VARIAÇÕES DAS TENSÕES NO ENTORNO DE UM PONTO:
UM EXEMPLO DE INTERATIVIDADE EM UM SOFTWARE
MULTIMÍDIA
Luis Alberto Segovia González 1, João Ricardo Masuero 2
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Av. Osvaldo Aranha 99, 3o andar, Porto Alegre, RS, 90035-190
[email protected] 1, [email protected] 2
Resumo. O presente trabalho descreve a implementação de uma ferramenta interativa para análise
de tensões no entorno de um ponto através do círculo de Mohr, inserida no contexto de um
software multimídia para ensino de Resistência dos Materiais, cujas linhas gerais foram objeto de
um trabalho apresentado no COBENGE 98.
Os conceitos físicos necessários à compreensão do assunto abordado são transmitidos ao
usuário através da apresentação interativa multimídia de textos, áudio, imagens e animações. A
fixação dos conceitos envolvidos é realizada pela manipulação dos dados necessários para a
obtenção do círculo de Mohr em estado plano de tensões. Através desta ferramenta é permitido ao
usuário a alteração dos dados de tensões normais, tensão tangencial e ângulo de inclinação do
prisma em relação à sua posição original, obtendo-se simultaneamente o círculo de Mohr
correspondente e os valores das máximas tensões normais e tangenciais. Ao se alterar o ângulo de
inclinação, o usuário poderá obter simultaneamente o desenho do prisma em sua nova
configuração, com os vetores representando as tensões em escala em relação aos seus valores
máximos, e os pontos correspondentes no círculo de Mohr. O mesmo pode ser obtido ao se
manipular diretamente a posição dos pontos no círculo de Mohr.
Esta abordagem permite o aprendizado autônomo, através da geração de infinitos exemplos
com recursos de animação impossíveis de se obter com as ferramentas tradicionais de ensino.
Palavras-chave: Multimídia, Resistência dos Materiais, Círculo de Mohr
NTM - 199
1.
INTRODUÇÃO
A maioria dos estudantes de engenharia têm grandes dificuldades de compreender e visualizar os fenômenos
físicos intrínsecos à mecânica estrutural e à Resistência dos Materiais, apesar da relativa simplicidade matemática
envolvida em disciplinas introdutórias destes assuntos. Isto se reflete em um alto índice de reprovação. Mais do que no
equacionamento dos problemas, a dificuldade está relacionada com a visualização espacial dos fenômenos, dificuldade
esta difícil de ser solucionada com as ferramentas usuais de ensino utilizadas em sala de aula.
Os recursos computacionais atualmente disponíveis, tanto em hardware como em software, permitem gerar, de
forma relativamente simples e rápida, imagens tridimensionais que reproduzem de forma virtual fenômenos antes
somente visíveis em laboratório. Mais além, estas imagens tridimensionais podem materializar de forma virtual, através
de animações, conceitos e idéias que não existem de forma visível no mundo real, e que muitas vezes são fundamentais
para a compreensão da realidade física visível.
A simples transposição de conteúdos originalmente impressos em papel para uma mídia eletrônica (CD-ROM) não
traz em si nenhuma vantagem intrínseca do ponto de vista didático-pedagógico. As únicas vantagens obtidas são do
ponto de vista de custo, com a desvantagem da perda da flexibilidade de uso (a necessidade de um computador com
leitora de CD-ROM versus um livro que pode ser lido em qualquer lugar).
Mesmo a utilização da Internet como veículo para este material tem como vantagem somente a maior
disponibilização do mesmo, mas do ponto de vista de eficácia didática não há vantagens. Se a implementação do
conteúdo for sob a forma de um hiperdocumento, ganha-se flexibilidade na consulta de seus conteúdos, que pode ser
feita na ordem e na seqüência que o usuário desejar, mas perde-se, e muito, sempre que seja necessária a construção do
conhecimento, na qual a concatenação lógica de conteúdos é fundamental.
Forma e veículo estão intimamente relacionados. Assim como um livro, um filme e uma peça exigem linguagens
diferentes para contar uma mesma estória, a utilização de recursos multimídia como ferramenta didática em um
computador pessoal exige uma linguagem diferente das utilizadas em um livro didático ou na sala de aula.
Dentro destes preceitos, buscou-se, para a confecção de um material instrucional em multimídia, uma linguagem
fundamentalmente visual, de forma a evitar a simples geração de um livro eletrônico, com imagens estáticas e pouca
interatividade. Assim, o conteúdo clássico de Resistência dos Materiais, que tradicionalmente é abordado através de
equacionamento e abstrações matemáticas, foi apresentado usando-se primordialmente imagens e animações
relacionadas com os fenômenos estudados. Mesmo as longas descrições e explanações, quer escritas, quer narradas, não
se adaptam adequadamente ao veículo multimídia, sendo substituídas, sempre que possível, por uma linguagem visual.
Baseado nestas considerações, foi desenvolvido no Centro de Mecânica Aplicada e Computacional da Escola de
Engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul um programa computacional instrucional multimídia na área
de Resistência dos Materiais, cuja interface básica pode ser vista na Fig. 1.
À vantagem da linguagem visual procurou-se acrescentar a vantagem da interatividade, na qual o usuário do
software pode determinar o ritmo e o número de vezes com que as informações são apresentadas, e se há ou não
necessidade de complementação de um determinado conteúdo.
Ainda dentro do princípio da interatividade, sempre que possível, deve ser fornecido ao usuário a possibilidade de
gerar situações nas quais os conteúdos abordados se aplicam, obtendo imediatamente soluções que contribuem para
enriquecer o próprio entendimento deste conteúdo. Assim, um modelo computacional de simulação baseado em
parâmetros representa para um software multimídia o que um exercício representa em um livro ou em uma aula
teórico-prática, com a vantagem de poder gerar infinitas situações diferentes. Desta forma, ele é equivalente não a um
mas a vários exercícios de uma abordagem tradicional.
Dentro deste contexto, o presente trabalho descreve a implementação de uma ferramenta interativa para análise de
tensões no entorno de um ponto através do círculo de Mohr, inserida no software multimídia de resistência dos
materiais.
NTM - 200
Figura 1 – Interface básica do programa computacional desenvolvido.
2.
FORMULAÇÃO CLÁSSICA
Dado um corpo em Estado Plano de Tensões, isola-se do mesmo um cubo elementar (de dimensões infinitesimais)
no qual se conhecem as tensões normais e tangenciais em duas faces perpendiculares entre si. Deseja-se determinar
quais as tensões em uma face inclinada segundo um ângulo α, o que permitirá a obtenção das tensões em um ponto P
segundo uma orientação qualquer, conforme Fig. 2.
y'
A
σx
σ(α)
α
τ(α)
α
τ xy
P
B
τ yx
x'
σy
Figura 2 – Problema básico a ser resolvido
Aplicando-se equilíbrio, obtém-se as equações básicas que governam este problema:
σ(α) = σ x cos2 α + σ y sen2 α + τ xy sen 2α
τ(α ) =
1
2
( σ x − σ y ) sen 2α − τ xy cos 2α
onde τxy é positiva quando converge para P e τ(α) é positiva girando em sentido horário em torno de P.
As equações acima indicam que σ(α) assume valores extremos para valore de α defasados de 90o, caracterizando
duas seções perpendiculares entre si tendo a tensão normal σ máxima ou mínima. As tensões normais nessas seções são
chamadas de tensões principais. Para essas seções, a tensão tangencial é nula.
As equações acima são equações paramétricas de uma circunferência em um plano coordenado σ x τ, com centro
(
)
em σ x + σ y / 2 . Grafando-se todos os possíveis valores de σ(α) e τ(α) no plano σ x τ , obtém-se o chamado
Círculo de Mohr, conforme pode ser visto na Fig.3.
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τ
σ(α),τ(α)
τxy
σy
σx σ
media
σ
τyx
Figura 3 – Círculo de Mohr
Visualmente o Círculo de Mohr indica que todos os estados de tensão possíveis no ponto P ao longo de planos ou
seções com inclinações quaisquer estão sobre uma circunferência de raio R e centro σmédia no plano σ x τ.
As tensões principais podem ser obtidas da representação gráfica do círculo de Mohr como sendo os pontos
extremos da circunferência sobre o eixo das tensões normais, sendo calculadas como o centro +/- o raio. As tensões
tangenciais máximas podem ser calculadas como +/- o raio do círculo de Mohr correspondente.
Uma forma de se trabalhar graficamente com o círculo de Mohr está ilustrada na Fig.4:
σ'y
τ 'xy
σy
σ'x
τxy
σx
τ
α
H ( σy ,τxy )
( σy' ,τxy' )
σ
2α
( σx' ,τxy' )
V ( σx , τxy )
Figura 4 – Obtenção de valores graficamente no Círculo de Mohr
Tensões normais são positivas em tração e negativas em compressão. Tensões tangenciais são positivas quando
dispostas ao redor do prisma em sentido horário. O ponto H é definido pelas tensões atuantes na face horizontal, e o
ponto V pelas da face vertical. Grafando estes dois pontos, o centro do círculo Mohr é obtido pela intersecção da reta
VH com o eixo das tensões normais. O estado de tensões em prisma girado de α em relação à sua posição original pode
ser obtida do círculo de Mohr girando a reta VH em 2α em relação à sua posição original, no mesmo sentido de giro do
prisma, conforme Fig.4.
É importante lembrar que tanto o círculo de Mohr como as equações indicadas só podem ser aplicados em
situações nas quais se conheça a priori uma das direções principais, devendo o prisma elementar ser retirado com a face
triangular ou o plano no qual se define α contida no plano normal à tensão principal cuja direção se conhece.
Isto pode ser facilmente visualizado considerando-se a Fig.5, onde um prisma contido em um plano de orientação
qualquer em relação às direções principais, por mais que tenha sua orientação alterada (valor do ângulo da face
inclinada em relação à vertical), jamais conseguirá indicar corretamente as direções e as tensões principais. As tensões e
direções principais fornecidas pelas equações estariam necessariamente contidas no plano que contém o prisma, o que,
na melhor das hipóteses, corresponderia à projeção de uma das tensões principais no plano considerado e uma
combinação vetorial das outras duas.
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σ1
σ3
σ2
Figura 5 – Correlação entre orientação do prisma e orientações das tensões principais.
3.
IMPLEMENTAÇÃO COMPUTACIONAL
A formulação clássica foi implementada no programa multimídia de resistência dos materiais de duas formas: a
primeira como exposição do conteúdo, e a segunda como ferramenta interativa de simulação de resultados.
A apresentação da formulação utilizou a interface básica do programa, conforme Fig. 6, onde o conteúdo que está
sendo apresentado aparece na janela central, com o texto correspondente na parte inferior. Outras animações ou
imagens que tenham relação com o que está sendo apresentado aparecem como ícones mnemônicos na lateral direita da
interface, podendo seu conteúdo ser deslocado para a janela principal ao se pressionar o ponteiro do mouse sobre eles.
Os controles da parte inferior da janela principal permitem um controle do fluxo de apresentação da animação, como
avanço quadro a quadro, pausa e retrocesso. Para a exposição do conteúdo procurou-se seguir as diretrizes que norteiam
todo o programa multimídia desenvolvido, principalmente no que se refere a deslocar a ênfase da exposição da
formulação matemática para uma linguagem preferencialmente visual. Desta forma, o conteúdo foi abordado através de
uma série de animações e imagens, como pode ser visto na Fig. 7.
Figura 6 – Interface do programa e exemplo de conteúdo do Círculo de Mohr
sendo apresentado através de animações.
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Figura 7 –Animações mostrando a dedução da formulação e a construção do Círculo de Mohr.
A ferramenta interativa de simulação de resultados foi implementada dentro da mesma interface, conforme Fig.8, onde
os principais elementos da simulação podem ser vistos: campos para entrada dos valores numéricos das tensões normais
e tangencial na parte superior esquerda, um prisma elementar bidimensional na parte central esquerda, com as faces em
amarelo e verde para correspondência com os estados de tensão grafados como pontos de mesma cor na parte central à
direita, e que dão origem ao Círculo de Mohr no plano σ x τ, valores máximos de tensão normal e tangencial possíveis
para a configuração na parte superior ao centro e a convenção de sinais utilizada na parte superior à direita. Na parte
inferior existe um controle deslizante que permite girar o prisma elementar bidimensional e os correspondentes pontos
sobre o círculo de Mohr.
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Figura 8 – Interface da ferramenta interativa de simulação de resultados do Círculo de Mohr.
À medida que os valores das tensões normais e tangenciais nas faces do prisma elementar bidimensional vão sendo
fornecidas pelo usuário, a ferramenta automaticamente desenhas as tensões correspondentes, calcula as tensões normais
e tangencial máximas e desenha o Círculo de Mohr correspondente, como pode ser visto na Fig. 9 onde são mostradas
as configurações para σx = 100, σx = 100 e σy = -50 e, finalmente, σx = 100 e σy = -50 e τxy = 60.
Deslocando-se o controle deslizante da parte inferior da interface ou posicionando-se o ponteiro do mouse sobre um dos
pontos, verde ou amarelo, correspondentes ao estado de tensões na face vertical e horizontal, respectivamente, e
deslocando-os sobre o Círculo de Mohr, é possível obter as configurações de tensões do mesmo prisma para diversos
ângulos (como 22o e 45o na Fig.9).
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Figura 9 – Diversas configurações de Círculo de Mohr simuladas no programa.
NTM - 206
4.
CONCLUSÕES
A implementação de uma ferramenta interativa para simulação de qualquer aplicação tecnológica de engenharia
tem como vantagem básica a possibilidade de se testar inúmeras configurações diferentes e visualizar a influência de
cada um dos parâmetros envolvidos, o que numa abordagem tradicional (exercícios) estaria limitada necessariamente a
um número menor de experiências.
No caso específico do Círculo de Mohr, a implementação feita permite a obtenção do Círculo propriamente dito e
da correspondente configuração do prisma elementar, girado no plano e com as tensões atuantes em suas faces de forma
muito simples e rápida, propiciando uma compreensão muito mais clara do comportamento das tensões no entorno de
um ponto e da sua visualização gráfica sob a forma de Círculo de Mohr.
A utilização dessa simulação em conjunto com uma apresentação multimídia do conteúdo constitui-se numa
ferramenta extremamente prática para a aprendizagem de Resistência dos Materiais.
Agradecimentos
Agradecemos ao CNPq e à Finep pelo financiamento desse projeto através do programa PRODENGE / REENGE,
bem como à UFRGS pelo suporte financeiro e de pessoal através do programa PIBIC-UFRGS.
Agradecemos também aos estudantes Rogério Miorando, Maurício Daí Prá, Vanderlei Gusberti, Diogo Haas,
Alexandre Coelho, Márcio Carvalho, Rafael Schmidt, Tobias Savi, Gustavo Jaquet Ribeiro, Leandro Conte Silva e
Cristiane Borges Moura sem cujos esforços e dedicação este trabalho não seria possível.
5.
REFERÊNCIAS
[1] J. R. Masuero e L. A. S. González, “Um software multimídia para ensino de Resistência dos Materiais”, in
Proceedings of the 1998 International Symposium on the Use of Computers in Enginnering and the Quality of
Software, Faculdade da Cidade, Rio de Janeiro, Brasil.
[2] J. R. Masuero e L. A. S. González, “Ensino da Resistência dos Materiais através da Multimídia” XXVI Congresso
Brasileiro de Ensino de Engenharia – COBENGE 98, Faculdade São Judas Tadeu, São Paulo, Brasil, 1998. Anais.
[3] J. R. Masuero e G.J. Creus, Introdução à Mecânica Estrutural, Ecditora da Universidade – UFRGS, Porto Alegre,
1997. p. 304.
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Download

variações das tensões no entorno de um ponto