“Projeto Redes de Referências para a Agricultura Familiar”: análise dos resultados
apresentados em uma das propriedades acompanhadas no período de 1998 a 2003
Anais Naomi Kasuya Saldanha
Márcia Regina Gabard da Câmara
Dimas Soares Júnior
Adenir de Carvalho
Resumo
Registros desapontados com a realização de iniciativas para o desenvolvimento da agricultura
familiar mostram que, precisa ser criada uma nova aproximação para a concepção e
implementação de projetos, buscando diminuir a distância entre propostas escritas e a
realidade dos grupos de beneficiários. Esta nova aproximação, não pode estar baseada apenas
em aspectos técnicos ou ambientais, mas é importante que se leve em conta os processos
sociais. O presente trabalho faz algumas reflexões acerca da agricultura familiar e das
dificuldades enfrentadas pela pesquisa e extensão voltadas para este estrato de produtores,
seguida da apresentação e análise de alguns resultados do Projeto das Redes de Referências
para a Agricultura Familiar (“Projeto Redes”), o qual está sendo desenvolvido no Estado do
Paraná, desde 1998, numa parceria entre o Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR) e a
Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER/PR), utilizando-se de
uma nova proposta metodológica a qual, entre outras características, utiliza-se de princípios
do enfoque sistêmico, da pesquisa e desenvolvimento e das organizações em rede ao longo do
processo de acompanhamento aos agricultores.
Palavras-chave: agricultura familiar, pesquisa agropecuária, extensão rural.
Introdução
O objetivo deste trabalho é apresentar e analisar os resultados de acompanhamento de
uma das propriedades que estão sendo acompanhadas pelo Projeto Redes de Referências para
a Agricultura Familiar1. Este projeto está sendo desenvolvido no Estado do Paraná, desde
1998, numa parceria entre o Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR) e a Empresa Brasileira
de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER/PR).
No Brasil, o debate sobre a agricultura familiar ainda é recente e não possui contornos
definidos. Os estudos de Abramovay (1992) merecem destaque em função do mérito de terem
revelado que a agricultura familiar é uma forma reconhecida e legitimada na maioria dos
países desenvolvidos, nos quais a estrutura agrária é majoritariamente composta por
explorações nas quais o trabalho da família assume uma importância decisiva. A “descoberta”
difundiu entre os estudiosos brasileiros a noção de agricultura familiar, e operou um
deslocamento teórico e analítico decisivo na sociologia dos estudos rurais e agrários, cujas
preocupações, até então, giravam em torno da discussão do caráter capitalista, tradicional ou
moderno, das relações sociais predominantes na agricultura.
Para melhor compreender os conceitos a serem utilizados neste trabalho, a agricultura
familiar será definida, segundo Mussoi (2002:06), que a vê como:
“Uma forma de vida, que tem (seus atores sociais) um saber/conhecimento construído
histórica e coletivamente; que tem uma lógica própria de decisão; tendo uma relação
1
O Projeto das Redes de Referências para a Agricultura Familiar será detalhadamente apresentado mais adiante
e para maior facilidade na redação e leitura do trabalho, este será designado apenas por Projeto Redes.
1
harmônica com o meio ambiente (ou pelo menos, muito mais harmônica que a
agricultura empresarial-capitalista convencional); usando de forma articulada e
eficiente o trabalho familiar; baseando-se num processo de diversificação produtiva
que garanta a produção para o abastecimento próprio e a necessária integração com o
mercado local/regional, garantindo também níveis adequados de biodiversidade
(produtiva, medicinal, artesanal e de reserva biológica); sendo capaz de processar
muitos dos produtos por ela produzidos e reciclar dejetos para sua re-utilização. Este
tipo de agricultura é, a nível externo, capaz de se articular no seu conjunto,
possibilitando a resolução organizada/coletiva de seus problemas, uso de
potencialidades e instrumentos de produção".
Estas características lhes proporcionam mecanismos próprios de resistência ao processo
de "modernização" convencional. Isso torna o trabalho da pesquisa e extensão rural voltado
para este segmento da agricultura, um tanto quanto complexo, pois estes trabalhos devem
respeitar e condizer com a lógica e realidade desses agricultores.
Para Lima et alli (1995), na propriedade familiar, as decisões sobre o que e como
produzir são determinadas não apenas por fatores como lucro e preço, mas também pelas
necessidades da família. Os sistemas familiares possuem também um subsistema decisional, o
qual gera as decisões em função das finalidades e objetivos do sistema.
As diferenças entre o empresário rural e o empresário urbano devem ser consideradas,
podendo-se citar entre estas que a principal diferença é o apego a terra e a família que muitas
vezes são maiores que o bem estar e o desejo de progresso. (Brandt & Oliveira, 1973). De
modo geral, os princípios econômicos que se aplicam à indústria e ao comércio, são também
válidos para a agricultura, entretanto esta tem certas características que devemos ter presentes
ao estudar a economia de uma empresa agrícola (Hoffmann et alli, 1984). Como ressaltado
por Lima et alli (1995), deve-se sempre atentar para a necessidade de se analisar a maneira
com que o produtor organiza sua propriedade transmitindo-lhe a importância de se atualizar,
frente às muitas mudanças que estão ocorrendo na economia.
No Brasil, a agricultura familiar é responsável pela geração de sete vezes mais postos de
trabalho por unidade de área, do que a agricultura patronal (FAO/INCRA, 1995). Também no
Paraná, os principais produtos agrícolas são produzidos por propriedades familiares,
utilizando-se a mão de obra de homens, mulheres, crianças e idosos da família.
Ao se analisar os dados descritos por Doretto et alli (2001), pode-se comprovar a
importância deste estrato de produtores para a economia do estado, segundo os quais, no
Paraná 90% dos estabelecimentos agropecuários são familiares. Tais estabelecimentos detêm
55,7% da área total, empregam 83% do pessoal ocupado e são responsáveis por 57% do valor
bruto da produção vegetal.
É fundamental analisar e compreender de que maneira são utilizados os recursos
naturais, os meios técnicos e a mão de obra disponível. Isto impõe, necessariamente, o
conhecimento das condições locais de produção ou como salienta Abramovay (1985), buscase não somente o aumento da produção e o rendimento dos produtores, mas principalmente, o
sistema de produção que melhor se adapta ás condições ecológicas e sócio – econômicas.
Possivelmente isto justifique um dos grandes problemas dos programas de
administração rural, conforme apontado por Lima et alli (1995) para quem os agricultores
começam a participar de tais programas esperando alternativas para melhorar sua produção e
logo desistem quando percebem que o programa limita-se ao acompanhamento e controle dos
registros contábeis, aconselhamento técnico – gerencial e a uma formação administrativa.
Já para Souza (1986) duas hipóteses explicam o baixo nível de adoção de tecnologia por
pequenos agricultores ou a transferência é inadequada, ou a tecnologia proposta não é
apropriada às suas condições, sendo essa a causa mais comum.
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Fazendo uma análise, sob o enfoque da percepção, Byrnes (apud Burke, 1977:19), num
artigo intitulado “Algumas variáveis faltantes na pesquisa de difusão e estratégia de
inovação”, coloca a percepção como a mais fundamental das variáveis:
Fazemos suposições a respeito de pessoas e de mudanças com base em determinadas
experiências, freqüentemente, inconscientemente selecionadas. Percebemos novas
mensagens, nós mesmos e outros, num contexto particular de tempo e lugar. O que
acontece antes e depois, o que cerca ou é visto em associação com alguma coisa,
influencia a maneira pela qual nós a vemos e compreendemos. Finalmente, nossos
pontos de vista (cultural, organizacional, físico e conceitual) influenciam nossa
percepção”.
“Percepção”, conforme usada aqui, refere-se ao significado que uma pessoa atribui para
uma pessoa, lugar, evento ou mensagem. A realidade – o significado e a significância – disto
para ela pode ser totalmente independente da “verdade” ou realidade conforme é
experimentada por outras pessoas. Ao se compreender o comportamento humano, devemos
tomar a percepção de um fato dado e estarmos alertas para o fato de que percepções diferem
em função dos perceptores.
Mais adiante, Byrnes (apud Burke, 1977: 20) tratando do problema da “resistência” dos
agricultores a certas mudanças, pergunta: “Os agricultores resistem à mudança?” Segundo o
autor, a resposta é que inegavelmente alguns o fazem, mas outros não e “ freqüentemente, eles
parecem resistir não à mudança, mas a maneira pela qual a mudança é apresentada, ou aquilo
que eles percebem ser a mudança. Assim, vemos que as pessoas respondem ou reagem - ou
também resistem – em termos da sua definição de uma situação. Se quisermos modificar sua
reação, devemos conhecer o que eles percebem e a base desta percepção”.
Concordando-se com a perspectiva de Byrnes (op.cit.), é que se verificou a relevância de
entrevistar o agricultor, buscando identificar e compreender melhor a percepção dele, sobre o
Projeto Redes, esta questão será abordada mais à frente.
O artigo está estruturado em seis partes, a saber: introdução; pesquisa e extensão rural
no Brasil, explorando-se no referencial teórico os conceitos de enfoque sistêmico, pesquisa e
desenvolvimento e organizações em redes; os procedimentos metodológicos do artigo; a
descrição do Projeto Redes; discussão e demonstração da eficácia da metodologia, utilizando
os resultados da análise do desempenho econômico-financeiro de uma das propriedades
acompanhada pelo Projeto, associada à análise do discurso do agricultor que aderiu ao
programa com sucesso, em entrevista realizada para identificar a percepção do participante e
as considerações finais, item no qual se buscou identificar em que aspectos o
acompanhamento do Projeto foi relevante para o desempenho da propriedade nos últimos
cinco anos.
1. Pesquisa e Extensão Rural no Brasil
A produção agrícola sofreu uma profunda e intensa transformação neste século
decorrente da modernização tecnológica, principalmente nos países industrializados. A
transferência dessas tecnologias modernas aos demais países foi feita, muitas vezes, sem o
devido cuidado de adaptação às realidades locais. A introdução destas tecnologias no Brasil
aprofundou a diferenciação social já existente no meio rural, além de agravar os problemas
sociais na cidade, a partir, da chegada em massa, dos agricultores que foram expulsos.
O processo de modernização partia da premissa de que a simples transferência de
tecnologias melhoradas promoveria o desenvolvimento econômico de uma dada região. No
entanto, essas categorias de agricultores não apresentavam condições de recursos materiais e
3
financeiros para absorverem os pacotes tecnológicos propostos, uma vez que estes pacotes
não estavam adequados as suas realidades.
O enfoque de pesquisa que orientou o processo de modernização baseia-se no controle
de todos os fatores, exceto um ou alguns que se deseja estudar. Isto significa pesquisar, em
estação experimental e/ou laboratórios, apenas uma parte do sistema de produção,
considerando fatores de caráter técnico e desprezando-se as questões sócio-econômicas.
Concluída a pesquisa de uma nova tecnologia, gerada como peça isolada e depois oferecida
aos agricultores para ser incluída em seus sistemas.
A extensão rural segue esta mesma lógica, desde sua implantação no Brasil ha 50 anos,
caracterizando-se por:
• Pontualidade da assistência – os técnicos estão voltados para um determinado
problema dentro da propriedade, como uma doença ou uma praga. Não assistem a lavoura
como um todo, mas apenas aquele problema isolado. Como conseqüência os agricultores
recebem um grande número de técnicos, cada um orientado a um problema, quando muito a
uma cultura. No entanto, a propriedade como um todo, não é considerada. Muitas vezes o
agricultor, com dificuldades financeiras e econômicas, vem a falir, uma vez que não recebe
orientação ao negócio agrícola.
• A ausência de uma visão de planejamento: trabalhos de 5, 10 ou 20 anos em uma
propriedade, poucas mudanças trouxeram. Isso dada à falta de uma visão de planejamento, na
qual se parte de um diagnóstico interno (pontos fracos e fortes) e externos (ameaças e
oportunidades), para elaborar projetos de médio e longo prazo, com metas e objetivos bem
definidos e que busquem a evolução da exploração agrícola.
• Tecnologias de produção – o técnico sempre esteve preparado para discutir questões
tecnológicas ligadas a produção, eximindo-se de questões gerenciais.
• Foco “dentro da porteira” – é rara a assistência técnica que trabalha questões de
mercado, decisão de plantio, gerência econômica e financeira, decisões de investimento, etc.
Nos últimos 20 anos, os métodos de inovação na agricultura vêm sofrendo mudanças
muito rápidas, questionando a separação entre pesquisa e extensão, que caracterizou o período
inicial da extensão rural e da revolução verde. Paralelamente, se intensificou a discussão sobre
a importância da participação dos agricultores e de suas organizações representativas, assim
como de outros envolvidos, partindo da idéia que as inovações na agricultura devem ser
conduzidas pelos próprios agricultores em diálogo com os técnicos.
A dinâmica de desenvolvimento, especialmente num sistema ao serviço de agricultores
requer uma alta flexibilidade para poder reagir rapidamente às mudanças sócio-econômicas,
infra-estruturais e técnicas. A participação dos agricultores nos programas voltados para a
agricultura familiar, se baseia na autoconfiança, compreensão e confiança por parte de todos
os envolvidos (Schmitz, 2001).
Simões e Oliveira (2002), dividem a história dos sistemas de pesquisa e extensão, para a
agricultura nos últimos cinqüenta anos, da seguinte maneira: modelo de transferência de
tecnologia, impulso da revolução verde e emergência da pesquisa-desenvolvimento em
sistemas de produção. Os autores também fazem uma breve descrição dessas fases, as quais se
mostram bastantes oportunas para este trabalho.
Antes dos anos 60, o modelo era simplesmente de transferência uniforme do progresso
técnico. Os centros de pesquisa agronômica trabalhavam quase que exclusivamente para
aumentar a produtividade do trabalho na agricultura dita “moderna” cujo paradigma era a
agricultura norte americana, altamente mecanizada. O papel dos agentes de extensão se
limitava em fazer conhecer as tecnologias aos agricultores interessados. Neste mesmo
período, foi constatado que vários países do chamado terceiro mundo não conseguiam
desenvolver a sua produção agrícola no mesmo ritmo que seu crescimento populacional.
Concluiu-se que o modelo mecanizado e intensivo em capital não era adaptado e que se fazia
4
necessário um novo modelo de agricultura, adequado aos trópicos e às condições
agroecológicas e socioeconômicas dos pequenos agricultores, predominantes na maioria
desses países.
Os centros de pesquisas agronômicas internacionais impulsionaram a Revolução Verde,
ao selecionar e disponibilizar tecnologias modernas e promissoras para os centros de extensão
que repassaram aos pequenos agricultores, mobilizando em particular os conhecimentos
acerca do melhoramento genético das espécies cultivadas, dos fertilizantes químicos e dos
agrotóxicos. Nessa época já se considerava que havia vários tipos de agricultores com
interesses diferenciados e isso diferenciava este modelo do precedente. A Revolução Verde
foi um sucesso em algumas áreas específicas. Não obstante o rápido crescimento da produção
houve sérios desequilíbrios sociais, associados ao favorecimento de agricultores médios e
grandes, verificou-se a exclusão dos pequenos agricultores, fator que intensificou
conseqüentemente, o êxodo rural. (Simões e Oliveira, 2002)
No início dos anos 70, as pesquisas enfocaram a difusão das tecnologias e constataram
que as decisões dos agricultores não podiam ser analisadas a partir de cálculos econômicos
clássicos. Não se tratava de simplesmente aceitar ou rejeitar uma tecnologia em função dos
custos adicionais gerados e dos retornos econômicos que as mesmas poderiam propiciar, mas
de considerar os objetivos das famílias, suas diferentes estratégias assim como as interrelações entre as diferentes atividades em nível do sistema de produção. A partir daí, então, o
conceito de sistema de produção que já era bem conhecido na tradição agronômica européia,
foi estendido para designar todo o estabelecimento agrícola.
A terceira fase da pesquisa e extensão, inaugurada no fim dos anos 70, criticou os
métodos da Revolução Verde e suas conseqüências, estimulando o desenvolvimento de uma
nova metodologia de geração e transferência de tecnologias adaptadas aos pequenos
agricultores a partir do enfoque sistêmico. A idéia geral da abordagem sistêmica é mudar a
ênfase das estações experimentais para os experimentos em propriedades com a participação
dos agricultores. Na agricultura, o enfoque sistêmico tem se tornado cada vez mais necessário,
devido à crescente complexidade de sistemas organizados e manejados pelo homem e da
emergência do conceito de sustentabilidade. (Simões e Oliveira, 2002)
O aperfeiçoamento da pesquisa agropecuária, por volta de 1974, levou ao
desenvolvimento da metodologia de pesquisa-desenvolvimento, que parte da observação da
realidade agrária para distinguir os diferentes tipos de agricultores em função do meio
envolvente, compreender a lógica interna dos sistemas de produção de cada tipo em função
dos objetivos da família, dos meios de produção e tecnologias disponíveis e dos principais
constrangimentos/restrições encontradas.
O conhecimento aprofundado dos sistemas de produção dos agricultores permite
selecionar tecnologias promissoras que podem ser introduzidas a partir de testes nos
estabelecimentos agrícolas, da experimentação em meio real (nas áreas de produção dos
agricultores) ou depois de validação em estações experimentais deslocadas para áreas rurais.
Poder-se-ia, também, reorientar as prioridades de pesquisa agronômica para atender as
necessidades maiores de todos ou certos tipos de agricultores em função da política geral do
país. Apenas no fim dos anos 80 é que a metodologia de pesquisa-desenvolvimento, baseada
no enfoque sistêmico aplicado à agricultura, chega ao Brasil (Schmitz, 2001).
Diante das restrições acima apontadas, a estratégia proposta para a operacionalização do
Projeto Redes conjuga: o enfoque de sistemas, que busca por intermédio do envolvimento
entre a pesquisa, a extensão e o produtor uma maior objetividade na resolução dos problemas
e uma maior adequação das tecnologias para os sistemas de produção, a metodologia de
pesquisa e desenvolvimento, através da implantação de unidades de teste e validação de
tecnologias, dentro das propriedades rurais e alguns princípios das organizações em redes,
pois o Projeto Redes busca a formação de uma rede de comunicação, para dar início a um
5
processo eficiente de troca de informações entre os agricultores. Para uma melhor
compreensão destes conceitos, estes serão brevemente discutidos a seguir.
1.1 Enfoque Sistêmico na Pesquisa Agropecuária
No enfoque sistêmico, o estabelecimento agrícola é visto como uma unidade complexa,
administrada pela família, abrangendo tanto o sistema de produção (com os subsistemas de
cultivo, de criação, de extrativismo, de beneficiamento, etc.) como o sistema de consumo
(reprodução), que são economicamente bem sintonizados. A família toma suas decisões,
tentando combinar da melhor maneira os recursos disponíveis que dependem entre outros das
condições do meio ambiente (Schmitz, 2001).
O enfoque sistêmico tem sido aplicado em diversas ações de pesquisa, desenvolvimento,
ensino e extensão rural, principalmente em resposta às crescentes críticas relacionadas aos
projetos agrícolas reducionistas e disciplinares, direcionados aos pequenos produtores
familiares, os quais não têm se beneficiado dos resultados. Através do desenvolvimento de
vários modelos sistêmicos de pesquisa e extensão em sistemas de produção, a expectativa é de
que os resultados destas experiências se tornem mais adequados e úteis aos pequenos
agricultores familiares (Pinheiro, 2000).
Entretanto, mais importante do que a própria definição, são os princípios que o conceito
de sistemas enfatiza, dentre os quais destacam-se os seguintes (Capra, 1996):
• Visão do todo: A abordagem sistêmica visa o estudo do desempenho total de sistemas,
ao invés de se concentrar isoladamente nas partes.
• Interação e autonomia: Sistemas são sensíveis ao meio ambiente com o qual eles
interagem, o qual é geralmente variável, dinâmico e imprevisível. A fronteira do sistema
estabelece os limites da autonomia interna, a interação entre os componentes do sistema e a
relação deste com o ambiente.
• Organização e objetivos: Em um sistema imperfeitamente organizado, mesmo que
cada parte opere o melhor possível em relação aos seus objetivos específicos, os objetivos do
sistema como um todo, dificilmente serão satisfeitos.
• Complexidade: Este enfoque parte do princípio de que, devido a interações entre os
componentes e entre o meio ambiente e o sistema como um todo, este é bem mais complexo e
mais compreensivo do que a soma das partes individuais.
• Níveis: Sistemas podem ser entendidos em diversos níveis, como por exemplo, uma
célula, uma folha, um animal, uma propriedade, uma região, o planeta e assim por diante. Um
sistema em determinado nível pode ser entendido como um sub-sistema de outro nível.
1.2 Metodologia de Pesquisa-Desenvolvimento
A pesquisa-desenvolvimento surgiu em torno de 1974 e tornou-se mais relevante a partir
dos anos 80, coincidindo com uma nova etapa de abordar o desenvolvimento rural,
especialmente em função de críticas ás conseqüências da Revolução Verde. Os princípios
básicos desta nova abordagem de pesquisa e desenvolvimento eram (Schmitz, 2001): a
consideração da diferenciação social na sociedade agrária e conseqüentemente, a necessidade
de identificar grupos homogêneos para desenvolver soluções apropriadas; o enfoque
sistêmico; a hipótese da racionalidade do agricultor e assim da complexidade e capacidade de
evolução da agricultura “tradicional”; a busca de explicação para os fenômenos observados e
das estratégias dos agricultores e de outros atores envolvidos, exigindo uma abordagem
interdisciplinar.
O conceito de pesquisa e desenvolvimento propõe a substituição do esquema linear de
geração e transferência de tecnologia, por uma relação triangular e recíproca entre
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pesquisadores extensionistas e agricultores. O objetivo principal é aumentar o bem estar das
famílias rurais de baixa renda, através da adoção de tecnologias apropriadas aos seus níveis de
recursos e circunstâncias socioeconômicas. Isso é buscado pela mudança de ênfase das
pesquisas realizadas nas estações experimentais, para ensaios conduzidos nas propriedades,
com a participação dos agricultores, pois o desenvolvimento de tecnologias apropriadas é
embasado no entendimento do contexto de seus sistemas produtivos, oportunidades,
problemas e objetivos.
A pesquisa e o desenvolvimento são muito mais interligados, existindo uma necessidade
de expansão da atividade do pesquisador ao campo e do agricultor e do agente de
desenvolvimento participarem na programação e realização de projetos de pesquisa. Não
precisa de “participação plena” em todas as etapas de um projeto, a participação dos
envolvidos pode alcançar níveis diferentes em cada etapa. Quem participa e em que nível
depende da visão e da decisão dos principais atores (Schmitz, 2001).
Uma dificuldade permanente ao se tentar examinar a literatura sobre o desenvolvimento
econômico e a mudança social é determinar o que se deve entender pelo conceito de
“desenvolvimento” que, juntamente com sua noção de “crescimento” evoca toda uma série de
metáforas orgânicas. A maioria dos cientistas sociais distingue entre “crescimento
econômico” - identificado com referência a um índice quantificável, como o aumento da
renda per capta ou no produto nacional bruto - e o desenvolvimento econômico, que implica a
transformação estrutural e organizacional da sociedade, embora existam discordâncias sobre o
que representa exatamente esta última. A tendência mais comum é definir o desenvolvimento
em termos do progresso no sentido de um complexo de metas de bem estar, como a redução
da pobreza e do desemprego e a diminuição da desigualdade. Esta definição envolve a idéia
de mudança estrutural, mas é parcial na abordagem, pois enfatiza as conseqüências positivas
ou benéficas do desenvolvimento socioeconômico (Long, 1982).
1.3 Organizações em Rede
Migueletto (2001:22), define as organizações em redes como “uma estrutura
organizacional formada por um conjunto de atores que se articulam com a finalidade de aliar
interesses em comum, resolver um problema complexo ou amplificar os resultados de uma
ação, estes atores consideram que não podem alcançar tais objetivos isoladamente”. Na rede,
os atores sociais mantêm a sua autonomia e estabelecem múltiplos vínculos de
interdependência entre si, resultando numa dinâmica arena permeada por relações de
cooperação e conflitos de opinião.
Sendo uma arena de confluência de percepções, a rede manifesta a capacidade dos
atores sociais explicitarem sua riqueza intersubjetiva, organizacional e política, trata-se de um
espaço no qual os atores estão dispostos a trocar informações, dividir tarefas e agregar valor
às iniciativas (Jacobi apud Migueletto, op.cit.).
De forma geral, podemos observar três fatores principais e inter-relacionados, que
favorecem a constituição de redes, tanto no âmbito do setor privado quanto do setor público,
quais sejam, o processo de modernização, o dinamismo do ambiente globalizado e o impacto
das tecnologias de informação.
Kliksberg (apud Migueletto, op.cit.) propõe que o estado ocupe o locus de articulador
das redes, integrando às instituições públicas, as organizações não governamentais, fundações
empresariais, movimentos sindicais, organizações religiosas, universidades, organizações de
moradores e as comunidades pobres organizadas, identificando o papel de cada um e suas
contribuições. Com isso, faz-se necessário que cada organização desenvolva seu saber para
integrá-lo ao interesse coletivo, pois as redes políticas viabilizam a otimização dos recursos e
principalmente, a construção de conhecimentos e práticas sociais que lhes são próprios.
7
O desafio da coordenação dos empreendimentos em rede está relacionado ao fato de que
as organizações atuam de acordo com lógicas, valores e normas de conduta próprias e
desejam conciliar ações, visando alcançar um objetivo comum. Nesse processo, as
organizações necessitam negociar uma interpretação da realidade para conseguirem trabalhar
em conjunto. As características essenciais das redes são a condição de autonomia e a relação
de interdependência dos atores. Os vínculos fortes na rede são definidos pela interação
freqüente, uma longa história e a confiança mútua entre as partes do relacionamento. Trata-se
de um processo que busca alcançar a coesão entre os participantes (Migueletto, 2001).
O Projeto Redes é importante porque une pesquisa, extensão e agricultor, no
desenvolvimento deste trabalho e segundo Migueletto (op.cit.), na rede, as organizações
precisam umas das outras para alcançar seus objetivos particulares e o poder de uma entidade
se afirma na medida em que a sua participação se torna essencial para as ações do grupo. Nas
redes, a distribuição de poder não obedece a uma hierarquia, mas à importância de cada ator
na viabilidade da rede, fator que possibilita a aproximação entre as atividades de
planejamento e execução, e evita os gargalos na operacionalização das políticas, que se devem
em grande medida às diferenças de percepção e aos conflitos de poder entre os que planejam e
os que executam. A participação ativa dos diversos atores que estão envolvidos em
determinada política pública é um elemento fundamental para a eficácia do processo, pois
assegura maior integridade dos objetivos ao mesmo tempo em que agiliza as adaptações.
Os fatos expostos acima justificam a importância deste trabalho, apesar da ampla
abrangência do Projeto Redes, da utilização do enfoque sistêmico e do envolvimento entre
pesquisa, extensão e agricultor. Para confirmar os impactos do projeto, é necessário analisar
com maior profundidade os resultados obtidos nos anos agrícolas de 1998/1999, 1999/2000,
2000/2001, 2001/2002 e 2002/2003. Procura-se também delinear a percepção do agricultor
sobre a participação no projeto e sobre o processo de evolução da propriedade.
2. Procedimentos Metodológicos
A primeira parte, preponderantemente teórica, discutiu os conceitos utilizados na
operacionalização do Projeto Redes, foram realizadas as revisões teóricas sobre agricultura
familiar, pesquisa agropecuária, extensão rural e sobre os conceitos de enfoque sistêmico,
pesquisa e desenvolvimento e organizações em rede, uma vez que o Projeto Redes propõe
uma reformulação dos métodos, técnicas e procedimentos de pesquisa e extensão rural que
possam, ao obter referências e parâmetros técnicos e econômicos, subsidiar a agricultura
familiar em tecnologias apropriadas e novos arranjos de seus sistemas de produção, que
possibilitem melhorar sua renda e sua qualidade de vida. Entre tais tecnologias enquadram-se
não somente aquelas voltadas à melhoria dos sistemas produtivos, mas também novas
técnicas que permitam aperfeiçoar a gestão das propriedades familiares no que diz respeito
aos seus recursos econômicos.
Para alcançar o objetivo proposto por este trabalho, apresentar e analisar os resultados
alcançados por uma das propriedades acompanhadas pelo Projeto Redes, nestes cinco anos de
acompanhamento, foi realizada uma pesquisa caracterizada como quanti-quali, pois foi feita
em duas etapas principais, primeiramente foi feita uma análise quantitativa das informações
econômico-financeira e dos resultados de produção, coletados pelo Projeto Redes. Nesta
análise, buscou-se demonstrar as alterações ocorridas nas propriedades durante os anos
agrícolas de 1998 a 2003.
Em seguida apresenta-se a análise qualitativa, através de uma entrevista realizada com o
agricultor, da propriedade selecionada para a análise dos dados quantitativos. Com todo este
estudo, buscou-se identificar, sob a perspectiva do agricultor, em que aspectos o
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acompanhamento do Projeto foi relevante para o desempenho da propriedade nos últimos
cinco anos.
O objeto de estudo do trabalho foi uma das pequenas propriedades acompanhadas pelo
Projeto Redes, da região de Apucarana, norte do Estado do Paraná. A escolha deste agricultor
foi determinada pelo fato de este ser um dos primeiros participantes do projeto.
2.1. Análise Quantitativa
Para a análise quantitativa foram utilizadas as informações dos registros efetuados pelos
produtores em instrumentos de coleta de dados, formulados pelo Projeto e em seguida foram
repassados aos extensionistas da EMATER, os quais as armazenaram no software
denominado de SAP – Sistema de Acompanhamento de Propriedades, um sistema preparado
para receber informações técnicas e econômicas de cada propriedade, desenvolvido numa
parceria entre a Organização das Cooperativas do Paraná - OCEPAR e o Serviço Nacional de
Aprendizagem Rural – SENAR/PR e utilizou-se também de relatórios das planilhas RPR’S
(Redes de Propriedades de Referência), desenvolvido especialmente para facilitar e
automatizar o cálculo dos indicadores globais de desempenho.
Para a caracterização e análise quantitativa do desempenho global dos sistemas de
produção trabalhados foi utilizado um conjunto de indicadores, proposto para o Projeto
Redes, por Soares Jr. & Saldanha (2000), o qual está dividido em cinco grupos, a saber:
dimensionamento, custos, receitas, margem bruta e performance global.
Os indicadores utilizados na análise quantitativa são sumariamente descritos a seguir,
segundo os diferentes grupos, bem como apresentadas suas siglas, unidades de medidas e,
quando pertinente, os cálculos necessários para sua obtenção.
Tabela 01 - Indicadores Econômicos - Financeiros
1.Medidas de dimensionamento
1.1Superfície Agrícola Útil – SAU (há)
Compreende as terras trabalhadas ou exploradas pelo
produtor não importando se próprias, arrendadas ou
sob qualquer outra condição legal. É calculada
subtraindo-se da área total as áreas que não se incluem
no conceito conforme segue ao lado.
1.2.Equivalente Homem – Eq. H. (unidade)
Unidade padrão de mão de obra utilizada para avaliar
a disponibilidade e calcular a remuneração do fator
trabalho em uma exploração agrícola. Corresponde ao
trabalho de um adulto em tempo integral durante um
ano, totalizando 300 dias/ano.
Considerando-se as diferentes condições de gênero,
idade e possibilidade de dedicação da mão de obra
disponível tomou-se como
referência para
uniformização a tabela abaixo, tendo sido considerada
entretanto a ocorrência de algumas situações mais
específicas de enquadramento.
1.3.Capital Total – KT (R$)
Expressa a disponibilidade total de capital do produtor
segundo as diferentes classificações deste fator,
apresentadas em parênteses, após a descrição dos itens
ao lado.
Área Total
- áreas com matas plantadas e/ou nativas
- áreas inaproveitáveis
- área com construções e/ou benfeitorias
- áreas com estradas e/ou carreadores
_______________________________
= Superfície Agrícola Útil
IDADE
07 a 13
14 a 17
18 a 24
25 a 59
60 ou mais
ESTUDA
Masc
Fem
0,25
0,25
0,33
0,33
0,50
0,50
-
NÃO ESTUDA
Masc
Fem
0,50
0,50
0,66
0,66
1,00
1,00
1,00
1,00
0,50
-
Valor atual das instalações, benfeitorias e culturas permanentes
(fundiário)
+ Valor dos animais de trabalho (exploração fixo vivo)
+ Valor dos reprodutores e matrizes (exploração fixo vivo)
+ Valor atual das máquinas e equipamentos (exploração fixo
inanimado)
+Valor dos insumos (exploração circulante)
+Valor do rebanho para engorda e/ou venda (exploração
circulante)
______________________________________________________
9
= Capital Total
Fonte: Soares Júnior & Saldanha, 2000.
(Cont.) Tabela 01 - Indicadores Econômicos - Financeiros
2.Custos
2.1.Custos Variáveis Totais – CVT (R$)
São aqueles em que o administrador tem controle em determinado ponto no tempo, podendo aumentar ou
diminuir, de acordo com sua decisão gerencial. Podem ser definidos também como sendo aqueles que variam
quando se altera o nível de produção no período de tempo considerado. Abrangem os seguintes itens principais:
valor dos insumos despendidos na produção vegetal e animal, valor da mão de obra contratada e contribuição
ao INSS
2.2.Custos Fixos Totais – CFT (R$)
São aqueles que existem mesmo que os recursos não sejam utilizados, não variando quando muda o nível de
produção, não se encontram no curto prazo sob o controle do administrador. Englobam principalmente as
depreciações e a mão de obra extra-familiar permanente.
3. Receitas
3.1.Renda Bruta da Produção – RBP (R$)
Corresponde a renda gerada na propriedade pelas atividades de produção vegetal e animal. Engloba o valor das
vendas, auto-consumo, cessões internas, produtos usados como pagamento em espécie e diferenças no estoque.
3.2.Outras Rendas – OR (R$)
Corresponde a outros ingressos monetários na exploração, como por exemplo, aposentadorias, salários e o valor
monetário mão de obra vendida.
3.3.Renda Bruta Total – RBT (R$)
RBT = RBP + OR
4.Margem Bruta Total – MBT (R$)
Corresponde à diferença entre a Renda Bruta e os
Custos Variáveis das diferentes atividades. São
MBT = RBT-CVT
consideradas como contribuição para os Custos Fixos e
Lucro depois dos Custos variáveis serem pagos.
5.Medida de Performance Global
5.1.Remuneração da Mão de Obra Familiar –
(R$/Eq.h./mês)
RLG
Corresponde ao valor atribuído à mão de obra
- Juros sobre capital fixo
familiar, cujo custo não está incluído em nenhum dos
- Juros sobre capital variável
indicadores mencionados até aqui. É obtido após os
/ Equivalente homem
pagamentos dos juros, ou custo de oportunidade, dos
/ 12
capitais fixos e variáveis, sendo calculados por
_______________________
equivalente-homem por mês.
= Remuneração da Mão de Obra Familiar
Fonte: Soares Júnior & Saldanha, 2000.
2.2. Análise Qualitativa
Para a análise qualitativa, o conceito de percepção é fundamental. Ele é uma dimensão
chave na compreensão da difusão de idéias. Embora uma nova idéia possa ser considerada
como vantajosa pelos especialistas de algum campo, atores particulares poderão não perceber
a inovação de forma semelhante. Assim é essencial que o modelo para o comportamento de
adoção leve em consideração a percepção do ator em relação à situação. Rogers ( apud Burke,
1977:11) define percepção como: “a maneira pela qual um indivíduo responde a qualquer
sentido ou impressão que ele detecta”. Percepção é uma função do campo situacional dentro
do qual o indivíduo opera. O conhecimento dos campos situacionais, a maneira pela qual o
indivíduo identifica-se a si próprio, seu senso de segurança e as regularidades normativas
poderão permitir a especificação teórica de algumas das condições para o comportamento de
adoção.
Assim, realizou-se uma entrevista com o agricultor, para que se torne possível analisar
qualitativamente, as transformações ocorridas nesta propriedade e identificar a importância e
colaboração do projeto para essas modificações. Como também identificar como o agricultor
se vê dentro deste processo. Para a coleta das informações qualitativas foi feito um
10
questionário dividido em aspectos gerais, aspectos técnicos, aspectos econômico-financeiro e
algumas questões conclusivas, orientadas para as seguintes questões investigativas:
Tabela 2 – Roteiro de Entrevista com o Agricultor
1.Questões de aspectos gerais
1.1.Por que começou a participar do Projeto Redes?
1.2.Houve algum tipo de mudança nas atitudes dos membros da família, após a participação
no Projeto Redes?
2.Questões de aspectos técnicos
2.1.Houve modificações com relação aos aspectos técnicos da produção? Como?
2.2.Houve modificações com relação à produtividade da propriedade? Como?
2.3.Antes de participar do Projeto, o Sr. Fazia algum tipo de controle, anotação?
2.4.Houve modificação na gestão da propriedade? Como?
2.5.Realiza-se a pesquisa de preço de insumos antes de comprá-los ? Como é feita a
pesquisa?
2.6.São feitas pesquisas de preço na hora de vender os produtos? Como é feita esta pesquisa?
3.Questões de aspectos econômico-financeiros
3.1.Houve modificação na renda da propriedade ? Como?
3.2.Houve modificação nos custos da propriedade ? Como?
4.Questões conclusivas
4.1.O que acha de estar participando do Projeto Redes?
4.2.O que pode ser feito para melhorar o Projeto Redes?
3.Projeto Redes de Referências para a Agricultura Familiar2
A afirmação da agricultura familiar no cenário social e político brasileiro está
relacionada à legitimação que o Estado lhe emprestou ao criar o Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), em 1996. Este programa que em larga
medida foi formulado como resposta as pressões do movimento sindical rural realizado desde
o início da década de 1990, nasceu com a finalidade de prover crédito agrícola e apoio
institucional as categorias de pequenos produtores rurais que vinham sendo alijados das
políticas públicas ao longo da década de 1980 e encontravam sérias dificuldades de se manter
na atividade. A partir do surgimento do PRONAF, o sindicalismo rural brasileiro, sobretudo
aquele localizado nas regiões Sul e Nordeste, passou a reforçar a defesa de propostas que
vislumbram o compromisso cada vez mais sólido do Estado com uma categoria social
considerada específica e que necessitava de políticas públicas diferenciadas (juros menores,
apoio institucional, etc.).
2
Descrição baseada na apresentação do Projeto Redes, publicado na “Revista Redes de Referências para a
Agricultura Familiar – apresentação do enfoque de trabalho através de descrições de propriedades
acompanhadas.” Projeto Paraná 12 Meses, 2000.
3
Pode-se definir um sistema de produção como sendo um conjunto de culturas (milho, feijão, mandioca e
pastagem) e criações (aves, suínos e bovinos) interdependestes e interatuantes entre si, realizadas em
determinada condição ambiental e manipulados pelo agricultor e sua família, de acordo com suas aspirações,
preferências e recursos disponíveis.
4
Projeto Redes está inserido no Projeto Paraná 12 Meses, que é um programa do Governo do Estado do Paraná,
que teve início em 1998 e visa promover o desenvolvimento econômico e social da população rural e o manejo e
conservação dos recursos naturais, atuando em todo território estadual com apoio financeiro do BIRD e do
Tesouro Estadual.
11
A nível estadual, para apoio a agricultura familiar, o governo estabeleceu o Programa
Paraná 12 meses, e é dentro deste programa que se insere o Projeto das Redes de Referências
para a Agricultura Familiar.
Com o objetivo de desenvolver e difundir sistemas de produção3 melhorados para a
agricultura familiar paranaense, a Empresa Paranaense de Assistência Técnica e Extensão
Rural (EMATER/PR) e o Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR), vêm desenvolvendo
desde 1998 o projeto “Redes de Referências para a Agricultura Familiar”, integrante do
Programa de Estado “Paraná 12 Meses4”, em seu componente Manejo e Conservação dos
Recursos Naturais – Fase 2 (Modernização). A metodologia utilizada neste projeto surgiu de
um convênio firmado com uma instituição de pesquisa francesa, que realiza este trabalho em
toda a França, há 25 anos.
Uma nova tecnologia, selecionada com a participação dos agricultores, se adapta
localmente melhor do que aquela recomendada pelos técnicos que trabalham por conta
própria. E mais ainda quando os agricultores estão presentes desde o início do processo de
geração da tecnologia, o resultado é mais facilmente aceito pelos demais agricultores.
Este é o conceito que está sendo adotado no Projeto Redes. Nele rejeita-se a idéia de que
cada componente do sistema funciona isoladamente do meio ambiente e independente dos
outros componentes. É uma abordagem holística, onde os sistemas devem ser tratados no seu
conjunto, com ênfase principalmente deste com o meio ambiente e na interação das partes que
o constituem.
Porém, não se trata de buscar somente o aumento da produção e dos produtos
cultivados, mas, principalmente, o sistema de produção que melhor se adapta as condições
ecológicas e sócio-econômicas. Nesse caso, é fundamental procurar analisar e entender de
que maneira é feita a utilização dos recursos naturais, dos meios técnicos e da mão de obra
disponível. E isto impõem, necessariamente, o conhecimento das condições locais de
produção e uma mudança de postura de pesquisadores e extensionistas.
Evidentemente que para ter uma pesquisa e uma extensão rural que gerem e difundam
tecnologias agrícolas que não sejam injustas, requer-se a correspondente reformulação ou
adequação dos métodos, técnicas e procedimentos pedagógicos e de difusão a serem
utilizados. Faz-se fundamental a utilização de instrumentos operacionais realmente adequados
em função das características dos agricultores envolvidos.
O Projeto Redes, constitui-se em uma metodologia inovadora que se propõem a
enfrentar o desafio de construir um novo modelo de pesquisa e extensão rural para transpor os
problemas aqui mencionados. Para isso apóia-se em propriedades analisadas, planejadas e
acompanhadas em seu conjunto (recursos naturais, produção vegetal e animal, recursos
humanos e econômicos) com o enfoque sistêmico, que após apresentarem melhorias, são
utilizadas como fontes de referências técnicas e econômicas5.
A partir do acompanhamento das propriedades, procura-se ajustar os sistemas de
produção as potencialidades e limitações locais (de natureza agroecológicas e/ou econômicas)
visando atingir a maior rentabilidade possível, obedecidas às premissas de sustentabilidade.
Isso torna esses sistemas passíveis de serem adotados por um grande número de agricultores.
Essa forma de trabalhar, além de promover a adaptação de tecnologias para o
desenvolvimento da agricultura, busca resolver o principal problema dos projetos de
desenvolvimentos, que é a interação entre os agentes – pesquisadores, extensionistas e
agricultores.
Assim, pode-se definir como objetivos das Redes:
5
Uma referência técnica e/ou econômica é um conjunto de informações sobre uma atividade agrícola que ajuda a
assistência técnica na orientação dos agricultores na tomada de decisão.
12
• Ofertar novas tecnologias e/ou atividades ampliando as possibilidades de
modernização
• Servir como pólo de demonstração de tecnologias e sistemas de produção para
potencializar o processo de difusão
• Disponibilizar informações e propor métodos para orientar os agricultores na gestão
da empresa agrícola
• Servir como base para a capacitação e treinamento de agentes de assistência técnica e
extensão rural e de agricultores
• Possibilitar a identificação de demanda de novas linhas de pesquisa
Para atender a esses objetivos, as Redes estão organizadas em três níveis:
• Uma coordenação estadual em conjunto com a Unidade de Gerenciamento do
Programa Paraná 12 Meses (UGP) para garantir a execução homogênea do método
• Uma equipe mesoregional para apoiar técnica e metodologicamente as equipes de
campo, além de serem responsáveis pelas pesquisas adaptativas.
• Um extensionista por região, encarregado do acompanhamento a uma rede de vinte
propriedades e pela difusão dos resultados.
Nas regiões as Redes contam ainda com um comitê de coordenação composto pela
unidade de assistência técnica da comissão regional do “Programa Paraná 12 Meses” e outros
agentes locais e regionais de desenvolvimento, que tem a função de ajudar nas reflexões e
escolhas dos sistemas a estudar.
A instalação de uma rede envolve três etapas complementares:
• Estudo prévio, onde é realizada a delimitação de zonas homogêneas, com a
caracterização das regiões trabalhadas no tocante aos aspectos de clima, solos, estrutura
agrária e infra-estrutura. Realiza-se também a tipologia dos sistemas de produção buscando
identificá-los e caracterizá-los, com o objetivo de compreender sua lógica e entender as
diferenças e particularidades que existem entre os agricultores.
• Escolha dos sistemas prioritários, feitos a partir das informações da etapa precedente.
É realizada pelo comitê de coordenação regional, que discute as hipóteses sobre a evolução
desses sistemas de produção e suas conseqüências, como peso econômico, peso demográfico,
evolução provável de seu número, influência do contexto sócio-econômico sobre os sistemas
atuais, potencialidades de novos sistemas, etc.
• Seleção das propriedades, uma vez que o comitê refletiu e escolheu os sistemas a
serem estudados. Esta escolha garante parte da eficácia dos trabalhos, por isso ela deve seguir
o consenso entre os representantes dos agricultores e dos agentes de desenvolvimento. Feita a
escolha da propriedade, o primeiro passo é realizar um diagnóstico, com o intuito de conhecer
seu conjunto, seus pontos de estrangulamento, suas potencialidades e os objetivos do
agricultor.
A partir dessas informações, extensionista e agricultor elaboram um projeto de médio
prazo para a melhoria da propriedade. Na seqüência o extensionista passa a acompanhar a
implantação do projeto e registrar os resultados técnicos e econômicos que vão surgindo das
mudanças e que servirão para construir as referências modulares e globais do sistema.
A evolução dos trabalhos permitirá a obtenção de diversos produtos, que servirão aos
agentes de desenvolvimento ligados a agricultura familiar (extensão, pesquisa, formuladores
de políticas públicas) entre eles estão:
• Propriedades que servirão como pólo de demonstração de novas tecnologias, local
para treinamento e capacitação de técnicos e agricultores.
• Orientação para a definição de novas pesquisas.
• Estudos setoriais (cadeias produtivas, utilização de mão de obra, utilização de
máquinas, entre outros).
13
As Redes de Referência para a Agricultura Familiar envolvem uma metodologia de
pesquisa adaptativa (validação) e difusão de tecnologia apoiada em uma rede de propriedades
(grupo de 20 propriedades representativas dos sistemas de produção encontradas em uma
dada região agrícola), analisadas e acompanhadas com o enfoque sistêmico, que após
sofrerem intervenções para a melhoria das mesmas, servem para o fornecimento de
referências técnicas e econômicas.
A partir do acompanhamento das propriedades, procura-se elaborar sistemas de
produção bem adaptados à região e possíveis de serem adotados por um número maior de
produtores. Os sistemas de produção são analisados no seu conjunto (produção animal,
vegetal, florestal; e recursos naturais, financeiros e humanos), avaliando-se sua viabilidade a
partir dos resultados econômicos gerados. Nas redes é possível aprender como funcionam e
evoluem os sistemas de produção no curto e médio prazo e também fazer os ajustes e análises
de sistemas inovadores, podendo-se ainda utilizá-las como local de teste e validação de
tecnologias desenvolvidas em estações experimentais.
Entre tais tecnologias enquadram-se não somente aquelas voltadas à melhoria dos
sistemas produtivos, mas também novas técnicas que permitam aperfeiçoar a gestão das
propriedades familiares no que diz respeito aos seus recursos econômicos.
4.Resultados: Análise econômico-financeira da propriedade acompanhada e a percepção
do produtor sobre o Projeto das Redes
A propriedade selecionada para a realização desta análise, encontra-se localizada no
município de Apucarana, região norte do Estado do Paraná. E para uma melhor compreensão
da análise apresentada, será feita a seguir, uma breve descrição da propriedade6.
Natural de Boracéia, Estado de São Paulo, o Sr. João da Silva7 tem sua história
fortemente vinculada à história da cafeicultura do Norte do Paraná. Mas a partir da segunda
metade da década de 70, a cafeicultura paranaense enfrenta um contínuo declínio na produção
e área cultivada. O Norte do Paraná reconhece a expansão da soja e do trigo e então o Sr. João
erradica parte de seu cafezal para dedicar-se ao cultivo de grãos.
Em 1988 passa a arrendar áreas para o plantio de milho, além de prestar serviços
motomecanizados de preparo de solo e colheita. Deparando-se ao longo dos anos seguintes
com a redução da rentabilidade dos cultivos em áreas arrendadas e a necessidade de
deslocamento cada vez maiores, o Sr. João chega a 1995 pensando em novas alternativas. Era
o ano no qual começava a popularizar-se o novo modelo tecnológico para a cafeicultura
paranaense e o Sr. João visualiza aí a possibilidade de voltar a produzir exclusivamente em
sua própria terra. Em 1996 planta 1,5 há de café adensado, área que foi ampliada com o
plantio de 1,3 há no ano seguinte. Paralelamente continua o plantio de grãos no próprio sítio e
na área arrendada, contínua à sua, dedicando também maior atenção à pecuária leiteira,
atividade que sempre explorara para o auto consumo.
Com relação à mão de obra, o Sr. João trabalha em conjunto com a esposa, o filho e a
nora, priorizando a plena ocupação da mão de obra familiar na definição de suas estratégias
para, no futuro para alcançar a qualidade de vida desejada pela família. Entretanto, essa mão
de obra não é suficiente para a realização de todas as tarefas de manejo de cultura, sendo
necessário o pagamento de 180 diárias anuais nos períodos de capina e colheita.
6
Descrição realizada com base nas informações apresentadas na Revista Redes de Referências para a Agricultura
Familiar / Apresentação do enfoque de trabalho através de descrições de propriedades acompanhadas – Adenir
de Carvalho e Dimas Soares Júnior.
7
O nome do agricultor foi alterado, para manter a identidade do agricultor.
14
4.1 Resultado Quantitativo: Demonstrativo dos resultados econômico-financeiros
Tabela 3 - Benfeitorias, Máquina e Equipamentos
1998
Benfeitorias (R$)
Maquinas e
equipamentos (R$)
Total (R$)
2003
14.151,62
17.698.03
Benfeitorias (R$)
Maquinas e
equipamentos (R$)
Total (R$)
31.849,65
15.941,93
20.955,90
36.897,83
Tabela 4 - Indicadores Técnicos – Medidas de Dimensionamento
INDICADORES
SAU (há)
Eq. Homem (un.)
Capital Total (R$)
98/99
37,16
3
38.102,31
99/00
37,16
3
43.150,49
00/01
37,16
2,5
43.150,49
01/02
37,16
3
52.722,29
02/03
37,16
2,5
52.722,29
Tabela 5 - Indicadores Econômicos – Custos
INDICADORES
Custos variáveis
(R$)
Custos fixos (R$)
Custos totais
98/99
10.170,00
99/00
10.066,00
00/01
13.609,23
01/02
16.575,96
02/03
23.099,76
3.000,00
13.170,00
3.000,00
13.066,00
3.000,00
16.609,23
3.000,00
19.575,96
3.000,00
26.099,76
Tabela 6 - Indicadores Econômicos - Receitas
INDICADORES
Renda Bruta da
Produção (R$)
Outras Rendas (R$)
Renda Bruta Total
(R$)
Margem Bruta Total
(R$)
R$/há
98/99
29.676,00
99/00
42.417,00
00/01
39.000,00
01/02
70.530,04
02/03
93.805,25
00,00
29.676,00
00,00
42.417,00
00,00
39.000,00
00,00
70.530,04
00,00
93.805,25
16.506,00
29.352,00
22.390,77
50.954,08
67.705,49
444,19
789,87
602,55
1.371,21
1.822,00
Tabela 7 - Indicadores Econômicos – Medidas de Performance Global
INDICADORES
Remuneração da mão
de obra familiar (R$/Eq
h/mês)
98/99
99/00
00/01
01/02
02/03
354,79
378,49
428,59
501,04
568,75
4.2 Resultado Qualitativo: A percepção do agricultor
Conforme descrito, nos procedimentos metodológicos, a percepção do agricultor
entrevistado envolveu aspectos gerais, aspectos técnicos, aspectos econômico-financeiros e
algumas questões conclusivas.
Nas questões de aspectos gerais, procurou-se identificar o que levou o agricultor a
participar do Projeto e também saber o que ele esperava desta participação. Pode-se constatar
que ele não tinha uma idéia muito clara do que ia ser feito, mas agora se mostra satisfeito por
saber quanto gasta e quanto ganha em cada atividade, como se pode perceber em seu discurso:
15
Sr. João da Silva – “Ah, eu resolvi participa porque a gente sabe a renda que dá a renda que
não dá, antes mesmo, ás vezes uma coisa que você achava que tava dando renda, na verdade
você tava trabalhando no vermelho, né. E agora não, vai levando tudo marcado e então a
gente sabe o que a gente pode continua e o que a gente não pode, né. O soja, nóis cumecemos
plantar o soja, mas num tava sobrando. Pelo que nóis plantava, a saca por alqueire não tava
sobrando, não tava correspondendo, né, então... Nós achemos que ia acontecer só de bom
pra nóis, né. Nós falamos, né, porque nós faz as coisas e leva tudo marcadinho. Ajuda nóis
pra chuchu, então eu acho que pra nóis foi uma boa”
Quando se perguntou ao agricultor que tipo de controle ele realizava na propriedade,
antes de começar a participar do Projeto, ele alega que não fazia nem um tipo de anotação, por
isso não sabia por onde entrava e por onde saia o dinheiro:
Sr. João da Silva – “Não anotava nada. Era tanto de adubo, tanto de calcário, ia lá vendia
tanto e nem sabia o que dava nem o que não dava, ás vezes tirava do café pra ponha no milho
ou no soja e achava que tava dando ainda, e não é o que tava dando, o que tava dando era o
café.”
Com relação aos aspectos técnicos, procurou-se identificar se o agricultor tinha
consciência das mudanças ocorridas no processo produtivo, houve também a preocupação em
saber se o acompanhamento do Projeto colaborou para o aumento de sua produção e
produtividade:
Sr. João da Silva – “Vo fala a verdade, depois que nóis começo a trabalha junto, né. Através
da EMATER ai, mudo porque nois diversifico, né. Ai entro com café, milho, leite, mudo
totalmente. Nóis era tranqüilo pra chuchu.O que mudo bastante é que de primeiro nóis ficava
envolvido com pranta roça arrendada, lembra. Teve época que nóis prantava 30, 40
alqueires de roça arrendada.”
Sr. João da Silva – “Nossa, aumento. A gente consegue produzi mais, porque sei lá, a
semente de milho mais produtiva né. Que em outros tempos se plantava uma semente de
milho ai e parece que não produzia igual nos ta produzindo agora. Esse 90/90 é um milho
bom. É deu pra vê que aumenta, por causa que nas colheita né, cada ano que passa parece
que... Só que aumento também por causa de orientação certa, porque nóis tirava uma
quantidade de milho por alqueire de 150 (sacas) no pau da viola e agora 300. Só que era pra
da mais, porque nóis aqui bruto, em 2 alqueires nóis tiramo 940 saca de milho.”
Buscando analisar a questão da gestão da propriedade, pode-se observar que o
agricultor está muito vinculado ao extensionista que o acompanha e também ao acesso direto
à EMATER:
Sr. José da Silva – “Ficou mais fácil, porque qualquer dúvida a gente corre com eles lá e
conversa com eles lá. Já tem orientação, já tão por dentro. Não tem nem comparação. Em
outros tempos nóis levava no escuro, a miguelão, agora não, agora é diferente que a gente já
sabe o que que ta dando, o que dá pra continuar e o que tem que largar. Que nem o
barracão de frango, nóis tava afim de colocar, mas daí eles vieram e falaram que tem que
pensa, vamo soma o negócio ai pra vê porque, eu acho que isso ia dá pra cabeça”
16
Nas questões conclusivas, procurou-se analisar o que o agricultor esta achando de
participar do Projeto e mais uma vez constatou-se o grande vínculo com o extensionista e com
a EMATER :
Sr. João da Silva – “O que nóis podia dizer é que a EMATER ai, o pessoal da EMATER,
ajuda bastante a gente. O que agente precisa vai lá. Faz análise de terra não cobra nada de
nóis.”
Com a preocupação de melhorar o acompanhamento e o trabalho do Projeto Redes,
perguntou-se ao agricultor o que pode ser feito para melhorar, mas devido a sua satisfação, ele
não pode dar maiores contribuições:
Sr. João da Silva – “A eu acho que pra nóis aqui ta bom demais eu to contente, pra nóis aqui
ta beleza.”
5. Discussão
Para uma maior representatividade dos resultados econômico-financeiros apresentados,
tornou-se interessante comparar a renda/ha anual encontrada nesta propriedade, com a
renda/há anual apresentada recentemente no trabalho, Novo Retrato da Agricultura Familiar:
O Brasil Redescoberto (FAO/INCRA, 2000), que comprova a importância da agricultura
familiar comparado sua capacidade de geração de renda com a agricultura patronal sobre o
indicador de renda total por unidade de área (hectare), na região Sul de R$ 241,00 e R$ 99,00
para a agricultura familiar e patronal, respectivamente.
E com base nos resultados apresentados neste trabalho, pode-se observar que a renda
total por unidade de área (hectare) evolui de R$ 444, 19 na safra de 98/99 para R$ 1.822,00
na safra de 02/03, valores muito superiores a média brasileira. Os dados quantitativos foram
confirmados pela análise qualitativa que revelou que na percepção do agricultor houve muitos
benefícios e que tais benefícios são tangíveis (maior) receita e intangíveis( incremento no
bem-estar familiar, estar contente) .
6. Considerações Finais
Nos últimos anos, muitos trabalhos vêm se dedicando aos estudos e análises das formas
de organizações familiares. Segundo Abramovay (1992), pode-se extrair pelo menos dois
ensinamentos: a) a existência de diferentes estratégias sociais e econômicas através das quais
as populações, grupos e indivíduos identificados com a agricultura familiar vêm viabilizando
sua reprodução social e sobrevivência econômica nas sociedades contemporâneas e b) o
Estado tem sido o maior responsável pela manutenção de políticas e formas de apoio à
expansão e à consolidação das unidades que se organizam e estruturam com base no trabalho
familiar nas nações mais desenvolvidas,.
Daí a importância de instituições como o Instituto Agronômico do Paraná - IAPAR e a
Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural – EMATER/PR, desenvolverem
trabalhos como o Projeto Redes. E apesar de ainda não estarem mensurados os resultados dos
cinco anos de acompanhamento deste projeto, a proposta mostra-se bastante adequada ao
segmento de agricultores familiares, pois a metodologia utilizada no desenvolvimento do
projeto está voltada para questões técnicas e questões sociais destes agricultores.
Com relação a análise econômico-financeira, verificou-se um aumento bastante
significativo na renda do Sr. João da Silva, comparando-se a renda de R$ 29.676,00 em 1998,
que passou para R$ 93.805,25 em 2003. Analisando-se a entrevista realizada, pode-se
observar que, apesar dos aspectos positivos da metodologia utilizada pelo Projeto, constatou17
se que o agricultor está fortemente ligado ao extensionista, fato que futuramente poderá
causar problemas, um a vez que, caso o projeto interrompa o acompanhamento, o agricultor
pode se estabilizar na situação atual, até se tornar ultrapassado.
Uma outra idéia que pretende-se explorar futuramente, são as características das
propriedades familiares rurais e também as suas estratégias de sobrevivência em um sistema
capitalista, uma vez que, de acordo com Mann (apud Schneider, 2003), a persistência das
formas familiares e não capitalistas de produção na agricultura é explicada não pela sua
dependência a formas mais complexas de exploração, mas, ao contrário, pela incapacidade do
próprio capitalismo em superar, pelo menos até o presente, os limites naturais impostos pela
produção agrícola.
Referências Bibliográficas
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Tecnologia, Brasília, 1985. V2, p 233 – 245.
ABRAMOVAY, R. Paradigmas do Capitalismo Agrário em Questão. Anpocs. Unicamp.
Hucitec. São Paulo, 1992.
BURKE, Thomas Joseph. A percepção e o processo de adoção de inovações na
agricultura. Dissertação apresentada a Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz“ da
Universidade de São Paulo, para a obtenção do título de mestre em Sociologia Rural.
Piracicaba, 1977. 122p.
BRANDT, Sérgio Alberto & OLIVEIRA, Francisco Tarcísio Góes de . O Planejamento da
Nova Empresa Rural Brasileira, Rio de Janeiro: APEC, 1973. p.260 (pp 63 – 98)
CAPRA, F. A Teia da Vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São
Paulo: Cultrix, 1996.
DORETTO, Moacyr; LAURENTI, Antônio Carlos & DEL GROSSI, Mauro Eduardo.
Diferenciação de Estabelecimentos Familiares na Agricultura Paranaense. Instituto
Agronômico do Paraná – IAPAR. Londrina, 2000.
FAO/INCRA – Diretrizes de Política Agrária e Desenvolvimento Sustentável. Março, 1985.
FAO/INCRA – Novo Retrato da Agricultura Familiar: O Brasil redescoberto. Agosto, 2000.
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“Projeto Redes de Referências para a Agricultura Familiar