Método de Exaustão dos Antigos:
O Princípio de Eudoxo-Arquimedes
Joaquim António P. Pinto
Aluno do Mestrado em Ensino da Matemática
Número mecanográfico: 030370027
Departamento de Matemática Pura da
Faculdade de Ciências da Universidade do Porto
Disciplina: História da Análise
Docente: Professor Doutor Carlos Correia de Sá
Introdução
O método de exaustão é também conhecido por Princípio de EudoxoArquimedes, por ter na sua base a teoria das proporções apresentada por Eudoxo de
Cnido (408-355 a. C.) e por Arquimedes de Siracusa (287-212 a.C.) ter sido o
matemático que maior visibilidade lhe deu.
Eudoxo apresentou a sua teoria das proporções como modo de ultrapassar a
“crise” surgida na matemática grega aquando da descoberta dos incomensuráveis, que
deitava por terra a teoria das proporções dos pitagóricos. Arquimedes aplicou o método
de exaustão para provar os inúmeros resultados relativos a comprimentos, áreas e
volumes de diversas figuras geométricas e também ao cálculo de centros de gravidade;
alguns destes resultados já eram conhecidos mas outros eram inteiramente novos.
Assim, para darmos uma pálida ideia do que é o método de exaustão, nome dado
no século XVII por Gregório de S.Vicente, começaremos por apresentar a teoria das
proporções formulada por Eudoxo e magistralmente apresentada por Euclides no Livro
V dos seus Elementos.
De seguida, passaremos para o Livro X, onde Euclides, logo na primeira
proposição, apresenta o método de exaustão.
Munidos do método de exaustão, iremos demonstrar que a razão entre dois
círculos é a razão entre os dois quadrados cujos lados são os diâmetros desses
círculos. Achámos pertinente demonstrar aqui – à Euclides – esta proposição a segunda
do Livro XII dos Elementos, pois trata-se da primeira prova que se conhece que tenha
sido realizada pelo método de exaustão (Sá, 2000).
Teoria das Proporções de Eudoxo
Como começámos por referir, Eudoxo apresenta uma teoria das proporções que
é aplicável quer a grandezas mensuráveis quer a grandezas incomensuráveis, tornando
deste modo obsoleta a teoria aritmética dos pitagóricos.
Assim, Euclides, com a definição 3 do Livro V, define razão dizendo que Uma
razão é uma espécie de relação a respeito do tamanho entre duas grandezas do mesmo
tipo. Continuando, apresenta a definição 4: Diz-se que têm uma razão as grandezas que
são capazes, quando multiplicadas, de se exceder uma à outra.
Reparemos que a primeira definição apresentada aqui nada define; no entanto, a
segunda caracteriza, de forma inequívoca, duas grandezas homogéneas, isto é, do
mesmo tipo (dois comprimentos, duas áreas ou dois volumes). Esta definição pode ser
“traduzida” em termos de números reais como: dados dois números reais positivos a e
b com a ≥ b existe um número natural n tal que nb ≥ a . Esta definição é conhecida
como axioma de Arquimedes o que leva a que sejam designados por corpos
arquimedianos os corpos cujos elementos satistafez esta propriedade (Duarte, 1991).
É na definição 5, do Livro V, que assenta a teoria das proporções: Diz-se que
grandezas estão na mesma razão, a primeira para a segunda e a terceira para a
quarta, quando, dados quaisquer equimúltiplos da primeira e da terceira e dados
quaisquer equimúltiplos da segunda e da quarta, os primeiros equimúltiplos
simultaneamente excedem, são simultaneamente iguais ou ficam simultaneamente
aquém dos últimos. Esta definição é consolidada na definição 6, do mesmo livro:
Grandezas que têm a mesma razão dizem-se proporcionais.
Hoje, com a nossa notação, para traduzir estas duas definições, dadas por
Euclides, podemos escrever que:
a c
=
se, e somente se, dados os inteiros m e n
b d
sempre que ma < nb , então mc < nd ; ou se ma = nb , então mc = nd ; ou se ma > nb ,
então mc > nd . Note-se que a definição de Eudoxo de igualdade de razões conduz-nos
ao processo de redução ao mesmo denominador, pois
a c
= se, e só se, ad = bc , que
b d
não é mais do que a multiplicação cruzada usada hoje na manipulação de fracções, o
que formalmente não era feito pelos gregos à época de Euclides (Boyer, 1996). Do
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ponto de vista lógico, estas duas definições reduzem a noção de proporção entre dois
pares de grandezas homogéneas à noção de ordem entre múltiplos dessas grandezas (Sá,
2000).
Consideremos, por fim, a definição 7, do Livro V: Quando, dos equimúltiplos, o
múltiplo da primeira grandeza excede o múltiplo da segunda, mas o múltiplo da
terceira não excede o múltiplo da quarta, diz-se que a primeira tem uma razão maior
para segunda do que a terceira para a quarta. Esta definição significa que se para
quaisquer dois números naturais m e n quando for verdadeira a desigualdade ma > nb
e não o for a desigualdade mc > nd então diz-se que
a c
>
(Sá, 2003).
b d
Não podemos terminar esta brevíssima passagem pela teoria das proporções de
Eudoxo, sem chamar a atenção para a brilhante demonstração, do caso dos triângulos,
da proposição 1 do Livro VI dos Elementos de Euclides, que passaremos a denotar por
Elementos VI, 1: Triângulos e paralelogramos sob a mesma altura estão entre si como
as suas bases, apresentada por Sá (2000), usando os equimúltiplos, contornado deste
modo a incomensurabilidade que fez com que a demonstração apresentada pelos
pitagóricos deixasse de ser aceite. Muito mais se poderia dizer. Poderíamos falar sobre o
“dito” Teorema de Tales (Elementos VI, 21), demonstrado à custa de Elementos VI, 1 o
qual por sua vez nos fornece um modo de construir o quarto proporcional; poderiamos
também construir o meio proporcional munidos do teorema da altura (consequência do
teorema de Tales) em conjugação com o que afirma que qualquer ângulo inscrito numa
semicircunferência é recto (Sá, 2000).
Mas, como pensamos que esta incursão pelo Livro VI dos Elementos de Euclides
vai além do propósito deste trabalho deixamos a referência para consultas futuras.
1
Elementos VI, 2: Se for desenhada uma linha recta paralela a um dos lados dum triângulo, ela dividirá
os lados do triângulo proporcionalmente; e se os lados do triângulo forem divididos proporcionalmente
então a linha unindo os pontos de secção será paralela ao restante lado do triângulo.
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Princípio de Eudoxo-Arquimedes
Elementos X, 1: Dadas duas grandezas desiguais, se da maior se subtrair uma
grandeza maior do que a sua metade, e do que sobrar uma grandeza maior do que a
sua metade, e se este processo for repetido continuamente, sobrará uma grandeza
menor do que a menor das grandezas dadas.
Não resistimos em salientar que o décimo livro dos Elementos de Euclides,
conhecido pela cruz dos matemáticos, uma vez que é o maior de todos e é nele que são
estudados vários tipos de grandezas irracionais, aquelas que são incomensuráveis com
uma grandeza unitária previamente fixada (Sá, 2000), começa com Elemenos X, 1 a
qual, por sua vez, é equivalente à definição 4 do Livro V.
Demonstremos então Elementos X, 1.
Consideremos a e b duas grandezas do mesmo tipo (figura 1) e suponha-se,
sem perda de generalidade, que a > b . Atendendo à definição 4 de Elementos V, existe
um número natural n , tal que nb > a .
a
b
a
nb
Figura 1
Figura 2
Nestas condições tomemos as grandezas a e nb (figura 2). Se a a retirarmos mais de
metade e a nb retirarmos b (que é menos que metade de nb ), restam-nos duas
grandezas a1 <
1
a e ( n − 1) b , tais que ( n − 1) b > a1 (figura 3). Se, por um processo
2
idêntico ao anterior, a a1 retirar mais de metade e a ( n − 1) b retirar novamente b (que é
menos que metade de ( n − 1) b ) ficaremos com duas grandezas a2 <
1
a1 e ( n − 2 ) b ,
2
tais que ( n − 2 ) b > a2 .
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4
a n-2
a
a1
2
a n-1
(n-1)b
Figura 3
2
b
Figura 4
Ao fim de ( n − 2 ) passos, obtemos uma grandeza an − 2 tal que 2b > an − 2 . Se a
an − 2 retirar mais de metade e a 2b retirar b sobra uma grandeza an −1 tal que b > an −1
(pois a 2b retirou-se exactamente metade). Assim, ao fim de ( n − 1) passos, obtém-se
uma grandeza an −1 menor do que b , a menor das grandezas inicialmente dadas (figura
4), o que prova o princípio de Eudoxo-Arquimedes.
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Elementos XII, 2
Elementos XII, 2: Círculos estão entre si como os quadrados sobre os diâmetros.
Antes de apresentarmos a demonstração dada por Euclides, vamos reescrever a
proposição e apresentar uma demonstração usando escrita actual para assim
percebermos quer a proposição em si quer a bela demonstração apresentada por
Euclides usando o método de exaustão.
O que Elementos XII, 2 nos diz é que a razão entre as áreas de dois círculos é
igual à razão entre as áreas de dois quadrados cujos lados são os diâmetros dos
círculos.
Consideremos duas circunferências de áreas A e a e diâmetros D e d,
respectivamente. Geometricamente podemos traduzir a proposição conforme a figura 5
sugere.
A
D2
D
D
a
d2
d
d
Figura 5
Nestas condições a proposição diz-nos que
A D2
=
.
a d2
Sejam R e r tais que D = 2 R e d = 2r ; assim as áreas das circunferências são
dadas por A = π R 2 e por a = π r 2 enquanto as áreas dos quadrados serão D 2 = ( 2 R ) e
2
d = ( 2r ) .
2
⇔
2
π R2 ( 2R )
A D2
Agora, por simples manipulação algébrica,
= 2 ⇔
=
⇔
π r 2 ( 2r ) 2
a d
2
R2 R2
A D2
=
pelo
que
=
é verdade.
r2 r2
a d2
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Estamos agora melhor preparados para apreciar a demonstração apresentada por
Euclides, a qual usa uma dupla redução ao absurdo, característica intrínseca do método
de exaustão, embora, nalguns casos, como o que vamos apresentar, ela não necessite de
ser feita. A manipulação de proporções, construindo o quarto proporcional, vai evitar
fazer duas reduções ao absurdo. A existência do quarto proporcional é garantida em
Elementos VI, 122; Euclides demonstra a existência do quarto proporcional para
segmentos de recta e partindo do caso particular de segmentos de recta facilmente se
generaliza a grandezas de qualquer tipo (Duarte, 1991).
Salientemos, ainda, que segundo Sá (2000), o método de redução ao absurdo
deve-se aos pensadores eleatas. Este método consiste em aceitar por momentos a
negação do pretendido e daí deduzir uma contradição.
Consideremos, então, dois círculos de áreas A e a e diâmetros D e d ,
respectivamente. Suponhamos que a proposição é falsa, então o círculo de área A está
para uma certa área X (diferente de a ) assim como D 2 está para d 2 , isto é,
A D2
=
.
X d2
Temos dois casos a considerar: X < a ou X > a .
Consideremos que X < a . Vamos aplicar o princípio de Eudoxo-Arquimedes
(Elementos X, 1) às quantidades a e a − X ( a > a − X ). Para isso inscrevamos no
círculo de área a um quadrado e designemos por E, F, G, e H os seus vértices (como
mostra a figura 6).
E
H
2
E
F
H
F
G
G
Figura 6
Figura 7
Elementos VI, 12: Encontrar o quarto proporcional de três segmentos dados.
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Se pelos pontos E, F, G e H traçarmos tangentes ao círculo obteremos um
quadrado (figura 7) cuja área facilmente se verifica ser dupla da do quadrado inicial,
pelo que a área deste último será superior a metade da área do círculo. Consideremos
agora os pontos K, N, M e L, pontos médios de cada um dos arcos EF, FG, GH, HE,
respectivamente, e tracemos os segmentos de recta que unem os pontos K, L, M, e N
com os extremos dos arcos de que eles são pontos médios (figura 8).
E
L
E'
K
E
K
H
F
F'
N
M
F
G
Figura 8
Figura 9
Se por K traçarmos a tangente ao círculo obtemos o rectângulo EE’F’F (figura
9) cuja área será dupla da do triângulo EFK, significa isto que esta última será superior
a metade da área do segmento de círculo EFK; um facto análogo se passa com cada um
dos triângulos FNG, GMH e HLE (figura 8).
Continuando com este processo de inscrever polígonos no círculo, acabaremos
por obter, de acordo com o princípio de Eudoxo-Arquimedes, um polígono cuja área,
que designaremos por p , subtraída a a (área do círculo) dará uma quantidade inferior a
a − X , isto é, a − p < a − X . Donde se conclui que p > X . Consideremos o polígono
semelhante àquele, mas inscrito no círculo de diâmetro D . Seja P a área deste último
polígono. Então,
P D2
= 2 , provado por Euclides com a proposição Elementos XII, 13.
p d
Estamos também a supor
D2 A
P A
= . Mas P < A , sendo P a área de um
= , logo
2
p X
d
X
3
Elementos XII, 1: Polígonos semelhantes inscritos em círculos estão entre si como os quadrados sobre
os diâmetros.
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polígono inscrito num círculo de área A , donde p < X , contrariamente ao que
tínhamos visto.
Logo, a hipótese de ser X < a não se poderá verificar.
O caso de ser X > a reduz-se ao anterior trocando o papel dos círculos de área
A e a ; com efeito,
A D2
X d2
= 2 é equivalente a
=
e existirá uma certa área Y , a
X d
A D2
existência do quarto proporcional sobre o qual Euclides aqui nada diz, tal que
X a
= .
A Y
De X > a conclui-se que Y < A , estando pois reduzidos ao caso anterior.
Logo X > a leva também a uma contradição.
Deverá, pois, ser X = a o que demonstra o pretendido.
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Considerações finais
Referimos já que o método de exaustão é também conhecido por Princípio de
Eudoxo-Arquimedes pelo facto de ter sido aperfeiçoado por Eudoxo e muito usado por
Arquimedes. No entanto, nem Arquimedes nem qualquer outro matemático grego
apresentam o método de exaustão sob a forma de um resultado geral, do qual os vários
resultados relativos ao cálculo de comprimentos, áreas e volumes fossem casos
particulares.
Parece, então, pertinente levantar a questão: Em que consiste afinal este método?
Vejamos a resposta dada a esta questão por Duarte (1991) e para tal tenhamos
presente a demonstração dada acima para as áreas dos círculos.
“Dadas duas figuras geométricas A e B pretendemos demonstrar que
a razão entre as suas áreas (ou volumes ou comprimentos, conforme o caso) tem
um certo valor d . Façamos o seguinte: Formemos duas sucessões de figuras
( An ) e ( Bn ) tais que a área de An e Bn estejam cada vez mais próximas da
área de A e de B respectivamente – daqui o nome de método de exaustão.
Em termos modernos os limites das áreas ( An ) e ( Bn ) seriam as áreas
de A e B , respectivamente.
As sucessões ( An ) e ( Bn ) deverão ainda ser tais que a razão entre as
áreas de An e Bn seja d (usualmente An e Bn são figuras semelhantes
inscritas ou circunscritas em A e B .
É claro que com a teoria dos limites o resultado pretendido estaria
demonstrado. No entanto, a ideia de limite implicava o recurso à noção de
infinito que o pensamento grego recusava. Por isso a demonstração era feita por
absurdo seguindo um processo análogo ao utilizado no caso do círculo:
tomando uma área X de forma que a razão entre a área de B e de X fosse d
e usando o princípio de Eudoxo-Arquimedes para mostrar que, supondo X
menor ou maior do que a área A , chegaríamos a uma contradição.”
Como facilmente deduzimos, era por intermédio deste método que, na
antiguidade, se tratavam questões de convergência (Sá 2000).
A matemática grega foi admirada especialmente pelo seu alto grau de rigor, mas,
por outro lado, os seus métodos não eram heurísticos; não eram adequadas para sugerir
ideias que permitissem atacar um problema novo (Grattan-Guinness, 1984).
Podemos pois, para finalizar, referir que este método levanta um problema: para
o utilizarmos precisamos de conhecer à partida o resultado a demonstrar.
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JOAQUIM ANTÓNIO PINTO
[email protected]
Porto, 05 de Janeiro de 2004
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