Artigo Este artigo analisa a complicada relação entre educação e psicanálise com base no primeiro estudo de caso de Melanie Klein, sobre "Fritz", o estudo de Freud do "Pequeno Hans" e um filme contemporâneo. Todos eles representam dilemas da relação criança-adulto, e o fazem através de surpreendentes questionamentos por parte das crianças sobre a sexualidade e a natureza da existência. Esses textos do arquivo introdu¬ zem também a questão de 'o que mais a educação pode significar quando se levam em conta a associação livre e o inconsciente?' Finalmente, o artigo reflete sobre o difícil conhecimento colocado pelo problema de se conhecer a história de alguém por meio da questão do Outro. Psicanálise c o m c r i a n ças; M e l a n i e K l e i n ; sexualidade; educação; difícil conhecimento O RETORNO DA "CRIANÇAQUESTÃO": U M A LEITURA D O FILME MA VIE EN ROSE A PARTIR DE MELANIE KLEIN 1 Deborah P. Britzman T r a d u ç ã o : L u c i a n a P é r e z de C a m p o s THE RETURN OF QUESTION READING Pires "THE CHILD": MA VIE EN ROSE THROUGH MELANIE KLEIN This paper analyzes the uneasy relationship between education and psychoanalysis by way of Melanie Klein's first case study of "Fritz,", Freud's study of "Little Hans" and a contemporary film. They all represent dilemmas in child/adult relations but do so through the child's startling questions about sexuality and the nature of existence. These archival texts also open a question of what else education can mean when free association and the unconscious are respected. Finally, the paper considers the difficult knowledge made from the problem of knowing one's history through the question of the Other. Child psychoanalysis; Melanie Klein; sexuality; education; difficult knowledge O ARQUIVO Vez por outra, u m a figura curiosa escapa 2 do arquivo psicanalítico . Pontalis (1981, p.95) cha- ma essa figura sinistra ( U n h e i m l i c h ) de "a criança- questão". Ele produz essa metáfora a partir da leitu- ra do p r i m e i r o e estranhíssimo relato de M e l a n i e Professora de Educação e diretora d o programa de pós-graduação em Pensamento Político e Social da no Canadá. Klein (1921) da análise de seu York filhoUniversity de cinco anos, no qual ela leva a cabo o que era chamado na épo- ca de u m a " e d u c a ç ã o p s i c a n a l í t i c a " . A n t e s de adentrar na essência dessa metáfora, vale, contudo, tecer um breve comentário sobre o lugar que esse artigo ocupa na história do a r q u i v o p s i c a n a l í t i c o , sobretudo o que ele i n a u g u r a para a prática psicanalítica e sua teoria, e para a educação. Existem, é preciso lembrar, outras crianças-questão, talvez a mais famosa delas - a primeira - foi o decepcionante estudo de caso de Freud (1909) do "Pequeno H a n s " . No entanto, Klein levou essa metáfora a surpreendentes proporções; seu relato afetou o arquivo psicanalítico de uma forma que o Pequeno Hans não pôde - mesmo tendo feito as mesmas perguntas a seus pais. E n q u a n t o o Pequeno Hans parecia justificar o uso da teoria psicanalítica, particularmente na estranha história da ação tardia da angústia infantil, o estudo de caso de Klein, por sua vez, abriu novas, e profundamente contestadas, visões para a teoria psicanalítica. 3 A t u a l m e n t e , o texto de Klein O Desenvolvimento de uma Criança apresenta-se como uma leitura estranha. Sua escrita é difícil de ser a c o m p a n h a d a e se p r o l o n g a em frases sem p r o p ó s i t o . O texto é, na realidade, composto de dois diferentes escritos, com dois anos de i n t e r v a l o entre eles. A p r i m e i r a parte, escrita em 1919, foi seu trabalho de qualificação para admissão na Sociedade de P s i c a n á l i s e de B u d a p e s t e . Esse t r a b a l h o r e p r e s e n t a a primeiríssima tentativa de Klein de relatar a análise de uma criança, e talvez de proferir outra justificativa à relevância do processo para a própria criança. Nesse texto, sua crença na educação psicanalítica e em seu objetivo de esclarecimento sexual é inabalável. Na parte 2 do artigo, entretanto, escrita alguns anos depois, Klein descarta essa crença e contesta sua insistência anterior na utilidade da psicanálise profilática. A crença na educação e, conseqüentemente, no esclarecimento - Aufklärung - do qual a educação era tida como representante torna-se ambivalente. Olhado de forma retrospectiva, esse relato também inicia uma guerra de artigos nas eternas discussões que a autora trava com Anna Freud . Ao longo de suas vidas, Melanie Klein e Anna Freud discordariam sobre como interpretar a luta entre realidade e fantasia na análise infantil. Anna Freud (1928) achava que se a fantasia era o tópico do diálogo psicanalítico, a analista devia, com o intuito de educar, aproximar a criança da tarefa do teste de realidade. No começo, Klein concordou. Mas, em 1923, teve profundas dúvidas sobre o que o analista devia interpretar. Ao longo de suas longas carreiras, essas fundadoras da análise de crianças discutiram sobre o lugar da educação no diálogo psicanalítico com crianças. Q u a n d o O Desenvolvimento de uma Criança foi reeditado, nas obras completas de Klein (1975), c o n t i n h a u m a nota de rodapé, a c r e s c e n t a d a em 1947, que n e g a v a c o m m a i o r v e e m ê n c i a seu primevo otimismo no papel da educação na psicanálise. Nessa nota, 4 a autora caracteriza sua antiga crença como algo "necessariamente ligado ao seu c o n h e c i m e n t o p s i c a n a l í t i c o da época". Ela parece sugerir que o arquivo não envelhece bem e que, em nosso retorno a ele, devemos interpretar o status de seu conhecimento, outrora e agora. O artigo causa estranhamento também porque Klein analisa seu próprio filho - uma prática aceitável naquele tempo -, embora esse fato seja disfarçado em sua sinopse do estudo de caso. Seu filho Erich transforma-se no garoto "Fritz" do artigo e Klein passa então a se referir a si mesma na terceira pessoa. Mesmo Klein descrevendo esse seu p r i m e i r o t r a b a l h o como " e d u c a ç ã o com feições analíticas", podemos dizer, em retrospectiva, que esse artigo também representa o início da técnica psicanalítica do brincar de Klein, na qual interpretar as fantasias e angústias das crianças tem precedência em r e l a ç ã o a q u a i s q u e r t e n t a t i v a s educativas. Aliás, nesse primevo estudo de caso, p o d e m o s v i s l u m b r a r o i n í c i o do esforço de Klein para escutar analiticamente, para interpretar não as questões literais que eram form u l a d a s pelas crianças, mas aquelas que eram deixadas sem formulação. Dessa forma, a metáfora da "criançaquestão" torna-se rica em possibilidades, i m p r i m i n d o à fantasia inconsciente p r o f u n d i d a d e e surpreendente força e insistência. Assim, Klein começa uma educação psicanalítica com seu filho, com a i d é i a de esclarecê-lo sobre o que ela chamava de "questões de ordem sexual". Ao responder quaisquer de suas questões com honestidade, Klein pensava ajudá-lo a prevenir que ele tivesse um futuro de tendências neuróticas, além de, uma vez por todas, liberar a sexualidade de sua aura de m i s t é r i o e de g r a n d e p a r t e de seu perigo (1-2). Mas seu filho já havia s i n a l i z a d o seu d e s c o n t e n t a m e n t o ; n e l e , estava já p o s t a , na v i s ã o de Klein, uma certa inibição da curiosidade. Originalmente, Klein interpretou o apego de Fritz à superstição, à figura fantasiosa do "Coelhinho da Páscoa", e, dessa forma, à fé absoluta de que seus desejos seriam atendidos, como se ele tivesse p a r a d o de pensar. De fato, Fritz não q u e r i a que seus desejos e teorias fossem testados pelo c o n h e c i m e n t o do a d u l t o : ele não queria ser esclarecido. Mas ele também não queria esperar a experiência tornar-se história. As coisas se t o r n a m u m t a n t o absurdas. A um certo ponto, o garoto de cinco anos, Fritz, acredita que é um c o z i n h e i r o gourmet, que fala francês fluentemente e pode consertar quaisquer objetos que tenham se q u e b r a d o . E n q u a n t o Klein e x p l i c a pacientemente que ele não pode fazer nenhuma dessas coisas - que ele precisa aprender - , Fritz responde calmamente: "Se me mostrarem como se faz uma vezinha só, eu posso fazer isso muito bem!" Ele se agarra firmemente a esse belo refrão; é sua últim a p a l a v r a . A l g o s o b r e ter q u e aprender é omitido e Klein coloca o que está sendo deixado de lado sob o título assombroso de "A resistência da criança ao esclarecimento". É possível, eu acho, perguntar a que exatamente está r e s i s t i n d o , já que outras partes desse primeiro artigo colocam a luta de Fritz sob o grande tema da existência. Ou seja, Fritz se pergunta sobre a natureza da realidade e seus julgamentos, a qualidade d o t e m p o , da h i s t ó r i a , e da memória, a definição de seus direitos e p o d e r e s , o f u t u r o de s e u s desejos e esperanças, o s i g n i f i c a d o do n a s c i m e n t o e da m o r t e , e se Deus existe. Esses são p r o b l e m a s delicados que nos levam ao domínio sonhador da tentativa de simbolização de nosso encontro tanto com a realidade q u a n t o com a fantasia. E se Fritz agora está se parecendo u m pouco com o filósofo Kant, tentando conhecer as coisas-em-si-mesmas e a toda hora se c h o c a n d o contra sua própria subjetividade; essas questões forçam Klein a chegar mais próximo do que nunca de seus próprios desejos por e s c l a r e c i m e n t o . E é a partir dessa confrontação que emerge a figura da criança-questão. Será que Fritz estaria interessado em tentar distinguir entre suas fantasias e sua realidade? O que pode o conhecimento significar nessa divisão? Por que ele se agarrou tão firmemente a suas explicações sobre como o mundo deveria funcionar? Talvez Fritz estivesse desconstruindo as duas esferas e isso o estava detendo. Embora Klein comece a pensar sobre onipotência infantil - um modo de pensamento teimoso, que mesmo enterrado por ter de crescer, é a i n d a preservado através de nossos desejos por aprendizado e existência -, ela está t a m b é m no p e r c u r s o de sua p r ó p r i a educação como a n a l i s t a , e quiçá como mãe. Estranho, então, u m e s t u d o de caso, que a refreie q u a n t o a educar seu filho, retome sua confrontação com sua p r ó p r i a educação: não o esclarecimento, mas a natureza (inconsciente) da existência enquanto tal. S u p o n h a m o s q u e o p o n t o de vista inicial de Klein, ao qual ela primeiro chamou de "educação psicanalítica", não esteja além de nosso próprio arquivo, a pedagogia contemp o r â n e a c e n t r a d a na c r i a n ç a . Lá, a c u r i o s i d a d e da c r i a n ç a d e t e r m i n a o currículo, o professor profere conhecimento para o uso da criança, o conhecimento é a descoberta de como as coisas funcionam e a intervenção do adulto segue os passos das preocupações das crianças e, dessa forma, a u x i l i a em sua a l t e r a ç ã o . N ã o é o caso de dizermos que esses objetivos educacionais não valham a pena; embora eles sejam facilmente desviados por t u d o que exceda o l i t e r a l , em outras palavras, nossa resistência para tudo mais que a curiosidade sinaliza. Q u a n d o essa orientação sobre como o c o n h e c i m e n t o se faz o r g a n i z a a educação psicanalítica, os esforços do adulto em guiar a criança excluem a percepção do trabalho do inconsciente. De o n d e vem a c u r i o s i d a d e de alguém e o que a interrompe precocemente? Se a l g u m a coisa e s t r a n h a aconteceu a Klein no seu c a m i n h o em direção à sua educação - se, brevemente falando, ela encontrou "uma criança-questão" - , algo difícil também acontece com a educação. Klein tinha dificuldade em conceber a natureza da curiosidade - de onde ela vem, o que representa, como ela se desprende de seu objeto e, assim, o que significa apressar essa facilidade. Essas questões também avivaram algo novo sobre sua p r ó p r i a c u r i o s i d a d e ; Klein descobriu, com a resistência da criança ao esclarecimento, sua própria resistência ao que m a i s a c r i a n ç a p e r g u n t a v a . Nós e s t a m o s e n t r a n d o n o d o m í n i o psicanalítico da transferência: a troca de desejos inconscientes, o deslocamento de nosso primeiro amor para figuras de autoridade, a transposição de equivalências simbólicas de conflitos antigos e reprimidos para a compreensão de novas situações. Significantemente, Freud (1912) escreve sobre transferência como u m a d i n â m i c a , u m a relação, e associa sua indelével assinatura à permissão de investigação. Ao tentar saber algo novo, nosso arq u i v o p s í q u i c o é aberto. A t r a n s f e r ê n c i a , escreve Freud, nasce do "compromisso entre as demandas da [resistência] e as do trabalho de i n v e s t i g a ç ã o " (Freud, 1912, p. 103). A l g u m a coisa dentro do p r ó p r i o t r a b a l h o de i n v e s t i g a ç ã o resiste e i n s t i g a suas próprias demandas. E, em psicanálise, essa resistência pode simb o l i z a r u m p a r a d o x o : há m i s t é r i o na s e x u a l i d a d e e o conhecim e n t o não pode retirá-lo. M a s há t a m b é m m i s t é r i o no conhecimento porque nós temos sexualidade. E nesse ponto que nossa educação i l u s ó r i a fracassa e naufraga. Ao ler esse primeiro estudo, pode-se ficar i m p a c t a d o com a qualidade insolúvel das questões de Fritz e talvez perguntar qual tipo de trabalho essas questões tentavam realizar. De certa forma, as exaltadas respostas de Klein a seu filho parecem indicar que ela também foi capturada por esse mistério. Fritz pergunta: "Como os olhos ficam dentro? Como uma pessoa ganha a sua pele?". Ocorre então u m a outra questão: " Q u a n d o serei m a m ã e ? " . No entanto, mesmo se Klein tentasse respondê-las (e, em breve, veremos as estranhas discussões que suas tentativas produziram), seu filho se recusava a acreditar nela. E Klein passou a acreditar que a prova preferida não era critério para o estabelecimento de u m a realidade convincente. A realidade teria que passar pela resistência e pela investigação. As questões dessa criança desafiavam tanto a imaginação dos adultos quanto as noções convencionais de tempo. Afinal de contas, como você poderia responder à preocupação: onde eu estava antes de nascer? Ou ainda, quando o garoto se tornará uma mamãe? Cada questão assemelha-se ao negativo de uma fotografia. As qualidades particulares das perguntas que ele tentava formular como, por exemplo, como me mantenho inteiro? o que acontecerá comigo por que eu sou eu? e em que sou parecido com você? podem ser suavemente agrupadas sob o signo da existência enquanto tal. A questão inconsciente pode ser: o que posso fazer porque fui feito? Até que essa série, ao mesmo tempo estranha e familiar, de preocupações pudesse ser testemunhada, tanto Klein quanto seu filho estavam capturados pelo resplendor do Esclarecimento. Quanto mais a criança perguntava, e mais a mãe respondia, mais ansio¬ 5 so, repetitivo e estereotipado tornava-se o d i s c u r s o d e l e s . A p r ó p r i a educação psicanalítica, que implicava e x p a n d i r a c u r i o s i d a d e , tornou-se para mãe e filho algo como uma inibição intelectual. Observe-se a conversa entre Melanie Klein e seu filho no tópico de como são feitos os bebês. Klein ofereceu essas explicações na linguagem da criança como uma forma de ajudar seu filho a desistir de sua teoria de que os bebês são feitos de leite. C o n t u d o , a l i n g u a g e m da criança é bastante engenhosa na medida em que pode sustentar suas primeiras teorias. Afinal de contas, leite tem, de fato, algo a ver com isso tudo. " Q u a n d o começo a falar novamente do ovinho, ele interrompe: 'Eu sei disso.' Eu continuo: 'O papai faz uma coisa com o pipi dele que realmente parece com leite e que se chama semente; ele faz isso como se estivesse fazendo pipi, mas só que u m pouco diferente. O pipi da mamãe é diferente do do papai' (ele me interrompe) 'Eu sei disso!' Eu explico: 'O pipi é que nem um buraco. Se o papai bota o pipi dele dentro do pipi da mamãe e faz a semente lá, então a semente corre mais fundo para dentro do corpo dela e q u a n d o se encontra com um dos ovinhos que estão dentro da mamãe, o ovinho começa a crescer e se transforma numa criança.' Fritz ouviu com grande interesse e disse: 'eu queria tanto ver como u m a criança é feita lá dentro desse jeito.' Eu explico que isso só vai ser possível q u a n d o ele crescer, pois não pode acontecer antes, mas que então ele mesmo vai poder fazer. 'Mas então eu queria fazer isso com a mamãe'. 'Isso não pode, a mamãe não pode ser sua mulher porque ela já é mulher do papai, e aí o papai ia ficar sem mulher'. 'Mas nós dois podíamos fazer isso com ela.' Eu digo: 'Não, isso não pode. Cada homem só tem uma mulher. Q u a n d o você estiver grande, a mamãe vai estar velha.' ... 'a m a m ã e sempre vai amar você, mas ela não pode ser sua mulher.' ... No final, (ele) disse: ' M a s , uma vez só, eu queria ver como a criança entra e sai." 6 Há alguns graciosos momentos de déja'vu em toda essa confusão entre tempo e timing, assim como de agudeza, quando Klein percebe como essas explicações deixavam Fritz sozinho e triste. Além disso, vale notar o estranho traço de confiança de Fritz: o "Eu sei disso!" e seu desejo de ser elucidado uma vez que pudesse fazêlo por si m e s m o . Essas colocações p o n t u a m e m a n t ê m em suspenso o pedido de sua mãe. Klein coloca essa conversa sob o título de "A resistência da criança ao esclarecimento". A g r a m á t i c a da r e s i s t ê n c i a se m o v e para a frente e para trás: o conhecimento da mãe depende da aceitação por p a r t e de seu f i l h o do f u t u r o p e r f e i t o . Q u a n d o F r i t z se t o r n a r adulto, ele poderá fazer essas coisas. Mas a promessa do tempo é insufic i e n t e p a r a a u r g ê n c i a do t e m p o presente e para a ação retardada do passado perfeito da lógica da criança. Há também a paixão entre mãe e filho, um mistério de vulnerabilidade que roça as bordas da linguagem. 7 De fato, a vulnerabilidade de mãe e filho reside na linguagem e é levada por ela. Mesmo que o adulto use as mesmas palavras que a criança, ele pode estar a s s u m i n d o o que Michel Balint (1992) chama de "nível edípi¬ co da linguagem", quando "as interpretações do analista são vivenciadas como interpretações pelo paciente." Fritz, vale recordar, recusa interpretação ao afirmar "Eu sei disso!". Da mesma forma faz Klein, já que suas respostas são uma tentativa de instalar, através do conhecimento, a realidade que se esquiva de Fritz. Balint está precisamente interessado no momento em que a l i n g u a g e m é usada para s u b s t i t u i r o o u t r o . Ele sugere que, a l g u m a s vezes, a interpretação do a n a l i s t a n ã o p o d e ser r e c e b i d a pelo analisando como uma interpretação. Nesses casos, então, a linguagem do a n a l i s t a é p e r c e b i d a c o m o se o analista estivesse castigando, alertando e perseguindo o analisando. Isso também faz parte da transferência: o conflito psíquico carregado pela linguagem é sentido antes da compreensão. O nível edípico da linguagem ocorre q u a n d o a diferença é m u t u a m e n t e assumida, quando, mesmo se a linguagem n ã o é tão a d e q u a d a , ela pode g r a d u a l m e n t e ser aceita c o m o u m a forma de construir entendimento de estados afetivos não muito facilmente a c o m p a n h a d o s por p a l a v r a s . B a l i n t c o m p a r a o nível edípico da l i n g u a gem - nossa facilidade e interesse no problema da interpretação e diferença - com o que vem antes disso: u m a literalidade terrível, um colapso entre a coisa e o que tenta representá-la. Essa é a literalidade que Klein (1930) c h a m o u de " e q u a ç ã o s i m b ó l i c a " , quando o símbolo é realidade. O p r o b l e m a é que há, o que Ferenczi (1933) notou, " u m a confusão de líng u a s " entre o adulto e a criança. A l i n g u a g e m do a d u l t o n ã o consegue apresentar-se como uma interpreta- ç ã o , ou como u m a construção. Assim, a l i n g u a g e m é recebida c o m o se ela p u d e s s e i m p o r a r e a l i d a d e . Klein por fim e n t e n d e r i a que n ã o é possível defrontar-se com a "criança-questão", se o a d u l t o recorrer a explicações p r e m a t u r a s , defender-se de forma c o n v e n c i o n a l , ou desejar esclarecer. Pode-se dizer que onde há linguagem, há defesa contra a l i n g u a gem. Essa trajetória - uma questão é feita, u m a resposta é oferecida, e, então, a i g n o r â n c i a s i m u l a d a deixa nebulosa qualquer tentativa de diálogo - é p r ó x i m a d o m o d o c o m o Freud (1900) descreveu a defesa da "Chaleira" em seu livro Interpretação dos Sonhos. Nessa passagem, um homem empresta a chaleira de seu vizinho e a devolve quebrada. "O defensor afirma primeiramente que nunca a devolveu quebrada; em uma segunda vez, a c h a l e i r a t i n h a u m furo q u a n d o ele a e m p r e s t o u , e, n u m a terceira vez, ele nunca havia pegado emprestada chaleira nenhuma de seu vizinho. Quanto mais melhor: se ao menos u m a dessas três linhas de defesa fosse aceita como válida, o homem teria de ser absolvido" . Veja a defesa de F r i t z : sua r e s p o s t a está equivocada, eu n u n c a perguntei sobre essa questão, eu já sabia disso. A discussão de Alice Pitt sobre o chiste da chaleira levanta um paradoxo-chave das relações e d u c a c i o n a i s : "Para que a fala funcione como u m a revelação, algo acontece que é completamente novo e inesperado; a revelação transforma o ego." Se a questão for para t r a n s f o r m a r , ela deve in¬ 8 fluenciar a própria natureza da resposta. M e l a n i e Klein por fim entendeu que a criança-questão transforma o c o n h e c i m e n t o do adulto, assim como seu ego e sua capacidade de reflexão. A criança-questão questiona o desejo do adulto e não há n e n h u m álibi para nossos desejos. Originalmente, Klein credita muito valor ao papel da educação psicanalítica na cura da ignorância e, talvez, até mesmo dos erros da existência. Ela achou que a persuasão racional conseguiria transformar a mente de seu filho, que ela poderia dissuadi-lo de suas teorias através das palavras, e dessa forma resolver para ele os mistérios da sexualidade. Mas, ao testemunhar as questões de seu filho, ela se deu conta de u m a certa repetição no conteúdo do que seu filho perguntava e no modo como ela respondia. Estamos de volta à busca do problema da existência. Fritz pergunta: "Onde eu estava antes de nascer?... C o m o uma pessoa é feita? ... Para que precisamos de um papai? ... Para que precisamos de uma mamãe?" Q u a n t o mais Klein explicava, menos a criança pensava. E Klein observou: "Uma certa 'dor', uma falta de desejo para aceitar (contra o que seu desejo pela verdade lutava) foi o fator determinante de suas freqüentes repetições da questão." Onde há existência, há uma certa dor, uma ambivalência. Todas as questões de Fritz começam com o questionamento: "como eu fui feito, de onde eu vim?" Essas questões, Klein passou a suspeitar, eram também um apelo inconsciente à história a i n d a não formulada: "O que posso fazer a partir de como fui feito?" Escutar a questão inconsciente significava, para Klein, virar as costas para o ajuste da realidade, e d u c a d a m e n t e c h a m a d o de " e s c l a r e c i m e n t o " , e colocar-se o m a i s p r ó x i m o possível da a n á l i s e das f a n t a s i a s . R e s p o n d e r às questões de seu filho com suas próprias verdades convencionais cedeu lugar a interpretar as questões em duas l i n h a s : na l i n h a das defesas e na l i n h a dos desejos inconscientes tanto do filho q u a n t o da mãe. Quais são então as características da criança-questão? Em primeiro lugar, as questões da criança-questão veiculam conhecimentos difíceis. Apesar de tudo indicar contrariamente, a criança-questão é capaz de pensamentos bizarros, de devolver aos adultos a resistência curiosa de sua própria linguagem edípica. A questão enerva o conhecimento do adulto, mexe com sua ansiedade e talvez seu impulso de oferecer a "defesa da chaleira". Na opinião de Adam Philip (1998), encontrar o que é inesperado requer sintonia com "algo de valor: uma atenção para a irregularidade, a excentricidade, a imprevisibilidade do que cada pessoa faz com o que recebe - a s i n g u l a r i d a d e i n a t a da h i s t ó r i a d i s t i n t i v a de cada pessoa". Estamos de volta à questão da existência: o que posso fazer por¬ que fui feito? "Não é uma questão de indiferença à nossa liberdade," escreve Richard Cohen em sua discussão sobre ética em nossos tempos, "o fato de que 'somos 9 nascidos ' e não causados, e por necessidade temos pais." Nossa liberdade é inexplicavelmente ligada ao outro, mesmo cada u m de nós percebendo a singularidade do laço que nos liga. Nossa criança-questão devolve ao adulto suas próprias prescrições e ansiedades, talvez devolve até mesmo seus próprios pais. Nessa troca, várias coisas podem dar certo ou errado. A criança¬ questão oferece ao adulto u m teste de realidade não-usual: usar a questão da criança para encontrar a verdade da existência do adulto. A criança-questão testa a realidade do adulto ao questionar o c o n h e c i m e n t o do a d u l t o e sua p r o x i m i d a d e com a fantasia. Se t u d o der certo, para parafrasear Pitt, a fala poderá f u n c i o n a r como revelação, aliás como o começo de qualquer nova forma de interpretar o fato de existência. O que Klein percebeu como " u m a certa dor", uma falta de vontade de aceitar a verdade e u m desejo pela verdade ao mesmo tempo, anima o desejo. A verdade particular em jogo é, por fim, como cada u m de nós passa a entender n o s s a s i n g u l a r i d a d e i m p r e v i s í v e l em r e l a ç ã o à s i n g u l a r i d a d e imprevisível do outro. O erro particular e necessário, e isso nos traz de volta à questão da onipotência, é que "o ego confunde a si mesmo com o eu." (Green 2000, p. 19). Se pudermos chamar esse tipo de verdade de "existência e n q u a n t o t a l " , deve-se, afinal de contas, fazer uma ressalva, ao mesmo tempo em que se telegrafa o que Klein chamou de "uma dor particular". Qualquer tentativa de ajustar seu significado pode parecer um pouco como a defesa da C h a l e i r a . S i m , as coisas ficam absurdas, a l i n g u a g e m perde seu objeto; ocorre o que Ferenczi testemunhou como " u m a confusão de línguas". Contudo, também pode ocorrer prazer. O FILME T O C A N T E 1 0 Se no arquivo o tempo permanece parado, então vamos ao cinema. Lá, também, encontramos uma criança-questão e sua família. No filme Ma Vie en Rose (traduzido para " M i n h a Vida em Cor-de-rosa") aparece u m a outra criança-questão que se pergunta continuamente 'qual é a natureza da minha existência para m i m ? ' E, então, 'o que essa natureza tem a ver com reconhecimento e desentendimento?' A cena de abertura conta toda a história em m i n i a t u r a : u m garoto de sete anos, de forma c u i d a d o s a e bela, vestiu-se como uma garota e quer que os outros o vejam. O filme parece i n t e r r o g a r a p l a t é i a sobre como vão a c o m p a n h a r o desenrolar dessa história, assistindo ao desenrolar das personagens e testemunhando a história de seu próprio aprendizado se desenrolar. Qual é a natureza da educação aqui? Nosso garoto de sete anos, Lu¬ d o v i c , tem u m a q u e s t ã o u r g e n t e : " S o u u m g a r o t o ou u m a g a r o t a ? " Então, sua p r ó x i m a questão é u m a e s p é c i e de r e s p o s t a : " q u a n d o me transformarei em u m a g a r o t a ? " Ele conta à sua mãe o que ele acredita que vai acontecer porque se apaixonou por J e r o m e : "Ele vai se casar comigo quando eu não for u m garoto." Será que o a m o r transforma o ego? M a i s tarde, Ludovic tenta prever o futuro através da referência ao que a história descartou; ele elabora uma teoria do sexo a partir da aula de b i o l o g i a sobre c r o m o s s o m o X e Y que sua irmã lhe deu. Nesta oferta de e s c l a r e c i m e n t o , b i o l o g i a é sina, não i n t e r p r e t a ç ã o . A isso sua i r m ã acrescenta u m a a u t o r i d a d e : o texto da e s c o l a . A c o n f u s ã o de l í n g u a s provoca um estranho encontro, pois Ludovic ainda se pergunta: quais as p r o b a b i l i d a d e s dos c r o m o s s o m o s ? Será que eles são como dados lançados em direção ao caminho de u m a p e s s o a ? L u d o v i c b r i n c a c o m essa aula q u a n d o , logo após demonstrar seu prazer ao urinar sentado no vaso s a n i t á r i o , ele c o n t a a J e r o m e : "Eu sou um garoto-garota. Meu X para garota caiu dentro do lixo. Foi um erro científico." Sem ter responsabilidade alguma por isso, Ludovic precisa aguardar para que seu cromossom o p e r d i d o encontre seu c a m i n h o de volta para casa. Se a natureza pode se perder, ele parece dizer, é apenas a ciência que está enganada. Por u m tempo, os pais de Lu¬ dovic são flagrados na defesa da chal e i r a . Eles, aos p o u c o s , ficam sem ação, de t a m a n h a p r e o c u p a ç ã o : os v i z i n h o s estão começando a falar e afastar-se da família. Os vizinhos parecem culpar os pais por não terem o controle, por permitirem as identificações de Ludovic, e por respeitálo em p r i m e i r o l u g a r ! E a p e n a s q u a n d o a mãe vê Ludovic vestindo sua cueca de frente para trás que ela procura uma psicóloga, j u n t a m e n t e com o pai e Ludovic. A p s i c ó l o g a p e r g u n t a aos pais: "Vocês q u e r i a m u m g a r o t o ou u m a g a r o t a ? " E há um momento no consultório da psicóloga em que os pais se confrontam com sua c o n f u s ã o de desejo, por meio de uma pergunta não-formulada: "O que é que o desejo inconsciente dos pais significa para a criança?" O que os pais querem? Essa pergunta tem m u i t a força e a resposta deles é uma confusão de línguas. De que maneira o desejo dos pais retorna através do que a c r i a n ç a a m a ? Em u m a segunda cena, a psicóloga sugere que os pais esperem para ver e p e r m i t a m que Ludovic decida se ele quer voltar ao seu c o n s u l t ó r i o . Sua sugestão é sutil: retardem qualquer resposta para tornar possível a Ludovic elaborar sua questão. Deixe-o ter tempo de fazer u m a história, antes que ele tenha que se preocupar em fazê-la. A avó de Ludovic, que se recusa a envelhecer, conta à família: "Eu acho que devíamos deixá-lo viver sua fantasia." E por que não? Afinal de contas, todo m u n d o no filme está fazendo exatamente isso: a l g u n s vivem sua fantasia de perseguição, outros, como as bonecas encantadoras, Pam e Bem, são mágicos e neuróticos. Escutem a canção de Pam que o pai e Ludovic cantam em altos brados: "Eu a l m e j o ser feliz, é c o m o uma neurose!" A família tenta seguir o c o n s e l h o da a v ó , m a s a p e n a s como u m a terapia aversiva fracassada. Eles vão a uma festa com Ludovic trajando um vestido e explicam aos vizinhos: "Nós estamos deixando ele encenar sua fantasia para que se torne banal." Mas, é claro, a banalidade reside no cruel estado de ausência de p e n s a m e n t o dos o u t r o s . Ludovic, afinal de contas, está sempre pensando. L u d o v i c é s u s p e n s o da escola por causa de uma petição de pais e o diretor pontua: "Seu gosto é muito excêntrico para esta escola." Os vizinhos desaparecem também; o pai perde seu emprego; alguém picha na garagem da casa da família o seguinte aviso: "Vá embora garoto bicha!" e nossa criança-questão pergunta: "Por que é que os garotos bichas têm que ir embora?" A resposta de sua mãe repete a lógica da ameaça: "Bicha significa garotos que gostam de outros garotos." A mãe então corta o cabelo comprido de Ludovic. Vários outros eventos ocorrem e os pais parecem se alternar em suas descompensações. No entanto, o filme faz pouco por novas possibilidades: Ludovic e seus p a i s são d e i x a d o s c o m s u a s q u e s t õ e s . O f u t u r o de L u d o v i c como ele vai aprender a viver, quais as estratégias que ele vai elaborar, e c o m o os o u t r o s o a c o l h e m - deve esperar por u m outro filme, m u i t o embora nesse filme tocante o futuro m a l possa esperar. Se, p a r a v á r i o s adultos, o futuro já chegou e se faz presente através de sua ansiedade diante de Ludovic, ainda resta a admirável p e r g u n t a de L u d o v i c : o que fica dessa história? A Q U E S T Ã O DA HISTÓRIA Qual é então o tempo da história? "No que concerne à psicanálise", escreve André Green (2000) em u m a palestra sobre experiência e pensamento, "o histórico é u m a noção muito difícil de tratar." A razão dessa dificuldade tem a ver com qual é a história da psique e, de u m p o n t o de vista psicanalítico, existem realidades rivais. A definição de Green sintetiza u m p o u c o o que M e l a n i e Klein e, p r o v a v e l m e n t e , os a d u l t o s que circ u n d a v a m Ludovic tentaram encontrar. Pelo m e n o s p a r a a p s i q u e , a h i s t ó r i a é experienciada como u m a estranha combinação do "que aconteceu, do que não aconteceu, do que poderia ter acontecido, o que aconteceu com uma outra pessoa que não eu, o que não poderia ter acontecido e... uma afirmação que ninguém teria nem i m a g i n a d o como representação do que realmente aconteceu" (Green, 2000, p.2-3). Na avaliação sonhadora de Green, é difícil separar, de u m a vez por todas, a experiência de um evento de nossas esperanças e decepções. Essas escolhas libidinais são fascinantes e, às vezes, persecutórias em seu alcance. Elas sugerem u m a outra visão sobre o que Melanie Klein ent e n d e u p o r " u m a c e r t a d o r " , em que, ao mesmo tempo, se quer e não se quer a verdade. Nessa outra visão, o tempo c o n v e n c i o n a l é deslocado; em seu lugar fica um curioso cálculo da questão que vimos c h a m a n d o de existência enquanto tal. Nesse cálculo, novamente, o que Phillips chama de "uma atenção para a irregular i d a d e (...) do que cada pessoa faz com o que recebe" é que parece provocar g r a n d e confusão no m u n d o . Os pais de Ludovic estão preocupados com a vida de Ludovic e como será seu futuro. Talvez eles desejem poupá-lo do o s t r a c i s m o , da dor de viver a diferença em tantas direções. Talvez eles se sintam fracassados por não terem sido capazes de entender ou i n f l u e n c i a r seu desejo, e talvez haja, a i n d a m e s m o , u m certo l u t o pela p e r d a do que eles d e s e j a v a m para seu filho. Mas não há esclarecim e n t o para Ludovic; ele é tão teimoso q u a n t o seu predecessor neste artigo, Fritz, e, dessa forma, resistente, não ao que Melanie Klein primeir a m e n t e c h a m o u de os p e r i g o s e m i s t é r i o s da s e x u a l i d a d e " , m a s à idéia mesma de escolher uma história antes que ela possa ser testada. Pareceme que Ludovic quer ser reconhecido ao mesmo tempo em que reconhece a si mesmo. E ele pode responder "Eu sei disso!" com tanta facilidade quanto seus predecessores neste a r t i g o , Fritz e o Pequeno Hans. Se a história é tão complicada, se ela é o nó feito entre a m i s t u r a de realidade e fantasia, há também, na psicanálise, algo bastante simples sobre isso. Por v o l t a da época em que Melanie Klein estava completan¬ do a segunda parte do estudo de caso de Fritz, S i g m u n d Freud retornou ao seu "Pequeno Hans" para acrescentar um pós-escrito. Freud relatou o caso primeiramente em 1909. Em 1922, um "Pequeno Hans" de 19 anos se encontrou com Freud de novo, para dizer que leu o estudo de caso, mas mal pôde se reconhecer ali. Nem pôde lembrar qualquer coisa sobre sua inibição intelectual e pesquisas sexuais, disse ainda que, ao ler "Pequeno Hans", ele pensou se Freud estaria mesmo descrevendo a si mesmo com cinco anos de i d a d e . O que r e a l m e n t e o adolescente H a n s l e m b r a v a ? Freud escreveu: "Portanto a análise não preservou os eventos da amnesia, mas foi tomada pela amnesia ela mesma." (Freud, 1909, pp. 148-149) Exceto pelo fato de haver algo de que Hans se lembrava, e que agitou sua memória quando retornou a uma cidade que visitara uma vez quando criança e a qual associou a Freud. Esse pós-escrito u n i u d o i s p e d a ç o s da h i s t ó r i a : p r i m e i r o Freud usou essa ocasião para lembrar seus leitores que, q u a n d o "Pequeno Hans" foi publicado pela primeira vez, ele causou indignação social; muitos culparam a psicanálise por roubar a inocência das crianças e por falar sobre curiosidade e teorias sexuais das crianças. O público temeu o futuro e sentiu que a psicanálise, por escavar o passado, teria arruinado o que viria depois. Mas lá estava Hans, já crescido e bem. O segundo pedaço da história referido por Freud é paradoxal. Nós temos história, porque temos esquecimento. E a forma como esquecemos é próxima ao que Freud chamou de "dormindo". O pós-escrito conclui: "Qualquer pessoa familiarizada com a psicanálise pode, de vez em quando, experimentar algo semelhante quando está d o r m i n d o . Ele será acordado por u m sonho, e decidirá analisá-lo naquele exato momento; ele então dormirá de novo sentindo-se suficientemente satisfeito com os resultados de seus esforços; e, na próxima manhã, sonho e análise serão igualmente esquecidos" (Freud, 1909, p.149). Que esquisito, então, é encontrar u m a criança-questão e não interrogar a criança, mas sim a história da questão. Talvez devêssemos rever a ú l t i m a descrição de Green da história da psique. Lá Green escreveu: "uma afirmação que alguém nunca tinha nem sonhado como representação do que realmente aconteceu." Aqui, podemos escrever "uma afirmação que sonhamos e então esquecemos." Ainda existe a questão da existência apresentada pelo a r q u i v o e filme: o que acontece c o m i g o sem que eu mesmo(a) perceba? • REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS B a l i n t , M. ( 1 9 9 2 ) . peutic Aspects Northwestern Britzman, Mel a me Histories Fault: Thera- Evanston: U n i v e r s i t y Press. D. P. After Freud, tic The Basic of Regression. Education: Klein Psychoanaly- ot Learning. s i t y of New York Anna and State Univer- Press, A l b a n y for- thcoming. C o h e n , R. ( 2 0 0 1 ) . Ethics, losophy: Exegesis Interpretation and after Phi- Levinas. C a m b r i d g e : C a m b r i d g e U n i v e r s i t y Press. F e r e n c z i , S. ( 1 9 3 3 ) . C o n f u s i o n between Adults and L a n g u a g e of T e n d e r n e s s Contemporary of T o n g u e s the Child: and The Passion. Psychoanalysis 24(2), a b r i l , pp. 196-206, 1988. Freud, S. ( 1 9 5 3 - 1 9 7 4 ) et col. The Edition ot the Works of Sigmund Standard Complete Psychological Freud. 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Por p l o , o p a i de H a n s em de c a s o é a e cartas que o Freud. é Freud ção e e n t ã o u m a a n á l i s e . O P e q u e n o o r i g i n a l m e n t e apresentada na e (p. 3 0 ) Naves. NOTAS so- respon- dos saber' sua nos como demandas Children's 1995. crianpesade- de d o r da f a m í l i a ' p o r confusas." da e inscreveu melodia breviventes, questões (Catherine Cullen e Philip Cullen, t r a n s . ) Nova tocou familiar, sobrevivên- o adulto: "Quando o fantasmagórica que dessa a criança-ques- sua h i s t ó r i a m a i s e s p e c i f i c a m e n t e sobre sua ça e n e r v a m mas uso (1999) fizeram tão é c u r i o s a s o b r e ainda P o n t a l i s , J . - B . ( 1 9 8 1 ) . Frontiers nalysis: Enga- and R e v i ¬ Studies), e Keon cia ao h o l o c a u s t o . of In K a t h l e e n W e i l e r (ed. Feminist gements: Robertson notar o interessante i m a g e m . P a r a os a u t o r e s , Nur- Other Iorque: Pantheon biography: 1-53. Lawrence. Beast and P i t t , A. ( 2 0 0 1 ) . The pp. as a p o s t a s " do d i á l o g o p s i c a n a l í t i c o , vale também e s c r e v e u : "No exem- dia pri- m e i r o de m a i o , H a n s v e i o a m i m na hora College, em Nova Iorque, no dia 3 de outu- do a l m o ç o e d i s s e : S a b e o quê? V a m o s es- bro de 2 0 0 1 . A pesquisa desse a r t i g o foi fi- crever a l g u m a coisa para o Professor" n a n c i a d a pelo Social Science and Humaniti- 97). Hans es R e s e a r c h C o u n c i l of C a n a d a (Conselho uma q u e r i a q u e seu p a i fantasia. de Pesquisas em C i ê n c i a s Sociais e H u m a n i - 4 d a d e s do C a n a d á ) sob o t í t u l o meu p r ó x i m o "Conheci- m e n t o d i f í c i l no e n s i n o e a p r e n d i z a d o : questionamento um p s i c a n á l i t i c o " , grant # 410- 98-1028. Gostaria também de agradecer J o n a than S i l i n pelo convite para participar mesa Recupero Freud, uma Klein debate Education: and em Anna Psychanalytic que será p u b l i c a d o pela The Sta- te U n i v e r s i t y New York Press, A l b a n y . 5 longo desse a r t i g o estarei citando porção de p s i c a n a l i s t a s q u e utilizam para l i v r o After da redonda. a i m a g e m da c r i a n ç a - q u e s t ã o esse i n t e r e s s a n t e Melanie Histories, Klein parafraseia questões. Ao (p. registrasse "abrir O a maioria fraseamento dessas original ser e n c o n t r a d o n a s p á g i n a s 8-9 de O senvolvimento de são e m inglês). uma Criança (na pode Dever- 6 N.T. R e c o r t e da t r a d u ç ã o tuguês Klein, outros feita por André para o por- Cardoso, M . Amor, Culpa e Reparação trabalhos. Rio de J a n e i r o , In e RJ: Imago, pp. 55-6. 7 N.T. No o r i g i n a l " t e n s e " q u e se refere ao t e m p o v e r b a l . 8 N.T. T o d a s as t r a d u ç õ e s de c i t a ç õ e s feitas daqui em diante foram feitas por mim. 9 N.T. A e x p r e s s ã o "ser n a s c i d o " é c o r r e t a em i n g l ê s , e, e m b o r a cia não tenha equivalên- em p o r t u g u ê s , o p t e i por m a n t ê - l a dessa forma p a r a e f e i t o de p r e c i s ã o da i d é i a de assujeitamento ao p r o c e s s o . 10 N.T. No o r i g i n a l "The m o v i n g p i c t u r e " abre para m ú l t i p l o s s i g n i f i c a d o s q u e t a m t a n t o p a r a a q u a l i d a d e de to de u m filme quanto para a qualidade c o m o v e n t e , t o c a n t e , e m o c i o n a n t e do em q u e s t ã o . apon- movimen- filme