COPRODUÇÕES CINEMATOGRÁFICAS INTERNACIONAIS Angelisa Stein* A realização de obras cinematográficas ou audiovisuais em conjunto com empresas produtoras de outros países não é assunto novo. Importa destacar que o alcance a respeito de coprodução internacional de obra cinematográfica no presente trabalho pressupõe a participação de uma ou mais empresas produtoras estrangeiras em sua realização. Portanto, o escopo deste trabalho não leva em conta as coproduções nacionais, ou seja, aquelas feitas entre duas ou mais empresas produtoras brasileiras, modelo de produção bastante frequente nos mercados internos. Uma obra realizada em regime de coprodução internacional requer, de seus produtores, a conjugação de esforços para o seu financiamento, fazendo com que os custos de realização da obra sejam divididos entre seus produtores. Não somente os custos, mas a responsabilidade pela realização da obra também é sopesada com tal parceria. A realização de uma obra em coprodução também pressupõe o equilíbrio de esforços quanto às participações técnicas e artísticas, fazendo com que seus coprodutores aportem talentos de seus países, sejam eles técnicos ou artísticos, a fim de que essa combinação de fatores possibilite êxito na inserção da obra coproduzida nos territórios de seus produtores. Assim, para além da conjugação de esforços entre as partes, com financiamento dividido à razão da cota parte que cada produtor previamente acordou, a obra decorrente de coprodução internacional vislumbra um alcance maior de mercados, permitindo que ela seja comercializada nos países de seus coprodutores, sem prejuízo de sua comercialização nos demais territórios do mundo. Com a possibilidade que se abre para a entrada dessas obras em outros territórios, não só ativos financeiros retornam ao seu produtor, mas todo um ativo intangível se verifica com a internacionalização dessas obras e dos talentos artísticos. Para além das receitas comerciais que os produtores podem aferir com uma obra cinematográfica ou audiovisual, perfeitamente contabilizáveis, não há como mensurar o que representa em termos de valores culturais a internacionalização da indústria criativa, onde se insere a cinematografia de um país. Com uma gama de bens e direitos presentes em uma obra de criação coletiva, o valor agregado de uma indústria culturalmente pujante permite que dela se possam obter vantagens competitivas. A conjugação de esforços para a realização conjunta de uma obra cinematográfica tem como princípio basilar promover a união entre empresas sediadas em diferentes países, assim como desenvolver as respectivas indústrias cinematográfica e audiovisual, sem deixar para trás o fortalecimento do intercâmbio cultural e econômico entre as partes envolvidas. Daí que na maioria das vezes, quando o governo de um país trava relações comerciais com outro, dentre os acordos que se venham a estabelecer não rara às vezes entabulam-se acordos culturais. No caso do setor audiovisual, esses acordos são específicos para a realização de obras cinematográficas e ou audiovisuais, cujo conceito será mais adiante detalhado. Uma das principais motivações para realizar uma obra em regime de coprodução internacional é que ela passa a poder contar com os benefícios da legislação local, sendo conferida a esta o status de nacional. Ao envolver-se com um universo tão cheio de possibilidades quanto fascinante, é necessário, no entanto, que esta obra a ser produzida entre duas ou mais empresas estrangeiras contenha algumas premissas, a fim de que a mesma possa ser considerada nacional por quem de direito. Para que isso ocorra, as obras precisam estar em consonância às disposições do que estabelecem os acordos internacionais de coprodução, sendo conferida a nacionalidade da obra pela máxima autoridade do país em matéria de política audiovisual. Os acordos internacionais de coprodução podem ser bilaterais, quando duas são as partes signatárias, ou multilaterais, quando mais de duas partes estão envolvidas. Acordos internacionais são firmados pelo governo de cada país, em razão do interesse político que a matéria envolve. O rito de seu processamento está detalhado no Capítulo 17. No Brasil, compete a ANCINE - Agência Nacional do Cinema, autarquia vinculada ao Ministério da Cultura e criada a partir da Medida Provisória nº 2.228-1/01 analisar os requisitos presentes na obra produzida, a fim de que esta ateste que os critérios foram atendidos, sendo então conferida à obra feita em coprodução com outro(s) país(es) a equiparação à obra brasileira. A ela compete também analisar previamente a presença de tais requisitos, quando o que existe ainda é um projeto a ser transformado em uma obra cinematográfica. Aqui estamos falando da emissão do Reconhecimento Provisório de Coprodução Internacional, procedimento previsto em alguns acordos de coprodução, mas que se tornou rito obrigatório, caso trate-se ainda de um projeto a ser produzido e não de obra concluída. A partir daí, tal obra passa a gozar de todos os benefícios concedidos pela legislação nacional. A maior parte dos acordos possuem premissas comuns entre si: as empresas produtoras devem estar registradas no órgão audiovisual competente de seu país; o aporte em matéria de equipe técnica e artística de cada produtor deve ser proporcional ao aporte financeiro; cada produtor reserva integralmente seu próprio mercado para fins de exploração econômica da obra, sendo proporcional aos seus direitos patrimoniais no restante do mundo; fica resguardado o direito de acesso as másters (ou negativos) da obra finalizada ao coprodutor minoritário; o reconhecimento da nacionalidade da obra em coprodução fica a cargo da autoridade cinematográfica de cada país envolvido; existência de comissão mista com a finalidade de que as autoridades cinematográficas possam rever os termos do acordo e mediar eventuais conflitos. As particularidades de cada acordo de coprodução estão detalhadas no Capítulo 4. Insta salientar que cada empresa produtora se relaciona com a autoridade cinematográfica de seu país. Caso seja necessária alguma providência de caráter administrativo do país coprodutor, será a empresa coprodutora sediada no país em questão que deverá se relacionar com a respectiva autoridade cinematográfica. Com o incentivo à internacionalização do conteúdo audiovisual brasileiro, diante de ativos tangíveis e intangíveis que essa ação representa, acordos de coprodução cinematográfica foram e estão sendo atualizados, em consonância à convergência tecnológica por que passa a indústria do entretenimento. Protocolos de apoio financeiro a projetos em regime de coprodução internacional entre a ANCINE e outros países com os quais o Brasil pretende incrementar relações estão sendo firmados, possibilitando um notório crescimento no volume de projetos feitos nos últimos anos. Ao lado do crescimento da participação de filmes brasileiros lançados comercialmente ano a ano e do crescente aporte de recursos financeiros em favor da produção nacional de conteúdo, uma série de mecanismos de fomento foram e estão sendo paulatinamente desenvolvidos em favor da coprodução cinematográfica e audiovisual internacional, verificado, sobretudo, a partir da criação da ANCINE. Mas como começar a coproduzir com outros países? Primeiramente é necessário que haja aproximação entre empresas produtoras sediadas em outros países. Uma das medidas que permitem tal aproximação é a participação de produtores em eventos de mercado audiovisual e cinematográfico, onde é possível apresentar projetos a potenciais interessados, sejam eles produtores ou distribuidores. O projeto pode estar em diferentes estágios, seja em desenvolvimento, produção ou até mesmo finalização. No Brasil, a ANCINE possui um programa voltado à participação de produtores em eventos de mercado e rodadas de negócio, com objetivo de estimular a presença no exterior de empresas brasileiras que atuam no setor audiovisual. Esse programa concede apoio financeiro à empresa, mediante processo de seleção, comentado no tópico 8.2.4. Havendo interesse no projeto, estando ele bem estruturado, cercado da aquisição de direitos pertinente, o primeiro passo está dado. A partir daí, um contrato de coprodução deve ser firmado entre as partes, ficando consignado tudo o que foi acordado, observadas as exigências contidas no acordo de coprodução que sustenta a coprodução. No tocante a direitos, é muito importante observar que o produtor seja detentor da cessão de direitos para realização da obra cinematográfica/audiovisual, seja ela derivada de outra obra pré-existente, ou obra original. Com o orçamento da obra definido, as partes irão acordar o tamanho de sua participação, implicando na detenção de direitos patrimoniais a cada empresa produtora envolvida. O montante de recursos financeiros de cada parte leva em consideração os custos de realização da obra até a obtenção da primeira cópia. Não entram, portanto, os custos de comercialização. Esse princípio decorre dos próprios acordos de coprodução, ao disporem que as cópias para exibição em cinema deverão ser feitas no território de exploração comercial de cada parte contratante. Ou seja, o produtor brasileiro faz as cópias para exibição comercial da obra cinematográfica no Brasil e seu coprodutor faz as cópias em seu respectivo país. Decorrente desta lógica, todo o material promocional de divulgação da obra, seja impresso ou eletrônico, nos territórios que cada produtor reservou exclusivamente para si será arcado por este. Para garantir os direitos de exibição da obra feita em regime de coprodução internacional pelo coprodutor minoritário, os acordos preveem que este seja proprietário de uma máster do filme, podendo as partes pactuar quanto ao acesso da máster junto ao laboratório ou empresa de pós-produção. Convêm que tal garantia esteja expressamente prevista no contrato de coprodução que as partes firmarem. No passado, a exibição em salas de cinema se dava por meio de cópias em 35mm, operação que demandava altos custos operacionais, com a feitura das cópias, com o envio e posterior devolução dessas cópias ao distribuidor. Esse cenário vem sendo alterado significativamente com o processo de digitalização das salas de cinema e em ritmo acelerado: muito em breve praticamente inexistirão salas de cinema com equipamento de projeção em 35mm. No Brasil, a previsão da ANCINE é de que até o final do ano de 2015 cem por cento das salas de cinema estejam digitalizadas. O exercício da exploração comercial da obra decorrente de uma coprodução internacional, nos territórios comuns, fica a cargo da empresa produtora majoritária, ou seja, aquela que detém a maior fatia de direitos patrimoniais da obra, cabendo a esta prestar contas das receitas havidas e repassá-las ao coprodutor minoritário, na forma que forem convencionar no contrato que rege as obrigações e direitos das partes. Decorrente deste acordo privado entre as empresas produtoras é que se estabelecem os mercados que ficarão para cada parte, a fim de que estes explorem comercialmente as obras em seus respectivos países. Normalmente, cada parte se reserva seu próprio território, ficando o resto do mundo dividido na proporção das participações patrimoniais, devidamente previsto no contrato de coprodução. Tal regra pode variar havendo diferente pactuação de territórios. Entretanto, a mesma deve ser comunicada às autoridades cinematográficas de cada país envolvido na coprodução e será aceita ou não obedecendo ao princípio do equilíbrio na divisão de territórios. É importante destacar que o direito patrimonial não se confunde com os direitos de exploração econômica da obra audiovisual. O direito patrimonial é inerente à propriedade da obra, valendo este pelo prazo de proteção legal disposto, no caso do Brasil, na lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610, de 19/02/1998), consubstanciado na Convenção de Berna, da qual o Brasil é signatário. Já os direitos de exploração econômica da obra podem variar em relação a tempo, a territórios, não seguindo necessariamente a mesma divisão de ordem patrimonial disposta no contrato de coprodução, muito embora a regra seja aquela. A maior parte dos acordos de coprodução também estabelece a obrigatoriedade na realização de certos serviços em favor da mão de obra nacional, num claro princípio de reserva de mercado, a exemplo da legendagem, dublagem, pós-produção, além da feitura de cópias para exibição, como acima comentado. Via de regra, os acordos de coprodução internacional permitem que as filmagens/gravações possam ser integralmente feitas no território de um ou de outro coprodutor envolvido no projeto comum. Não há exigência expressa quanto à necessidade de que tenha que ser filmado nos países dos coprodutores envolvidos, sendo admitido, inclusive, que seja feito em terceiro território, se o roteiro apontar que a ambientação da história não é a locação dos países envolvidos. No entanto, há que se observar que para exercer tal prerrogativa é necessário que se comunique as autoridades cinematográficas dos países abrangidos na produção. Dentre um dos maiores desafios para os produtores de conteúdo audiovisual/cinematográfico está a engenharia financeira caso seja necessário a remessa de recursos financeiros ao seu coprodutor. O percentual que varia entre 15% a 25% de Imposto de Renda no Brasil sobre tais remessas requer especial atenção, na hora de montar o plano de financiamento de obras em coprodução. Muitos países europeus tem em suas legislações internas entendimento de que trata-se de produção nacional, não incorrendo em tributação excessiva, de forma a desestimular a coprodução entre diferentes países. Resta aos produtores que estejam coproduzindo com outros países que se articulem para mudar esse cenário, a exemplo do que já ocorre em vários países parceiros de acordos de coprodução bilateral, a exemplo da Alemanha, apenas para citar um deles, que inexiste tão alta carga tributária. *Produtora, advogada, trabalha há mais de 20 anos na indústria audiovisual. É especialista em coprodução cinematográfica internacional. Professora de Produção Audiovisual na UCAM/RJ – ABGC, parecerista do Ministério da Cultura da área audiovisual. Graduada em Direito pela UCAM/RJ; Comunicação Social/Publicidade e Propaganda pela UNISINOS/RS; Pós Graduada como Analista Internacional pela UFRJ. Fez extensão em Direito do Entretenimento pela UERJ e Formação Executiva em Cinema e TV pela FGV/RJ. [email protected] Copyright © 2015 by Angelisa Stein Direitos reservados. Vedada reprodução total ou parcial sem a citação da fonte.