UM ESTUDO DA AVALIAÇÃO EM RESENHAS NÃO-ACADÊMICAS Socorro Cláudia Tavares de Sousa - Doutoranda em Lingüística pela UFC ([email protected]) Dra. Maria Elias Soares – Prof. Da UFC ([email protected]) RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo investigar os padrões de avaliação utilizados em resenhas não-acadêmicas. Para tanto, analisamos um corpus constituído de quarenta exemplares de resenhas publicadas em jornais e revistas brasileiras no período de 2006 a 2008. Realizamos uma análise de natureza quantitativa, utilizando o aparato teórico da Teoria da Valoração que é composto de diferentes dimensões semânticas para a análise da avaliação. Os resultados demonstraram que as resenhas materializam uma diversidade de recursos avaliativos, mobilizando as categorias do afeto, do julgamento e da apreciação. Dentre essas categorias, as resenhas apresentaram uma maior recorrência de apreciação da obra do que julgamento do autor. PALAVRAS-CHAVE: resenha, avaliação, apreciação, julgamento. ABSTRACT: This paper aims to investigate the standards of appraisal used in non-academic reviews. Thus, we analyzed a corpus of forty reviews published in Brazilian newspapers in the period from 2006 to 2008. We performed a qualitative analysis and used the theoretical apparatus of the Appraisal System Theory that is composed by different semantic dimensions for the appraisal analysis. The results showed that the reviews materialized a variety of appraisal resources, involving the categories of affect, the judgment and the appreciation. Among these categories, the reviews had a higher recurrence of appreciation of the object content than judgments about the author's. KEY-WORDS: review, appraisal, appreciation, judgment. 1 INTRODUÇÃO O estudo da avaliação em Lingüística pode ser realizado a partir de diferentes perspectivas, Hunston e Thompson (2003) ilustram uma visão multiforme desse fenômeno no livro Evaluation in text: authorial stance and the construction of discourse. Algumas dessas abordagens compreendem a avaliação como uma função da oração (HOEY, 2003); como um mecanismo para estabilizar a coesão e a coerência textuais, materializando ao mesmo tempo funções informativas, interpessoais e lógico-textuais (THOMPSON; ZHOU, 2003); como um sistema de opções lexicais constituindo uma pequena cadeia de categorias de reações (MARTIN, 2003); dentre tantas outras 1 . Na presente pesquisa, utilizaremos a perspectiva teórica desenvolvida por White (2000, 2001), por Martin (2003) e por Martin e White (2008) que está ancorada nas bases epistemológicas da Lingüística Sistêmico-Funcional. Nessa esteira, a linguagem é concebida como um sistema de possibilidades que está instanciada em textos. Esses textos variam e utilizam um cenário de opções de linguagem disponíveis que, por sua vez, estão condicionados aos elementos do contexto social. Essa percepção vai ao encontro do objetivo deste artigo que é investigar os padrões de uso dos recursos avaliativos em resenhas nãoacadêmicas. Partimos do pressuposto de que “a língua traduz elementos do contexto social e é por esta retraduzida” (VIAN JR; LIMA-LOPES, 2005, p. 30). Nesse sentido, as variações dos textos que são denominados resenhas refletem e refratam as crenças e valores das diferentes comunidades que as utilizam. Assim, as resenhas publicadas em jornais têm especificidades que as diferenciam das resenhas publicadas em revistas acadêmicas. Neste artigo, buscaremos captar essa relação entre gênero e campo a partir do enfoque do fenômeno da avaliação. Convém destacar que apesar de utilizarmos um aporte teórico que se desenvolve no seio da Lingüística Sistêmico-Funcional, este trabalho se insere na área de Análise de Gêneros na medida em que ao buscarmos identificar o estilo da linguagem avaliativa em resenhas nãoacadêmicas, estamos, de alguma forma, descrevendo elementos lingüísticos que constituem o gênero ao mesmo tempo em que ampliamos as pesquisas desenvolvidas na área que, em geral, 1 Destacamos que as diferentes abordagens apresentadas por Hunston e Thompson (2003) representam apenas uma das correntes que concebem a avaliação a partir da perspectiva do usuário da linguagem. Outras tradições lingüísticas tratam a avaliação como “modalidade”, “evidencialidade”, apenas para citar alguns exemplos. focalizam a organização retórica. 2 Essa pretensão é subsidiada em pesquisas como a de Iedema, Feez e White (1994) e Martin e White (2008) que exploraram a “objetividade”e a “subjetividade” em textos jornalísticos a partir da análise dos recursos avaliativos. Considerando que a avaliação é uma importante característica da linguagem e está presente em muitos textos, sejam orais ou escritos, acreditamos que este argumento já é suficientemente válido para justificar a presente pesquisa. Contudo, esse argumento é fortalecido quando definimos um corpus constituído de resenhas que tem como um de seus propósitos comunicativos avaliar uma obra. Nessa perspectiva, este trabalho traz contribuições para o estudo da avaliação em português de textos jornalísticos, fomentando, assim, o escopo de pesquisas nessa área, como é o caso do estudo de Carvalho (2006) que investigou resenhas de livros publicadas em revistas brasileiras. Para fins de apresentação da pesquisa, o presente trabalho está distribuído em 03 (três) partes, afora a introdução e as considerações finais, que são: a apresentação das categorias de avaliação que embasam teoricamente a análise, a descrição da resenha a partir da perspectiva do campo jornalístico, e, a exposição da metodologia utilizada e a discussão dos resultados obtidos. 2 UM BREVE PANORAMA DO ESTUDO DA AVALIAÇÃO O estudo da avaliação que será empreendido nesta pesquisa fundamenta-se na Teoria da Valoração. Essa teoria tem origem no projeto “Escreva adequadamente” (Write it right) do Programa das Escolas Desfavorecidas do Departamento de Educação Escolar em Sidney. O estudo de diferentes discursos (científicos, midiáticos, das artes visuais, da tecnologia, dentre outros) acabou convergindo em um interesse comum: a investigação dos meios lingüísticos utilizados por escritores para expressar juízos de valor. Assim, as pesquisas realizadas geraram uma teoria que segundo White (2000, p. 01): (...) se ocupa dos recursos lingüísticos por meio dos quais os textos/falantes chegam a expressar, negociar e naturalizar determinadas posições intersubjetivas e em última instância, ideológicas. Dentro dessa ampla área de interesse, a teoria se ocupa particularmente da linguagem (da expressão lingüística) da valoração, da atitude e 2 Não queremos com essa afirmação desvalorizar as contribuições advindas de muitas pesquisas que descrevem a organização das informações nos gêneros. da emoção, e do conjunto de recursos que explicitamente posicionam de maneira interpessoal as propostas e proposições textuais. 3 Esse sistema de natureza semântica analisa o léxico avaliativo utilizado pelos falantes/escritores a partir dos parâmetros bom/ruim. Isso não quer dizer que a análise se limita apenas aos itens lexicais, mas também aos enunciados que muitas vezes carregam uma avaliação implícita. A Teoria da Valoração divide os recursos avaliativos em três grandes domínios semânticos, também denominados subtipos de valoração que são: atitude, compromisso e gradação. A atitude se refere aos sentimentos, reações emocionais, julgamentos de comportamento e avaliação de coisas expressos pelo falante/escritor. O compromisso explora a fonte das atitudes, explorando o jogo de vozes utilizado na expressão da opinião. E, a gradação se refere aos meios pelos quais os falantes amplificam ou não seus sentimentos. Desses três grandes sistemas, nos deteremos no sistema da atitude que, por sua vez, está dividido em 03 (três) outros subsistemas, a saber: afeto, julgamento e apreciação. O afeto corresponde às avaliações emocionais do falante/escritor referentes às pessoas, às coisas, ou aos acontecimentos. O julgamento corresponde às avaliações éticas no que diz respeito ao comportamento humano, tomando como referência as regras ou convenções estabelecidas socialmente. E, a apreciação corresponde às avaliações estéticas da forma, da aparência, dentre outros aspectos referentes aos artefatos humanos ou naturais. A figura abaixo ilustra como esses subsistemas estão relacionados: Ética/moralidade (regras e normas) Sentimento institucionalizado como proposta 4 JULGAMENTO AFETO APRECIAÇÃO Sentimento institucionalizado como proposição Estético/valor (critério/avaliação) 3 Tradução nossa. Segundo Martin (2003), as propostas dizem respeito às normas que indicam como as pessoas devem e não devem se comportar. 4 FIGURA 01: Julgamento e apreciação como afeto institucionalizado. FONTE: Martin (2003, p. 147) Cada um desses subsistemas está organizado em diferentes categorias. No caso do afeto, os sentimentos podem envolver além da reação (realis) a intenção (irrealis). Daí, um enunciado como “O garoto gostou do presente” materializa um afeto do tipo realis e um enunciado como “O garoto queria o presente” materializa um afeto do tipo irrealis. Segundo White (2008) o afeto irrealis pode implicar duas variáveis: medo (fear) e desejo (desire). O enunciado anterior é um exemplo da variável desejo (“queria”). A tipologia do afeto também está dividida em três grupos de emoções: ▪ in/felicidade (un/happiness): “O capitão sentiu-se triste/alegre” ▪ in/segurança (in/security): “O capitão sentiu-se ansioso/confiante” ▪ in/satisfação (dis/satisfaction): “O capitão sentiu-se farto/envolvido com aquela situação” O julgamento assim como o afeto se estrutura em duas dimensões: positivo e negativo. Conforme foi apresentado na figura acima, o julgamento envolve a institucionalização da avaliação, seja pela admiração/crítica da estima social, seja pelas implicações legais (sanção social). Segundo Martin e White (2008), a estima social é conduzida através das fofocas, conversas, piadas, enquanto que a sanção social é regida pelas regras, regulamentos, leis. Tanto a estima social quanto a sanção social são divididos em grupos que estão expostos na figura abaixo: Positiva ESTIMA SOCIAL Normalidade sortudo(a), É uma pessoa especial? normal Capacidade inteligente, É uma pessoa competente? intuitiva Tenacidade incansável, Negativa encantador(a), azarada, arcaica, excêntrica astuto(a), lento(a), neurótico(a), lunático(a) confiável, covarde, É uma pessoa confiável, responsável distraída, denanimado(a) bem-disposta? SANÇÃO SOCIAL Veracidade É uma pessoa honesta? Positiva sincero, honesto, autêntico Negativa mentiroso, farsante desonesto(a), honrado, cuidadoso, justo Propriedade É uma pessoa corrupto, injusto, imoral ética, irreprovável? FIGURA 02: Tipologia do julgamento. FONTE: Adaptação da tabela de Martin e White (2008, p. 53) A análise de Carvalho (2006) em resenhas de livros publicadas em revistas brasileiras conduziu a uma adaptação do modelo proposto pela teoria haja vista a autora ter encontrado uma diversidade de informações avaliativas em seu corpus. Assim, Carvalho (2006) acrescentou a noção semântica de mestria a qual inclui informações do tipo: “Tem estilo próprio? Tem domínio de frase? Escolhe bem o ponto de vista narrativo? A nosso ver, a mestria e a capacidade põem em evidência as habilidades do escritor, sendo que a primeira se refere a competências mais específicas do autor, enquanto que a segunda pode ser compreendida como mais abrangente. Carvalho (2006) também incluiu a categoria experiência à tenacidade que, por sua vez, se refere às disposições psicológicas do sujeito avaliado. Em nossa análise, utilizaremos a tipologia sugerida por Carvalho (2006) tendo em vista que as modificações propostas estão embasadas em um corpus de resenhas nãoacadêmicas de livros escritos em Língua Portuguesa. A apreciação, por sua vez, está dividida em três grandes grupos semânticos: reação, composição e valor como está abaixo descrito: Positivo Negativo Reação (impacto) fascinante, comovente, monótono, tedioso, previsível A obra me prendeu? excitante Reação (qualidade) esplêndido, bom, encantador ruim, repulsivo, horrivel Eu gostei da obra? Composição (equilíbrio) Simétrico, harmonioso, desorganizado, contraditório, Os elementos que compõem consistente irregular a obra foram mantidos em equilíbrio? Composição (complexidade) Foi difícil ler a obra? detalhado, preciso, claro simplificado, extravagante imperfeito, Valor original, único, profundo A obra vale a pena? superficial, insignificante, reacionário FIGURA 02: Tipologia da apreciação. FONTE: Adaptação da tabela de Martin e White (2008, p. 56) Carvalho (2006) também fez alterações na tipologia da apreciação, ou seja, a autora amalgamou as noções de equilíbrio e complexidade, categorizando-a como engenharia. A dimensão valor foi subdividida em relevância e originalidade. Deste modo, a variável relevância responde a seguinte pergunta: o livro levanta questões importantes? Já a variável originalidade responde a seguinte questão: o livro traz alguma contribuição para a área? Pelas mesmas razões explicitadas anteriormente, utilizaremos a tipologia sugerida pela autora. Esclarecemos, ainda, que a opção teórica de selecionarmos a Teoria da Valoração para fundamentar nossa análise se deve ao fato de que as dimensões semânticas propostas no sistema de avaliação coadunam-se com os tipos de avaliação que aparecem nas resenhas publicadas em jornais brasileiros. 3 AS RESENHAS NÃO-ACADÊMICAS Ao nos propormos investigar os padrões de avaliação em resenhas, é necessário esclarecer o que estamos considerando resenha não-acadêmica. Essa atribuição “não-acadêmica” indica, ao mesmo tempo, a não-vinculação com o campo científico e a relação com o campo jornalístico. Em nosso trabalho, restringimos o estudo apenas para as resenhas de livros que são publicadas em jornais escritos. Considerando a delimitação de nosso objeto de estudo, iremos discutir nessa seção alguns aspectos que caracterizam o ato de resenhar no campo jornalístico. A literatura de Comunicação nos fornece algumas informações sobre os propósitos comunicativos das resenhas não-acadêmicas. Embora os autores pesquisados não utilizem exatamente essa terminologia, consideramos que ao definirem a “função” de uma resenha é possível identificar seus propósitos comunicativos. Bond (1962, p. 248) não fala explicitamente qual a “função” da resenha (para o autor notícia de livros), mas nos dá a entender que é expressar uma opinião sobre livros, peças, filmes, ballets, concertos, exposições de pintura e escultura, programas de rádio e espetáculos de televisão, isso porque o “leitor espera também uma apreciação” e não apenas informação. Melo (2003, p. 132-133), por sua vez, é prolixo ao descrever as funções da resenha. Para ele, a resenha serve para “orientar o público na escolha dos produtos em circulação no mercado”, mas também realiza outras funções 5 . Já Piza (2007, p. 70) nos informa que a “crítica” tem a função de “formar o leitor, de fazê-lo pensar em coisas que não tinha pensado”. A revisão da literatura de Comunicação nos levou a perceber que a maioria dos autores pesquisados utilizam de informação semântica semelhante, independente do léxico que tenha sido selecionado, de modo que a resenha cumpre o propósito comunicativo global de “avaliar” uma obra. O propósito de avaliar está explícito na caracterização de resenha quando Bond (1962) utiliza o termo “apreciação”. O que seria apreciar se não avaliar, examinar, julgar um dado “produto cultural” 6 ? Em Melo (2003), essa percepção é tomada como uma ação primeira que conduz a ação de orientar o leitor. Ou seja, só se orienta o leitor quando se avalia. Enfim, os diferentes caminhos escolhidos pelos autores para definir o que seja uma resenha acabam por desembocar em um ponto específico: a avaliação. Por outro lado, Piza (2007), amplia o propósito comunicativo da resenha, na medida em que ela não se limita somente a informar e apreciar uma obra. Essa função social de fornecer elementos para a construção do ponto de vista do leitor constitui uma relação triádica. Em outras palavras, em um dos pontos do triângulo encontramos um resenhista, especialista em cinema, teatro, literatura, que está com a palavra e que tem o papel socialmente instituído de informar seu público, em outro ponto o leitor que deseja ser informado ou até seduzido pelos argumentos do resenhista, e em outro ponto a obra (que pode ser literária ou não). Observamos, ainda, na revisão de literatura da Comunicação a utilização da denominação resenha ou crítica. Parece natural dentro do campo jornalístico essa oscilação entre o uso de um termo por outro. Essa constatação nos conduz a compreensão de que há a utilização de diferentes nomeações para um mesmo texto, como também existe um texto específico para cada uma dessas nomeações. Em outras palavras, a “resenha propriamente dita” pode ser designada “resenha” ou “crítica”, mas uma “crítica propriamente dita” é designada “critica” e não “resenha”. O fato é que essa observação nos conduz a uma interrogação: o que seria “uma resenha e uma crítica propriamente dita”? Pena (2006), ao explicar o que seja a crítica literária, tenta fornecer alguns esclarecimentos: 5 Dentre as funções destacadas por Melo (2003, p. 132), podemos citar: “a) informa, proporcionando conhecimento sobre o que está em circulação no mercado cultural e sobre a natureza e a qualidade das obras comercializadas; b) eleva o nível cultural, pelo caráter didático com que aprecia os bens culturais, despertando muitas vezes o senso critico para a sua fruição; c) reforça a identidade comunitária, fazendo o julgamento das obras segundo padrões peculiares à comunidade, o que significa descobrir especialidades geoculturais em produtos que possuem destinação massiva;”, dentre outras. 6 Ao utilizarmos o termo “produto cultural” não queremos expressar uma visão capitalista da obra de arte que pode ser consumida, mas como trabalho realizado em uma esfera artística. Até a metade do século passado, a crítica literária em jornais era exercida com rigor e, de fato, fazia juízos de valor. Hoje em dia, no entanto, prevalecem as resenhas, que não julgam, mas apenas analisam as obras e exaltam suas qualidades. 7 (PENA, 2006, p. 38) A crítica é também um ato de criação. Para muitos, ela é Literatura mesmo. O crítico produz um discurso artístico na medida em que articula conceitos e sensibilidades. Ele trabalha com a racionalidade, mas também utiliza a intuição. Seu principal objetivo é buscar o motivo de existência da obra, formulando o que os gregos chamavam de juízo axiológico. A palavra axios indica aquilo que é digno de ser admirado. Então, a axiologia é a ciência da apreciação e da admiração. Porém, ao estimar uma obra, o crítico deve explicar o seu valor, mostrando as virtudes e os defeitos. (PENA, 2006, p. 39) Em seguida, Pena (2006) informa que a crítica apresenta três elementos fundamentais, que são: a análise da obra, a partir da utilização de diferentes métodos (lingüísticos, antropológicos, psicológicos, dentre outros); a interpretação, a partir da utilização de diferentes métodos (jurídicas, bíblicas, dentre outros); e, por fim, o julgamento. O autor não se detém em detalhar em que consiste cada uma desses constituintes da crítica, mas, pelo seu discurso é possível percerber que o texto da crítica seja mais denso, mais analítico porque seus autores fazem usos de diferentes técnicas para decompor a obra. Essa diferença fica bem evidente em sua explanação. Considerando a dimensão do processo de comunicação, a preferência pela não utilização de termos técnicos nas resenhas reflete o tipo de contrato de comunicação que é estabelecido pelos resenhistas com o seu público-leitor. Ou seja, um contrato que leva em consideração a “opaca” identidade do interlocutor e, conseqüentemente, a utilização de uma linguagem que se pretende acessível. Por outro lado, a leitura das resenhas implica, em alguns textos, um leitor que tem um domínio de conhecimentos de literatura. Angelo (2005, p. 04) já havia afirmado que (...) o leitor implícito, guardadas as diferenças de cada jornal, apresentou-se, nas diferentes resenhas, como um mecanismo muito sofisticado, exigindo do leitor real um amplo repertório de referências culturais (por vezes bastante especializadas em estudos literários). Ideologicamente, portanto, ele é marcado por um caráter elitista, baseado principalmente em cânones culturais do Ocidente. Essa suposta contradição caracteriza o ato de resenhar na comunidade jornalística, que ao mesmo tempo busca atingir um maior número de leitores e se dirigir a um público que tenha algum conhecimento de literatura. Sobre o aspecto de captação do leitor, Hernandes (2006, p. 10) esclarece que essa é uma das coerções principais do campo jornalístico, pois tem o 7 Grifo nosso. objetivo de “atrair, administrar e manter elevado o nível de atenção dos seus respectivos públicos para que exista sustentação e aumento de audiência (caso das TVs, rádios e internet) ou de tiragem (nos jornais e revistas), base de lucratividade das empresas”. Poderíamos, então, afirmar que o campo jornalístico segue uma lógica específica, a saber, uma lógica econômica (aquela que está relacionada à sobrevivência da empresa), uma lógica tecnológica (aquela que está relacionada à qualidade e à quantidade da difusão) e uma lógica simbólica (aquela que serve a uma democracia cidadã) (CHARAUDEAU, 2006). Essas lógicas influenciam as condições de produção das resenhas, de modo que os produtores ao elaborem seus discursos aliam o objetivo de informar e orientar ao objetivo de “captar o leitor” 8 , além de considerar a “estrutura editorial” 9 do jornal. É Travancas (2001, p.148) quem ilustra essa afirmação quando declara que a mídia ajuda a vender títulos, ainda que não seja possível definir em que medida isso aconteça. Em sua visão, os suplementos literários no Brasil e na França: Eles não são mais o palco de discussões literárias, nem romances são divulgados primeiramente em suas páginas. Hoje estes cadernos são um espaço de expressão do mercado editorial. Não afirmo que os quatro cadernos analisados – Idéias, Mais!, Les Livres e Le Monde des livres – sejam retratos fiéis do mercado editorial brasileiro ou francês. Eles são uma representação deste mercado, fruto de uma visão de mundo de quem o produz e participa deles. É basicamente a partir desse viés que estes suplementos se constroem. Não considero que os cadernos sejam simplesmente o resultado destas escolhas pessoais. Devo enfatizar que eles, enquanto objetos jornalísticos, estão submetidos primeiramente à lógica do jornal e conseqüentemente ao imperativo da noticia. A partir deste crivo inicial, eles vão se construir como uma representação subjetiva do grupo de indivíduos que trabalha neles. Nessa perspectiva, as condições de produção das resenhas não-acadêmicas têm suas especificidades, de modo que os resenhistas podem receber pressões advindas do mercado editorial seja pelo envio de livros, seja pelo contato com o editor e/ou resenhista, dentre outras atividades sociais que podem influenciar a escolha do livro a ser resenhado, bem como o tipo de avaliação que será feita. A própria escolha de uma determinada obra a ser resenhada e não outra já representa uma espécie de seleção (filtro) que o resenhista faz, podendo interferir no mercado de vendas. Esses aspectos acabam por influenciar o ato de resenhar no campo jornalístico. 4 OS USOS DOS RECURSOS AVALIATIVOS EM RESENHAS NÃO-ACADÊMICAS 8 Termo utilizado por Charaudeau (2006) em sua obra “Discurso das mídias” para designar as estratégias discursivas utilizadas pelos jornalistas para atrair o público. 9 Berger (2002) ao discutir a estrutura editorial da noticia constrói esse enunciado com dois sentidos simultâneos: conquistar os leitores e não se defrontar com os que sustentam economicamente o jornal. Nesta seção, iremos descrever quais os caminhos metodológicos utilizados para a realização do objetivo de investigar os usos dos recursos avaliativos em resenhas de livros publicadas em jornais brasileiros, bem como apresentaremos os resultados obtidos. Para fins de organização, dividimos a seção em 02 (duas) partes: na primeira faremos a descrição do corpus e do tratamento dos dados e na segunda apresentaremos os resultados obtidos na análise das resenhas. 4.1 Descrição do corpus e tratamento dos dados O corpus utilizado para a presente pesquisa é constituído de 40 (quarenta) resenhas de livros, provenientes de 05 (cinco) diferentes jornais brasileiros e que foram publicadas nos anos de 2006, 2007 e 2008. Acreditamos que a quantidade de textos selecionada seja suficiente para realizarmos uma pesquisa de natureza qualitativa que indique os usos dos recursos avaliativos em resenhas não-acadêmicas. Por conta disso, optamos por selecionar textos oriundos de diferentes jornais, e, respectivamente, estados e regiões brasileiras a fim de termos um acervo que, de alguma forma, fosse representativo das resenhas de livros que são publicadas em jornais brasileiros. Considerando também o critério de acessibilidade, a maior parte dos textos foi coletada através da internet, apenas as resenhas do jornal Correio do Povo é que se fez necessário contactarmos com a empresa jornalística e conseguirmos um acesso provisório. Ao selecionarmos as resenhas também levamos em conta os diferentes tipos de obras que estavam sendo resenhadas. Assim, os textos que compõem o corpus analisam obras de diferentes gêneros: poesia, ensaio, conto, crônica, romance, dentre outros. O quadro abaixo descreve com mais detalhamento a caracterização do corpus: REGIÃO/ESTADO Nordeste/Fortaleza JORNAL QUANTIDADE O Povo 08 Diário do Nordeste 08 Sudeste/São Paulo O Estado de São Paulo 08 Centro-Oeste/Cuiabá Diário de Cuiabá 08 Sul/Porto Alegre Correio do Povo 08 QUADRO 01: Caracterização do corpus. Para a realização da análise dos dados, inicialmente elaboramos um código que representasse as categorias semânticas de avaliação que seriam utilizadas (ver Quadro 02). Após essa categorização, foram identificadas em todas as resenhas as partes que indicavam avaliação explícita e os itens lexicais foram classificados de acordo com os códigos abaixo apresentados. Foram destacadas também passagens nas quais havia a presença de sinais (tokens) avaliativos, ou seja, passagens cujo conteúdo do enunciado é ideacional e o léxico não é avaliativo, mas seu sentido deixa implícita a avaliação 10 . Ao final, foi procedida uma análise de natureza qualitativa. + positivo - negativo des afeto: desejo med afeto: medo felic afeto: in/felicidade seg in/segurança sat in/satisfação norm julgamento: normalidade mest julgamento: mestria cap julgamento: capacidade ten/exp julgamento: tenacidade/experiência ver julgamento: veracidade prop julgamento: propriedade reaç apreciação: reação comp apreciação: composição val apreciação: valor QUADRO 02: Códigos das categorias de avaliação. 4.2 Análise dos dados Das categorias de avaliação propostas pela Teoria da Valoração, observamos que as resenhas não-acadêmicas utilizam um amplo leque de recursos avaliativos, assim, encontramos no 10 White (2001, p. 05) fornece o seguinte exemplo de julgamento implícito: “As crianças conversam enquanto ele estava apresentando a lição” (“The children talked white He was presenting the lesson”). corpus exemplos da categoria afeto, julgamento e apreciação. Na categoria afeto identificamos a materialização da variável desejo na seguinte passagem: (01) “Ele teria detestado a chamada 'moda Kerouac' que sobreveio ao sucesso do livro e parece também ter sido devorado e aniquilado pela grande repercussão da obra.” (CP231107) 11 (- des) Neste texto, o resenhista apresenta para o leitor a possível intenção emocional do autor do livro diante da “moda Kerouac”. Nesta passagem, o sujeito que sentiria a emoção (emoter) seria o autor do livro e o objeto que acionaria essa emoção seria a “moda Kerouc”. O afeto é irrealis porque indica a possibilidade de realização de uma emoção negativa. Diferente do exemplo anterior em que a fonte da emoção não era o resenhista, identificamos em alguns trechos a reação do resenhista diante do livro ou do autor. Os exemplos ilustram: (02) “Confesso: estou simplesmente apaixonado por este livro! Em casa ele não sai de perto de mim.” (DC120507) (+ felic.) (03) “É uma grande felicidade saber que a audácia desse jovem autor goiano encontrou respaldo dos membros do júri do Prêmio Sesc e, conseqüentemente, de uma das maiores editoras do país.” (DC300607) (+ felic.) No exemplo (02), o resenhista declara suas emoções (“apaixonado”), graduando-a em um nível elevado (“simplesmente”). O efeito retórico da expressão da emoção do produtor é persuadir o leitor a compartilhar suas emoções e seu ponto de vista sobre o livro. Já no exemplo (03), as emoções do resenhista se voltam para a figura do autor do livro. A graduação dessa emoção também é qualificada como alta, por conta do uso de “grande felicidade” que é uma emoção muito maior que apenas “felicidade”. Dos exemplos de afeto que encontramos nos textos analisados, encontramos apenas 02 (duas) avaliações de afeto de parâmetro negativo que estão transcritas abaixo: (04) “(...) o que incomoda é a constante degradação mental e física das personagens, e a impressão de que tudo está ruindo com elas; o que perturba é o assédio constante e incansável de uma desencantada maneira nociva de encarar o processo político, a negação de qualquer sinal do narrador de que os crimes que acontecem ou as violências que as personagens sofrem fazem parte de qualquer lógica redentora. O que está ruim pode piorar. (...)” (ESP060507) (- felic), (- felic) Esse exemplo é bastante interessante porque ao mesmo tempo em que expressa a emoção do resenhista diante de aspectos da obra (“incomoda” e “pertuba”), acaba por realizar uma 11 Todas as resenhas foram catalogadas da seguinte forma: as letras iniciais representam o nome do jornal e os números a data de publicação. apreciação do livro. Ao afirmar que a “degradação mental e física dos personagens” causa perturbação, o resenhista apresenta um aspecto negativo da composição da obra. Nesse caso, é possível pensar em uma sobreposição de avaliações, ou seja, afeto e apreciação. Como foi afirmado na seção que apresentou as categorias de avaliação, o comportamento do autor pode ser avaliado em duas dimensões: sanção social e a estima social. No corpus analisado encontramos exemplos de avaliações do autor nessas duas categorias, diferenciando-se dos resultados obtidos por Carvalho (2006) na análise de resenhas de livros publicados em revistas brasileiras. Supomos que esse resultado adveio apenas de uma quantidade maior de resenhas que foram analisadas. O exemplo abaixo ilustra: (05) “Apesar de escrever o primeiro artigo em fevereiro de 1942, Orwell mantinha uma relação anterior com o Observer. No ano anterior, ele conheceu David Astor, proprietário e futuro editor do jornal, e logo uma sólida amizade se estabeleceu - Astor admirava a “absoluta franqueza, honestidade e decência” de Orwell e, por isso, convidou-o a escrever para o jornal. Assim, criou uma coluna, Fórum, e encarregou o escritor de inaugurá-la.” (ESP171206) (+ ver.) Neste trecho, o resenhista avalia o comportamento social do autor do livro resenhado, no caso, George Orwell. Se tomarmos apenas o excerto, sem considerar o texto como um todo, soa estranho aparecer esse tipo de avaliação em uma resenha de livro. Contudo, o efeito retórico deste tipo de avaliação desemboca indiretamente na avaliação da obra. Ou seja, a obra que está sendo resenhada pelo produtor é um livro que contém uma coletânea de artigos que Orwell escreveu sobre política e na ocasião esses artigos foram publicados em um jornal. A repercussão dos artigos acabou por interromper a colaboração do autor no jornal por um período. Essa interrupção se justifica pelo fato de Orwell demonstrar em seus escritos uma franqueza inigualável. Desse modo, ao avaliar o comportamento do autor o resenhista está, de alguma forma, valorizando a obra que está sendo resenhada na medida em que o leitor vai se deparar com artigos que foram escritos com “absoluta franqueza, honestidade e decência”. Assim como Carvalho (2006), encontramos vários exemplos de avaliação da estima social do autor. As categorias de estima social estão diretamente ligadas ao ato de produção literária e aprecia o comportamento do autor no que se refere sua capacidade, por exemplo. Se compararmos, os tipos de avaliação do autor identificados no corpus, a categoria estima social tem uma maior freqüência de materialização do que a categoria sanção social. Dos elementos de avaliação da estima social, observamos uma maior realização da avaliação da competência do autor (capacidade/maestria), seguida da normalidade e uma baixa freqüência da tenacidade. O excerto abaixo ilustra: (06) “De há muito, as narrativas que têm como pano de fundo os acontecimentos históricos, especialmente distanciados do nosso tempo, vêm caindo no gosto do público. Quem não se lembra, por exemplo, de A Criação, de Gore Vidal, em que este narra a trajetória do imperador Ciro? Pois bem. Philippa Gregory, após surgir no espaço literário com o romance ´A Irmã de Ana Bolena´, afirma-se, nesse gênero, como uma referência, agora, com a publicação de ´O Amante da Virgem´.” (DN110207) (+ norm.) No exemplo (06), a autora é apontada como uma pessoa especial que se destaca dentre tantos escritores. No caso, temos uma avaliaçao positiva que se refere à estima social localizada na categoria normalidade. Contudo, o resenhista pode destacar os aspectos negativos do comportamento do autor como é o caso do exemplo abaixo: (07) “O romance narra a vida de Auguste (interpretado por Joseph Cross) e sua trajetória por meio do caos doméstico, mergulhado numa total falta de regras e com momentos raros de felicidade conseguidos à base de Valium e travessuras que envolviam eletrochoques. O resultado é que a personalidade bizarra e anárquica do autor emerge dessa visão cruel de sua existência, como poesia (ou um soco no estômago), fugindo do politicamente correto de outras trajetórias de nomes famosos.” (CP080907) (- norm.) (- prop.) Ao avaliar o comportamento do autor, o resenhista estabelece uma relação com a obra, promovendo uma oposição, a saber: “personalidade bizarra e anárquica” versus “livro de sucesso” 12 . O termo “bizarra” pertence à categoria normalidade e “anárquica” à propriedade. A capacidade do autor do livro é um tipo de avaliação que também aparece nas resenhas, o exemplo ilustra: (08) “A imagem é aliada poderosa da informação. Ela consegue fazer um texto ‘duro’ se tornar sedutor ao leitor. Acho que os autores do livro têm perfeito comando desses fatores.” (DC120507) (+ cap.) Ao afirmar que os autores têm habilidade em combinar imagem e informação, o resenhista destaca a competência dos escritores ao mesmo tempo em que faz uma apreciação implícita da obra. Além da capacidade, o resenhista pode dar relevo à tenacidade do escritor, ou seja, alguma disposição psicológica que ele possua, bem como a sua experiência. Os excertos (09) e (10) ilustram: (09) “Reúnem-se, aqui, pensadores que, não obstante as diferenças linhas de pesquisa e de pensamento, têm uma nota comum: a seriedade, a propriedade, o compromisso com saber, 12 “Livro de sucesso” é uma expressão utilizada pelo resenhista no título da resenha. isto é, ingredientes que os tornam pesquisadores e estudiosos sempre desafiadores, uma vez que, com a agudeza de seu olhar, põem-nos, sempre, diante de questões desafiadoras.” (DN240906) (+ prop.) (+ cap.) (+ prop.) (+ ten.) (+ ten) (10) “Ao longo dos textos que compõem o primeiro volume de ensaios, Virginia, na época uma escritora já conhecida e, pelas entrelinhas, experimentada no esporão da crítica, alia-se ao leitor.” (OP011108) (+ norm.) (+ ten./exp.) Como é possível observar no exemplo (09), um pequeno trecho pode materializar várias realizações de avaliação em diferentes categorias semânticas. Destacamos os itens que se referem à tenacidade (“desafiadores”, “agudeza”). O primeiro recebe uma alta gradação, pois segundo o resenhista, os autores dos ensaios são “sempre” e não apenas “algumas vezes” “desafiadores”. Essas características dos autores influenciam decisivamente na obra de modo que o resenhista estabelece uma conexão entre “pesquisadores desafiadores” e “questões desafiadoras” que estão presentes nos textos da coletânea. O termo “agudeza”, por sua vez, também põe em relevo uma disposição psicológica dos autores. Ambos os termos, estão inseridos no parâmetro positivo. Já no exemplo (10), o resenhista destaca a experiência da autora a partir do termo “experimentada”. Realiza-se, portanto, um julgamento positivo. Considerando que uma das funções da resenha é avaliar a obra, a apreciação é uma das categorias de avaliação que apresentaram maior freqüência no corpus do que o julgamento. Dentre as subcategorias da apreciação, os resenhistas realizam mais a avaliação da composição da obra, seguida da reação e por último do valor. Assim como o julgamento, no campo jornalístico prevalecem as apreciações positivas dos livros resenhados. Os excertos abaixo ilustram exemplos de avaliação localizada na categoria reação: (11) “Nostromo assalta as certezas do leitor metamorfoseando-se num ensaio narrativo instigante sobre o funcionamento problemático do idealismo no centro nervoso da máquina política que rege a sociedade (...)” (ESP060507) (+ reaç.) (12) “Em meio à saraivada de críticas que o lançamento gerou, o próprio autor resolveu definir seu projeto: 'Que vem a ser a 'Guerra e paz'? Não é um romance, um poema muito menos, e não é sequer uma crônica histórica. 'Guerra e paz' é o que o autor quis e pôde exprimir pela forma como o exprimiu'. (CP220907) (- reaç.) Em ambos os exemplos, é avaliado o impacto da obra, no primeiro caso em um parâmetro positivo e no segundo caso em um parâmetro negativo. Essas avaliações, por sua vez, apresentam diferentes efeitos retóricos: ao definir a obra como “instigante”, o resenhista pretende incitar o leitor a adquirir o livro, já no exemplo (12) a reação negativa ao livro parece apresentar-se como uma oportunidade para o resenhista mostrar a visão do próprio autor sobre sua obra. Essa afirmação se justifica porque no enunciado anterior e no subseqüente, o resenhista destaca a “grandiosidade” do livro. A qualidade da obra também é um aspecto que os produtores das resenhas não-acadêmicas costumam avaliar. Os exemplos (13) e (14) ilustram: (13) “Alternar a ficção com a realidade histórica foi um dos muitos aspectos que transformaram o romance de Leon Tolstói 'Guerra e Paz' num dos grandes monumentos literários da história, um feito que está entre aqueles que jamais serão igualados. Celebrando o lançamento em formato pocket no Brasil, a editora gaúcha L&PM lançou os quatro volumes que compõem essa grande obra em uma exclusiva caixa especial.” (CP220907) (+qual.) (+qual.) (+qual.) (+qual.) (14) “Não é uma obra-prima. Não vai mudar a joça da sua vida (mas nada vai mudar a joça da sua vida). Em algum momento, pode ser que você olhe para a sua estante e pense: “Mas por que estou lendo esse troço e não aquele Kafka ali?”. Mas, apesar disso, Anjos do sagrado coração (ed. Record, R$ 38,00) se permite ler e, dependendo da idade que você tiver, pode significar muita coisa.” (- qual.) (- qual.) No exemplo (13), temos 04 (quatro) exemplos de avaliação positiva da qualidade da obra. Os 03 (três) primeiros se referem ao aspecto interno da obra, enquanto que o último se refere ao aspecto externo, sua embalagem, revelando, assim, que no campo jornalístico não se avalia apenas o conteúdo de uma obra. O exemplo (14), ao contrário, apresenta uma avaliação da qualidade negativa da obra, inclusive o resenhista acaba por recategorizar a obra como “esse troço”. Em seguida, ele apresenta argumentos que vão em direção contrária. Provavelmente, o efeito retórico das avaliações negativas tenha a pretensão de não desvalorizar totalmente o livro, haja vista os resenhistas indicarem a obra, apesar das críticas negativas (mesmo aquelas resenhas que só apresentam críticas negativas). A composição da obra é um dos aspectos mais avaliados pelos resenhistas no campo jornalístico. Deste modo, são avaliadas a estrutura narrativa, a construção estilística, a linguagem, dentre outros aspectos. Os excertos abaixo ilustram a avaliação que é feita dos pontos específicos dos livros resenhados: (15) “Os lugares-comuns que professa revelam, ao fim, algo de verdadeiro sobre a América Latina; mesmo após desconstruída, sua estrutura narrativa é vivaz e persuasiva; (...)” (ESP050607) (+comp.) (+comp.) (16) “Página á página, o livro tem uma grande injeção de sexo, no bom estilo de putaria, característica presente nos livros da chamada geração 00, formada por jovens autores.” (DC011207) (+comp.) (17) “No entanto, em O Dia em Que o Cão Morreu, a construção estilística tem contínuos e enormes problemas. (ESP150507) (- comp.) (-comp.) (-comp.) Enquanto os exemplos (15) e (16) avaliam positivamente a composição da obra, o exemplo (17) avalia negativamente. E, por fim, as resenhas não-acadêmicas também avaliam o valor da obra, ora destacando a relevância, ora a originalidade, assim como estabeleceu Carvalho (2006). O exemplo abaixo ilustra: (18) “Descartes nos deu as coordenadas cartesianas que, entre outras aplicações, fazem funcionar nossos incríveis localizadores GPS, e, retribuímos, colocando os restos de sua caixa craniana compondo uma das mais estúpidas e equívocas séries cronológicas da história da humanidade. Neste caso, o próprio livro de Aczel nos redime um pouco destas tolices, além de constituir-se numa homenagem mais simples e muito mais inteligente. (ESP130507) No exemplo (18), o resenhista destaca a relevância da obra, visto que ela representa uma forma de remição frente às descobertas de Descartes. Além da apreciação da obra, encontramos nas resenhas não-acadêmicas exemplos de avaliação de outras obras que não aquelas que são resenhadas, a avaliação do leitor, a avaliação do ato de resenhar. Os exemplos abaixo ilustram: (19) “Wells publicou, dentre outras obras, clássicos como A Máquina do Tempo (1895), A Ilha do Dr. Moreau (1896) e O Homem Invisível (1897), sempre apresentando em seus livros, por mais fantasiosos que eles nos pareçam, uma subjacente e pertinaz reflexão sobre o homem.” (ESP110307) (- reaç.) (+ val.) (+val.) (20) “Antes disso, ela preferiu abrir seu precioso baú e, com Feito Eu, oferecer ao leitor combalido pelo excesso de palavras inúteis um testemunho simples e pungente de seu bem mais precioso: a vida.” (ESP270507) (+ reaç) (21) Resenhar um livro nesta Cuiabá que vai virando metrópole, mas ainda carregada de ares provincianos, não é tarefa fácil. O jornalismo crítico precisa ser sincero e isento, livre de relações pessoais. (DC090808) (neg. + qual.) (+ ver.) (+ver.) (+ver.) No exemplo (19), a avaliação de outras obras do autor recai sobre o livro que está sendo resenhado na medida em que as obras têm em comum o fato de promoverem à reflexão. Já no exemplo (20), temos uma avaliação das produções literárias da autora materializada em uma metáfora (“precioso baú”), avaliação prevista na literatura de valoração. Nesse excerto também é possível observar como a avaliação do autor realiza uma das funções da avaliação que é construir relações (HUNSTON; THOMPSON, 2003). Segundo White (2008), a teoria da valoração representa um desenvolvimento da função interpessoal da linguagem que está inserida na Lingüística Sistêmico-Funcional. O exemplo (21) também ilustra essa afirmação, além de apresentar para o leitor o ato de resenhar e, conseqüentemente, o resenhista como um profissional que faz um trabalho “isento”. Essa informação parece tentar deslocar da atividade de resenhar as influências externas (por exemplo: lógica econômica) que possam interferir nessa atividade. E, por fim, identificamos também nas resenhas não-acadêmicas passagens que realizam uma apreciação explícita da obra e um julgamento implícito do autor e vice-versa. Esse tipo de avaliação também já estava prevista na literatura. Segundo Martin e White (2008), esses casos são denominados de realização direta e indireta da avaliação. O exemplo (08), citado anteriormente, apresenta um julgamento explícito dos autores e uma apreciação implícita da obra. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Considerando que o objetivo da presente pesquisa era investigar os padrões de avaliações em resenhas não-acadêmicas, sumarizamos, pois, os seguintes resultados: ▪ a presença de recursos avaliativos que materializaram as dimensões de atitude, de julgamento e de apreciação; ▪ maior recorrência de apreciação da obra do que julgamento do autor; ▪ maior recorrência de julgamento do autor do que de afeto; ▪ em relação à categoria afeto, materialização da variável desejo e da variável in/felicidade; ▪ em relação à categoria julgamento, maior recorrência de avaliação referente à estima social do que avaliação referente à sanção social; ▪ em relação à variável estima social, maior freqüência de aparecimento das categorias capacidade e mestria do que das categorias normalidade e tenacidade/experiência; ▪ em relação à categoria apreciação, maior recorrência da variável composição, seguida da variável reação e da variável valor; ▪ maior realização de avaliações positivas que negativas; ▪ realização de avaliação explícita e implícita; ▪ avaliação de outros elementos que não apenas a obra e o autor. Se compararmos os usos dos recursos avaliativos em resenhas não-acadêmicas com os resultados obtidos por Carvalho (2002) em resenhas acadêmicas escritas em português é possível identificar pontos de convergência e de divergência. Como semelhanças, a autora identificou mais apreciação que julgamento; as avaliações se materializaram mais positivamente que negativamente; na categoria julgamento do autor, maior freqüência de realização da variável capacidade, seguida da normalidade e da tenacidade. Este cotejo nos permite afirmar que existem diferentes padrões de usos dos recursos avaliativos, um para as resenhas realizadas no campo acadêmico e outro mais diversificado para as resenhas realizadas no campo jornalístico. A riqueza de usos de recursos avaliativos realizados em resenhas não-acadêmicas possibilita também levantar reflexões sobre a relação que se estabelece entre resenhista e leitores. Mesmo considerando que em ambos os campos, o resenhista se apresenta como um especialista, no campo jornalístico essa relação é mais interativa na medida em que ele compartilha com o leitor suas emoções e utiliza um registro de linguagem que se situa entre o formal e o informal. Essa afirmação é ancorada no princípio de proliferação que sustenta a idéia de que quanto maior for o grau de interação social entre os participantes maior será o conjunto de opções lingüísticas disponíveis (WHITE, 2000). Outro questionamento que pode ser levantado é que a diversidade de recursos avaliativos que aparecem nas resenhas não-acadêmicas pode guardar relação com o que foi discutido na revisão de literatura sobre o fenômeno da captação do leitor. Ou seja, o fato de haver uma lógica específica como a econômica, pode influenciar as condições de produção das resenhas levando o resenhista a utilizar diferentes recursos avaliativos, e estes recursos têm o efeito retórico de persuadir o leitor a compartilhar de seu ponto de vista. Os resultados também nos possibilitaram inserir as resenhas, por suas características de avaliação, em um grupo denominado por Martin e White (2008) voz do comentador (commentator voice) que se distingue da voz do correspondente (correspondent voice) e da voz do repórter (reporter voice) porque apresenta uma freqüência livre de avaliação nas categorias de sanção social e estima social, alta probabilidade de apreciação e a presença de afeto. Essa constatação enriquece a taxonomia proposta pelos autores haja vista eles não terem inserido em seu corpus o gênero resenha. O presente trabalho representa um dentre outras perspectivas de análise da avaliação em resenhas não-acadêmicas, bem como em outros gêneros. Nesse sentido, estudos sobre a avaliação em português estão prenhes de realização. REFERÊNCIAS ANGELO, D. M. P. Leitores implícitos e vazios de sentido em resenhas críticas de quatro grandes jornais brasileiros no começo do século XXI. 2005. 174 f. Tese (Doutorado em Educação), Universidade de São Paulo, São Paulo. BERGER, C. Do jornalismo: toda notícia que couber, o leitor apreciar e o anunciante aprovar, a gente publica. In: In: PORTO, S. D. (Org.). O jornal: da forma ao sentido. 2. ed. Brasília, UNB, 2002. BOND, F. Introdução ao jornalismo: uma análise do quarto poder em todas as suas formas. 2. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1962. CARVALHO, G. Resenhas/reviews: da ação entre amigos ao apontador de defeitos (Um estudo contrastivo de resenhas acadêmicas escritas em Inglês e em Português). 2002. 190 f. Tese (Doutorado em Estudos Lingüísticos), Universidade Federal Fluminense, Niterói. _____. Críticas de livros: um breve estudo da linguagem da avaliação. 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