> clinicando
Ana Maria Rudge
Jones e Lacan: pesadelos, demônios e angústia
A influência do pensamento de Ernest Jones na obra de Lacan, especialmente em
sua teoria da angústia, é examinada. O livro de Jones “Sobre o pesadelo”,
seguidamente citado por Lacan, é avaliado como de grande importância para a
clínica psicanalítica, na medida em que toda a problemática da angústia é nele
discutida e equacionada.
> Palavras-chave: Angústia, pesadelo, demônios, complexo de Édipo, incesto
pulsional > revista de psicanálise > clinicando > p. 61-70
ano XVII, n. 181, março/2005
The influence of the thought of Ernest Jones on Lacan, specially on his anxiety theory,
is examined. The book by Jones “On the nightmare”, frequently quoted by Lacan, is
evaluated as being of great importance for psychoanalytic clinic, once a new theory
of anxiety is presented in this book.
> Key words: Anxiety, nightmare, demons, Oedipal complex, incest
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Embora o seminário sobre a Angústia, de J.
Lacan, o último a ser publicado pela editora Seuil de Paris, seja fartamente lido e comentado pelos psicanalistas pela riqueza de
suas contribuições para a clínica psicanalítica, pouco se tem lido o livro de Ernest
Jones, Sobre o Pesadelo, que é seguidamente citado neste seminário. As idéias de
Jones sobre o tema possuem uma presença
de grande peso no desenvolvimento da teoria lacaniana da angústia.
De forma mais geral, merece atenção o
grande apreço que Lacan, que não era de
distribuir elogios, demonstra seguidamente
pela obra de Jones. Além do escrito em sua
homenagem, “À memória de Ernest Jones:
sobre sua teoria do simbolismo”, há várias
outras ocasiões em que demonstra sua admiração pelo psicanalista inglês. Dedica
todo o seminário do dia 12 de março de
1958, Formações do inconsciente, a discutir
detalhadamente três artigos de Jones que
qualifica como muito importantes: “Phalique
phase”, apresentado no Congresso de
Insbrück em setembro de 1927, “Early
development of female sexuality”, de 1927,
e “Early female sexuality”, de 1935. Em O
desejo e sua interpretação, 11 março 59, dis-
Jones é evidente pela incorporação que faz
do termo, no seio de suas elaborações sobre
a aphanisis do sujeito pelo Outro. Não sou
a primeira a notá-lo. Disse Nazio: “certos
conceitos importantes na teoria lacaniana
levam tão fortemente o selo de Jones, que
eu disse a mim mesmo que Lacan ama a
Freud como a seu duplo, mas é a Jones
quem deseja” (seminário de 15 maio 79, A
topologia e o tempo).
É especialmente na pesquisa de Jones sobre
o tema do pesadelo e seu impacto na teoria
lacaniana da angústia que vou me deter.
Seu livro On the nightmare (1931), que Lacan qualifica como um “de uma riqueza incomparável” (Lacan, 62-63, p. 69), resultou
da conjugação de três trabalhos escritos em
épocas diversas. A primeira parte – A patologia do pesadelo, havia aparecido inicialmente em 1910 no American Journal of
Insanity, e tratava da etiologia, patogênese
e clínica do pesadelo. A segunda – Relação
entre o pesadelo e certas superstições medievais – tinha sido publicada em 1912, em
alemão. A terceira parte e a conclusão eram
inéditas até 1931. Essa terceira parte apresenta-se como uma contribuição da psicanálise para a etimologia, a partir das
descobertas sobre o pesadelo1 (Meyer, M. A.
1932). É interessante assinalar que, à época da elaboração da maior parte do que
está apresentado no livro, Freud estava
longe de elaborar sua segunda teoria da
angústia.
Ao decidir investigar o pesadelo, Jones o
toma como algo do campo da patologia, e se
1> Mostra como a palavra “nighmare” deriva do Anglo-Saxão nicht = noite mais mara, literalmente um esmagador (crusher). Significava originalmente demônio da noite, veio a designar os sonhos de terror supostamente impostos por esses demônios e, posteriormente, égua.
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cute o artigo “The Oedipus complex: an
explanation of Hamlet mystery “, que foi
publicado em 1910 no Journal of American
Psychology, e a ele se refere como “um monumento que é essencial ter lido”. No próprio seminário sobre a Angústia, em
19-06-63, refere-se ao artigo “Madonna’s
conception through ears” como sendo um
artigo “cuja leitura não se poderia recomendar demasiadamente”.
Mais conhecidos são os freqüentes comentários sobre a aphanisis, uma noção introduzida por Jones na psicanálise. Para esse
autor, a castração seria uma ameaça apenas
parcial à capacidade de gozo sexual. A grande ameaça e o medo fundamental que jaz
na base de qualquer neurose seria a total
extinção, nomeada com a palavra grega
“aphanisis”, da “capacidade e oportunidade
de gozo sexual” (Jones, 1927, p. 460). Lacan,
que discute essa proposta de Jones na maior parte de seus seminários, critica a idéia
da aphanisis do desejo como constituindo a
raiz da angústia de castração. Considera
contraditória a idéia de que o desejo, que é
justamente aquilo que provoca a angústia e
contra o que o recalque opera, possa ser o
bem a ser preservado, o bem ameaçado.
Entretanto, não é exatamente de aphanisis
do desejo que Jones fala, mas de aphanisis
como ameaça à possibilidade de prazer sexual, algo que é mais abrangente do que a
ameaça de extinção do desejo. Inclui a impossibilidade de encontrar objetos.
Embora os comentários de Lacan contenham laivos de crítica, sua admiração por
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espanta que o pesadelo não seja considerado com maior seriedade pelos médicos, já
que a agonia que o acompanha, com os distúrbios fisiológicos concomitantes, põe em
risco a saúde e até a vida do sonhador.
Fazendo uma cuidadosa e ampla revisão da
literatura médica do século XIX sobre o pesadelo, isola os traços com que muitos autores o caracterizam para, cotejando e
criticando essas contribuições, chegar a uma
definição do pesadelo. A descrição do pesadelo que, apoiando-se nesses autores, Jones
elabora, é bastante precisa. Geralmente ele
ocorre quando o sonhador dorme sobre
suas costas. São sonhos intensamente assustadores, acompanhados de respiração
difícil e de uma opressão violenta no peito,
como se um enorme peso se localizasse sobre ele. A privação de movimentos voluntários também se faz presente; o esforço para
se livrar dessa opressão se choca com o
sentimento de paralisia e de um extremo
desamparo. O sonhador parece encontrarse incapaz de mover qualquer músculo para
se proteger, assim como de gritar por ajuda.
Nessa agonia e torpor, emite sons surdos e
desesperados até que consiga acordar, sozinho ou com ajuda externa. Um terror incompreensível é a paixão que nunca está
ausente: a angústia.
Embora Jones seja de opinião de que um
ataque de angústia, semelhante em todos os
aspectos ao do pesadelo, pode ocorrer no
estado de vigília, geralmente a angústia assume, no pesadelo, uma feição peculiarmente paralisante e horrível.
À época, as tentativas de explicar a recorrência dos pesadelos, que em casos particularmente graves chega a impedir que o
paciente tenha coragem de se deitar para
dormir, invocavam causas orgânicas – tóxicas, respiratórias, gástricas, etc. Refutando
essas tentativas de explicação, Jones ressalta como as manifestações do pesadelo são
primordialmente mentais, a principal delas
sendo a formidável intensidade da angústia.
Nos níveis em que está presente no pesadelo, é um fenômeno patológico, tanto quanto uma neurose de angústia.
A concepção freudiana da neurose de angústia serve de pretexto a Jones para ressaltar o quanto estão intimamente ligados a
sexualidade e o terror. Entretanto, na verdade o autor discordava em parte da primeira teoria da angústia proposta por Freud,
a que resultou de sua concepção de neurose atual (Zetzel, 1958). Nessa teoria, a angústia era tomada basicamente como
descarga de desejo sexual não satisfeito,
fosse por mera contingência da vida, fosse
como conseqüência do recalque. Jones, embora destacando e concordando com a proximidade entre a sexualidade e a angústia,
afasta-se dela. No seu trabalho “Patologia
da ansiedade mórbida”, apresentado em 1911
na América, e para o qual remete o leitor de
“Sobre o pesadelo” considera que
... o desejo que não pode encontrar expressão
direta é introvertido e o medo que surge é o
medo de uma irrupção do próprio desejo enterrado. Em outras palavras, a angústia mórbida serve à mesma função biológica que o medo
normal, no sentido de que protege contra os
processos mentais dos quais se têm medo.
(Zetzel, 1958, p. 312)
Embora concorde com Freud de que a angústia resulta do recalque, não a toma como
uma transformação da libido, mas como
medo de algo que é desconhecido, um perigo interno. Jones antecipou, dessa forma, o
caracteristicamente feminina. O peso no
peito, a passividade da entrega, palpitações,
suores e sufocação são, em cores exageradas, o que se sente no coito.
A experiência clínica leva Jones à hipótese
de que é o recalque do componente feminino e masoquista, mais do que do masculino,
que engendra o típico pesadelo. Por isso
mesmo, os homens estariam mais sujeitos a
essa condição.
Outra característica especial do pesadelo,
que o diferencia dos outros sonhos de angústia, é o fato de ser muito vívido e acompanhado de uma forte sensação de
realidade. Isso explica que, no passado, tenha sido atribuído a visitantes noturnos
reais. Jones parte então para uma impressionante e erudita demonstração de sua
tese principal: a de que muitas crenças supersticiosas se originaram do pesadelo.
A eficácia dos pesadelos na gênese de cinco crenças supersticiosas, estreitamente
relacionadas entre si, é examinada. São elas
os íncubos e súcubos, vampiros, lobisomens,
Diabo e bruxas. Desse empreendimento,
que causa uma impressão inesquecível em
quem acompanha seu desenrolar, o que se
depreende de imediato é que Jones está
concedendo ao pesadelo um cunho mais estrutural do que a qualquer outro sonho de
angústia. Ele é típico, e muito esclarecedor
das condições da angústia. É exatamente
por esse viés que Lacan retomará essas elaborações de Jones para formatar a sua versão da angústia como sendo uma resposta
ao desejo do Outro.
Alguns autores consideram que a importância histórica desta obra é que ela é a primeira ocasião em que se propõe que o desejo
incestuoso está na origem de toda a religião
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movimento freudiano de abandonar a explicação econômica da angústia e tomá-la
como sinal do retorno do recalcado.
De acordo com a teoria freudiana dos sonhos como realização fantasmática de um
desejo recalcado, quanto mais intenso for o
conflito, mais a realização onírica do desejo tende a se apresentar de forma distorcida, tornando-se irreconhecível para o
sonhador. Entretanto, não é sempre que o
trabalho de censura ou cifração obtém sucesso. Quando o desejo é especialmente intenso, pode driblar a censura. Nesse caso,
a relação entre a distorção e a angústia
será inversa. Quanto mais o desejo escapou
à distorção, maior a manifestação da angústia que o acompanhará.
Para Jones, o pesadelo é, entre os sonhos
de angústia, aquele que é acompanhado
pela mais intensa angústia. Isso o autoriza
a tomá-lo como uma expressão bastante
clara do conflito em torno do desejo o mais
intenso: o desejo incestuoso. A experiência
clínica mostra que os pesadelos, ao lado da
angústia, não escondem o cunho libidinoso.
Seu tema recorrente é o de um visitante
noturno, um demônio obsceno que se deita
sobre o sonhador para copular. A semelhança desta estrutura do pesadelo com certas
alucinações eróticas, em que os pacientes se
queixam de abuso por parte de figuras que
são tanto atraentes quanto repelentes, não
escapa ao autor.
O conteúdo latente dos sonhos de angústia,
como uma categoria mais ampla, é a realização de um desejo conflitivo porque incestuoso. Mas o pesadelo tem uma posição
singular entre os sonhos de angústia, porque seu conteúdo latente é bastante estereotipado: o coito em uma posição
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(F. J. C., 1932). Efetivamente, Jones chegará
a concluir que as superstições derivadas dos
pesadelos são uma tentativa de lidar com a
realização inconsciente de que as crenças
do cristianismo são baseadas nos desejos
edípicos da humanidade. Já que a solução
que o Cristianismo oferecia para os conflitos derivados do complexo edípico não era
satisfatória, a luta contra os demônios noturnos e contra as entidades dessas superstições tinha de continuar na vida desperta
e na escala social os conflitos subjacentes
ao pesadelo.
Para apoiar sua teoria sexual do pesadelo,
Jones destaca o fato de que o nome científico do pesadelo, na Idade Média, era “incubus”, a mesma palavra que denotava um
demônio que surgia à noite, jogando-se pesadamente sobre o peito das mulheres e as
violando. Os demônios que atacavam sexualmente os homens eram chamados de
“succubi”. Esses seres imaginários são alvo
da projeção dos mesmos desejos eróticos em
jogo nos pesadelos. O mesmo mecanismo
está em jogo com os vampiros e lobisomens,
exceto pelo maior acento, no caso destes
últimos, no sadismo oral. De toda a forma,
a angústia do pesadelo tem esse cunho de
angústia de devoração, de sucumbir tornado objeto do ser que pesa sobre o peito.
No estudo sobre o Diabo, Jones sugere que
inicialmente a divindade tinha aspectos
bons e outros maus. O Diabo seria o resultado da decomposição de uma atitude
ambivalente que levou à criação de uma
deidade boa e outra má. Antes do Cristianismo não havia uma divindade exclusivamente dedicada ao mal, como o Diabo
medieval. No judaísmo, não havia inicialmente Diabo, e nem necessidade para isso,
já que o próprio Deus judaico comportava
aspectos maus: Deus e o Diabo eram uma
mesma divindade.
Com o cristianismo, o Diabo aparece como
a explicação para toda a infelicidade que
habitava o mundo. A divindade voltada para
o mal se tornou necessária pelo fato de que
o desejo por um Pai celestial bondoso coexistia com a persistência da infelicidade
causada pelas pestes e a pobreza. A Igreja
passava por muitas dificuldades, crises internas, escândalos, e atribuir todas as dificuldades ao Diabo era uma forma de
encobrir suas fraquezas. O Diabo medieval,
composto de elementos pagãos, foi uma
crença que a Igreja não tentou destruir,
pelo contrário, encorajou já que lhe permitia atribuir suas dificuldades a uma agência
externa, com que se pudesse lidar.
A repressão pela Igreja de todos os desejos
mundanos, como o desejo de saber, e principalmente a atividade sexual, colocou em
destaque a idéia de pecado. Segundo
Michelet, citado por Jones, o incesto era
muito comum nessa época, e o crime principal cometido no Sabbath das bruxas era o
incesto, doutrina expressa de Satan.
A crença no Diabo durou mais que as outras, observa Jones, mas com menos força
que a idéia de um Deus benevolente. O ódio
que esteve voltado para uma divindade externa, volta-se contra o próprio sujeito, e a
solução para o mal passa a ser a punição
considerada como um meio de aperfeiçoamento. Jones observa que a psicanálise
mostra que essa manobra é perigosa. A hostilidade despertada pela desventura estaria
melhor canalizada se dirigida para um ser
inatingível do que para si mesmo ou para os
semelhantes.
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turna, mas que também representa uma
substituição, segundo a manobra fóbica, da
bruxa pela égua (Lacan, 1957, p. 306).
Ao se referir às duas versões freudianas da
angústia, no seminário de 30 de janeiro de
1963, Lacan endossa a teoria proposta por
Freud, ao diferenciar a angústia que é uma
resposta ao desamparo da criança ao chegar
ao mundo, que caracteriza como perigo original e localiza na dimensão do Real, da angústia sinal. Essa sinaliza um perigo, perigo
que Jones, de quem Lacan elogia o tato e a
boa medida, considera ser constituído pelo
“burried desire”. É o retorno do “desejo enterrado” que é sinalizado com a angústia, e esse
retorno é perigoso. Como em Freud, o que o
sinal de angústia sinaliza é o retorno do recalcado: a irrupção do desejo recalcado, o
desejo do Outro como desejo inconsciente.
Ao longo do seminário “A angústia” Lacan irá
enfatizar o papel do desejo do Outro como
determinante do sujeito. O Outro do desejo
que me determina é vestígio do Outro primordial, específico, que me recebeu nesse
mundo. O desejo do sujeito não tem sua origem no corpo, mas é conformado pelo que
esse Outro para ele desejou. Portanto, a primeira posição do sujeito por vir é a de objeto causa de desejo, posição em que o
desejo do Outro o colocou.
A partir daí, o que se deseja é causar o desejo do Outro, recolocar-se no papel de causa do desejo do Outro. Mas o desejo do Outro
é também o que nos expõe à angústia, como
ilustra Lacan em seu apólogo do louva-deus.
Ao portar uma máscara que não sabe qual
é, e defrontar-se com o louva-deus fêmea,
animal que devora seu macho após o sexo,
o sujeito é tomado de angústia por não saber
que objeto é para ele. O desencadear da angústia sinaliza o desamparo experimentado
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A crença na bruxaria foi também promovida pela Igreja. Os dois principais crimes
atribuídos às bruxas eram ataques à fertilidade e relações sexuais com o Diabo. É o
complexo de Édipo que sustenta a crença na
bruxaria e o ódio, o medo e o ciúme em relação à mulher. O Diabo é o pai, transformado pela hostilidade e rivalidade. O
Malleus Maleficarum, apesar de sua intolerância e crueldade, é considerado por Jones
como uma fonte inestimável para o estudo
dos motivos do medo à mulher.
Para Jones, tanto a teoria do diabo quanto
a do materialismo médico que a substituiu
para dar conta dos pesadelos são expressões da resistência dos homens a reconhecer os processos psíquicos ligados ao
complexo de Édipo. A verdade só chegou a
ser descoberta no início do século XX pela
psicanálise, porque a progressão da humanidade do recalque ao julgamento é longa
(Meyer, 1932).
O livro de Jones teve uma óbvia influência
na teoria da angústia de Lacan, embora o
autor francês estivesse, na época em que
apresentou seu seminário sobre a angústia,
já de posse da segunda teoria freudiana da
angústia, apresentada em 1926, enquanto
Jones não tinha tido acesso a ela por ocasião da primeira publicação dos dois primeiros e mais importantes textos sobre a
angústia que compõem “Sobre o pesadelo”,
ambos anteriores a 1926.
Já no seminário sobre a relação de objeto
8 de maio de 1957, Lacan se refere ao livro
de Jones a propósito do cavalo e de seu papel, como objeto fóbico de Hans e como um
tema preponderante na mitologia, lendas,
contos e no pesadelo. Lembra que
nightmare, pesadelo, quer dizer “égua da
noite”, aparição angustiante da bruxa no-
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ante o enigma que é desejo do Outro.
Algo análogo se dá nos pesadelos, e se expressa muito bem nos exemplos de Jones,
retirados das crendices e superstições. É
exatamente onde Lacan recorre ao livro de
Jones, afirmando que “a angústia do pesadelo é experimentada como a do gozo do
Outro. O correlato da angústia é o íncubo ou
o súcubo (dois tipos de demônios), esse ser
que vos esmaga com todo seu peso opaco de
gozo alheio sobre vosso peito, que os esmaga
com seu gozo” (Lacan, 1997, p. 70 [12-12-62]).
Íncubos e súcubos, mas também vampiros e
lobisomens, são personagens de histórias
em que o sadismo oral e o desamparo ante
a ameaça de devoração estão tão presentes
como na do louva-deus.
Rabinovich (1993) recorre a uma cena do filme “A dança dos vampiros” de Polansky,
para ilustrar a irrupção do estranho. Ele se
dá no momento preciso em que um casal,
que está dançando em um baile, passa em
frente a um espelho e só uma das duas pessoas do par tem sua imagem refletida em
um espelho, como se dançasse sozinha. O
que ocorre neste momento, é que não só
alguém de aparência normal subitamente
se revela como um vampiro, mas que o próprio protagonista que com ele dançava também se transforma, se torna outro: objeto
para ser sugado de seu sangue, alguém que
não mais importa senão como algo a ser
chupado. Todas as imagens que este se dava
de si mesmo já não mais se sustentam ante
isso a que o desejo do Outro o reduziu. Em
todo o pesadelo, que, lembremos, não é
para Jones sinônimo de sonho de angústia,
mas um tipo específico de sonho de angústia, o sonhador está na posição de objeto a
serviço do gozo do Outro, sem que sua condição de sujeito sequer venha ao caso.
Por traz do gozo do Outro, sempre se pode
entrever o desejo do Outro (Rabinovich,
1994). A fantasia é o que o sujeito oferece
como resposta ao desejo do Outro, para não
ter que responder a esse desejo com seu
próprio “ser de objeto”. O breve momento
em que a fantasia se desfaz, momento do
estranho, é um momento de angústia porque provoca a oscilação das referências em
que o sujeito costuma se apoiar.
É essa experiência fugaz, em que “a falta
falta”, que Lacan promoverá em seu seminário. A função da falta está diretamente ligada à abordagem lacaniana da angústia. Essa
falta é constitutiva do sujeito, uma falta de
estrutura. Lacan qualifica de radical, a falta constitutiva da subjetividade, ela não
está sujeita a uma suspensão efetiva.
O que se dá é um efeito que resulta de se
poder vislumbrar algo que costuma estar
encoberto por uma ilusão. A ilusão que resulta da imagem especular é do sujeito
transparente a si próprio. A determinação
que incide a partir do campo do Outro e nos
constitui costuma, em grande parte, ser ignorada. O fenômeno do estranho é justamente a aparição do objeto que faz
balançar essa ilusão, levando o próprio sujeito a vacilar. Ocorre quando algo mobiliza
um investimento primitivo do corpo que ficou de fora como um resíduo na constituição da imagem especular. Em seu texto de
1919, Freud havia caracterizado o estranhamento exatamente como um momento em
que o que deveria ter ficado escondido se
manifestou. Mas é fugidio, esse momento. É
no romance e na obra de arte que nos recomenda buscar entender melhor o estranhamento, porque é justamente nesse
território que aparece tingido de cores mais
fortes. Nesses momentos de estranhamen-
voca. Projeção do desejo sobre o ser imaginário, incubo ou súcubo, mas também desejo
moldado pelo desejo materno que esteve no
início: o de reintegrar seu produto.
Não é à toa que a formidável angústia que
acompanha o pesadelo não seja a angústia
sinal, como a que comparece em outros sonhos de angústia, mas sim angústia traumática e vivência de completo desamparo. É
por essa sua posição de limite, de desmesura, que o pesadelo pode nos esclarecer sobre a dinâmica da angústia.
Referências
F., J. C. On the Nightmare . International
Journal of Psycho-Analysis, 13, p. 225-31, 1932.
HARARI, Roberto. O seminário. A angústia de Lacan – Uma introdução. Porto Alegre: Artes e
Ofícios, 1997.
JONES, Ernest. The Early Development of Female
Sexuality. International Journal of PsychoAnalysis, 8, p. 459-72, 1927.
_____ (1931). On the Nightmare. New York:
Liveright, 1971.
LACAN, Jacques (1956-1957). Le Seminaire livre IV.
La Relation d´objet. Paris: Seuil, 1994.
_____ (1962-1963). A angústia. Recife: Centro
de Estudos Freudianos de Recife, 1997.
M EYER, Monroe. A. Nightmare, Witches and
Devils. Psychoanalitic Quarterly, 1, p. 171-6, 1932.
RABINOVICH, Diana. La Angustia y el Deseo del
Outro. Buenos Aires: Manantial, 1933.
ZETZEL, Elizabeth. Ernest Jones: His Contribution
to Psycho-Analytic Theory. International
Journal of Psycho-Analysis, 39, p. 311-8, 1958.
Artigo recebido em agosto de 2004
Aprovado para publicação em janeiro de 2005
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to não é a angústia traumática que costuma
comparecer como alguns autores erroneamente indicam (cf. Harari, 1997, p. 65-6),
mas a angústia sinal; sinal do retorno do recalcado. A angústia traumática é a que comparece nos pesadelos, deixando o sonhador
petrificado e estarrecido.
A aphanisis do sujeito está intimamente ligada à problemática da angústia, na medida em que é esta que sinaliza sua
constituição inaugural pelo Outro, os traços
e vestígios desse processo, e também sua
determinação pelo Outro a cada momento
da vida. O termo “Outro” em Lacan tanto
designa o Outro social, com que me encontro na polis, quanto um Outro que é herança das marcas deixadas pelas experiências
da infância, as experiências que constituíram o sujeito. Em sua ênfase no inconsciente como trans-individual, Lacan pontua seu
seminário com lembretes de como a angústia com que lidamos na clínica é uma angústia da qual não podemos nos excluir, já que
é uma angústia que provocamos, com a qual
temos uma “relação determinante” (Lacan,
1997, s. 12.12.62).
Não é só o texto de Jones sobre o pesadelo, como paradigma da angústia traumática,
que ilumina a teoria da angústia de Lacan,
mas a própria concepção de aphanisis encontra um lugar privilegiado nessa teoria.
Vimos que a situação traumática, para Lacan, é ser reduzido à posição de objeto pelo
desejo/gozo do Outro. A ameaça de
aphanisis, cuja tradução clínica mais aproximada com a qual nos deparamos, segundo Jones, são “pensamentos de castração e
morte (temor consciente à morte e desejos
inconscientes de morte)” (Jones, 1927, p. 460),
é a ameaça de morte psíquica, de apagamento do sujeito, e é isso que o incesto con-
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