MST: NOVO OLHAR SOBRE SUA IDEOLOGIA, SUAS PRÁTICAS E A
EDUCAÇÃO.
BACK, Alfredo
FERNANDES, Helena Costa
SOUZA, Adriana Martins1
Introdução
Neste artigo procuramos analisar as características dos movimentos sociais,
especificamente o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra), que tem como
objetivo principal de suas lutas, a transformação social. O movimento se destaca por buscar: a
reforma agrária, cidadania e soberania igualitária, valorização do ser humano, e transformação
da educação.
O desenvolvimento do trabalho fundamentou-se em conceituar movimento social em
âmbito geral. Após essa conceituação, inserimos como nosso objeto de estudo o MST. Assim,
falaremos sobre a visão externa e interna sobre o movimento, destacando suas ideologias,
educação, práticas, articulações internas e externas, conquistas e derrotas.
É relevante dizer que o MST, foi fundado em janeiro de 1984, no município de
Cascavel–PR. Esta data foi um marco para o início da construção de um movimento a nível
nacional, cuja estratégia de resistência da luta camponesa ficou definida como “ocupação de
terras”. Atualmente isso ainda é evidente. O movimento é hoje importante na questão de
enfrentamento ao capitalismo e de formação de um processo de formação humana apoiados à
uma educação transformadora.
Foi necessário realizar uma Pesquisa de campo. Para tal, escolheu-se o Acampamento 1º
de Agosto, localizado na BR 277, km 571, Fazenda Cajati, na cidade de Cascavel – PR. Foi
possível concretizar a pesquisa por intermédio de Sandra Scheeren, moradora e representante do
Acampamento.
Foram desenvolvidas pesquisas bibliográficas com autores renomados nesse assunto,
citados no decorrer do texto. Ressaltamos que, fez-se necessário também apoiarmos em
informações obtidas na entrevista realizada com Sandra Scheeren.
Conceituação de Movimento Social
Segundo Gohn (1997), há algumas características e particularidades que servem para
identificar o que seja um movimento social. A autora também retrata algumas diferenças de
movimento social em relação a outras instâncias que se apresentam em nossa sociedade.
1
Acadêmicos da 3ª série do curso de Pedagogia – Noturno (2007), da UNIOESTE (Universidade Estadual do
Oeste do Paraná). [email protected]; [email protected]; [email protected].
Uma primeira diferenciação que deve ser feita é quanto a movimento social e grupo de
interesse. Ambas as caracterizações tem interesses comuns de grupo. Entretanto, um grupo de
interesse tem interesses comuns, mas não se qualifica como um movimento. O interesse em
conjunto é uma característica dos movimentos sociais, mas não basta para qualificá-lo. Existem
ainda outras propriedades que devem ser satisfeitas.
O movimento social tem um modo de ação coletiva. Aqui cabe, todavia, diferenciá-lo de
outras entidades sociais que também primam pela ação coletiva. Assim, por exemplo, um lobby
para a aprovação de uma determinada lei no congresso tem a característica de ser uma ação
coletiva. Também tem interesses comuns, mas não é um movimento. O movimento é um
fenômeno de opinião de uma massa lesada, mobilizada em contato com as autoridades.
Uma característica importante de um movimento é o fato de ser um espaço nãoinstitucionalizado, nem na esfera privada, nem na pública. O movimento cria um campo político
próprio. Destarte, uma ONG não é um movimento, por ser uma organização institucionalizada.
O movimento se caracteriza ainda por ser uma ação de homens na história. Ele tem uma
ação histórica. Essa ação se realiza tanto no âmbito do fazer, quanto do pensar. O fazer é o
conjunto de procedimentos e ações realizados pelo movimento. O pensar é o conjunto de idéias
que dão suporte, fundamentam e motivam esta ação.
Outro fator que pode ser usado para atribuir o termo movimento é a categoria da força
social. Um movimento tem força social. Essa força social advém de demandas ou reivindicações
concretas por parte dos integrantes do movimento. Assim sendo, tem-se uma massa lesada que
tem uma necessidade específica. Essa necessidade cria uma demanda. A partir desta demanda,
essa massa se mobiliza e faz reivindicações concretas, caracterizando um movimento.
Cabe ainda ressaltar que os movimentos sociais não são instâncias de classe e sim de
grupo. Eles podem aparecer em vários segmentos da sociedade. Seus atores podem ser da classe
dominada, bem como da classe dominante.
Visão Externa do MST - Opositores
Quando a autora Maria da Glória Gohn fala sobre os opositores dos movimentos sociais,
ela deixa claro que estes não são necessariamente inimigos do movimento. Os opositores são, na
verdade, as pessoas que detêm o controle dos bens demandados pelo movimento, ou seja, opositor
é aquele que tem aquilo que o movimento reivindica. (GOHN, 1997, p. 262)
No caso específico do Movimento Sem-Terra, estes opositores são os capitalistas, como
fica claro numa das falas colhidas em nossa visita: “um empresário que tem uma boa renda, vive
bem, não enxerga como nós, ele é um tipo de opositor” 2.
Em nossa sociedade, os opositores são os detentores dos meios de produção, dos meios de
comunicação, do saber, os proprietários de terra, em suma, os donos do capital. O Movimento
Sem-Terra procura acabar com os dois latifúndios estabelecidos, o do capital e o do saber.
O Movimento busca uma melhor distribuição dos bens socialmente produzidos, mas
apropriados individualmente. Dos grupos citados, podemos mesmo identificar uma relação de
franca oposição ao MST. Vê-se isso mais claramente na posição da mídia, em suas diversas
formas de apresentação, seja televisiva, seja em forma escrita. Ela defende os interesses da classe
dominante. Em nossa região podemos citar o exemplo de meios de comunicação de massa por
nós conhecidos, que se opõe abertamente ao Movimento, se caracterizando mesmo por adotar
uma posição antagônica a este.
Visão Interna do MST
A Ideologia do Movimento
Para explicitar as ideologias do Movimento, buscou-se subsídios em BOGO (2002).
Assim, o conjunto de crenças, valores e idéias que fundamentam as reivindicações do MST pode
ser definido pelo que o Movimento chama de mística. A mística é uma espécie de “preparação
para a transformação” e acontece antes de cada estudo, de cada reflexão nos setores, de cada
formação dos integrantes do Movimento. É um momento de prestar homenagens e reavivar a
memória dos que deram a vida pela causa do Movimento, de sonhar com a terra e com a
sociedade almejada. É um conjunto de práticas, sentimentos, motivações. Por vezes, bastante
subjetivos.
Os objetivos maiores do MST são a reforma agrária e a implantação da sociedade
socialista e igualitária e, com o intuito de atingi-los, o Movimento desenvolve a mística, para
“materializar” e motivar o militante para a “luta”, até a conquista da terra e da sociedade
almejada. Segundo BOGO (2002, p. 17 e 18):
...a utopia segue caminho inverso dos passos, pois, quando ela é imaginada, foge e vai à
frente, até o lugar aonde se quer chegar. O lugar é o objetivo que vem de encontro a
quem caminha.
Este “imaginar” se torna a prática: na formação política, na organização da luta, na
marcha, no alinhamento das barracas.
2
- Trecho da entrevista com Sandra Scheeren.
Dentro do Movimento, a mística está presente em tudo. Existe a cultura e a mística da luta
e também a cultura do não lutar e submeter-se, aguardar. Desta última, derivam a política de
interesses - os oportunistas - e a alienação, que nada mais é do que um modo de submeter-se e
refugar a transformação. Para o MST, o sistema capitalista, através das organizações políticas e
sociais, é mestre em alienar as massas sob o pretexto de aprofundar a democracia.
Um revolucionário é conhecido por sua consciência social e por saber qual é sua função
social. Para ele, viver é mais que respirar cadencialmente: é um dever social. A causa é a razão
pela qual os integrantes do MST vivem e lutam: quem não tem causa, não tem sentido para se
organizar e aceita a dominação sem reclamar.
As pessoas, hoje, estão se tornando “seres privatizados”: estão cada vez menos solidárias,
menos interessadas nas causas coletivas e menos mobilizadas para as questões maiores. Não se
preparam mais para conviver, mas sim para competir e “tomar” espaços uns dos outros. Há os que
se aliam aos dominadores para se manterem na condição de dominados. Em lugar de lutar para
eliminar a exclusão, lutam para mantê-la. As causas tornam-se mesquinhas e individualistas.
Torna-se necessário, então, a formação para todas as idades, visto que dela depende a
sobrevivência da causa.
O Movimento crê que se mantém vivo porque suas raízes não estão plantadas somente
numa forma de ação, mas em muitos outros elementos subjetivos, pois somente a decisão política,
o método e a vontade, não fazem um movimento. É preciso fazer o indivíduo compreender,
adquirir consciência histórica, conhecer sua própria origem: porque somos um povo de diferentes
raças, porque temos a cor da pele matizada, um povo que aprecia carnaval e festa junina. Somente
adquirindo essa consciência histórica é que o indivíduo sentirá orgulho de fazer parte dessa
diversidade e perceberá a coletividade como patrimônio. A consciência deve ser desenvolvida em
todos os níveis.
É preciso dominar o conhecimento jurídico e dos direitos, pois estes estão sempre a
serviço da classe dominante, legitimando as injustiças. No sistema capitalista que está posto, o
indivíduo é criado para ser consumidor e não cidadão. É criado para “lutar para garantir o direito
ao trabalho”, ou seja, não reivindicar ao capital senão o direito de ser explorado por ele, enquanto
que o Movimento luta pelo direito ao trabalho na agricultura, mas, em primeiro lugar está o povo,
depois a terra e as sementes.
Um povo faminto, sem trabalho, sem educação, sem casa para morar, é um povo
abandonado pelos governantes. Assim, respaldado em Marx, o Movimento entende que “um
Estado, seja ele qual for, não poderá ser livre e nem popular. É necessário, então, destruí-lo e
reconstruí-lo de outra forma”.
Além da consciência, deve-se desenvolver no homem a generosidade: os inimigos devem
ser tratados como inimigos, mas não pelos mesmos métodos. Filhos de gente pobre - os policiais assumem a condição de opressores e destroem e incendeiam para que restem apenas lembranças e
o medo. É necessário compreender tudo isso para não se tornar opressor, torturador, destruidor e
agente da violência.
Existem os componentes místicos da vida no campo. O sentimento de pertença é um
deles. Visa proteger a convivência, os costumes, etc. A estrada na roça é uma só: todos
compartilham e se solidarizam uns com os outros. Esse sentimento de pertença está sendo
ameaçado pelo desenvolvimento tecnológico. (BOGO, 2002. p.113 à 115)
Outro componente da vida no campo é a contemplação. Quem lida com a terra aprende a
respeitá-la e preservá-la. Tudo é espera e contemplação. A vida se move em ciclos, mas o
contemplar significa, também, observar o mundo, discordar e se propor a reconstruí-lo de outra
forma.
Na cultura dos povos orientais, o ato de plantar simboliza o ato sexual. A metáfora que
há nessa relação é que o arado representa o pênis masculino; o sulco aberto por ele, a
vagina da mulher.
Não se pode apressar o ciclo da gestação; a natureza não aceita. (BOGO, 2002, p. 117)
Porém, o autor acrescenta, a ganância tem pressa em produzir cada vez mais, para
aumentar o lucro. Encurtam-se ciclos; a chocadeira substitui a choca; a inseminação, o macho
reprodutor; os venenos substituem as fases da lua, pois os insetos serão mortos pela química.
Os símbolos no MST têm uma importância muito grande para a manutenção do
Movimento. Ultrapassam a linguagem do visível porque congregam elementos que misturam
vontades, paixões, crenças, melodias e dão sentido dinâmico à luta. Refletem a realidade formada
na imaginação e, por isso, precisam de profunda compreensão e respeito por parte dos integrantes
da organização.
A bandeira, por exemplo, não é somente um signo ideológico, tão somente um símbolo de
luta contra o latifúndio. Significa mais do que isso, é símbolo da luta, da esperança, do
renascimento.
O vermelho, numa descrição superficial, significa o sangue que corre nas veias e a
disposição de lutar pela Reforma Agrária e pela transformação da sociedade. No entanto, o
vermelho na bandeira representa ainda muitas outras coisas: é a representação do sol que cede
humildemente o lugar para a lua, imagem feminina, que tem o mesmo tempo e direito que ele
para brilhar. A lua coordena a noite e o sol coordena o dia. A lua faz germinar a semente e o sol as
faz crescer.
O preto representa mais que o luto e a homenagem aos companheiros que tombaram. Ele
é também a representação da noite que envolve e protege para que sejam feitas as reuniões e
ocupações; representa a lona preta dos barracos depois de armada, para nos guardar.
Diante dos símbolos de religiosos, deve-se dobrar o joelho e prostrar-se em sinal de
respeito e devoção. Diante da bandeira, o militante deve ficar em pé, em posição de sentido, com
os calcanhares colados e os pés entreabertos no solo: a espera do passo que leva ao futuro. O hino
deve ser cantado com os punhos fechados, sinal de desobediência à ordem imposta pelo
latifúndio. Assim que terminar de cantar o hino, bater palmas e gritar palavras de ordem, para
confirmar o que foi cantado.
Tão significativa para o Movimento quanto os símbolos, as cores e a utopia é a figura do
argentino Ernesto “Che” Guevara de La Serna3.
Che Guevara é reverenciado pelo MST e sua imagem é tão presente quanto à bandeira do
Movimento. Representa a síntese de um período histórico revolucionário do nosso continente.
Suas idéias e seus ideais, sua prática e, principalmente, seus exemplos, constituem a referência
política do MST.
Para ele “a luta não tinha fronteiras”. Era imperioso obter o poder político e aniquilar as
classes opressoras: “para elevar o nível dos povos subdesenvolvidos, há que se lutar, pois, contra
o imperialismo”. A reforma agrária era o primeiro passo revolucionário, porque cabia ao
camponês não somente a terra que “sobra”, mas principalmente, a que não sobra.
A primeira característica do jovem comunista é a honra que sente por ser um jovem
comunista e o grande senso de dever para com a sociedade que se quer e se está construindo.
Todas as discriminações contra a mulher - pregava ele - deveriam ser varridas, pois não se pode
admitir outro tipo de ditadura que não seja a ditadura do proletariado como classe, e o proletariado
não tem sexo.
O legado de Che é utilizado nas reflexões nos setores do MST: o humanismo; defendia a
prática de que todas as pessoas que pretendiam ser revolucionárias deveriam ter a suficiente
indignação para rebelar-se diante de qualquer injustiça social, sentida contra qualquer ser humano,
em qualquer parte do mundo ou qualquer circunstância; o exemplo do trabalho; desapego aos
bens materiais: o indivíduo não deve se apegar aos bens materiais como se estes fossem “a única
fonte de felicidade”, pois a base da felicidade era o homem ter acesso ao conhecimento, aos bens
culturais, à educação e a uma vida solidária e igualitária.
3
Para apresentar Che Guevara, foi utilizada como referência básica a Cartilha do próprio MST: “Che Guevara
Vive”.
Che Guevara foi preso no povoado de La Higuera, interior da Bolívia, e, em seguida, por
ordens da CIA, foi fuzilado, numa pequena escola rural, no dia 08 de outubro de 1967, aos 39
anos de idade. Não é possível falar do MST sem mencionar Che Guevara. Che é inerente ao
Movimento, assim como a mística.
O projeto sócio-político do Movimento está explicitado em suas práticas e ações. O MST
parte da carência material que é a terra, para a ideologia que é a sociedade socialista. Ele objetiva
a conquista da terra, a conquista de uma nova educação e a transformação da sociedade.
Transformação das condições materiais para poder transformar as condições de vida; acabar com
a exploração da força de trabalho; acabar com o latifúndio da terra; acabar com o latifúndio do
saber, onde poucos conseguem passar na malha fina do ensino superior de qualidade.
Em síntese, o socialismo seria o alcance de todos os objetivos do Movimento: a divisão da
terra e a divisão do conhecimento. Divisão no sentido de para todos igualmente.
Além de estar explicitado nas suas práticas e ações, o Movimento possui um plano de
ação, uma linha política, que consiste em: intensificar a organização dos pobres para fazer lutas
massivas em prol da reforma agrária; construir a unidade no campo e desenvolver novas formas de
lutas. Ajudar a construir e fortalecer os demais movimentos sociais existentes no campo,
especialmente o MPA (Movimento dos Pequenos Agricultores); combater o modelo das elites, que
defende os produtos transgênicos, as importações de alimentos, os monopólios e as multinacionais.
Projetar na sociedade a reforma agrária, para resolver os problemas de trabalho, moradia, educação,
saúde e produção de alimentos para todo povo brasileiro. Realizar debates com a sociedade em
geral, nos colégios, etc. Promover campanhas para evitar o consumo de transgênicos; articular-se
com os trabalhadores e setores sociais da cidade para fortalecer a aliança entre o campo e a cidade,
priorizando as categorias interessadas na construção de um projeto político popular; desenvolver
ações contra o imperialismo, combatendo a política dos organismos internacionais a seu serviço
como FMI (Fundo Monetário Internacional), OMC (Organização Mundial do Comércio), BIRD
(Banco Mundial) e ALCA (Acordo de Livre Comércio das Américas). Lutar pelo não pagamento
da dívida externa. Preparar junto com as demais forças sociais e políticas, uma jornada de lutas,
prolongada e massiva para o primeiro semestre de cada ano.
A Educação e a Escola no MST
Todo o processo dentro do Movimento ocorre de forma a educar indivíduos, isso ocorre
no sentido de Ensino como conscientização, aprendizagem dos indivíduos para a vida social
política. A consciência da necessidade de aprender leva à disposição de estudar, no sentido de
buscar transformar-se enquanto pessoa. Para exercer atividades e tarefas dentro do MST é preciso
dominar habilidades e conhecimentos, valores, a mística e o equilíbrio pessoal. Por isso o
movimento precisa estudar e se aperfeiçoar, tanto no que diz respeito aos valores do MST, sua
história e seus objetivos, quanto à educação formal.
Para obter essa educação precisa-se da Escola, mas não na forma em que ela se encontra,
como meio de reprodução da sociedade capitalista, mas sim como formadora de consciência
crítica. A necessidade do MST em ocupar o espaço da escola é dar a ela novo sentido de
libertação sociocultural. Essa ocupação da Escola tem ajudado o MST a formar sua história.
O movimento tem sua própria Pedagogia e acaba por se tornar o sujeito Pedagógico, pois
vários estudos têm analisado a Pedagogia do MST. Como exemplo, podemos citar Roseli Salete
Caldart, assim como vários outros autores. Ela considera três aspectos básicos no processo
educativo através da história, na formação do ser humano em um ser social, a saber: 1º - A
experiência humana constitui um processo histórico, que educa através dos tempos; 2ª - Uma das
dimensões é a emancipação humana através do desenvolvimento da consciência histórica; 3° - A
compreensão da História e de sua dialética como ação educativa nas possibilidades de formação
humana.
Os elementos culturais nas relações pedagógicas é um dos aspectos mais valorizados
dentro da educação no MST. Como princípio pedagógico segue-se Paulo Freire e seus conceitos
de educação, como princípio educativo dentro do MST, como educação popular.
O marco cronológico em que se inicia o processo de criação do Setor de Educação do
MST, a nível nacional, foi o Encontro Nacional de Professores de 1987. Dez anos após este, outro
evento marca a história da Educação no MST, o I Encontro Nacional de Educadores e Educadoras
da Reforma Agrária (I ENERA), que aconteceu em Brasília, de 28 a 31 de junho de 1997. Neste
segundo evento é que se dá o processo da Proposta Pedagógica do MST, que não é apenas o
acesso a Escola, mas o direito de constituí-la como parte da identidade do movimento.
A Escola torna-se, então, aparelho para a continuação do MST, através das novas
gerações. Para tal é necessário a organicicidade da educação. Destarte, surge dentro do MST o
Setor da Educação, em meados de 1988. Sua principal função é articular e potencializar as lutas e
experiências educacionais dentro do movimento. A partir dessa conquista veio uma segunda
etapa, a elaboração teórica coletiva da Proposta Pedagógica do MST. Foi então lançado o desafio
de se escrever essa proposta. O primeiro texto foi elaborado em 1991, passou por cinco versões,
antes de ser editado, em forma de cartilha, o mesmo ocorrendo com os demais textos.
Nessa produção coletiva são elaborados os objetivos e princípios da educação no MST.
Com relação ao magistério, a capacitação formou até 1999, sete turmas. Parte-se então para a
formação a nível superior, com o Curso Superior de Pedagogia em parceria com universidades
como a Universidade Estadual de Mato Grosso, a de Egeu no Rio Grande do Sul e a Universidade
Federal no Espírito Santo, formando em torno de duzentos educadores a nível superior até 2005.
Como exemplo mais local tem-se o curso Pedagogia do Campo - UNIOESTE, em Francisco
Beltrão.
Quanto à Teoria Educacional, o MST tem seus Princípios Filosóficos e Princípios
Pedagógicos. Os Princípios Filosóficos são cincos: Educação para a Transformação Social;
Educação para o Trabalho e a Cooperação; Educação voltada para as várias dimensões da pessoa
humana; Educação para Valores Humanistas e Socialistas; Educação como Processo Permanente
de Formação e Transformação Humana. (Caderno de Educação nº 8, p. 6 à 10)
Quanto aos Princípios Pedagógicos, são treze: Relação entre Teoria e Prática;
Combinação Metodológica entre o Processo de Ensino e de Capacitação; Realidade como Base da
Produção do Conhecimento; Conteúdos Formativos Socialmente Úteis; Educação para o Trabalho
e pelo Trabalho; Vínculo Orgânico entre Processos Educativos e Processo Políticos; Vínculo
Orgânico entre Processos Educativos e Econômicos; Vínculo Orgânico entre Educação e Cultura;
Gestão Democrática; Auto Organização dos Estudantes; Criação do Coletivo Pedagógico e
Formação Permanente dos Educadores; Atitudes e Habilidades de Pesquisa; Combinação entre
Processos Pedagógicos Coletivos e Individuais. (Caderno de Educação nº 8, p. 11 à 24)
A Educação no Acampamento 1º de Agosto tem uma Pedagogia própria, voltada para a
realidade local. O governo não interfere, porém a escola é estadual com relação à documentação.
No início a proposta era de uma parceria, entre o Governo e o MST, que ficou apenas no papel,
pois a única parte que o Estado contribui foi com os “eternits” para a Escola. Isso ocorreu apenas
após dois anos de funcionamento da Escola, que era então coberta com lona. Existem professores
contratados e professores não-contratados. Eles são em geral pessoas que comungam dos mesmos
ideais do MST. Todos moram no acampamento e os professores contratados repartem os salários
de forma igual com os demais professores.
O nome da Escola é Zumbi dos Palmares 1. A educação é a nível de educação infantil a
2°grau. Possui quinhentos e trinta alunos, são dez salas, contando com o barracão e a secretaria. Tem
ainda duas turmas que funcionam em Santa Tereza. Conta também com o EJA, Educação de Jovens e
Adultos, que são três turmas e funcionam à noite.
O método utilizado para a educação é o Método Paulo Freire, mas se faz presente no
acampamento um professor cubano que irá dar formação para os professores sobre o método
otimizado em Cuba. Este é mais rápido, porém é uma alfabetização mais mecânica, eles
pretendem aliar os dois métodos, para que a alfabetização seja mais rápida sem deixar de ser
crítica.
Quanto a interrupções de dias letivos, para cursos de formação para os professores, são
repostos tanto em fins de semana, como por atividades que os educandos realizam fora de sala de
aula, como atividades artísticas e artesanais e junto aos grupos de ciranda.
As Cirandas são grupos de atividades pedagógicas e recreativas voltadas a crianças e
adolescentes. Estes geralmente são os filhos das pessoas encarregadas da educação (direção,
professores, cozinheiras, pessoal da limpeza) e que trabalham cuidando da educação dos filhos
dos acampados e não tem com quem deixar os seus filhos. As pessoas que trabalham nas Cirandas
são escaladas em forma de rodízio. Para executar esses trabalhos recebem uma capacitação e
estudos. São acompanhados sempre por um profissional na educação. A alternância do
profissional também é feita em forma de rodízio, junto aos demais colegas. São feitos
intercâmbios de estudantes com países que tenham a mesma linha de pensamento que o MST, por
exemplo, há dois jovens cursando medicina em Cuba.
Através da análise científica de CALDART (2004), percebemos que a Educação acontece
dentro do acampamento em um sentido geral e contínuo, em todas as atividades. Pode ser na sala
de aula, na roça, no barracão de reciclagem, na manipulação dos remédios ou nas discussões
coletivas. Assim como é preciso às crianças e adultos aprenderem a ler e escrever, é necessário
também aprenderem a terem consciência crítica, a viverem em comunidade, a respeitarem o seu
igual. Porém, antes de tudo é necessário, ao indivíduo que quer aprender uma transformação
individual, libertando-se dos falsos valores capitalista, primeiramente aprendendo a viver no
coletivo.
Práticas
São muitas as práticas do MST no Brasil. Podemos citar passeatas, manifestações em
praças públicas, congressos, seminários, ocupação de uma determinada repartição pública,
ocupação de empresas privadas, ocupação de sedes do INCRA, bloqueio de BR, apóiam outras
classes de trabalhadores, como por exemplo: caminhoneiros e professores da rede pública ocupam
provisoriamente pedágios liberando o tráfico dos automóveis.
O movimento social MST realiza uma “Marcha nacional” normalmente a cada 4 ou 5
anos, ou de acordo com o que esta ocorrendo no contexto sócio-político econômico, para
reivindicações e de ordem política e social. A marcha é uma caminhada que se faz, parando nas
cidades, fazendo um debate com o povo, e geralmente tem-se um grande objetivo e um lugar
determinado para o término da marcha. Participam desta marcha vários grupos, de forma
organizada, as famílias entre si decidem quem vai à marcha. A estrutura de apoio para a
caminhada é itinerante. A cozinha vai em uma carreta, antes para o local, aonde a caminhada vai
parar para o almoço, estudos e discussões. A marcha também acontece para protestar, como
exemplo pode-se citar os assassinatos ocorridos em Eldorado dos Carajás, cujo destino dessa
marcha foi Brasília.
No acampamento 1º de Agosto eles partem das primeiras ações, que são os encontros de
formação, que acontecem nos núcleos. Nesses encontros são feito estudos para conscientizar e
aculturar os acampados, promovendo a continuidade e força do movimento, pois é a partir desses
pequenos encontros que se formam os grandes grupos.
Articulações Internas
O Acampamento 1º de Agosto, assim como outros acampamentos, possui articulações
entre seus setores, brigadas e núcleos. É composto de 750 famílias, que são divididas em 12
brigadas: cada qual com 60 famílias. As brigadas por sua vez se dividem em 05 núcleos com 12
famílias em cada um. Em paralelo existem os Setores, que são as funções exercidas dentro do
acampamento. São doze no total: Coordenador; Coordenadora; Frente de Massa; Infra-estrutura;
Formação, em âmbito geral; Finanças; Disciplina ou segurança; Saúde; Higiene; Alimentação;
Comunicação e Educação na Escola.
Conquistas e Derrotas
Outro ponto significativo para um movimento social são suas conquistas e derrotas.
Ambas delimitam suas ações, bem como são fatores importantes para se entender o movimento e
também suas idas e vindas. Estas conquistas e derrotas estão “intimamente associadas a questões
de natureza interna (tipo de articulação, forma de condução do movimento, tipo de relação
entre base-assessoria-liderança etc.) e às questões externas, de ordem da conjuntura política e
socioeconômica do país”. (GOHN, 1997, p.263)
Refletindo sobre a dinâmica dos movimentos, em relação às conquistas, Gohn destaca
que, “uma vez tendo alcançados os objetivos, o movimento se arrefece, se acomoda”. Quanto ao
Movimento Sem-Terra, poderíamos dizer que, quando ocorre o assentamento das famílias, se
alcançam alguns dos objetivos do movimento, é uma conquista importante para eles. Entretanto,
este fato não faz com que a luta destas famílias termine. Mesmo depois de terem sido assentadas,
elas continuam fazendo parte do movimento, participam da luta pela transformação social. Sandra
Scheeren diz que “cada conquista é considerada uma grande conquista, a conquista da terra, das
escolas” 4.
4
Trecho da entrevista com Sandra Scheeren.
CONCLUSÃO
Faz-se necessário, mencionar que este trabalho foi realizado para a disciplina de
Sociologia da Educação, da UNIOESTE, no ano de 20065. Assim, é de suma importância fazer
algumas considerações quanto ao caráter do trabalho, bem como uma vinculação com a disciplina
motivadora do estudo. Para tal, será feita uma vinculação com os estudos realizados na matéria.
Um dos textos abordados durante o estudo da disciplina foi o da Fábula dos Porcos. Este
texto aborda substancialmente a questão da transformação. Ele discorre sobre um método
encontrado para assarem porcos. Ao longo do texto, porém, surgem questionamentos quanto a se
essa é a melhor forma ou não para se assarem porcos. Temos, em forma metafórica, a clara
contraposição da questão da coragem para a mudança, para a realização da transformação, e a
manutenção do sistema como se encontra. A mesma temática é abordada por Brecht, lançando o
questionamento da validade ou não da transformação.
A partir de uma leitura de Sztompka podemos retirar a categoria dos atores sociais dentro do
MST. Os atores que se visualiza, primariamente, no MST são os atores da primeira categoria
definida por ele, ou seja, as pessoas comuns. O movimento se constitui de uma massa de pessoas
comuns que realizam ações políticas e ações coletivas. Sua força esta na coletividade, no número.
Estes atores agem na estrutura, buscando a mudança desta. Ocorre ainda a ação do MST em
ações dirigidas a outros agentes. Vemos esta forma de atuação na educação e na conscientização
realizado por ele. O MST faz história de forma coletiva, como massa. Não obstante, podemos ainda
identificar a atuação de lideranças dentro do Movimento.
Analisando a contribuição que este estudo prático possibilitou para um melhor
entendimento de Tocqueville e Durkheim, podemos verificar que ambos são defensores da
manutenção do status quo. Tocqueville prega a conservação da sociedade como se apresenta em sua
época. Ele aponta para o fato de se fazer algumas alterações no sistema, para que ele pudesse
subsistir, para que a massa popular não realizasse uma revolução6. Em contrapartida a este tivemos
o estudo de Marx e Lênin, que pregam a mudança, a transformação social.
O ideário defendido por Marx e Lênin é o mesmo defendido pelo MST. Assim como estes
autores pregam a mudança social e o socialismo, assim também o Movimento os prega. Estes
autores são lidos e são analisados dentro do contexto atual. É feita uma adaptação destes à realidade
de hoje. Se assim não fosse, seriam apenas palavras mortas, fora de sua época e fora de seu
contexto. O próprio Marx e Engels, no Manifesto Comunista, fazem a mesma adaptação para o
5
Agradecimentos à Professora Simone Sandri - docente de tal disciplina - que nos subsidiou na elaboração do
trabalho.
6
Revolução essa apontada em seu discurso, e que realmente veio a ocorrer pouco depois deste ser proferido.
contexto específico de cada país. Pode-se perceber isso claramente nos prefácios para as várias
edições do Manifesto.
Durkheim vê a sociedade como local de consenso, como sociedade harmônica, como uma
sociedade perfeita. Dentro deste contexto ele discorre sobre o caráter social da educação. Esta serve
para adequar o indivíduo à sociedade. Visto ser ela perfeita, deve se garantir de todas as formas que
essa adequação ocorra dentro dos interesses do Estado, que tem um papel regular e de fomentar
desta educação.
Em contrapartida a esta educação, vemos a educação no MST, que busca a conscientização
dos indivíduos, para que eles possam assumir um papel crítico, não sendo apenas “marionetes” nas
mãos das classes dominantes. No Movimento, a educação tem caráter social, é feita para todos e por
todos, não apenas por alguns interessados na manutenção da ordem estabelecida.
Fiod destaca a educação como reapropriação do saber. Ela diz que os “desempregados, os
miseráveis, os nômades que vagueiam pelo mundo, enfim, os excluídos modernos de quaisquer
relações sociais constituem indícios do quê? Em história existem possibilidades. A revolução é uma
delas, assim como a barbárie” 7.
Vemos, então, que há dois caminhos a serem seguidos. O MST claramente escolhe o
caminho da transformação social. Ele congrega estes excluídos de nossa sociedade e busca uma
mudança para que se possibilite uma melhor qualidade de vida a todos.
Ainda quanto à questão da transformação social, cabe falar da questão de um dos métodos
utilizados pelo Movimento, as ocupações. Dentro da lógica da sociedade capitalista, onde a
propriedade privada é de suma importância, é crime a ação adotada pelo MST. Contudo, dentro de
uma ótica socialista, é crime a apropriação dos bens produzidos em sociedade por alguns poucos,
sendo que a grande maioria não se beneficia destes. Destarte, a propriedade privada deve ser
substituída pela propriedade grupal, pela propriedade social. É necessário fazer a pergunta: Que
sociedade queremos? Dependendo da resposta a esta pergunta é que se pode identificar qual das
duas posturas é realmente criminosa e qual não.
A realização deste estudo foi bastante válida dentro do bojo da disciplina, pois foi possível
unir os dois âmbitos de estudo, a teoria e a prática. Através deste estudo prático foi possível observar
as teorias estudadas e também fazer questionamentos e relações quanto à sociedade em que
vivemos. Na educação, teoria e prática devem andar de mãos dadas, uma estimulando e
questionando a outra, para que possamos ter assim uma educação realmente plena e formadora do
indivíduo como verdadeiro ser humano.
7
- FIOD, Edna Garcia Maciel, op. cit., p. 106.
REFERÊNCIAS
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Infantil. Brasil, 2004.
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Teatro Completo em 12 volumes. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1988.
CALDART, Roseli Salete. Pedagogia do Movimento Sem Terra. 3ªed. São Paulo:
Expressão Popular, 2004.
CALDART, Roseli Salete, BUZANELLO, Zenaide. Caderno de educação nº 8 - Princípios
da Educação no MST. 3ªed. Rio de Janeiro, 1999.
DURKHEIM, Émile. Educação e Sociologia. São Paulo: Melhoramentos.
FIOD, Edna Garcia Maciel. Politecnia: A Educação do Molusco que Vira Homem. In:
AUED, Bernardete Wrublevski (org.). Educação para o (des)emprego. Petrópolis:
Vozes,
1999.
GOHN, M. G. Uma Proposta Teórico-Metodológica para a Análise dos Movimentos
Sociais na América Latina. In: GOHN, M. G. Teorias dos Movimentos Sociais.
São
Paulo: Loyola, 1997.
MARX, K. & ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. 1947.
LÊNIN. As Classes Sociais e o Estado. In: LÊNIN. O Estado e a Revolução. São
Paulo:
Hucitec, 1978.
SZTOMPKA, Piotr. A História como Produto Humano. In: SZTOMPKA, Piotr. A
Sociologia da Mudança Social. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.
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MST: NOVO OLHAR SOBRE SUA IDEOLOGIA, SUAS