PESQUISAS / RESEARCH / INVESTIGACIÓN Resistência do homem às ações de saúde: percepção de enfermeiras da estratégia saúde da família Men’s resistance to health actions: perception of nurses from the Family Health Strategy Resistencia del hombre a las acciones de salud: percepción de enfermeras de la Estrategia de Salud Familiar Maria Enoia Dantas da Costa e Silva Mestre em Enfermagem. Docente da Faculdade Santo Agostinho e NOVAFAPI. Endereço para contato: Rua Jônatas Batista, n° 2340, Porenquanto, Teresina-PI, CEP: 64003077. e-mail: [email protected]. Willyane de Andrade Alvarenga Graduando em Enfermagem pela Faculdade Santo Agostinho. Simone Santos e Silva Graduando em Enfermagem pela Faculdade Santo Agostinho. Liana Dantas da Costa e Silva Barbosa Psicóloga. Mestranda em Toxologia e Genética. Docente da Faculdade Santo Agostinho e FACIME–PI. Silvana Santiago da Rocha Doutora em Enfermagem. Docente da Faculdade Santo Agostinho e Universidade Federal do Piauí. Teresina-PI. RESUMO Trata-se de uma pesquisa qualitativa, com objetivos de descrever e analisar a percepção das enfermeiras da Estratégia Saúde da Família acerca da resistência do homem na fase produtiva às ações de promoção/ proteção da saúde e prevenção das doenças. Realizada de março a abril de 2010, nos Centros de Saúde de Teresina-PI, com dezesseis enfermeiras. Os dados foram coletados por entrevistas semi-estruturadas, sendo as falas categorizadas segundo Bardin e analisadas à luz do referencial teórico. Os resultados apontam os motivos pelos quais o homem se opõe às ações de saúde que estão relacionados à cultura masculina, à organização do serviço de atenção básica, às condições socioeconômicas do homem e ao seu desconhecimento quanto à importância das ações de Saúde Pública. As entrevistadas revelaram um vazio da figura masculina nas Unidades Básicas de Saúde devido à escassa adesão às medidas de proteção de saúde e prevenção de agravos nessa população. Propõe-se mudanças no modelo assistencial e enfatiza-se a educação em saúde em diferentes espaços no quais esse homem se encontra, como forma de assisti-lo integralmente. Descritores: Cuidados de enfermagem. Programa Saúde da Família. Saúde do homem. ABSTRACT It is a qualitative research, aiming to describe and analyze the perception of nurses from the Family Health strategy about men’s resistance in the productive phase to the actions of health promotion/ protection and disease prevention. It was developed from March to April 2010, in the Health Centers of Teresina-PI, with sixteen nurses. Data was obtained through semi-structured interviews, and the speeches were categorized according Bardin and analyzed in the light of the theoretical framework. The results showed the reasons why men oppose to the actions of health related to male culture, organization of primary care service, men’s socioeconomic conditions and their ignorance about the importance of Public Health actions. The interviewees revealed an empty male figure in Basic Health Units due to poor adherence to protective measures for health and disease prevention for this population. They suggest changes on the health care model and emphasize health education in different areas where those men are, as a way of fully assisting them. Descriptors: Nursing care. Family Health Program. Men’s health. RESUMEN Es una pesquisa cualitativa, con objetivos de describir y analizar la percepción de las enfermeras de la estrategia de salud familiar sobre la resistencia del hombre en la fase productiva a las acciones de promoción/protección de la salud y prevención de enfermedades. Realizada de Marzo hasta Abril de 2010, en los Centros de Salud de Teresina-PI, con dieciséis enfermeras. Los datos fueron obtenidos por medio de entrevistas semi-estructuradas, y sus discursos categorizados según Bardin y analizados a la luz de la base teórica. Los resultados mostraron los motivos pelos cuales el hombre se opone a las acciones de salud que están relacionadas a la cultura masculina, a la organización del servicio de atención primaria, a las condiciones socioeconómicas del hombre y a su ignorancia cuanto a la Submissão: 15/01/2010 Aprovação: 24/03/2010 1 Extraído do Trabalho de Conclusão do Curso de Enfermagem “Percepção da enfermeira da estratégia Saúde da Família sobre a assistência à saúde do homem na fase produtiva”, Faculdade Santo Agostinho – Brasil, 2010. Revista Interdisciplinar NOVAFAPI, Teresina. v.3, n.3, p.21-25, Jul-Ago-Set- 2010. 21 Silva, M. E. D. C. et al. importancia de las acciones de Salud Pública. Las entrevistadas revelaron un vacío de la figura masculina en las Unidades Básicas de Salud debido a la falta de adherencia a las medidas de protección de salud y prevención de enfermedades por esa población. Proponen cambios en el modelo asistencial y enfatizan la educación en salud en diferentes áreas donde esse hombre está, como forma de ayudarlo integralmente. Descriptores: Cuidados de enfermería. Programa Salud de la Familia. Salud del hombre. 1INTRODUÇÃO O homem traz consigo uma identidade masculina construída historicamente que envolve papéis sociais, diferenciando-o do gênero feminino. Ser homem está relacionado à invulnerabilidade, força e virilidade e isso se relaciona à desvalorização ao seu autocuidado (GOMES; NASCIMENTO; ARAÚJO, 2007). As atribuições alocadas aos homens encontram-se associadas a masculinidade, o que trás como consequência a esse gênero um menor cuidado com a saúde e a uma menor procura por esse serviço, uma vez que esse cuidado e essa procura são representados como uma fraqueza (COSTA, 2003). Segundo Oliveira (2004), a masculinidade representa um espaço simbólico de sentido estruturante que modela atitudes, valores, funções, comportamentos e emoções a serem seguidos numa determinada cultura. Aqueles que seguem tais modelos não só são atestados como homens como também não são questionados pelos outros que compartilham desses símbolos. Esse espaço simbólico masculina reflete uma preocupação com a saúde que ainda está em fase inicial. Gomes (2003) afirma que isso contribui para uma maior exposição aos fatores de risco, já que a prática do cuidar não é vista culturalmente como uma prática masculina. Isso resulta consequentemente, em uma procura diminuída ao serviço de saúde, aos agravos nas morbidades já existentes e ao fato deles morrerem em maior quantidade e mais cedo que a população feminina. Laurenti, Mello Jorge e Gotlieb (2005), em seu trabalho, traçaram um perfil epidemiológico da morbimortalidade masculina, citando a diminuição da mortalidade no homem de forma mais lenta e sempre menor do que a observada no sexo feminino, a vida média masculina é comparativamente menor em todas as regiões do Brasil. Essa significação nas taxas de mortalidade masculina começam desde o período intrauterino, pois há mais abortos naturais de embriões e fetos masculinos que femininos, e esses valores se perpetuam com um ano de existência e durante todos os outros anos de vida (BRAZ, 2005). No entanto, essas estatísticas se mantêm por conta da exposição do homem aos fatores de risco ao longo da vida e da renúncia às medidas de proteção e prevenção de agravos. Então o homem, na fase adulta, gera comportamentos danosos à saúde, fazendo emergir fatores de risco importantes para o adoecimento, merecendo uma melhor atenção. A resistência masculina à atenção primária resulta não apenas em vários agravos a sua saúde, mais em sobrecarga financeira da sociedade, uma vez, que o homem adentra “o sistema de saúde pela atenção ambulatorial e hospitalar de média e alta complexidade, o que tem como conseqüência agravo da morbidade pelo retardamento na atenção e maior custo para o sistema de saúde” (BRASIL, 2008, p. 5). Há, ainda, sofrimento físico e emocional do indivíduo e sua 22 família, já que ele luta pela conservação da sua saúde e qualidade de vida de seus familiares. Em face dessa problemática, o enfermeiro, como integrante da estratégia Saúde da Família (ESF), tem papel importante na prevenção de doenças/agravos e na promoção de qualidade de vida da população de modo geral e em especial, para os grupos mais vulneráveis, como os homens na fase produtiva. Neste sentido e com base no contexto da Política Nacional de Atenção Integral à saúde do Homem, surgiu a motivação para a realização deste estudo que elege como objetivos descrever e analisar a percepção das enfermeiras da estratégia Saúde da Família sobre a resistência do homem na fase produtiva às ações de promoção/ proteção da saúde e prevenção das doenças. 2 METODOLOGIA Estudo de natureza qualitativa realizado em Unidades Básicas de Saúde (UBS) da rede municipal de Teresina, situadas na Zona Norte. Os sujeitos foram 16 enfermeiras que aceitaram participar da pesquisa assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e se encontravam trabalhando na equipe há pelo menos 1 ano. Os dados foram coletados pela técnica de entrevista semi-estruturada, possibilitando aos entrevistados condições de discorrer sobre o tema proposto, sem a obrigatoriedade de se obter as respostas ou condições prefixadas pelo pesquisador. Os dados de interesse para a pesquisa foram agrupados e contextualizados em categorias temáticas semânticas, por meio da análise de conteúdo de Bardin (2004). Esta pesquisa em todas as suas fases de realização tomou-se por base os preceitos da Ética em pesquisa, segundo a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde que trata de pesquisa com seres humanos (BRASIL, 1996). O projeto foi aprovado pelo parecer nº 231/10 do Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade Santo Agostinho, Teresina–PI. Para garantir o caráter sigiloso das informações, todos os depoentes foram nomeados numericamente 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO As falas das enfermeiras apresentadas neste recorte constituíram uma categoria formada por 53 unidades de registro, 23,35% do total das unidades das demais categorias da pesquisa. Esta categoria traz os motivos de oposição do homem às ações de promoção/ proteção da saúde e prevenção das doenças, apontados pelas enfermeiras, os quais se relacionam à cultura masculina, à organização do serviço na ESF, às condições socioeconômicas do homem e ao seu desconhecimento quanto à importância dessas ações de Saúde Pública. Tais motivos, segundo a percepção das enfermeiras, justificam a pouca procura do homem pelas ações de atenção básica, a não adesão às medidas de proteção à sua saúde e, consequentemente, as dificuldades de implementação da assistência para essa população masculina, conforme explicitado nos fragmentos de falas abaixo: Eu acho que os homens não vêm ao serviço de saúde por causa da educação que eles têm. Isto é por uma questão cultural... é uma questão na educação dentro da própria família e isso faz que a mulher procure mais que o homem, a educação dos pais, onde as mulheres são mais sensíveis, qualquer coisa ela chora, demonstram mais o sentimento dela, e o homem não, eles são criados mais no sentido de não poder mostrar a dor, nem sentimento, o homem tem que ser macho, que homem não chora, enfim (D 02). Revista Interdisciplinar NOVAFAPI, Teresina. v.3, n.3, p.21-25, Jul-Ago-Set. 2010. Resistência do homem às ações de saúde: percepção de enfermeiras da estratégia saúde da família A questão de ainda ter o machismo, de achar que o homem não adoece, que ele, realmente, só vem nas últimas conseqüências, é um fator cultural que ainda impera (D 03). A percepção destas enfermeiras reporta-se aos paradigmas de masculinidade que ainda imperam no imaginário social: de que o homem nunca adoece, de que ele não se cuida e que só procura o serviço de saúde nas ultimas conseqüências. Tal percepção coaduna com Fonseca (2008) ao afirmar que o machismo se constrói, se mantém e se expressa nas estruturas sociais, indo além da vontade individual do homem. Assim, elas enfatizam o machismo, como um fator cultural que prevalece na sociedade e no imaginário masculino e que resulta no seu comportamento social, impedindo que esse homem procure o serviço de saúde e se considere invulnerável a agravos. O homem, segundo Braz (2005), sofre preconceito por ser visto como forte fisicamente e emocionalmente e isso implica em não ser assistido e a não se cuidar. Outro preconceito é em relação ao manuseio das suas partes íntimas, pois isso é visto como violação da sua condição de heterossexual. A idéia de masculinidade compromete o acesso à atenção básica e em dificuldades na promoção de medidas preventivas. A imagem que o homem sustenta, carregada da idéia de prover e assistir reflete numa negação ao seu estado de saúde ou em procurar ajuda ou cuidados médicos. As falas dessas enfermeiras ainda evidenciam que a educação do homem é distinta do modelo educacional proposto à mulher e apontam este fato como fator que impede a sua busca por assistência à saúde e a sua auto-percepção de vulnerabilidade. Elas ressaltam os mecanismos usados ao longo da infância para que o homem não expresse a dor ou o que está sentindo, contribuindo para o seu auto-cuidado desfavorável e a sua percepção de invulnerabilidade na vida adulta. Sobre a educação masculina, Braz (2005) explica que o homem é educado para ser forte e protetor, inibindo a sua percepção de fragilidade e adoecimento e isso o torna susceptível/vulnerável a agravos físicos e psíquicos que, na maioria das vezes, poderiam ser evitados. Desde muito cedo, ele foi ensinado para não chorar quando sentir dor física e emocional, a suportá-las. Ensinado a responder com violência quando sofrer violência e estimulados a praticarem esportes violentos. Galastro e Fonseca (2007), em sua pesquisa, quando aborda a participação do homem na saúde reprodutiva, alude que o homem quando criança foi estimulado a brincar com o mecânico, o instrumental e a lidar com o racional, enquanto a mulher era preparada para o maternal, enquanto brincava de boneca. Portanto, a mulher desde muito cedo era estimulada para o cuidado. Figueiredo (2005) completa que a idéia de feminilização associada ao cuidado de saúde surgiu da dificuldade dos homens em verbalizar as suas necessidades de saúde, pois isso é traduzido em fraqueza, em feminilização perante os outros. A explicação para a não busca dos serviços de saúde pelos homens, a vergonha que eles sentem de ficar expostos a um outro homem ou a uma mulher, além do medo que há de que o médico descubra que algo vai mal com a sua saúde, põe em risco a sua crença de invulnerabilidade (GOMES; NASCIMENTO; ARAÚJO, 2007). Percebe-se, portanto, a necessidade de se refletir sobre a masculinidade para entender os comprometimentos à saúde do homem. Diante do exposto, entende-se que se os homens rompessem com esse imaginário social de invulnerabilidade e inexpressividade, passando a admitir a sua situação e buscar assistência à saúde, muitos agravos poderiam ser evitados, e consequentemente, os indicadores desfavoráveis de morbimortalidade masculina também se reduziriam. Revista Interdisciplinar NOVAFAPI, Teresina. v.3, n.3, p.21-25, Jul-Ago-Set. 2010. Por outro lado, as enfermeiras expressam nos fragmentos de falas seguintes, que essa resistência masculina também está ligada a fatores relacionados ao modelo organizacional da atenção básica, como a dificuldade de acesso do homem no momento em que se dispõe, se encoraja à busca de assistência em detrimento de outras atividades a exemplo do trabalho, por precisar de cuidados. Esta inacessibilidade contribui para a sua oposição às ações de promoção/ proteção da saúde e prevenção das doenças: Essa prevenção do homem em relação à doença não está acontecendo porque a gente sabe que o homem no horário que as unidades de saúde estão disponibilizadas ao serviço é o horário que, também, eles estão trabalhando (D 03). Então, muitas vezes, a pessoa não pode faltar a um dia do serviço para comparecer ao posto porque, muitas vezes, se ela fizer isso, ela pode perder o emprego, então, o posto tem que se adequar à população (D 10). Pelas falas das enfermeiras, entende-se que elas propõem uma nova organização no modelo assistencial de forma a contemplar as reais necessidades do homem, compatibilizando suas possibilidades de tempo com a oferta de serviço. Assim, os centros de saúde deveriam funcionar em horários alternativos, como no fim de semana e horário noturno. O horário incompatível com a disponibilidade do homem que trabalha é um problema apontado por Braz (2005), pois onde as UBS não funcionam após as 17 horas, o atendimento a esse grupo é inviabilizado e eles terminam por buscar assistência nos serviços de urgência/emergência. Por conta dessas dificuldades esse homem prioriza a doença, os agravos, em detrimento de ações para a promoção da saúde e prevenção da doença. Figueiredo (2005), levando em consideração essa idéia de adequação da UBS, descreveu em seu trabalho, um projeto educativo realizado com a colaboração dos agentes comunitários de saúde, voltado principalmente para os homens, em um jogo de futebol, onde colocou uma barraca junto das arquibancadas, com material educativo sobre temas, como sexualidade, prevenção de DST/Aids e contracepção, violência no espaço público e a violência doméstica e alcoolismo, e foi uma ótima experiência. Além disso, esse autor cita, ainda, a realização de outras iniciativas voltadas para o público masculino, de forma que as atividades são programadas para um horário mais flexível (mais tarde), possibilitando, assim, uma maior participação dos homens. Isso é se adequar às especificidades de cada população e se preocupar com as necessidades de saúde do homem. Outro fator de resistência do homem às ações de saúde, mencionado pela depoente D11 é a presença maciça de mulheres tanto como demanda de atendimento como de profissionais assistentes, tornando os espaços das UBS feminilizado. Muitos deles não se sentem bem de serem consultados em lugares que quase não têm homens, então, eles não se sentem assim tão à vontade como as mulheres se sentem para falar dos problemas delas (D 11). Corroborando com essa percepção, Gomes, Nascimento e Araújo (2007) explanam que os homens afastam-se do sistema de saúde, pela sensação de não pertencerem aquele espaço, exatamente pela visão de um espaço feminilizado, onde é mais freqüentado por mulheres e composto por uma equipe de profissionais, em sua maioria, composto também por mulheres. O desconhecimento sobre o funcionamento da UBS e a quem as atividades e os programas se destinam é um problema que resulta na percepção do homem de não pertencimento àquele espaço. Essa afirmação 23 Silva, M. E. D. C. et al. está presente na pesquisa de Figueiredo (2005), quando ressalta, que as UBS por não realizarem atividades voltadas para o público masculino; o homem termina achando que não pertence àquele espaço. Nos centros, a maioria das atividades é voltada para mulheres, crianças e idoso. Ademais as enfermeiras destacam que eles não querem enfrentar filas, alegando longas demoras. Com isso, reforçam que a não procura do homem pelas ações de saúde está relacionada à dificuldade de acesso às UBS. Neste caso, torna-se difícil estabelecerem vinculo com o homem e orientá-lo quanto às praticas diárias saudáveis, conforme expressa uma depoente. Também é a questão deles pensarem que vai demorar muito tempo para ser atendido [...] eles alegam que é muito difícil ir, chegam lá e é uma fila imensa (D 11). Gomes, Nascimento e Araújo (2007) confirmam essa dificuldade para o acesso dos homens à UBS na marcação de consultas (enfrentamento de filas intermináveis). Destacam, ainda, que esse homem nem sempre resolve todos os seus problemas em uma única consulta. Assim, a farmácia é percebida como um local de facilidades, pois se pode pedir um conselho em serviço médico, sem precisar enfrentar filas ou marcar consultas. Sobre a escolha de lugares de melhor acesso para atendimento, Figueiredo (2005) destaca que os homens procuram farmácias ou prontos-socorros, pois eles respondem mais objetivamente às suas demandas e eles conseguem expor seus problemas com mais facilidade. Quanto às questões socioeconômicas que contribuem para a resistencia do homem às ações de saúde, as enfermeiras destacam o trabalho como causa principal de negligência nos cuidados com a saúde. Essa idéia de prover o lar – trabalhar – é hegemônica nas falas: A dificuldade que o homem tem de procurar o serviço de saúde, eu tiro pela minha comunidade e até pelo meu próprio marido, o principal fator é o trabalho, eles não costumam se dar o direito de faltar ao trabalho, para vir procurar o médico, eles não costumam colocar a saúde em primeiro lugar, principalmente em relação ao trabalho, o que na mulher é bem diferente (D 15). Porque a gente sabe que apesar de muitas mulheres estarem sendo a chefe do lar, trabalhando e tudo, a maior parte ainda é o homem que trabalha fora, então eles não vêm por falta de tempo (D 16). Nascimento e Gomes (2008), ao falar das marcas identitárias do homem, que o ser provedor envolve a família e o trabalho e que essas duas instâncias concretas relacionam-se a inserção e ao reconhecimento do ser homem. Ressaltam, ainda, a partir das falas de dezenove homens em sua pesquisa, que a identidade masculina está ancorada no trabalho, onde o homem parte da sua manutenção socioeconômica (sustentabilidade e materialidade) para posterior constituição de família. A responsabilidade pelo sustento familiar foi historicamente atribuída ao homem, sendo mais evidente naqueles de baixa condição socioeconômica e esse papel é tido como prioridade para eles. Hoje as mulheres das várias condições socioeconômicas, também, estão inseridas no mercado de trabalho e, no entanto, não deixam de freqüentar os serviços de saúde (BRASIL, 2008). As falas anteriormente mencionadas fortalecem com essa afirmativa, pois as mulheres apesar de estarem assumindo o papel de chefes do lar, ainda colocam a saúde em primeiro lugar, não deixando de frequentar as UBS. Relacionando o trabalho do homem, Figueiredo e Schraiber (2008), expõe que a dificuldade do uso dos serviços de saúde pelos homens é a inconveniência de ter que faltar ao trabalho, iniciativa traduzida em potencial perda de rendimentos relacionados a ausências decorrentes de doenças, resultando numa potencial perda de promoção e manutenção no emprego. 24 Gomes, Nascimento e Araújo (2007) dizem que pelo mercado de trabalho, geralmente, não garantir formalmente que o homem acesse o serviço de saúde para realizar medidas primárias de saúde, faz com ele, em dado momento, sinta-se que pode ser prejudicado e o seu papel de provedor ameaçado. Figueiredo e Schraiber (2008) explicam muito bem este aspecto ao apontar que o trabalho, para o homem, constitui uma conduta considerada necessária para que estes sejam reconhecidos como sujeitos dignos e de bom caráter. O trabalho possibilita as condições necessárias para o cumprimento de deveres e obrigações dos homens, permitindo, dessa forma, que eles consigam assumir suas responsabilidades de manter, proteger e cuidar da família. Ações reiteradas por eles como sendo inerentes à condição de ser homem. Também foi colocado como fator de resistência do homem aos serviços atenção á saúde, o desconhecimento da importância das ações de Saúde Pública. Como mostra os fragmentos, abaixo: Eu tive uma supervisão com a doutora aqui para ver os contatos de hanseníase, por que tem gente que precisa tomar a vacina. Aí uma mulher disse: – ah meu marido não vai. – Mas porque ele não vai? Por que ele é muito grosso, porque ele disse que não está doente e não precisa vir para vacinar (D 01). Outro fator que impossibilita na maioria das vezes a vinda desse paciente até a gente é a questão do desconhecimento dessa necessidade de prevenir e não, somente, vir a Unidade buscando, após a instalação da doença (D 03). É necessário educá-los, falar da importância deles vir ao posto fazer um acompanhamento preventivo. [..]. explicar a eles sobre como é importante o nosso trabalho de prevenção para eles virem procurar a assistência (D 09). As depoentes apontam o que o homem desconhece a importância das ações de prevenção e manutenção da saúde, resultando na desvalorização às ações de educação em saúde e a valorização do curativo, uma vez que ele só adentra à UBS com a instalação da doença, como é presente nas falas. Schraiber, Gomes e Couto (2005) corroboram com essas observações, pois os homens não se mostram sensíveis aos trabalhos educativos. Um exemplo disso é quando existem atividades educativas sobre o câncer de próstata e a sua detecção precoce, nota-se que o homem integra-se a essas atividades, diferente das mulheres em relação ao câncer de mama e colo do útero (LAURENTI; MELLO JORGE; GOTLIEB, 2005). As enfermeiras apontam que o homem não colabora com iniciativas como a vacinação, pois desconhecem a sua importância e/ou pelo sentimento de invulnerabilidade das marcas de masculinidade. Batista (2005) afirma que a dificuldade de adesão dos homens a essas iniciativas, a tratamentos e a perceberem-se em risco, ainda, é maior quando eles são de baixa renda e escolaridade. Conforme a percepção das enfermeiras expressa nas falas anteriores é necessário sensibilizar os homens para a importância das medidas de prevenção e manutenção da saúde para que possam mudar hábitos de vida desfavoráveis. É necessário educá-los para, então, valorizarem essas ações e evitarem comportamentos de riscos à saúde. Educar vem do latim educare e significa “ajudar a desenvolver o ser humano de dentro para fora” (TIBA, 2005, p.157). No entanto, os homens possuem um imaginário masculino de considerar-se forte e invulnerável, que o impede de praticar ações saudáveis. Nascimento e Gomes (2008) chamam esse imaginário de marcas identitárias da masculinidade em que os homens podem incorporar ou rejeitar essas marcas, mas quando eles não rejeitam, eles acabam sendo vítimas deles mesmos, em detrimento da saúde por se expor mais aos fatores de riscos. Revista Interdisciplinar NOVAFAPI, Teresina. v.3, n.3, p.21-25, Jul-Ago-Set. 2010. Resistência do homem às ações de saúde: percepção de enfermeiras da estratégia saúde da família 4 CONCLUSÃO As entrevistadas revelaram um vazio da figura masculina nas Unidades Básicas de Saúde devido à resistência às medidas de proteção de saúde e prevenção de agravos por essa população. Os motivos para essa inexpressível procura estão relacionados aos aspectos culturais desse grupo masculino, à organização do serviço na ESF, no desconhecimento da importância dessas ações pelos homens e nos seus fatores socioeconômicos. Em detrimento disso, é necessário que os profissionais de saúde, em relação à saúde do homem, adotem formas diferentes de pensar; rompam com atitudes, crenças e valores cristalizados ao longo de sua formação profissional e social e incorporem novos conceitos pertencentes à saúde do homem, para conseqüentemente, agirem de uma nova maneira, estimulando este homem para que ele se incorpore ao serviço de saúde. Uma estratégia para que essas mudanças de comportamento nos homens possam acontecer, seria a organização de atividades assistenciais de atenção básica nos próprios locais de trabalho dos homens, considerando que é neste espaço onde eles se encontram nos horários de funcionamento dos centros de saúde. Outra possibilidade seria envolvê-los nos seus lares, estádios de futebol, sindicatos e outros lugares em que na maioria só homens freqüentam, com objetivo de motivá-los a ter práticas de vida saudáveis e até quanto às mudanças de estereótipos do seu imaginário masculino. Quanto aos horários de funcionamento dos serviços de atenção básica, para atender a esse público, seria oportuno se repensá-los de forma que se adequassem à sua disponibilidade, ou seja, em períodos contrários aos do trabalho. Isso seria levar em consideração as necessidades do homem trabalhador, pois com essa postura certamente haverá eficiência nas ações de Saúde Pública e conexão com esses segmentos masculinos. A promoção de discussões no âmbito da Saúde Pública, quanto aos sentidos atribuídos à sexualidade masculina, deverá existir para que se possa ultrapassar essas dimensões simbólicas do imaginário masculino e atribuir práticas de saúde, como a promoção de medidas preventivas. REFERÊNCIAS BARDIN, L. Análise de Conteúdo. 3 ed. Lisboa: Edições 70, 2004. BATISTA, L. E. Masculinidade, raça/cor e saúde. Ciências & Saúde Coletiva, Rio de. Janeiro, v.10, n.1, p.71-80, mar./2005. BRAZ, N. 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