: um intelectual preocupado com o desenvolvimento nacional e com a passagem do nosso país de uma etapa agro-exportadora para uma etapa industrial. Esta passagem só poderia se dar, num país atrasado social, econômica e culturalmente como o nosso, sob um Estado autoritário, aqui representado pelo regime implantado em 10 de novembro de 1937. (SAES, 2008: 77) 13 Mas, o aspecto mais negativo do período pós-30 teria sido a elaboração constitucional de 1933-34, quando, inconscientes da inadaptabilidade do modelo liberal-democrático em países atrasados como o Brasil, os constituintes, ao contrário crentes de que o fracasso político da República Velha se devera exatamente ao desrespeito, na prática, dos princípios liberal-democráticos contidos na Carta de 1891, decidiram então criar uma carta onde, além de transparecer a heterogeneidade do grupo que subiu ao poder em 1930 com leis que se contradizem umas às outras, consolidava-se a pureza liberal-democrática com a garantia não somente da representação, mas também da transparência das eleições (adoção do voto secreto, implantação da Justiça Eleitoral, etc.). (SAES, 2008: 69). 13 Autoritarismo enquanto método Dois conceitos aparecem diversas vezes em O idealismo da Constituição, e são: democracia e autoritarismo. Aparentemente antagônicos no debate atual, nos anos 1930 pareciam não possuir grandes diferenças. O Estado Novo é um Estado autoritário, isso, porém, não significa para Oliveira Vianna uma orientação anti-democrática. Vianna inclusive diz: “é indiscutível, pois, o espírito democrático da nova estrutura constitucional.” (VIANNA, 1939: 164). Tal afirmação é corroborada por Azevedo Amaral em Estado autoritário e realidade nacional, em que afirma que: O Estado Novo é essencialmente uma organização de tipo incontestavelmente democrático. A adoção do principio autoritário como postulado básico da organização estatal não contradita a fisionomia democrática do regime. (AMARAL, 1938: 175) Oliveira Vianna demonstra as diferenças do Estado Novo para governos totalitários, pois no governo autoritário os direitos individuais eram respeitados, diferentemente dos governos totalitários, que aniquilam os indivíduos e suas personalidades. O Estado é autoritário, pois se baseia na autoridade. Sendo assim, “o sentido da Constituição de 1937 é, pois, o da democracia social ou, melhor, da democracia corporativa.” (VIANNA, 1939: 216). Essa democracia é diferente do modelo já tradicional de democracia, o liberal. Para que haja democracia é necessário que haja opinião, e é através do Estado Novo que a opinião será organizada, como fica claro nas palavras de Vianna: Só há uma orientação possível ao Estado autoritário: procurar as fontes da democracia nas classes organizadas através de seus órgãos mais legítimos de expressão: associações profissionais, instituições sociais e corporações de cultura. (VIANNA, 1939: 211). Assim, para Vianna, no Estado Novo “o princípio democrático adquire uma significação mais expressiva.” (VIANNA, 1939:169). Isso porque, finalmente, iria chegar aos ouvidos do Estado à opinião organizada, voltada para o interesse nacional, e não a opinião de grupos segmentados, de oligarquias que faziam com que o Estado 14 governasse para seus próprios interesses. A organização da opinião através das corporações era necessária, pois assim o Estado estaria orientado conforme os interesses públicos e nacionais, e a construção da Nação seria uma possibilidade. É curioso notar que, concomitantemente ao surgimento de um projeto de Estado na obra de Oliveira Vianna e de Azevedo Amaral, no caso o modelo autoritário, representado pelo Estado Novo, a questão da raça vai desaparecendo de suas análises como um entrave a construção da nação. Sendo assim, questões como raça, região, clima vão perdendo importância frente a necessidade de se construir organizações de representação profissionais, afinal, é fundamental a organização da política em torno das profissões, para Oliveira Vianna, sendo um dos primeiros a declarar a importância do corporativismo. Em O Estado Autoritário e a Realidade Nacional, democracia e autoritarismo aparecem a todo o momento também e a avaliação que Amaral faz do Estado Novo é muito similar a de Oliveira Vianna, tanto que: “há acordos quase integrais nas prescrições políticas e institucionais dos anos trinta, consubstanciados em elogios de Amaral às reformas realizadas por Vargas, que têm em Vianna um dos principais formuladores” (PIVA, 2000, 192). Tanto em Vianna quanto em Amaral há a crítica constante ao distanciamento entre as leis constitucionais e a realidade brasileira, corroborando o pensamento de que: O ‘erro’, a ‘anomalia’, a ‘doença’ estão na organização política (esta sim portuguesa, exótica) que na nossa história sempre se mostrou divorciada, desvinculada e até contraditória, por seu artificialismo e indiferença, face à realidade a que deveria representar e impulsionar. (PIVA, 2000: 191). O fracasso do modelo político liberal, devido o seu distanciamento da nossa realidade, explica o fascínio de Oliveira Vianna e Azevedo Amaral frente à Carta Constitucional de 10 de novembro de 1937 e o Estado Novo. Por isso há um grande esforço em desvincular o autoritarismo do nazismo alemão e fascismo italianosegundo os autores, regimes totalitários- do autoritarismo, pois este seria um estilo de 15 regime orgânico ao Brasil, seria, finalmente, um constructo nacional14. Para Amaral, a diferença que existe entre autoritarismo e democracia só ocorre quando essa possui um caráter liberal. No entanto, não há só um tipo de democracia, há a democracia do tipo autoritária, sendo que, muitas vezes, somente o autoritarismo pode ser responsável para a manutenção de um regime democrático, como podemos ver “somente uma forma de governo autoritário é capaz de permitir o desenvolvimento normal da democracia e das suas instituições.” (AMARAL, 1938: 175). Portanto, podemos concluir que, para Azevedo Amaral, o Estado Novo realizou a missão histórica maior, a de promover o encontro entre a realidade e a institucionalidade política, entre o determinismo que leva a formas autênticas e racionais de organização política e a razão criadora fiel à realidade e indutora das novas fases de desenvolvimento. Por isso, o estado novo é a realidade nacional. (PIVA, 2000, 192). Assim, o Estado Novo seria o construtor da Nação brasileira, era através dele que seríamos capazes de romper com os entraves do desenvolvimento brasileiro15, isso fica claro quando Amaral atribui a Constituição de 1937 a seguinte responsabilidade: “imprimiu as novas instituições brasileiras um cunho tão nitidamente nacionalista, precisamente porque nelas se reafirma a histórica fisionomia democrática do nosso povo e das nossas tradições.” (AMARAL, 1938: 177). O que salta a vista nesse momento é que abraçar o autoritarismo enquanto modelo político não impedia de ter a democracia como meta. Não nos moldes da 14 O autoritarismo político seria representado pelo reforçamento da autoridade governamental e a concentração de poderes nas mãos do Chefe de Estado. Isto não seria peculiar ao fascismo ou ao comunismo, mas representaria uma tendência universal decorrente da falência da democracia liberal. (Lucia Lippi Oliveira, in: Gomes, 1982:53.) 15 ‘Como se o Estado Novo culminasse e confirmasse também o sentido de sua leitura histórica e teórica- e assim inteirasse, no Brasil e no seu interprete, a alma que lhes estava incompleta. (PIVA, 2000: 215). 16 democracia-liberal europeia, mas uma democracia à brasileira16, baseada nas nossas formas de sociabilidade e organização. Assim, buscamos, com uma abordagem inicial, demonstrar a maneira como esses dois intelectuais definiam o conceito de autoritarismo, aplicado ao caso brasileiro, e de sua necessidade para a construção de um Estado Democrático, democracia aqui, entendida numa outra chave interpretativa, que estava de acordo com as bases da nossa realidade, diferentemente do liberalismo, que fracassara durante a Primeira República, sendo possível, a partir da implementação do Estado Novo, a construção da nacionalidade brasileira. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ALMEIDA, Maria Hermínia Tavares de. Oliveira Viana. In: MOTA, Lourenço Dantas. Introdução ao Brasil. Um banquete no trópico. São Paulo: SENAC, 1999. AMARAL, Azevedo. O Estado autoritário e a realidade nacional. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1938. BITTENCOURT, André Veiga. O Brasil e suas diferenças – Uma leitura genética de Populações Meridionais do Brasil. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: PPGSA/IFCS/UFRJ, 2011. BRANDÃO, G. M. 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