ALIENAÇÃO PARENTAL: CONSIDERAÇÕES SOBRE O INSTITUTO E ABORDAGENS QUANTO A PERDA DO PODER FAMILIAR POR FORÇA DE SUA OCORRÊNCIA Gustavo Henrique Velasco Boyadjian1 Virgínia Resende Silva2 Resumo: O trabalho consiste em uma breve análise da Lei 12.318/2010, precedida de considerações históricas acerca do instituto da alienação parental. Palavras chave: Alienação parental e poder familiar. 1 Considerações iniciais. A Alienação Parental foi descrita pela primeira vez em 1985, nos Estados Unidos da América, por Richard Gardner, professor da Clínica de Psiquiatria Infantil da Universidade de Columbia e perito judicial, em um artigo intitulado “Tendências Atuais em Litígios de Divórcio e Custódia”. O psiquiatra pretendia descrever os casos em que os genitores estavam em processo de separação, já separados ou passando por desentendimentos temporários onde disputavam a guarda dos filhos, e a mãe usava de meios manipuladores para que o menor rompesse os laços afetivos com o genitor. Tanto durante o exercício da medicina, quanto enquanto perito, Gardner observou que, na disputa judicial, em um número grande de situações, alguns genitores objetivavam apenas ver seu ex-cônjuge afastado da prole comum. Os casos mais comuns em que era verificada a síndrome eram aqueles em que a mãe manipulava o filho na tentativa de se vingar do pai, movida por 1 Mestre em Direito Empresarial pela Universidade de Franca, Especialista em Direito Civil pela Universidade Federal de Uberlândia, Professor da Universidade Federal de Uberlândia, da UNIPAC – Campus Araguari e da UNIUBE – Campus Uberlândia. Advogado. 2 Graduada em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia. Advogada. sentimentos de ódio, inveja, possessividade e até mesmo frustração que acabava transferindo-os ao filho que, por sua vez, se afastava do genitor. Aquele que coloca o filho contra o outro é chamado de alienador sendo que na maioria dos casos este papel incumbe às mãe, ao passo que, o outro genitor é o alienado. Os registros deste conceito datam desde a década de quarenta, mas Gardner foi a primeiro a defini-lo como Síndrome da Alienação Parental. No Brasil a matéria a matéria passou a ser ventilada nos tribunais a partir de 2.006. Em 07 de outubro de 2.008 o Deputado Regis de Oliveira apresentou o Projeto de Lei nº 4.053 que em 26 de agosto de 2.010 foi convertido na Lei 12.318 e que dispõe sobre a síndrome. Observe-se, no entanto, que antes mesmo da apresentação do Projeto de Lei 4053/2008, a doutrina já se manifestava quando a síndrome e a necessidade de evitar sua ocorrência. Neste sentido, como forma de evitar a Alienação Parental, a doutrina propunha a guarda compartilhada fato este que ensejou a alteração do Código Civil no ano de 2.008 (Lei 11.698/2008). Observe-se que, antes mesmo da entrada em vigor da Lei 12.318/2010 doutrina e jurisprudência já davam seus primeiros passos, conforme se depreende do seguinte julgado: Evidenciada o elevadíssimo grau de beligerância existente entre os pais que não conseguem superar suas dificuldades sem envolver os filhos, bem como a existência de graves acusações perpetradas contra o genitor que se encontra afastado da prole há bastante tempo, revela-se mais adequada a realização das visitas em ambiente terapêutico. Tal forma de visitação também se recomenda por haver a possibilidade de se estar diante de quadro de síndrome da alienação parental. Apelo provido em parte. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Ap. n. 70016276735 - RS, Relator: Maria Berenice Dias, Sétima Câmara Cível, Julgado em 18/10/2006) 2 Previsão legislativa no Brasil – breve análise da Lei 12.318/2010 2.1 Definição legal Consta do art. 2 da Lei: Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este. É nítido que a opção do legislador foi adotar um conceito aberto com o objetivo de que o enunciado possa abranger todo e qualquer tipo de conduta que venha a prejudicar o relacionamento entre o filho e um dos genitores. Da leitura do preceito legal é possível definir a Alienação Parental como sendo o ato do genitor alienador que causa transtorno psicológico ao filho, modificando a consciência deste acerca da imagem do outro genitor, com o objetivo de destruir os vínculos.. Figueiredo e Alexandridis (2011, p. 45) ao comentar o artigo 2º da Lei 12.318/2010, assim o fizeram: Note-se que a alienação parental consubstancia-se na atuação inquestionável de um sujeito, denominado alienador, na prática de atos que envolvam uma forma depreciativa de se lidar com um dos genitores. Trata-se, portanto, de atuação do alienador que busca turbar a formação da percepção social da criança ou do adolescente. Essa interferência na formação psicológica do menor não é realizada exclusivamente pelos genitores, mas sim, conforme se depreende do artigo 2º da Lei 12.318, por qualquer parente que possa fazer uso da sua autoridade parental ou afetiva com o objetivo de prejudicar outro familiar. A lei cita os avós ou qualquer pessoa desde que tenha a criança sob sua guarda, vigilância ou autoridade. Também é possível, dessa forma, falar na alienação parental promovida pelo tutor ou curador quanto aos outros parentes da criança. No que tange à nomenclatura, apesar de a lei disciplinar que o alienado seja o genitor que está sendo afastado da convivência do menor ou tendo a idéia sobre si deturpada, há quem entenda que o alienado, na verdade, é o menor ou adolescente uma vez que alienado é aquele que não tem uma visão correta sofre os fatos. Neste sentido encontra-se o posicionamento de Figueiredo e Alexandridis (2011, p. 46): Note-se que, em que pese a própria lei denomine aquele que sofre a alienação de alienado, não entendemos como adequada referida denominação, eis que alienado é aquele que tem percepção equivocada sobre os atos e isso é o que ocorre com o menor ou adolescente, como resultado infalível da reprimível conduta de alienação bem-sucedida. Apesar do ponto de vista supra explicitado, compartilhamos da opinião de que o legislador quis referir-se ao genitor que busca afastar o filho como alienador e ao que o que acaba sendo afastado por alienado. 2.2 Formas exemplificativas de Alienação Parental Mesmo se tratando de um conceito aberto, o parágrafo único do artigo 2º da Lei 12.318/2010 traz um rol exemplificativo de condutas configuradoras de alienação parental. É possível afirmar estarmos diante de um numerus apertus haja vista que o próprio preceito legal diz se tratar de “formas exemplificativas de alienação parental” sendo que em seguida traz a possibilidade de o juiz, bem como a perícia, identificar atos que não estão enumerados no dispositivo quando prescreve “atos assim declarados pelo juiz ou constatado por perícia”. A escolha por um rol exemplificativo se deu em razão da grande dificuldade de se determinar a motivação que levou o genitor alienador à prática da alienação parental. Importante ressaltar que, em razão da gravidade das consequências impostas ao genitor alienador, as condutas descritas nos incisos do parágrafo único do artigo 2º não têm a intenção de tornar objetivas as hipóteses caracterizadoras podendo, inclusive, algumas delas, promover a proteção do menor. O inciso I do parágrafo único do art. 2° considera ato de alienação parental a realização de campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade. A campanha de desqualificação é iniciada na maior parte das vezes pelo genitor que detém a guarda do filho transferindo para a criança as frustrações decorrentes do fim do relacionamento colocando ênfase nos defeitos do ex-cônjuge, ou, até mesmo, imputando a este fatos inverídicos. O genitor alienador busca, por meio da prática da desqualificação, aparentar ao menor que o genitor alienado não tem condições de exercer a maternidade ou paternidade. Neste sentido, Figueiredo e Alexandridis (2011, p. 53): Assim, cria no menor a falsa impressão de que tudo o que aquele genitor promove está errado, ou seria mais bem feito por aquele que promove a campanha que denigre a imagem do outro perante o filho, fazendo com que essas incertezas acarretem insegurança no menor e, por via reflexa, o afastamento cada vez maior daquele genitor que está sendo alienado. Essa conduta do alienante pode, não raro, atingir, além do menor, o genitor alienado incutindo neste um sentimento de impotência no sentido de não ter a necessária aptidão à criação do menor fato este que enseja no seu afastamento. O incido II trata da hipótese em que o genitor alienador visa dificultar o exercício da autoridade parental do genitor alienado. A autoridade parental é exercida, ainda que haja dissolução da entidade familiar, pelo genitor que estiver na companhia do filho. Na prática da alienação parental o alienador busca desautorizar o genitor alienado no que concerne às determinações impostas por este último promovendo a retirada de sua autoridade. Este ato incute no menor a idéia de que apenas o que for ditado pelo alienador é o correto e deve, portanto, ser respeitado pelo filho. Tal postura determina o afastamento do alienado da vida e convivência do menor. No inciso III está presente a hipótese em que o alienador dificulta o contato entre o filho e o outro genitor. Deve ser garantido o direito ao convívio familiar a ambos os genitores tanto nos casos de guarda compartilha como na modalidade unilateral. No mesmo sentido de Fábio Figueiredo e Alexandridis (2011, p. 55): O contato entre o genitor que não detém a guarda do menor, para com este, vai muito além dos dias e horários em que foi estabelecido direito de visitas. Pelo contrário, o contato do genitor com o seu filho tem que ser contínuo, presente, ainda que a utilização de meios não presenciais, como o telefone e a Internet (por intermédio de troca de e-mails, participação em comunidades, etc.). Sendo assim, tem-se que medidas tendentes a afastar um dos genitores se feitas de forma imotivada e reiteradas podem configurar a alienação parental. Na sequência, o inciso IV arrola a hipótese em que o genitor alienador dificulta o exercício do direito regulamentado de convivência familiar. O direito convivencional é aquele garantido ao genitor de ter a presença do filho respeitando a convenção feita pelos genitores ou aquela fixada pelo judiciário. Dessa forma, qualquer ato que venha a impedir que o genitor exerça esse direito-dever se mostra como um atrativo para que o menor prefira permanecer com o alienador, como nos casos de este organizar atividades para o filho incompatíveis com os horários das visitas. Wandalsen (2009, p. 82) ressalta que: É frequente ainda o genitor alienante colocar-se em posição de vítima, perpetrando chantagem emocional para sensibilizar a criança e tê-la só para si. A criança é induzida a acreditar que, ao se encontrar com o genitor vitimado, estará traindo quem realmente dela se ocupa. O alienante não imagina o sofrimento a que a criança é submetida ao ter que escolher entre as duas pessoas que mais ama na vida, ou se disso tem ideia, a crueldade da atitude revela-se ainda maior. Cumpre salientar que o direito convivencional não se refere apenas aos genitores, mas também a todos os outros parentes. O inciso V prevê a alienação parental na conduta de se omitir deliberadamente ao outro genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço. Nesta hipótese, o alienador visa evitar que o alienado participe de momentos importantes da vida do filho causando neste um sentimento de abandono que em momento posterior ensejará a repulsa do menor para com aquele genitor afastado. É possível dizer que se trata de uma espécie de alienação imprópria uma vez que não há interferência na formação psicológica do menor, mas sim a omissão de informações sobre a criança impedindo a manutenção do vínculo de afinidade e afetividade que deve existir entre a pessoa em desenvolvimento e seus pais. Neste sentido é possível citar Figueiredo e Alexandridis (2011, p. 57): Tais atitudes, com o passar do tempo, trazem a falsa impressão ao menor – que para ele irá configurar uma realidade – de que o genitor alienador é o único que com ele se importa, já que muito provavelmente será transmitida a campanha que visa a denegrir a imagem do outro genitor, com informações como “eu sempre aviso o seu pai (ou mãe), mas ele (ou ela) nunca pode estar com você”, “mais uma vez ele (ela) te deixou na mão não vindo” ou ainda “ele (ela) nem se preocupa com você”. O fato é que se um dos pais não conhece o desempenho escolar, a situação médica e o correto paradeiro da criança, certamente os laços parentais tendem a se enfraquecer. O inciso VI é o mais grave pois refere-se ao ato de alienação parental que se materializa pela apresentação de falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente. Sobre esta hipótese manifesta Guazzelli (2007, p. 112) que: A falsa denúncia de abuso retrata o lado mais sórdido de uma vingança, pois vai sacrificar a própria prole; entretanto, é uma situação lamentavelmente recorrente em casos de separação mal resolvida, onde se constata o fato de que muitas vezes a ruptura da vida conjugal gera na mãe o sentimento de abandono, de rejeição, de traição, surgindo uma tendência vingativa muito grande. Além da importância do ponto de vista do Direito de Família, também há no campo penal, a fim de ser apurado o crime denunciado. Na hipótese de ser improcedente a denúncia, pode ensejar a figura do art. 339 do Código Penal. Entretanto, ainda que haja a sanção penal, é inegável o prejuízo causado à convivência entre o menor e o genitor alienado uma vez que, até que seja apurada a imputação que lhe é feita, este terá seu direito de visitas ao menor suspenso em nome do dever geral de cautela do juiz. Por outro lado, após verificada a falsidade da denúncia, além da sanção penal, tal ato do alienador também poderá ensejar a perda da guarda ou sua modificação além da fixação de danos morais a favor daquele falsamente denunciado. Por fim, o inciso VII prevê como ato de alienação parental a mudança de domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós. Este inciso traz uma hipótese drástica em que o alienador chega a mudar de domicílio na tentativa de impossibilitar que o alienado conviva com o próprio filho. Acerca de tal medida extrema, bem pondera Fonseca (2007, p. 10): Um outro meio de manobra para excluir o outro genitor da vida do filho é a mudança de cidade, estado ou país. Geralmente, essa transferência de domicílio dá-se de modo abrupto, após anos de vida em local ao qual não apenas o genitor alienante encontrava-se acostumado e adaptado, como também a criança que, de inopino, vê-se privada do contato com o progenitor alienado, com os familiares, com os amiguinhos, com a escola à qual já se encontrava integrada etc. e tudo em nome de vagas escusas: melhores condições de trabalho ou de vida, novo relacionamento amoroso com pessoa residente em cidade diferente e, via de regra, distante, etc. O alienador não só priva o menor do contato com o genitor alienado mas também com toda a família além de retirar-lhe a referencia de todos os contatos feitos podendo acarretar no menor diversos problemas psicológicos. 2.3 Declaração da Alienação Parental (meios processuais) A lei 12.318 também disciplina regras sobre a instrumentalização processual do instituto da alienação parental. O artigo 4º fala em indícios de ato de alienação parental. Tais indícios podem ser reconhecidos de ofício pelo juiz, alegados por um dos genitores ou mesmo pelo membro do Ministério Público que atuará como custos legis, tendo em vista se tratar de matéria de ordem pública e envolver incapaz, nos termos do artigo 82, inciso I do Código de Processo Civil. De acordo com o texto legislativo, podem os indícios ser descobertos a qualquer momento e grau de jurisdição, admitindo-se sua discussão tanto em ação autônoma quanto incidental, a depender do momento da descoberta. Sobre este ponto, destaca Figueiredo e Alexandridis (2011, p. 63): Muitas vezes, no entanto, somente depois de já definida a guarda e o direito de visitas, notadamente na ação que promoveu a separação ou o divórcio do casal, ou quando da dissolução da união estável, é que, com o passar do tempo, denota-se por parte do genitor vitimado a possível existência da alienação parental; nesse caso, será necessária a propositura de uma ação autônoma com o objetivo de reconhecer a sua existência e buscar medidas para salvaguardar os interesses d o menor, bem como do genitor vitimado, com base no art. 6º da Lei n. 12.318/2010. Também preceitua o artigo em comento que o processo terá tramitação prioritária como forma de dar efetividade ao inciso LXXVIII do artigo 5º da Constituição Federal que assegura a razoável duração do processo bem como os meios que garantam a celeridade sempre observando o contraditório e a ampla defesa (CF, art. 5º, inc. LV). Diante dos indícios deverá o juiz tomar medidas provisórias como forma de salvaguardar os direitos do menor e do genitor alienado assegurando, inclusive, a convivência com este. Objetiva-se materializar a efetiva reaproximação da criança com o genitor alienado. Para designar tais medidas de reaproximação basta verificar a presença do fumus boni iuris e do periculum in mora configurando, neste momento, procedimento de cognição sumária. Dentre as medidas possíveis, destaca-se o parágrafo único do art. 4° que assegura ao menor, bem como ao genitor alienado, a: Garantia mínima de visitação assistida, ressalvados os casos em que há iminente risco de prejuízo à integridade física ou psicológica da criança ou do adolescente, atestado por profissional eventualmente designado pelo juiz para acompanhamento das visitas. Freitas e Pellizzaro (2010, p. 32) assim opinam: O texto do art. 4.º da Lei da Alienação Parental é muito salutar nesse contexto, pois sugere que haja a mantença do convívio com o genitor acusado (possivelmente alienado) até que se verifique a veracidade da acusação. Para isso, poderá fixar período de convivência assistido ou restringir o convívio a locais públicos, como shoppings e praças (...) enfim, deve ser ultima ratio a separação total entre o acusado e o menor, sempre buscando soluções que mantenham, mesmo que vigiada ou diminuída, a convivência entre ambos. Deve o magistrado agir com cautela uma vez que é comum que o alienador faça uso do Judiciário para que sejam impostas limitações ao alienado alegando informações infundadas. Neste sentido, Fonseca (2007, p. 10): Muitas vezes até a resistência oferecida pelos filhos ao relacionamento com um dos pais é tamanha, que a alienação parental acaba por contar, inclusive, com o beneplácito do Poder Judiciário. Não raro, diante de circunstâncias como essas, alguns juízes chegam até mesmo a deferir a suspensão do regime de visitas. É o quanto basta para que se tenha a síndrome por instalada em caráter definitivo. Na sequência, prescreve o artigo 5º da lei que superada a situação de urgência e, havendo necessidade, poderá o juiz determinar perícia psicológica ou biopsicossocial a ser realizada por profissional ou equipe multidisciplinar habilitados. Poderá requerer a perícia o magistrado de ofício ou atendendo ao pedido do membro do Ministério Público. Em havendo litígio também é permitido às partes fazerem o requerimento para a instrução probatória. Fonseca adverte (2007, p. 14): É imperioso que os juízes dêem conta dos elementos identificadores da alienação parental, determinando, nestes casos, rigorosa perícia psicossocial para, aí então, ordenar as medidas necessárias para a proteção do infante. Observe-se que não se cuida de exigir do magistrado – que não tem formação em Psicologia – o diagnóstico da alienação parental. Contudo, o que não se pode tolerar é que, diante da presença de seus elementos identificadores, não adote o julgador com urgência máxima, as providencias adequadas, dentre as quais o exame psicológico e psiquiátrico das partes envolvidas. Uma vez determinada a prova pericial, ela deverá realizar uma ampla e pontual análise acerca da alegação da ocorrência da alienação parental Compreendendo, inclusive, entrevista pessoal com as partes, exame de documentos dos autos, histórico do relacionamento do casal e da separação, cronologia de incidentes, avaliação da personalidade dos envolvidos e exame da forma como a criança ou o adolescente se manifesta acerca de eventual acusação contra o genitor, para que seja efetivamente – ou não – configurada a alienação parental. (FIGUEIREDO e ALEXANDRIDIS, 2011, p. 68) A equipe terá o prazo de noventa dias para apresentar laudo podendo este prazo ser prorrogado mediante autorização judicial baseada em justificativa circunstanciada. Apesar da enorme importância do fator tempo, não poderá o laudo ser apresentado sem a devida análise e realização das diligencias necessárias tendo em vista sempre o melhor interesse da criança. 2.4. Medidas para afastar a alienação parental Determina o artigo 6º da Lei 12.318 que estando o magistrado munido do laudo psicológico ou biopsicossocial deverá se pronunciar acerca da configuração ou não da alienação parental. Caso estejam comprovados os atos típicos, poderá o juiz cumulativamente, ou não, sem prejuízo da responsabilidade civil ou criminal aplicável ao caso, tomar uma das medidas arroladas nos incisos do artigo 6º visando anular os efeitos já promovidos, bem como evitar que a conduta se agrave. Wandalsen (2009, p. 82) preleciona para os casos em que seja configurada a alienação parental: Na hipótese da perícia concluir que o genitor alienante efetivamente estava imbuído do propósito de banir da vida dos filhos o outro genitor, o juiz deve determinar medidas que propiciem a reversão desse processo, tais como a aproximação da criança com o genitor alienado, o cumprimento do regime de visitas, a condenação do genitor alienante ao pagamento de multa diária enquanto perdurar a resistência às visitas ou enquanto perdurar a prática que conduz à alienação parental, a alteração da guarda dos filhos e ainda a prisão do genitor alienante. Dúvida não resta de que o juiz deve agir no sentido de proteger o menor e, ao mesmo tempo, aplicar alguma punição no genitor alienador. Já Fonseca (2007, p. 14), entende que: As providencias judiciais a serem adotadas dependerão do grau em que se encontre o estágio da alienação parental. Assim, poderá o juiz: a) ordenar a realização de terapia familiar, nos casos em que o menor já apresente sinais de repulsa ao genitor alienado; b) determinar o cumprimento do regime de visitas estabelecido em favor do genitor alienado, valendo-se, se necessário, da medida de busca e apreensão; c) condenar o genitor alienante ao pagamento de multa diária enquanto perdurar a resistência às visitas ou a prática ensejadora da alienação; d) alterar a guarda do menor – principalmente quando o genitor alienante apresenta conduta que se possa reputar como patológica -, determinando, ainda a suspensão das visitas em favor do genitor alienante ou que sejam estas realizadas de forma supervisionada; e) dependendo da gravidade do padrão de comportamento do genitor alienante ou mesmo diante da resistência por este oposta ao cumprimento das visitas, ordenar a respectiva prisão. Cabe salientar que no direito brasileiro o ato de impedir os obstar o direito de visitação não é tipificado como conduta criminosa. A autora se refere à prisão tendo como fundamento a legislação de países como França, Noruega, Alemanha. O rol apresentado pelo artigo 6º é meramente exemplificativo podendo, dessa forma, haver outras medidas que afastem a alienação parental ou, ainda, poderá o juiz aplicar mais de uma medida de forma conjugada para preservar o convívio do menor com o genitor alienado. As medidas arroladas pela lei visam a atender o melhor interesse da criança e não existe entre elas uma ordem a ser obedecida. Diante do caso concreto, poderá o juiz aplicar a que entender mais adequada, desde que atenda às necessidades reclamadas. Em qualquer caso, mostra-se essencial que a prova pericial aponte qual a melhor forma para sanar os malefícios causados ao menor pela alienação parental, dentre as arroladas. O inciso I traz a possibilidade de se declarar a ocorrência da alienação parental bem como, advertir o alienador. Esta medida é recomendada para os casos em que o processo de alienação parental é detectado no início e o simples fato de sua prática cessar seja suficiente para restabelecer a normalidade da relação com o genitor alienado. Nesta hipótese, deverá o magistrado apresentar os malefícios que esta conduta causará ao menor bem como explicar as consequências de o alienador reiterar a prática. Esclarece Freitas e Pellizzaro (2010, p. 35) que “não há porém nenhum óbice de que paralelamente à advertência haja a determinação dos demais instrumentos descritos nos outros incisos do artigo 6º, bem como outras medidas que forem necessárias, dependendo sempre da oportunidade e eficácia da medida aplicada ao caso” No inciso II verifica-se a hipótese em que é ampliada a convivência familiar em favor do alienado. Buscou o legislador tentar restabelecer o convívio do menor com o genitor alienado como forma se desfazer o distanciamento ocasionado em razão da alienação parental. O presente inciso também poderá ser aplicado nos casos de a alienação ocorrer em detrimento de algum parente do menor. O inciso III, por sua vez, traz a possibilidade de ser estipulada multa para o alienador. Este preceito está em consonância com o artigo 461, § 5º do Código de Processo Civil que trata da tutela específica que fixa as astreintes servindo como método alternativo ou cumulativo às demais medidas previstas nos incisos. O valor deverá ser compatível com as condições de quem irá pagá-la. O legislador não especificou em favor de quem o valor será revertido sendo que de acordo com a melhor interpretação, deverá ser dirigida ao parente alienado por ter sido ele quem sofreu os efeitos da alienação parental. O objetivo da multa é evitar a prática de atos pelo alienador não sendo, no entanto, a mais indicada para todos os casos enumerados pelo artigo 6º. No inciso IV está a hipótese de se determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial ao genitor alienador para que, com o tratamento, seja possível a readequação de seu comportamento. Da análise do presente inciso conjugado com o anterior, poderá o magistrado determinar que o tratamento seja realizado de forma compulsória através da fixação de multa diária caso haja descumprimento. No entanto, a hipótese de imposição do tratamento ainda é controvertida e sobre isso opina Freitas e Pellizzaro (2010, p. 37): Embora haja discordância entre os profissionais da saúde mental, a eficácia de tal imposição, mesmo que a parte impelida a se inserir em tal acompanhamento participe apenas para não ter que pagar futuramente a multa fixada, terá, de uma forma ou de outra, avanço em seu quadro, pois o profissional multidisciplinar possui instrumentais eficazes para atuar nestes casos. O inciso V traz a possibilidade de a guarda ser invertida ou adotada a guarda compartilhada. Nos termos do artigo 1.583 do Código Civil, a guarda poderá ser compartilhada ou unilateral. Esta última não atende às necessidades da prole uma vez que não se deve dispensar a presença de um dos genitores diariamente durante a formação dos filhos. Além disso, tem-se que, normalmente, o genitor guardião é o responsável pelos atos da alienação parental em detrimento do outro genitor. Em razão disso, é compreensível que a lei da alienação parental incentive a modalidade da guarda compartilhada, uma vez que possibilita a aproximação dos filhos a ambos os genitores. No entanto, se, apesar de ser a guarda compartilhada, for constatado prejuízo para o menor em razão de um dos genitores estar praticando manobras a alienar o outro, a própria lei permite a conversão em guarda unilateral sempre observando o melhor interesse da criança. O inciso VI, por sua vez, já vai mais longe trazendo a possibilidade de ser fixado domicilio cautelar para a criança ou adolescente. O presente inciso deve ser lido e interpretado em consonância com parágrafo único do mesmo artigo que versa acerca da mudança de endereço injustificada. Alterar sem justificativas o endereço do menor é uma das formas mais graves de manifestação da alienação parental. Neste caso, o alienador priva o menor de conviver não só com o alienado, mas também lhe retida todos os seus referenciais. Neste sentido já se manifestou o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: O direito de visitas, mais que um direito dos pais, constitui direito do filho em ser visitado, garantindo-lhe o convívio com o genitor não guardião a fim de manter e fortalecer os vínculos afetivos. Evidenciado o alto grau de beligerância existente entre os pais, inclusive com denúncias de episódios de violência física, bem como acusações de quadro de síndrome de alienação parental, revela-se adequada a realização de visitas a ambiente terapêutico. (AgI n. 70.028.674.190 – RS, Relator: André L. P. Villarinho, Data do julgamento 15/04/2009, Data da publicação: 22/05/2009) Dessa forma, constatando o magistrado que a mudança de endereço tem como objetivo afastar o menor do outro genitor poderá ser fixado o domicilio do menor de forma cautelar. O inciso VII, por fim, trata da possibilidade de ser declarada a suspensão da autoridade parental ainda que o alienador não seja o detentor da guarda pois mesmo neste caso ainda exerce autoridade. O objetivo da retirada da autoridade do alienador é corrigir os efeitos da alienação parental. Apesar de o texto legal trazer a expressão “autoridade parental” é oportuno ressaltar que se trata do instituto do poder familiar, logo, tem-se que a alienação parental deve ser inserida dentre as causas de suspensão do poder familiar. Ocorre que a legislação específica apenas enfatizou o que já consta da legislação civil em seu artigo 1.637 que traz o abuso de autoridade como uma forma de suspensão do poder familiar. Da leitura do artigo 1.638 do Código Civil, infere-se que quando da prática da alienação parental de forma reiterada poderá o genitor dar causa à perda do poder familiar. 3. A possibilidade de perda do poder familiar O inciso VII do artigo 6º da Lei 12.318 traz a possibilidade de suspensão do poder familiar quando da prática da alienação parental, aumentando o rol apresentado pela legislação civil previsto no artigo 1.637 do Código Civil. Este inciso traz a sanção mais grave arrolada pelo artigo 6º, devendo ser aplicada pelo juiz nos casos em que a prática dos atos de alienação já tenha trazido consequências graves e, às vezes, de difícil reparação tanto para o menor quanto ao genitor alienado. Dessa forma, praticando o genitor, ou quem detenha a guarda, atos para afastar outro parente do convívio com o menor terá como uma possibilidade de sanção a suspensão da autoridade parental. O artigo 1.638 da legislação civil, por sua vez, preceitua as hipóteses que poderão ensejar a perda do poder familiar sendo que dentre elas está a prática de atos contrários à moral e aos bons costumes (inciso III). A prática de atos de alienação parental configura atos atentatórios à moral e aos bons costumes, já que há de se levar em conta que os filhos são facilmente influenciados principalmente quando se tratar de um dos genitores incutindo idéias em uma criança. É possível falar que a alienação parental é um ato que atenta contra a moral e os bons costumes uma vez que tais atos afrontam princípios como, dentre outros, da dignidade da pessoa humana, da honestidade, da correção de conduta, do respeito aos semelhantes, do melhor interesse da criança, não respeitando, acima de tudo, os preceitos constitucionais que dizem respeito à família previstos no artigo 227 da Carta Magna. Também poderá ensejar a perda do poder familiar, de acordo com o inciso IV do artigo 1.638 o fato de o genitor incidir reiteradamente nas causas que autorizam sua suspensão. Sendo assim, aquele genitor que praticar reiteradamente atos de alienação parental poderá sofrer a perda do poder familiar após já ter sido suspenso. O legislador entendeu por bem prever a possibilidade tanto da suspensão quanto da perda como forma de afastar do menor o alienador, objetivando possibilitar que os laços enfraquecidos com o alienado sejam restabelecidos. Não obstante a intenção do preceito legal é possível o entendimento no sentido de que tal medida se mostra muito drástica uma vez que o menor já perdeu o elo, ou este está enfraquecido, com o genitor alienado e tem como única referência e ponto de apoio o alienador. Dessa forma, este afastamento poderá dar ensejo a outros traumas no menor de difícil ou incerta reparação. Apesar de ser inegável que o convívio com o genitor alienador não seja muito salutar, melhor seria um afastamento progressivo, acompanhado por psicólogos e assistentes sociais além de monitorar os momentos em que estiver com o alienador. Quanto ao genitor alienado deve-se promover uma reaproximação até que o menor se sinta bem novamente em sua presença, buscando sempre restabelecer os laços de afetividade. Não se pode perder de vista a importância dos pais na vida de uma criança sendo que é notório que um genitor não supre a falta do outro, razão pela qual não entendo como mais adequada a suspensão ou a perda do poder familiar com o afastamento do alienante de forma abrupta. 4. Considerações finais Conclui-se pela total necessidade da Lei 12318/2010 no ordenamento brasileiro, como forma de proteção e garantia do melhor interesse dos menores. No entanto, apenas no que tange à suspensão e a perda do poder familiar entende-se ser uma medida muito brusca por afastar o menor do único genitor que ele tem como referencial. Tal medida, em casos extremos, quando necessária, deverá ser acompanhada por equipe interdisciplinar como forma de amenizar os traumas que poderão advir de tal conduta. 5. Referências AVELINO, Pedro Buck. 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