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CONSULTA PÚBLICA SOBRE O PROJECTO DE LEI RELATIVA À DEFESA
DA SEGURANÇA DO ESTADO
Estando a chegar ao fim o período de consulta pública sobre o projecto de Lei
Relativa à Defesa da Segurança do Estado e após ter assistido a uma das
sessões públicas onde se debateu o conteúdo do projecto, entendi ser meu
dever, enquanto residente permanente da RAEM, tentar dar o meu contributo
pessoal para o melhoramento da proposta final.
Sendo a matéria que pretende regular por natureza uma matéria sensível, devo,
antes do mais, saudar o conteúdo do projecto no seu conjunto por se revelar
bastante equilibrado, especialmente quando comparado com idêntico projecto
anteriormente formulado na RAEHK.
Contudo, penso ser possível introduzir algumas alterações no seu conteúdo que,
por um lado, o tornariam mais adequado à realidade e às especificidades de
uma Região Administrativa Especial, como Macau é no seio da República
Popular da China, e, por outro lado, atenuariam substancialmente o risco de
abusos na aplicação prática do seu conteúdo.
As alterações a introduzir deveriam, do meu ponto de vista, incidir
fundamentalmente sobre dois pontos muito específicos do actual projecto:
– A não distinção entre cidadãos chineses e cidadãos de outras nacionalidades,
quanto à medida da pena a aplicar, em todos os actos puníveis no quadro desta
Lei, à excepção dos “actos de traição à Pátria” (artigo 2.º);
– A punição dos actos preparatórios quando estão em causa os actos de
sedição e os actos de subtracção de segredo de Estado (artigos 5.º e 6.º).
NÃO DISTINÇÃO ENTRE CIDADÃOS CHINESES E CIDADÃOS DE OUTRAS
NACIONALIDADES
Sendo a Lei Relativa à Defesa da Segurança do Estado uma lei do ordenamento
jurídico da RAEM mas que visa defender o Estado e as instituições da República
Popular da China, deveria ter em conta, na sua formulação, que nem todos os
residentes de Macau são de nacionalidade chinesa, em primeiro lugar, e que
nem todos aqueles que residem habitualmente em Macau têm idêntico vínculo
com a RAEM, em segundo lugar.
Entre os habituais residentes em Macau, podemos encontrar residentes
permanentes, residentes não permanentes e aqueles que poderemos designar
por residentes habituais mas que são considerados como não residentes (por
exemplo, os portadores do chamado “blue card”). Para além dos anteriormente
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referidos, temos ainda as pessoas que estão apenas de passagem por Macau,
nomeadamente em turismo ou negócios, que têm apenas um visto que lhes
permite permanecer em Macau durante um curto período de tempo
Sendo a lei em apreço, como já dissemos, uma lei que visa defender o Estado e
as instituições da República Popular da China não faz muito sentido, do meu
ponto de vista, que quem não é nacional chinês seja tratado em pé de igualdade
com quem o é, quanto à medida da pena que lhe poderá ser aplicada caso
cometa algum dos actos nela previstos.
Da mesma forma, quem, como eu, não sendo nacional chinês é, contudo,
residente permanente de Macau deverá igualmente ter um tratamento
diferenciado, por exemplo, do mero turista de passagem por Macau, na medida
da pena que lhe poderá ser aplicada.
Quem é residente permanente de Macau, mesmo não sendo nacional chinês,
tem direitos e deveres que decorrem da sua condição de residente permanente,
tendo também, a meu ver, uma responsabilidade acrescida no cumprimento de
disposições legais como as da Lei Relativa à Defesa da Segurança do Estado.
A mesma questão pode, aliás, levantar-se em relação aos actos tipificados como
“actos de traição à Pátria” (artigo 2.º). Se é verdade que quem não é cidadão
chinês não pode, objectivamente, trair a pátria chinesa, não me parece, contudo,
correcto que quem não seja cidadão chinês mas seja residente habitual de
Macau, sobretudo se for residente permanente, possa passar incólume, à luz
desta lei, caso cometa algum dos actos previstos no artigo 2.º.
O mesmo princípio penso dever ser aplicado aos actos previstos nos artigos 3.º,
4.º, 5.º e 6.º, ou seja, os cidadãos chineses têm uma especial responsabilidade
na eventualidade da prática dos actos previstos nesses artigos pelo que não faz
sentido, do meu ponto de vista, que sejam sujeitos à mesma medida da pena
que os não cidadãos chineses. Em relação a estes últimos, a sua
responsabilidade também será maior caso sejam residentes permanentes da
RAEM, decrescendo se forem residentes não permanentes, decrescendo ainda
mais se forem apenas trabalhadores não residentes e, no patamar mínimo da
responsabilidade, se estiverem apenas de passagem por Macau. Obviamente,
em relação a quem esteja de passagem por Macau, será um factor agravante de
grande relevância a eventualidade de essa passagem ter sido feita
propositadamente para a prática dos actos.
Assim, proponho que a versão final do projecto de Lei Relativa à Defesa da
Segurança do Estado contenha uma disposição que preveja que a
aplicação da medida da pena deva ter em conta, em primeiro lugar, se o
infractor é cidadão chinês, em segundo lugar, se é residente permanente
da RAEM, em terceiro lugar, se é residente não permanente da RAEM, em
quarto lugar, se é residente habitual da RAEM (trabalhador não residente
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portador de “blue card”) e, em quinto lugar, se é alguém apenas de
passagem por Macau, sendo a gravidade do acto tanto maior quanto a
condição do infractor na sua relação de cidadania com a China (ser ou não
ser seu nacional) e com a RAEM (ser ou não ser residente permanente,
etc.).
Esta mesma ponderação deverá ser aplicada à punição dos actos previstos
no artigo 2.º que, neste momento, apenas são puníveis se o infractor for
cidadão chinês.
PUNIÇÃO DOS ACTOS PREPARATÓRIOS QUANDO ESTÃO EM CAUSA OS
CRIMES PREVISTOS NOS ARTIGOS 5.º E 6.º
Os crimes previstos nos artigos 5.º (Sedição) e 6.º (Subtracção de segredo de
Estado) são, por natureza, crimes de difícil prova e onde os erros judiciários
serão potencialmente mais fáceis de acontecer.
O incitamento à prática dos actos descritos nos artigos 2.º, 3.º e 4.º, punível
como acto de sedição (artigo 5.º), será, por vezes, um crime difícil de tipificar
pois a figura do “incitar” pode ter interpretações bastante diversas.
O mesmo se passa quanto aos actos previstos no artigo 6.º (Subtracção de
segredo de Estado). A tentativa de descrever o que se entende por “segredo de
Estado”, formulada no número 4 deste artigo, é excessivamente vaga e, mais
uma vez, tenderá a criar enormes dificuldades na definição dos actos ali
tipificados.
Os problemas mencionados nos parágrafos anteriores serão exponencialmente
multiplicados se, ainda por cima, se punirem os actos preparatórios dos crimes
previstos nesses artigos (5.º e 6.º).
Se, em muitos casos, será difícil de avaliar quando se está, ou não, perante um
acto de sedição ou de subtracção de segredo de Estado, será quase impossível
enquadrar legalmente a figura do acto preparatório de um desses crimes,
podendo, por essa via, abrir-se a porta a inúmeros abusos e ao potencial
crescimento dos erros judiciários.
Assim, e para além da reformulação do conteúdo do artigo 6.º (Actos de
subtracção de segredo de Estado), em particular do seu número 4, onde se
descreve o que se entende por “segredo de Estado”, tornando a sua
redacção da maior clareza possível, proponho que se retire do conteúdo
do artigo 9.º (Actos preparatórios) a referência aos crimes previstos nos
artigos 5.º e 6.º.
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Gostaria ainda de propor, por uma questão de boa redacção, a eliminação
da expressão “Proibição de” das epígrafes dos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 5.º e 6.º,
passando as respectivas epígrafes a iniciarem-se por “Actos de…”.
Paulo Godinho
Residente permanente da RAEM
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